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A autonomia da vontade e os contratos internacionais

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Agenda 20/02/2014 às 08:23

5 Condições de validade

Para a formação válida de um contrato internacional do comércio, bem como dos contratos em geral, é necessário que em seu conteúdo constem: a) as partes devidamente qualificadas; b) o objeto, de maneira explícita e pormenorizada; c) as diferentes estipulações avençadas; e d) as sanções, expressamente previstas. O consentimento também é aspecto primordial em qualquer contrato. Assim, um negócio será nulo se não houver o acordo dos contratantes. A vontade das partes deve ser real, efetiva, consciente e livre. A inexistência de tais requisitos pode ensejar ações anulatórias[83].

Irineu Strenger entende que, na prática do comércio internacional, as manifestações de vontade não precisam ser formalizadas em contratos especialmente elaborados, sequer há a necessidade da presença física das partes. Assim, as partes podem recorrer ao telex, telegrama ou telefone, apesar de tais ferramentas não serem as mais indicadas para contratos importantes, visto que um contrato fechado por esses meios, poderá ter dificuldades na determinação do momento em que se formou definitivamente, ou seja, terá dificuldades em definir se ainda é ou não possível a retratação, se a partes eram capazes à época da celebração do contrato, a fixação do tribunal competente. Destaca Irineu Strenger: “Jurisprudencialmente, salvo convenção das partes fixando o lugar e a data da conclusão do acordo, os tribunais consideram, em geral, que o contrato é formado no lugar onde a oferta foi aceita”[84].

Irineu Strenger conclui que, “genericamente, as condições de validade de um contrato podem ser fundadas tanto na ordem interna como na internacional, sendo certo que a ordem pública internacional somente se convalida mediante tratados, convenções ou acordos, ou por força de leis imperativas nacionais”[85].

Zulmar Neves confirma que os pressupostos de um contrato internacional sejam os mesmo de um nacional, ou seja, os requisitos do art. 104 do Código Civil, quais sejam:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

E continua dizendo que as intenções de um contrato são mais importantes do que todas as cláusulas. O objeto, seus motivos, o que cada parte espera do contrato – são fundamentais. Afinal, segundo Zulmar Neves, é isso que será discutido numa situação de execução. Destaca ainda que o preâmbulo do contrato deve ser extremamente claro, pois este será a base para o entendimento, interpretação e discussão das cláusulas do contrato.

Por fim, explica ainda que, exceto que algum dos países envolvidos exija forma específica (o que é raro) para a formalização do contrato, qualquer instrumento é válido (fax, e-mail, carta ou guardanapo de restaurante), desde que o escrito seja a expressa manifestação da vontade das partes[86].

5.1 Contratos internacionais virtuais

Comércio Eletrônico[87]: o comércio de mercadorias que atravessam fronteiras por meios eletrônicos é uma nova esfera do comércio, em que a produção, publicidade, venda e distribuição dos produtos é realizada através das redes de telecomunicações. Segundo a OMC, os exemplos mais evidentes de produtos distribuídos eletronicamente são livros, música e vídeos, transmitidos através de linhas telefônicas ou de Internet.

Na Declaração sobre o Comércio Eletrônico Mundial, adotada pela Segunda Conferência Ministerial da OMC (Genebra), celebrada em 20 de maio de 1998, instalou-se o Conselho Geral da OMC que estabeleceria um programa de trabalho amplo para examinar todas as questões relacionadas com o comércio eletrônico mundial que afetavam tal comércio. De antemão, os membros da OMC acordaram que manteriam a prática vigente de não impor direitos aduaneiros sobre as transmissões eletrônicas[88].

Ângela Brasil vê os contratos internacionais feitos através da Internet como uma preocupação recente, sendo que considera essa área do direito, vital para o desenvolvimento do e-commerce e para a tendência de formação de holdings virtuais, que juridicamente se traduzem em processos integracionistas, como o Mercosul[89].

A autora entende que a escolha do direito aplicável ao contrato internacional virtual deverá ser expressa, devido à distância entre os contratantes e para evitar maus entendidos[90].

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Em seu estudo, explica ainda que o contrato internacional virtual é uma situação jurídica complexa, por envolver vários aspectos que não podem ser tratados conjuntamente e, por isso, a lei aplicável ao contrato dirá respeito apenas à sua substância e aos seus efeitos. Segunda a procuradora, esta realidade é conhecida como Dépeçage (direito francês) ou fraccionamiento (direito espanhol), mecanismo pelo qual um contrato é dividido em partes diversas, onde cada uma delas será submetida a leis diferentes. Isso pode ocorrer em dois níveis: primeiramente, o Direito Internacional Privado irá dizer que a substância pode ser regida por uma lei, enquanto a capacidade das partes, a sua forma e execução serão regidos por outro sistema jurídico. No segundo nível, a própria autonomia da vontade das partes irá determinar se uma ou mais leis serão aplicáveis aos contratos. Essas regras têm que ser seguidas nos contratos on-line, como o são nos contratos formais. O Dépeçage ou fragmentação (direito brasileiro) será usada quando determinada situação jurídica é passível de utilização de leis diferentes, aplicáveis aos diversos aspectos do contrato. Isso decorre da limitação da autonomia da vontade, que rege os contratos internacionais, que implica então na decomposição do contrato em seus vários elementos, para a aplicação em cada uma de suas partes, da lei pertinente[91].

Um contrato de compra e venda, desses que se vê diariamente nas páginas da WEB, em que o comprador é de um país e o vendedor de outro, mais de uma ordem jurídica podem estar aptas a disciplinar o contrato. Suponhamos que os contratantes estejam no Brasil, mas o objeto do negócio se encontre em outro país: neste caso o contrato assume a feição internacional e pode ser regidos pelo Dépeçage, principalmente no que diz respeito à solução dos conflitos daí decorrentes, porque a forma não pode ser mudada. A oferta, a aceitação, garantias e outras são aquelas dispostas na legislação do país onde foi feito o negócio. Os contratos pela Internet devem seguir as regras dos contratos por correspondência no mesmo passo que indica o Código Bustamante - Código de Direito Internacional Privado - onde está explicitado que os contratos por correspondência só se aperfeiçoarão quando as legislações dos países envolvidos estiverem com as suas condições cumpridas.[92]

Analisando a questão do consumidor e os contratos internacionais virtuais, Ângela Brasil explica:

Quanto à lei aplicável, temos que os contratos celebrados pela Internet podem ser considerados contratos entre ausentes e, segundo as regras deste instituto, estes contratos seguem as regras determinadas pelo lugar de residência do proponente, que neste caso seria o domicílio do vendedor. Aplicar o Código de Defesa do Consumidor, nestes casos, seria impossível, de forma coercitiva, porque este se limita à jurisdição brasileira e não se pode levar a nossa lei para resolver problemas judiciais em tribunais de outros países. É de se comentar que nenhuma lei nacional é aplicável em outro país devido às questões das soberanias e, considerando-se que o Código de Defesa do Consumidor brasileiro só tem aplicação dentro de nossas fronteiras, para uso deste Codex é preciso que o foro seja nacional. Se o "locus" eleito na transação for alienígena este instrumento de proteção ao usuário não terá aplicação por força da independência dos povos, ainda que ele tenha a sua aplicação sobreposta a outras normas tendo em vista o seu caráter público de proteção.[93]

Ângela Brasil exemplifica a situação do consumidor nos contratos internacionais, citando o caso de um consumidor que adquiriu um produto eletrônico com vício redibitório em uma loja dos Estados Unidos e ingressou em tribunal brasileiro para tentar ser ressarcido de seu prejuízo, “sendo que o Superior Tribunal de Justiça julgou procedente o pedido entendendo que a empresa americana deveria diretamente responder pelo vício do produto”[94].

Na verdade, a empresa americana, em vista do mandado brasileiro, não estava obrigado a cumprir o seu comando, pois um tribunal estrangeiro não tem "longa manus", a não ser que houvesse um Tratado Internacional ou uma carta rogatória para o cumprimento do "decisum". Porém, em recente decisão, o Tribunal estabeleceu que se a firma estrangeira tiver filial no Brasil, esta terá que responder pelos defeitos do negócio, aumentando a segurança das transações na web.[95]

O advogado especialista em Direito Eletrônico, Marcos Gomes da Silva Bruno, apresenta posição contrária à Ângela Brasil, entendendo que essa nova modalidade de contratação internacional traz alguns problemas, mas que são facilmente resolvidos pela legislação em vigor:

A partir do momento que há a formação de um contrato eletrônico com o fornecedor estrangeiro (aquele que não tem sede física no Brasil), cria-se, obviamente, uma obrigação de adimplemento da obrigação. Essa obrigação gerada (entrega do produto ou serviço, sem qualquer vício ou defeito), quase sempre deverá ser adimplida no Brasil, eis que a compra via Internet tem a entrega domiciliar como sua maior comodidade e inovação.

Com efeito, estabelece o artigo 88, inciso II, do Código de Processo Civil, que “é competente a autoridade judiciária brasileira quando no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação”.

Em contrapartida, o artigo 101, inciso I, dó Código de Proteção e Defesa do Consumidor, aplicável em contratos internacionais de consumo, estabelece a possibilidade de opção pelo consumidor do domicílio em que deseja demandar a outra parte. Nesse contexto, eventual medida judicial da parte contratante nacional, em face da internacional, poderá ser movida no Brasil ou no estrangeiro, à escolha da parte nacional, caso trate de relação de consumo.

Definido o foro, passamos à análise da lei aplicável. É certo que o artigo 9º, da Lei de Introdução ao Código Civil, estabelece a aplicabilidade da lei do país em que se constituiu a obrigação, porém no §1º, do mesmo artigo, há previsão de que “destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”.

Portanto, o §1º, do artigo 9º, da LICC, traz fundamento para a aplicação do direito brasileiro (CDC, por exemplo), mas há que se ter cautela, vez que embora movida a ação no Brasil, a execução de eventual sentença, obrigatoriamente, se dará no país de origem da parte estrangeira, devendo ser observados, de forma analógica, os requisitos do artigo 15 da Lei de Introdução ao Código Civil, sob pena de restrições na eficácia da sentença em solo estrangeiro.[96]

Exaurida a questão da legislação aplicável nos contratos internacionais virtuais, faz-se necessário o debate sobre a privacidade e segurança jurídica desses contratos. Nesse contexto, é precisa buscar o conceito de certificado digital.

Um certificado digital é um arquivo eletrônico que identifica quem é seu titular, pessoa física ou jurídica, ou seja, é um documento eletrônico de identidade. Quando são realizadas transações, de forma presencial, muitas vezes é solicitada uma identificação, por meio de um registro que comprove a identidade. Na Internet, como as transações são feitas de forma eletrônica, o certificado digital surge como forma de garantir a identidade das partes envolvidas.[97]

A MP 2.200-2, de 24/08/2001, garante validade jurídica aos documentos assinados eletronicamente com os Certificados Digitais emitidos no âmbito da ICP-Brasil – dando à assinatura digital a mesma eficácia probatória da assinatura de punho. Segue texto do art. 1° da citada MP: 

Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.

Segundo a Receita Federal do Brasil, “hoje, a certificação digital é considerada uma ferramenta de segurança extremamente eficaz, garantindo a integridade das informações que trafegam na Internet e identificação da origem e do destino”. E segue:

A certificação digital garante privacidade nas transações (garantia de que as informações trocadas nas transações eletrônicas não serão lidas por terceiros), integridade das mensagens (garantia de que as informações trocadas nas transações eletrônicas não foram alteradas desde que foram assinadas), autenticidade (garantia de identidade da origem e destino da transação), assinatura digital (assinatura eletrônica baseada em métodos criptográficos que é gerada a partir de um conjunto de regras e que atribui ao documento a possibilidade de aferir, com segurança, sua integridade e a identificação do autor do documento eletrônico) e não repúdio (garantia de que somente o titular do certificado digital poderia ter realizado determinada transação, impedindo que os integrantes de uma transação venham a contestar ou negar uma transação após sua realização).[98]

Diante disso, entende-se que para tornar inquestionável um contrato internacional virtual, faz-se necessário que o mesmo tenha sido concluído com o uso de certificação digital.


6 Liberdade clausular e seus principais problemas

Junto com a questão da liberdade de escolha da lei aplicável pelas partes surge o problema da ausência de definição, quando é preciso estabelecer regras que permitam determinar o interesse das partes quando da formulação do contrato.

O elemento da legalidade nunca deve ser esquecido quando falamos em autonomia de vontade, pois antes de qualquer vontade individual, deve estar o interesse coletivo, diante do qual, todos devemos respeito às leis imperativas, à ordem pública em geral, à soberania nacional e os bons costumes.

Irineu Strenger entende que a liberdade clausular proporciona prazer e felicidade às pessoas em geral, explicando:

Essa é a razão profunda pela qual a vontade privada é um elemento que anima as situações jurídicas e, mesmo nas situações subjetivas que encontram sua fonte na lei, a vontade privada pode declinar desse modo de aquisição e desistir de seu direito, seja pela via da transferência, seja num caso normal, seja mesmo quando a transferência é impossível por motivo de abandono.[99]

Irineu Strenger, como renomado autor que é, afirma que as leis do Estado devem servir de garantia, de tutela e de complemento à liberdade das pessoas e, assim define, a autonomia da vontade:

Autonomia da vontade é a faculdade concedida aos indivíduos de exercer sua vontade, tendo em vista a escolha e a determinação de uma lei aplicável a certas relações jurídicas nas relações internacionais, derivando da confiança que a comunidade internacional concede ao indivíduo no interesse da sociedade, e exercendo-se no interior das fronteiras determinadas, de um lado, pela noção de ordem pública, e, de outro, pelas leis imperativas, entendendo-se que, em caso de conflito de qualificação, entre um sistema imperativo e um sistema facultativo, a propósito de uma mesma relação de direito, a questão fica fora dos quadros da autonomia, do mesmo modo que somente se torna eficaz à medida que pode ser efetiva.[100]

Irineu Strenger segue, diferenciando o entendimento dos subjetivistas e dos objetivistas quanto ao tema:

Para os subjetivistas puros, a vontade prima sobre a lei, ou seja, o ajuste de vontades é suficiente para dar nascimento ao contrato. A priori as partes não estão submetidas, pelo contrato, a nenhuma das leis estatais em presença. À medida que escolhem a lei aplicável, esta adquire força obrigatória, em razão da vontade das partes. A lei escolhida assume o caráter de disposição contratual. Para os objetivistas puros, a lei prima sobre o contrato, a vontade não desempenha nenhum papel na determinação da lei aplicável, que fica na dependência da localização objetiva do contrato. Assim, o elemento de conexão imperativo e único do contrato é a lei do lugar de sua constituição ou conclusão, como ocorre em diversos ordenamentos.[101]

Irineu Strenger defende a autonomia da vontade dos contratantes como recurso extremamente útil na perspectiva da previsibilidade do direito, da segurança das transações e dos interesses do comércio internacional. Ressalta ainda que, embora o Brasil ainda não tenha aderido legislativamente à autonomia da vontade, os procedimentos das autoridades administrativas ligadas ao comércio exterior e as próprias decisões judiciárias apontam para a aceitação da validade e força das cláusulas de eleição do direito aplicável. E conclui: “A pressão do comércio internacional nesse sentido tem sido irresistível, permitindo afirmar que o único obstáculo ao princípio da autonomia da vontade nos contratos internacionais do comércio é a ofensa à ordem pública, assim mesmo com a crescente amenização desse bloqueio”[102].

Sobre a autora
Cirlene Luiza Zimmermann

Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Professora de Direito na Universidade de Caxias do Sul - UCS. Coordenadora da Revista Juris Plenum Previdenciária. Procuradora Federal - AGU. Autora do Livro “A Ação Regressiva Acidentária como Instrumento de Tutela do Meio Ambiente de Trabalho”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. A autonomia da vontade e os contratos internacionais . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3886, 20 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26731. Acesso em: 22 nov. 2024.

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