Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Embriaguez, trabalho e o uso judicial da noção de dignidade humana

Exibindo página 3 de 5
Agenda 11/05/2014 às 13:40

3. A dignidade humana no contexto do neoconstitucionalismo

No tópico anterior viu-se como o engendramento da ideia de que todo homem tem valor em si (ou seja, valor em virtude apenas de sua própria humanidade e que fundamenta a exigência de certos direitos) implicou verdadeira revolução na história das mentalidades do Ocidente. Sobretudo porque, como bem assevera Habermas, o engendramento da noção de dignidade humana investiu a lei com uma carga moral sem precedentes na história do Direito ocidental e é algo que remonta ao surgimento dos chamados direitos humanos, na esteira das revoluções liberais do século XVIII8.

A despeito disso, a presença (explícita) da noção de de dignidade humana no mundo do Direito, como se viu, é relativamente recente. Apesar do artigo 139 da Constituição Alemã de março de 1849 e do artigo 151 da Constituição da República de Weimer de 1919, que fazem referências a esse conceito, é apenas a partir do fim da Segunda Guerra Mundial que ele se fará presente nos diversos ordenamentos jurídicos ocidentais de maneira cada vez mais incisiva (e aí o peso da Segunda Guerra Mundial e seus traumas teve papel desencadeador / catalizador importante).

O uso judicial da noção de dignidade humana é também recente (no Brasil, alguns autores defendem que remonta aos anos de 1990) e se tornou mais comum na medida em que certas correntes teóricas e movimentos pós-positivistas, como o neoconstitucionalismo, se engendraram e se fortaleceram.

Aliás, pensa-se, aqui, que o neoconstitucionalismo, a despeito das nuances e das diversas teorias que abarca, é uma corrente que, no geral, tenta dar uma resposta jurídica ao surgimento (ou melhor, ao fortalecimento) da concepção de dignidade humana (em detrimento da velha concepção de honra), bem como ao desafio moral que essa nova concepção trouxe para o Direito.

Não por acaso, como bem explica Luís Roberto Barroso, o neoconstitucionalismo teve como marco histórico a formação do Estado Constitucional de Direito, “imediatamente após a 2ª Grande Guerra” e “especialmente na Alemanha e na Itália” (BARROSO, 2006, p. 3).

O novo Direito Constitucional estaria ainda relacionado à “superação histórica do jusnaturalismo” e ao “fracasso político do positivismo”, razão por que não despreza o direito posto, mas “procura empreender uma leitura moral do Direito”, sendo o “desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana”, um dos objetivos que “procuram abrigo neste paradigma em construção” (BARROSO, 2006, p. 6. - grifei).

Do ponto de vista teórico, o neoconstitucionalismo propugna ainda “o reconhecimento da força normativa da Constituição”; “a expansão da jurisdição constitucional” (com a criação de tribunais constitucionais e alguma forma de controle de constitucionalidade em países por ele atingidos) e “o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional”, que possui, dentre outros, os seguintes princípios: supremacia da Constituição, presunção de Constitucionalidade das normas e atos do Poder Público, interpretação conforme a Constituição, etc. (BARROSO, 2006, pp. 6. e 10/11).

Em um país como os Estados Unidos, em que “a interpretação de todo o direito posto à luz da Constituiçpão é característica histórica”, o debate provocado pelo neoconstitucionalismo tangencia a legitimidade e limites “da atuação do Judiciário na aplicação de valores substantivos e no reconhecimento de direitos fundamentais que não se encontrem expressos na Constituição” (BARROSO, 2006, p. 19).

Em países de tradição romano-germânica como o Brasil, em que o precedente foi considerado fonte formal “imprópria” do Direito,, a inédita supremacia do Poder Judiciário em relação ao Poder Legislativo é um desdobramento do neoconstitucionalismo que se afigura como mudança ainda mais radical. Embora seja dito que o Juiz não possa inovar a ordem jurídica, “criando comando até então inexistente” - estando autorizado apenas a “invalidar um ato do Legislativo” (BARROSO, 2006, p. 29) -, ele se torna “co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis” (BARROSO, 2006, p. 12).

Outra nota definidora do neoconstitucionalismo, talvez uma das mais importantes, é o reconhecimento da normatividade dos princípios. Esse reconhecimento deu-se em concomitância com um outro: o de que “a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo” (BARROSO, p. 12). Algumas vezes será necessário apoiar-se em princípios que...

… não são, como as regras, comandos imediatamente descritivos de condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados por diferentes meios. A definição do conteúdo de cláusulas como dignidade da pessoa humana , razoabilidade, solidariedade e eficiência também transfere para o intérprete uma dose importante de discricionariedade. Como se percebe claramente, a menor densidade jurídica de tais normas impede que delas se extraia, no seu relato abstrato, a solução completa das questões sobre as quais incidem. Também aqui, portanto, impõe-se a atuação do inérprete na definição concreta de seu sentido e alcance. (BARROSO, p. 13. - grifei)

De fato, é difícil definir o “conteúdo” de um princípio como o da dignidade humana. Pode-se afirmar (como neste trabalho até agora se afirmou) que a dignidade humana é um valor inerente a qualquer ser humano, que desautoriza percebê-lo como um meio, que obriga a percebê-lo como um fim em si e que lhe autoriza a exigência de certos direitos. E é aí mesmo que reside seu problema: essa noção pode ser / foi invocada como fundamento de direitos diversos e, inclusive, contraditórios, por exemplo, em disputas relacionadas a aborto, união homoafetiva, pesquisas com células-tronco (direito à vida vs direito à saúde, etc.).

3.1. Críticas à noção de dignidade humana

O psicólogo evolutivo Steven Pinker já escreveu que a noção de dignidade humana é “frágil e subjetiva”, dificilmente “à altura das exigências morais pesadas que lhe são atribuídas” (PINKER, 2008).

Por vezes, essa noção parece mesmo não estar à altura das exigências que lhe são dirigidas, em especial quando ela é igualmente suscitada pelas partes em conflito em uma ação, para embasar / legitimar direitos contraditórios, ou quando sua invocação contraria a lei positiva. Seja, em alguns casos, sua aplicação, longe de parecer segura ou definitiva, parece mais apoiar-se em algum critério quase subjetivo. Ou, como escreve Paolo G. Carozza:

… podemos concordar com a existência de uma lacuna bastante grande entre a ideia universal de dignidade humana, no abstrato, e seu desenvolvimento na prática concreta da interpretação judicial... essa lacuna tem importantes implicações para a práticia jurídica em níveis nacionais e transnacionais (CAROZZA, 2008, p. 939. - grifei)

Um estudioso bastante mencionado na literatura sobre a questão da dignidade humana, Christopher McCrudden (citado por Paolo G. Carozza), ao analisar a aplicação prática do conceito na jurisprudência produzida nos Estados Unidos, África do Sul e Europa, relacionada a temas díspares como aborto, eutanásia, distribuição de benefícios sociais e pornografia, chegou à conclusão de que “'a aparência de comunhão [de universalidade] do conceito desaparece quando de sua aplicação e a dignidade humana (e com ela os direitos humanos) é exposta como culturalmente relativa, profundamente contingente, dependente das políticas e valores locais, resultando em concepções significativamente divergentes, inclusive conflituosas'” (McCRUDDEN apud CAROZZA, 2008, p. 935)9.

Essas seriam, de maneira talvez muito resumida, as principais críticas à utilização judicial da noção de dignidade humana no contexto do neoconstitucionalismo: ela é vazia de conteúdo e seu caráter, a priori, universal, esbarra, quando de sua aplicação judicial, em políticas e valores locais (e até em valores pessoais, do próprio juiz).

Claro, essas críticas são aplicáveis a outros princípios também, como o da razoabilidade ou o da isonomia – princípios cujos conteúdos somente parecem ficar mais claros no momento mesmo de sua aplicação, quando da análise do caso concreto.

Mas deve-se perguntar se tais limitações/críticas sugerem, como aliás sugere Steven Pinker, que se deva simplesmente abrir mão do conceito de dignidade humana.

Não se pretende, aqui, negar que existam problemas quando da aplicação judicial do princípio da dignidade humana (como, aliás, de outros princípios) no contexto do neoconstitucionalismo.

Esses problemas (sobretudo o da ausência de um conteúdo fixo, a despeito da pretensão universal do princípio) são igualmente dramáticos no Brasil - mesmo que a noção, aqui, tenha sido alçada inclusive à condição de fundamento da República (art. 1º, III, da Constituição Federal).

Mas é de se perguntar, afinal, se é possível ou desejável abrir mão do princípio da dignidade humana, ou melhor, do uso judicial desse princípio - que, no extremo (não tão raro), pode ocasionar insegurança jurídica quando, por exemplo, é aplicado em detrimento de uma norma vigente considerada não compatível com a Constituição.

Para Steven Pinker (2008), a noção de “autonomia humana” é o bastante para resolver temas, diga-se, constrangidos por questões morais, sendo portanto desnecessária a invocação da ideia de dignidade humana (ele está tratando de bioética no artigo aqui citado, mas pode-se transpor suas ideias para o terreno jurídico).

Ele afirma que, na verdade, o...

consentimento informado serve como base da pesquisa e prática ética e claramente exclui os abusos que em primeiro lugar levaram ao nascimento da Bioética, como os pseudo-experimentos sádicos de Mengele na Alemanha nazista e a detenção de pacientes negros indigentes no infame estudo sobre a sífilis de Tuskegee. Uma vez que você reconheça o princípio da autonomia (…), a “dignidade” não adiciona nada. (PINKER, 2008 - grifei).

No âmbito jurídico, não apenas para os positivistas, mas para doutrinadores do realismo jurídico norte-americano, como o juiz Richard Posner, princípios como o da dignidade humana não teriam importância ou teriam importância quase marginal, mesmo na solução dos chamados “casos difíceis”.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Não se quer aqui dizer que Posner não acredite que exista algo como a dignidade humana, mas para ele essa noção não deve ser central no Direito contemporâneo. Ele inclusive sugere, como outros autores da análise econômica do Direito, que o ideal de maximização da riqueza é que deve lançar...

… bases não apenas para uma teoria dos direitos e dos remédios judiciais, mas para o próprio conceito de direito. A Lei frequentemente se define como uma ordem apoiada no poder coercitivo do Estado. Segundo essa definição, qualquer ordem vinda do poder soberano é direito. Mas isso distorce o sentido comum do termo. Portanto, já se sugeriu que a definição, para se manter fiel ao uso corrente do termo, deve incluir os seguintes elementos adicionais: (1) para se caracterizar como lei, uma ordem deve ser obedecida por aqueles a quem se destina; (2) deve tratar equitativamente aqueles que estejam na mesma posição em todos os aspectos importantes que a envolvam; (3) deve ser pública; (4) deve haver um procedimento de apuração da verdade quaisquer fatos necessários à aplicação da ordem, em conformidade com suas condições. Esses elementos fazem parte da teoria econômica do direito. Em uma perspectiva econômica ou de maximização da riqueza, a função básica do direito é a alteração de incentivos. Isso implica que a lei não impõe impossibilidades, pois uma ordem impossível de cumprir não alterará comportamentos” (POSNER, 2010, pp. 89/90 - grifei)

Observe-se, nesse trecho, a preocupção de Posner com a eficácia da lei e não somente com sua validade. Tal preocupção é, aliás, comum aos partidários da análise econômica do Direito - corrente teórica que supõe “'a aplicação da teoria econômica (seu método) para o exame da formação, estruturação e do impacto da aplicação das normas e instituições jurídicas (…), de modo a retirar 'as consequências do fenômeno jurídico da periferia, trazendo-as para o centro do debate'” (RIBERIO, apud, PAPP).

Ou seja, se no neoconstitucionalismo a ideia de justiça é prioritária e no juspositivismo a validade da norma é central, na análise econômica do Direito a eficácia e a ideia de eficiência são primordiais - sendo que, de acordo com Décio Zylbersztajn e Rachel Sztajn, “a eficiência está relacionada com a possibilidade de se atingir o melhor resultado com o mínimo de erro ou desperdício, ao passo que a eficácia diz respeito à capacidade [da norma] de produzir os efeitos desejados” (STAJN apud NIED, Paulo Sérgio).

Assim...

… a análise econômica do direito demonstra que tanto a eficiência quanto a eficácia devem ser constantemente perseguidas pelo Direito. Elementos de economia devem ser aplicados na formulação de políticas legislativas, na avaliação do impacto do direito sobre os indivíduos e, especialmente, na solução de problemas de alocação de recursos e de interpretação da lei. Nesse sentido, a análise econômica do direito deixaria de ser mero instrumento, passando a deter um papel importante no meio social como método de consecução da Justiça (FRANÇA, Phillip Gill apud NIED, p. 6)

Ademais, essa teoria tem como pressupostos básicos os seguintes: os indivíduos vivem em um mundo de recursos escassos e por isso devem fazer escolhas; os indivíduos tendem a ser maximadores racionais de suas satisfações; o Direito pode incentivar / desestimular comportamentos; o magistrado deve preocupar-se com a eficiência de suas decisões (que devem ter por parâmetros critérios como Ótimo de Pareto ou noção de eficiência de Kaldor - Hicks10); o magistrado deve preocupar-se com as consequências de seus julgados (PAPP, pp. 14-17).

De acordo com Posner, os juízes de seu país, na imensa maioria das vezes, julgariam constrangidos, não por conceitos como o da dignidade humana, mas pela preocupação com a eficiência e eficácia de suas decisões ou, ainda, com a preocupação de se maximizar riquezas11. Ao assim julgarem, sem se reportarem necessariamente a princípios como o já citado, não estão, contudo, agindo contrariamente à defesa de direitos, pois esses “são, na verdade, importantes corolários do princípio de maximização da riqueza” (POSNER, 2010, p. 87).

Ou seja (e nas palavras de Ronald Dworkin), na análise econômica do Direito não existe um “argumento moral independente em favor de se conceder ou não um determinado direito” - que é visto apenas como um resultado indireto da maximização de riqueza (DWORKIN, 1980, p. 207).

Ou, em outras palavras, para a análise econômica do Direito, de um modo geral, o importante é deixar o “bolo crescer”. A distribuição de riqueza e o atendimento de certos direitos é quase decorrência lógica desse crescimento. Dworkin faz algumas críticas interessantes a esse posicionamento, bem como ressalta os limites da ideia de que o juiz deve perseguir “a riqueza social como um 'alvo falso', no lugar de algum outro importante valor”. Mas também incorre em alguns argumentos talvez questionáveis, dentre os quais o de que a “maximização de riqueza não faz sentido como objetivo social, nem mesmo se considerada como um dentre outros objetivos” (DWORKIN, 1980, p. 220).

De todo modo, ao prescindir de valores como o da dignidade humana, a análise econômica do Direito não seria amoral, segundo Posner. Inclusive ele pretende lançar as bases de “um sistema moral fundado em princípios econômicos” que, “além de ser compatível com nossas intuições morais corriqueiras, pode estruturá-las” (POSNER, 2010, pp. 100/101).

Do que até agora dito, talvez não seja completamente equivocado concluir que Posner, como Steven Pinker, defendem uma espécie de substituição da noção de dignidade humana pela de autonomia humana, porquanto outro pressuposto importante da análise econômica do Direito é o de que...

… as pessoas agem como maximizadoras racionais de suas satisfações. Trata -se do 'traço comum à actuação da generalidade dos seres humanos: a tentativa de ter uma vida tão satisfatória quanto possível, dados os constrangimentos que se debatem. É nisso, afinal, que consiste o pressuposto da escolha racional' (RODRIGUES, 2007, p. 25). Em termos práticos, significa que, diante de diversas alternativas viáveis, as pessoas tendem a escolher aquela opção que melhor atenda a seus interesses pessoais (sejam eles quais forem). Ou seja, as pessoas buscam alcançar benefícios maiores com custos menores” (PAPP, P. 15)

Sobre essa 'substituição' da noção de dignidade pela de autonomia humana, ou melhor, sobre a exclusão do conceito de dignidade humana do universo jurídico, falar-se-á novamente adiante.

Por ora, há que se observar, ainda, quanto a Richard Posner, que ele não acredita, em relação aos “casos difíceis”, que a saída seja, por exemplo, a ponderação / aplicação de princípios como o da dignidade humana. Na verdade, ele pensa que o juiz, ao se defrontar com esses casos, julga, em última análise, “com base em algum forte sentimento moral ou mesmo crença religiosa” 12 . Ou, pode-se acrescentar, com base em suas inclinações políticas, como tenta demonstrar artigo de Thomas Miles e Cass Sunstein, sobre a maior / menor incidência de votos “liberais” (ao menos acerca de temas polêmicos como aborto, discriminação de gênero, lei trabalhista...) e o maior / menor número de magistrados nomeados por presidentes democratas ou republicanos nas Cortes Federais dos Estados Unidos (MILES e SUSTEIN, 2007).

Obviamente essas colocações céticas de Posner causam polêmica, mas há que se perguntar se, no final das contas, não encerram alguma (incômoda) verdade.

Um caso inédito, para o qual não haja lei (ou precedente) aplicável, envolvendo direitos fundamentais contraditórios, pode ser resolvido de maneira racional? Ou a resolução seria inescapavelmente voluntariosa / emocional como afirma Richard Posner?

Essa pergunta é importante, pois de sua resposta depende em boa parte a legitimidade do uso judicial de princípios como o da dignidade humana. Se a conclusão é a de que esses casos, no fim das contas, são sempre resolvidos de forma subjetiva ou arbitrária, toda a reflexão em torno da aplicação de princípios constitucionais realizada nos últimos anos no Direito Ocidental mais ou menos afigura-se inócua – como também inócua afigura-se o próprio princípio da dignidade humana.

3.2. Críticas aos críticos da noção de dignidade humana

Não se pretende aqui, por óbvio, responder peremptoriamente às questões postas anteriormente.

O que se pretende fazer é apenas trazer à tona algumas críticas às críticas de Posner, pois nelas está embutido o entendimento (ou a crença?) de que é possível, mesmo nos casos difíceis, chegar-se a soluções racionais – ao invés de emocionais ou meramente voluntariosas.

Pois bem, há que se começar com Pinker e sua tese de que o mundo (pelo menos o da bioética) giraria melhor sem a ideia de dignidade humana (sendo suficiente a noção de autonomia): Habermas (2010) diagnostica uma tendência mais ou menos recente no sentido de se desvincular os direitos humanos da noção de dignidade humana. Assim ele escreve:

… Já que não é mais realista seguir Carl Schmitt e rejeitar inteiramente o programa dos direitos humanos, cuja força subversiva tem permeado todas as regiões ao redor do mundo, hoje o “realismo” assume uma forma diferente. A crítica 'desmascaradora' e direta está sendo substituída por uma crítica branda e deflacionária. Esse minimalismo novo afrouxa a reivindicação dos direitos humanos ao separá-los de seu impulso moral essencial, notadamente, a proteção da igual dignidade de cada ser humano.

Seguindo John Rawls, Keneth Baynes caracteriza essa abordagem como uma concepção 'política' (Baynes, 2009a) dos direitos humanos, em contraste com noções jusnaturalistas de direitos “inerentes” que cada pessoa supostamente possui em razão mesmo de sua natureza humana (HABERMAS, 2010, p. 478)

Um possível desdobramento das ideias de Pinker seria justamente essa desvinculação. Ele afirma que “todos os seres humanos possuem a mesma capacidade mínima de sofrer, prosperar, pensar e escolher” e por isso “ninguém tem o direito de constranger a liberdade, o corpo, a vida” de outrem (PINKER, 2008). No entanto, ele conclui, repita-se, que uma vez reconhecido “o princípio da autonomia (…) a 'dignidade' não adiciona nada”.

Ora, mas essas capacidades elencadas por Pinker é que historicamente fundamentam (e fundamentaram, como se viu em item anterior) a noção de dignidade humana que, por sua vez, dá legitimidade aos direitos humanos. Se “pensar e escolher” têm a ver com autonomia humana, no mínimo também têm a ver com dignidade – e inclusive foram capacidades suscitadas por diversos filósofos ao longo da história para salientar a diferença basilar que existe entre seres humanos e outros animais. Assim, a o retirar a dignidade da “capacidade mínima” de “escolher” ou “de pensar” que possui todo ser humano, retira-se dele justamente aquele valor que lhe permite a exigência de certos direitos – e esses ficam, portanto, separados “de seu impulso moral essencial”.

Mas esse desprezo de Steven Pinker pela noção de dignidade humana provavelmente encontra raízes na própria psicologia evolutiva.

É verdade que, desde Darwin, ganhou bastante força a concepção de que os homens não têm uma dignidade diferenciada, pois não são muito mais que “membros de uma espécie evoluída que se relaciona, por ancestralidade comum, a qualquer outra espécie na Terra”. Ou seja, a teoria evolutiva tende a enfraquecer certos entendimentos “éticos que se embasam em suposições de uma criação especial” do homem, de uma criação “à imagem de Deus”, etc.13 Isso porque “não haveria separação biológica entre o homo sapiens e o restante do mundo vivente”, mas antes um “continuum através da história evolucionária, sem espécies criadas separadamente (…) ou dotadas de almas especiais”14 (FITZPATRICK, 2012).

Contudo, nas palavras de William FitzPatrick, nada disso...

… demonstra que a visão comum, de uma dignidade humana especial, seja falsa ou mesmo injustificada. Deve haver outras formas de se apoiar essa visão, que não dependam de suposições criacionistas. Muitos concordariam, por exemplo, que ainda que sejamos aparentados a outros animais, nós somos muito diferentes mesmo dos nossos parentes primatas mais próximos, como uma viagem ao zoológico, seguida por uma visita à Biblioteca do Congresso ou ao Metropolitan Museum of Art poderiam confirmar. A vastidão das diferenças entre humanos e outras formas de vida na Terra não é apagada ao se ressaltar que os seres humanos são como são devido a processos evolucionários contingentes... São essas diferenças reais – não importa como se originaram – que plausivelmente fundamenta as diferenças entre os status moral dos seres humanos e de outros animais. (FITZPATRICK, 2012 - grifei)

Ademais, a própria Biologia Evolutiva e a Genética Comparada podem, segundo o autor, “desempenhar um papel corretivo no que tange à ética normativa” ao, por exemplo, serem “usadas para minar falsas alegações acerca de raça, que embasam afirmações racistas”. Já a Psicologia Experimental pode ser usada para, de maneira geral, expor “típicas armadilhas no que tange a julgamentos morais e comportamento – tendências em direção à crueldade em condições de desigualdade de poder, ou em direção a uma condenação moral exagerada quando se experiencia descontentamento ou stress” (FITZPATRICK, 2012).

Finalmente, há de se esclarecer que S. Pinker, no artigo mencionado, basicamente reclama da criação, em 2001, de um “Conselho do Presidente sobre Bioética” (President's Council on Bioethics) que teria a função de opinar quanto a “questões de política relacionadas à ética no que tange à inovação biomédica”. Também critica uma publicação desse Conselho, na qual se tentou “colocar a dignidade em base conceitual mais firme”, dizendo, em resumo, que nenhum dos conselheiros é cientista e que o órgão na verdade possui uma “agenda política radical, alimentada por impulsos religiosos fervorosos contra a biomedicina americana”.

Talvez, então, parte da diatribe de Pinker seja na verdade direcionada ao posicionamento religioso radical de alguns membros do citado conselho - e não à noção de dignidade humana em si. Ou, talvez, o que é mais provável, a acusação de posicionamento religioso radical seja, ao menos em boa parte, explicada pela defesa da noção de dignidade humana a que se propuseram aqueles membros.

Em todo caso, o importante é observar que mesmo Habermas não nega que existem, por vezes, contradições entre a “difusão retórica dos direitos humanos” e o seu “emprego incorreto” para legitimar “jogos políticos” usuais em diversas áreas. Contudo, o programa dos direitos humanos, embasado na ideia de dignidade humana, constitui “uma utopia realista”, pois não pinta “imagens enganosas de uma utopia social que garanta felicidade coletiva, mas ancora o ideal de uma sociedade justa nas instituições de Estados constitucionais” (HABERMAS, 2010, p. 476).

Mas é verdade que Pinker não deve concordar com Habermas nesse ponto. Quanto a Posner, por óbvio muitas críticas que ele faz ao “formalismo jurídico” e em defesa do realismo são proveitosas (mesmo em países de tradição civilista). Especialmente interessantes são algumas de suas assertivas honestas quanto às atividades do juiz e à postura humilde que esse deve adotar, pois, segundo o autor, é antes de tudo uma espécie de trabalhador do Poder Judiciário (POSNER, 2008).

Contudo, o problema de Posner (embora muitos não considerem esse seu ceticismo extremado um problema) é evitar enfrentar a dimensão moral que, sem dúvida, desafia o Direito, sobretudo, como já se disse aqui, após o advento da noção contemporânea de dignidade humana.

Repita-se que, para ele, os chamados “casos difíceis” - e os desafios morais que esses casos por vezes impõem ao julgador – são resolvidos com base “em algum forte sentimento moral ou mesmo crença religiosa” do julgador. Não se está negando a existência de sentimentos morais, mas Posner, de fato, não acredita em uma resolução racional para essas questões.

Já o neoconstitucionalismo, de uma maneira geral, tenta uma resposta para esse estado de coisas:

Quando duas normas de igual hierarquia colidem em abstrato, é intuitivo que não possam fornecer, pelo seu relato, a solução do problema. Nestes casos, a atuação do intérprete criará o Direito aplicável ao caso concreto.

A existência de colisões de normas constitucionais leva à necessidade de ponderação. A subsunção, por óbvio, não é capaz de resolver o problema, por não ser possível enquadrar o mesmo fato em normas antagônicas. Tampouco podem ser úteis os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos – hierárquico, cronológico e da especialização – quando a colisão se dá entre disposições da Constituição originária. Neste cenário, a ponderação de normas, bens ou valores (…) é a técnica a ser utilizada pelo intérprete, por via da qual ele (i) fará concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível cada um dos interesses em disputa ou, no limite, (ii) procederá à escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional. O conceito chave na matéria é o princípio instrumental da razoabilidade” (BARROSO, p. 14).

Pode-se argumentar que a ponderação é uma resposta às vezes um tanto frágil,pois ainda implica um bom grau de subjetividade, até porque, o próprio princípio da razoabilidade (como o da dignidade humana) não possui um conteúdo fixo.

Mas esses argumentos não impediram (ou impedem) teóricos os mais diversos de tentarem construir um “modelo racional do processo de ponderação” (OLIVEIRA, 2013), desde os expoentes da “teoria do discurso” (Jürgen Habermas, Robert Alexy e Klaus Günther) até Ronald Dworkin.

Dworkin, aliás, foi talvez quem melhor debateu as ideias não apenas de Posner, mas as de H. L. A. Hart (sobretudo ao defender que o juiz, nos casos difíceis, não tem “o 'poder discricionário' para decidir o caso de uma maneira ou de outra”, mas na verdade decide com base em “padrões que não funcionam como regras, mas operam diferentemente, como princípios, políticas e outros tipos de padrões” - DWORKIN, 2002, pp. 36. e 127).

De todo modo, como bem afirma Cláudio L. De Oliveira, Dworkin, em seu ataque ao positivismo jurídico, afirma que...

… na argumentação jurídica são encontrados “padrões” (standards) de distintas espécies, entre eles aqueles que funcionam como “regras” (rules), os que funcionam como “princípios” (principles) ou ainda como “políticas” (politics).5 Entre princípios e políticas, ainda que o próprio Dworkin afirme usar tais termos de modo muitas vezes intercambiável, há uma importante distinção. Política é definida como um tipo de padrão que estabelece um objetivo social a ser alcançado, como por exemplo a promoção do crescimento econômico, a redução do desemprego e a redução dos acidentes de trabalho. Por sua vez, princípios são definidos como o tipo de padrão que formula uma “exigência da justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade” e que deve ser observada em virtude de seus próprios termos e não porque é capaz de promover algum estado de coisas visto como socialmente desejável. No exemplo do próprio Dworkin, o padrão segundo o qual “ninguém deve beneficiar-se de sua própria torpeza” é um princípio, ao passo que o padrão que estabelece que acidentes automobilísticos devem ser reduzidos é uma política. (OLIVEIRA, 2013, p. 04. - grifei)

Quanto à distinção entre regras e princípios, que, como lembra Oliveira, Dworkin considera que tem “natureza lógica”, ele assim escreve:

Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira tudo -ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida (…) ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão. (DWORKIN, 2002, p. 39)

Já os princípios, mesmo aqueles que...

mais se assemelham a regras não apresentam consequências jurídicas que se seguem automaticamente quando as condições são dadas. Dizemos que o nosso direito respeita o princípio segundo o qual nenhum homem pode beneficiar-se dos erros que comete. Na verdade, é comum que as pessoas obtenham vantagens, de modo perfeitamente legal, dos atos jurídicos ilícitos que praticam. O caso mais notório é o usucapião (…). Há muitos exemplos menos dramáticos. (…) Se um homem foge quando está sob fiança e cruza a fronteira estadual para fazer um investimento brilhante em outro estado, ele poderá ser remetido de volta à prisão, mas ele manterá os lucros.

(…)

Um princípio como “Nenhum homem pode beneficiar-se de seus próprios delitos” não pretende (nem mesmo) estabelecer condições que tornem sua aplicação necessária . Ao contrário, enuncia uma razão que conduz o argumento em uma certa direção, mas (ainda assim) necessita de uma decisão particular.

Se um homem recebeu ou está na iminência de receber alguma coisa como resultado direto de um ato ilícito que tenha praticado para obtê-la, então essa é uma razão que o direito levará em consideração ao decidir se ele deve mantê-la. Pode haver outros princípios ou outras políticas que argumentem em outra direção – por exemplo, uma política que garanta o reconhecimento da validade de escrituras ou um princípio que limite a punição ao que foi estimulado pelo Poder Legislativo. Se assim for, nosso princípio pode não prevalecer, mas isso não significa que não se trate de um princípio de nosso sistema jurídico, pois em outro caso, quando essas considerações em contrário estiverem ausentes ou tiverem menor força, o princípio poderá ser decisivo. Tudo o que pretendemos dizer, ao afirmarmos que um princípio particular é um princípio do nosso direito, é que ele, se for relevante, deve ser levado em conta pelas autoridades públicas, como uma razão que inclina numa ou outra direção. (DWORKIN, 2002, pp. 41/42 - grifei)

A importância que Dworkin dá à distinção entre regras e princípios, pode-se dizer, talvez esteja relacionada a sua ambição de legitimar o princípio como “uma razão que inclina numa ou outra direção”. Observe-se que Dworkin não parece negar a existência de uma subjetividade do julgador, mas afirma peremptoriamente que o princípio (que “enuncia uma razão que conduz o argumento em uma certa direção”) “deve ser levado em conta pelas autoridades públicas”.

Ou seja, ele acredita que princípios podem efetivamente constranger decisões judiciais “numa ou outra direção” e, nesse sentido, possui visão bastante parecida com grande parte da doutrina brasileira sobre a questão, inclusive, por exemplo, com a visão de Arnaldo Süssekind, para quem “Princípios são enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos do ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis dos respectivos sistemas, como o intérprete, ao aplicar as normas ou sanar omissões” (SUSSEKIND, 1999, p. 56. – grifei).

Para Dworkin, portanto, o juiz não tem (ou não deveria ter) o “'poder discricionário' para decidir o caso de uma maneira ou de outra” (DWORKIN, 2002, p. 127). Para ele a decisão em um caso difícil “é uma decisão sobre que direitos as partes efetivamente têm”(DWORKIN, 2002, p. 164. - grifei). Sendo assim, “as razões que a autoridade oferece para seu juízo devem ser do tipo que justifica o reconhecimento ou a negação de um direito” (DWORKIN, 2002, p. 163).

E observe-se, ainda, que ele sequer descarta o caráter generalizante, algo vazio de conteúdo, do princípio: “Um princípio (...) não pretende (nem mesmo) estabelecer condições que tornem sua aplicação necessária”. No entanto, tal “padrão” “deve ser levado em conta”.

Essa (a normatização dos princípios) é uma das respostas do neoconstitucionalismo ao constrangimento moral cada vez maior que vem sofrendo o Direito, desde que se fortaleceu a ideia de dignidade humana e de direitos humanos. O que ocasionou, como observa Habermas, uma “tensão entre direitos humanos universais e direitos civis particulares” (HABERMAS, 2010, p. 478) e mesmo colisões de direitos humanos entre si (até porque “as Constituições modernas são documentos dialéticos, que consagram bens jurídicos que se contrapõem” - BARROSO, p. 14).

Claro que algumas conclusões que se pode retirar de escritos de Richard Posner e outros, no sentido de que a utilização de princípios, como o da dignidade humana é muitas vezes incapaz de neutralizar o alto grau de subjetivismo de certas decisões judiciais, causam perplexidade. Mas é de se perguntar se essa perplexidade deve ocasionar a desistência da “busca pela integridade” na forma de “raciocínio jurídico” (DWORKIN apud MILES e SUSTEIN, 2007).

Paolo Carozza, neste trabalho já mencionado, embora não negando a desconfortável ausência de um conteúdo fixo para o princípio da dignidade humana, afirma que detectou, quando da aplicação da referida noção, uma “incoerência judicial bem menos aparente em casos envolvendo pena de morte, por exemplo”, em contraposição ao estudo de McCrudden, aqui também já citado. Ademais, diz ele, “não é óbvio que a existência de uma intensa controvérsia nas bordas de uma discussão legal necessariamente prejudique a afirmação do valor e do status de princípios básicos como o da dignidade humana” (CAROZZO, p. 938).

Aliás, o próprio McCrudden (um dos críticos mais incisivos da noção) afirma que a ideia de dignidade humana não é insignificante. Apesar de seu “'alto grau de generalidade e incompletude'”, ela serviu para “'catalisar a ação política em defesa dos direitos humanos e seu reconhecimento na lei positivada'”. Esses direitos, por sua vez, são “'vastamente aceitos e empregados por juízes na interpretação da lei'” e são “'suficientemente robustos em substância para desafiar a legitimidade de um vasto contingente de sistemas políticos e econômicos que, em tempos diversos, governaram de maneira sistematicamente contrária ao bem da pessoa humana'” (McCRUDDEN apud CAROZZA, 2008, p. 935).

Por fim, vale mencionar o que Dworkin escreve sobre a dignidade humana:

Quem quer que professe levar os direitos a sério (…) deve aceitar, no mínimo, uma ou duas ideias importantes. A primeira é a ideia vaga, mas poderosa, da dignidade humana. Essa ideia, associada a Kant, mas defendida por filósofos de diferentes escolas, pressupõe que existem maneiras de tratar um homem que são incompatíveis com seu reconhecimento como um membro pleno da comunidade humana, e sustenta que tal tratamento é profundamente injusto.

A segunda é a ideia, mais familiar, da igualdade política. Esta pressupõe que os membros mais frágeis da comunidade política têm direito à mesma consideração e ao mesmo respeito que o governo concede a seus membros mais poderosos...

Faz sentido dizer que um homem tem um direito fundamental contra o governo, no sentido forte, como a liberdade de expressão, se esse direito for necessário para proteger sua dignidade ou sua posição enquanto detentor da mesma consideração e do mesmo respeito, ou de qualquer outro valor pessoal da mesma importância. É somente nesses termos que essa afirmação tem sentido. (DWORKIN, 2002, pp. 304/305 - grifei)

Aqui vemos, novamente, a ideia de que a noção de dignidade humana dá sentido a direitos humanos, como o da liberdade de expressão. Aliás, nesse mesmo sentido consigna Alexandre de Moraes, segundo o qual a dignidade da pessoa humana...

concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta sigularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida... (MORAES, 2006, p. 16).

Mas é verdade que, a despeito desses argumentos, realistas, positivistas e outros ainda julgam que uma “leitura moral do Direito” (pelo menos aquela que implique entender-se a dignidade humana como um princípio normativo) simplesmente não é fundamental.

De fato, a relação entre moralidade e Direito parece uma dessas questões longe de um termo que satisfaça realistas e moralistas, que satisfaça desde os que desprezam a noção de dignidade humana até os que a entendem como fundamental. Se é que uma conclusão qualquer sobre a matéria será realmente possível um dia.

De todo modo, pensa-se, aqui, que os desconfortos da aplicação judicial do conceito de dignidade humana são, na maior parte das vezes, suportáveis - se comparados ao custo humano de se prescindir, totalmente, dessa noção (e da “carga moral” que ela trouxe para o Direito).

Sobre a autora
Raquel Veras Franco

Pós-Graduada em Direito do Trabalho do Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Raquel Veras. Embriaguez, trabalho e o uso judicial da noção de dignidade humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3966, 11 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28178. Acesso em: 2 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!