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Relações entre Estado e economia:

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Agenda 31/05/2014 às 12:12

3  O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA DO SÉCULO XX

No início do século XX a economia brasileira era predominantemente agroexportadora, baseando-se na produção e exportação de alguns poucos produtos primários. Nesse período a cultura de açúcar, algodão, borracha, cacau e principalmente de café enriqueceram a elite nacional e foram o motor dinâmico de uma economia que se voltava para fora. Esse modelo de economia torna o país bastante vulnerável à conjuntura econômica mundial[17]. De fato, em 1929 com a crise ocasionada pela superprodução das indústrias norte-americanas, a demanda por café caiu enormemente e com ela o seu preço no mercado internacional. Em pouco tempo a exportação de café já não poderia sustentar a grande quantidade de produtos importados consumidos no Brasil. Além disso, a eclosão das Guerras Mundiais tornava esses produtos ainda mais caros e raros. Chegou-se a um ponto em que para consumir, os brasileiros tinham que produzir. Iniciou-se a chamada substituição de importações.

Com o fim da política do “café com leite”, que revezava o poder entre membros da elite agrária do país, abriu-se mais espaço para o desenvolvimento de outras áreas da economia nacional. A substituição de importações levou à ascensão do setor industrial no Brasil. As industrias nacionais diversificaram suas atividades para suprir as necessidades do mercado interno. Para estimular a industrialização, segundo Cotrim (1999, p. 281), “...o governo interveio na economia e colaborou com os empresários industriais, incrementando as áreas de infra-estrutura que os particulares não podiam desenvolver”. Trata-se do Estado Novo de Getúlio Vargas, em que construiu-se a Usina de Volta Redonda e a Companhia Vale do Rio Doce. Além disso, em 1953 foi fundada a Petrobrás – Petróleo Brasileiro S/A. As estatais tornavam-se cada vez mais presentes na pauta econômica do Brasil. Inclusive no setor financeiro, a atividade bancária era fortemente desempenhada pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, que atuavam ao lado de outras poucas instituições financeiras, a maioria de capital estrangeiro, à exceção de pequenas instituições de alcance regional. Deste período da história, deve-se mencionar ainda a criação em 1952 do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, um banco de fomento com capital integralmente subscrito pela União.

Algum tempo depois, de meados da década de 1950 até início da década de 1960, os brasileiros viveram o chamado Plano de Metas. Com o objetivo de “crescer 50 anos em 5” Juscelino Kubitschek de Oliveira criou um minucioso programa de governo que priorizava cinco setores fundamentais: energia, transporte, alimentação, indústrias de base e educação. Em seu governo Juscelino construiu usinas hidrelétricas (Furnas e Três Marias), instalou diversas industrias (dentre elas a automobilística), abriu rodovias (como a Belém-Brasília), ampliou a produção de petróleo (de 2 milhões para 5,4 milhões de barris) e, dentre outros, construiu Brasília. Mas, não se pode esquecer das ressalvas de Cotrim (1999, p. 296)[18]:

O grande número de obras realizadas pelo governo Juscelino fez-se à custa de empréstimos e investimentos estrangeiros. Ou seja, o governo internacionalizou a economia e aumentou a dívida externa brasileira. Permitiu que grandes empresas multinacionais instalassem suas filias no país e controlassem importantes setores industriais, como os de eletrodomésticos, automóveis, tratores, produtos químicos e farmacêuticos, cigarros etc. Os nacionalistas diziam que a política econômica de Juscelino tinha a vantagem de ser modernizadora, mas o defeito de ser desnacionalizadora.

Juscelino conseguiu cumprir várias das metas traçadas, em alguns casos até superou-as. Por outro lado, o Plano de Metas recorreu a medidas que deixaram como herança o aumento da inflação que seria sentido nos próximos anos. De fato, o início da década de 1960 foi marcado pelo que se pode chamar de primeira grande crise econômica do Brasil em sua fase industrial (GREMAUD, 2006, p. 388). Neste período, houve queda dos investimentos e a taxa de crescimento da renda brasileira também caiu significativamente. Em meio a essa conjuntura, o país também estava politicamente conturbado. No dia 31 de março de 1964, explode a rebelião das Forças Armadas contra o governo de João Goulart. Iniciado em Minas Gerais, rapidamente o movimento golpista teve a adesão das unidades militares de São Paulo, Rio Grande do Sul e o antigo Estado da Guanabara. João Goulart abandona Brasília em 1º de abril de 1964 e consegue exílio político no Uruguai. Começava a ditadura militar no Brasil.

Durante o período militar, o governo investiu em obras de infra-estrutura, ampliando a produção brasileira de petróleo, de carvão e desenvolvendo-se o álcool como combustível (criação do Proálcool). Além disso, construiu-se gigantescas usinas hidrelétricas em várias regiões do país (Itaipu, Tucuruí, Sobradinho etc.) e assinou-se acordo com a Alemanha para cooperação no campo da energia nuclear, que resultou na instalação das usinas nucleares de Angra dos Reis. Paralelamente, o governo expandiu a malha rodoviária, modernizou a indústria naval e desenvolveu o setor aeronáutico, com destaque para a EMBRAER (Empresa Brasileira de Aeronáutica). A infra-estrutura de comunicações também foi melhorada, permitindo serviços mais eficientes nas áreas de telefones, telégrafos, correio e antenas microondas. Houve também a integração do Brasil ao sistema de comunicações internacional via satélite.

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De fato, o regime militar (1964-85) foi o período em que a estatização da economia brasileira experimentou seu maior incremento, com a criação pelos governos federal e estaduais de um grande número de empresas estatais, que, por sua vez, criavam subsidiárias. Isso tornava difícil até quantificar seu número exato, sendo certo que se aproximavam de 500. Tais empresas atuavam em setores estratégicos, mas também em áreas de menor importância como hotelaria e supermercados. Chegou-se ao extremo de se criar uma empresa estatal para realizar apenas uma obra: a construção da Ponte Rio-Niterói. O grande objetivo que circundava as criações de estatais pelos militares era o de aumentar o nacionalismo do país.

Apesar disso, durante a ditadura militar houve o período chamado de milagre econômico, devido aos altos índices de crescimento do PIB. Tal milagre, entretanto, não pôde ser sustentado por muito tempo e com a dificuldade econômica tornava-se cada vez mais difícil para os militares legitimarem a sua forma ditatorial de governo. O povo se revoltava e exigia a volta da democracia em movimentos cujo lema Diretas-já era entusiasticamente proclamado.

A democracia voltou, mas a economia continuava em crise. A dívida externa estava nas alturas e a inflação saia do controle. Assim, segundo Gremaud (2006, p. 431):

A condução da política econômica da Nova República elegeu o combate inflacionário como meta principal. De 1985 até o momento, isso foi tentado de diferentes formas, com uma série de planos econômicos que visavam a quedas abruptas da inflação, intercalados por períodos de controles ortodoxos. Entre os planos destacam-se: Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990), Collor II (1991) e Real (1994). Percebe-se que de 1986 a 1991, praticamente em todos os anos, houve programas de combate à inflação. Esses planos tinham por base o diagnóstico da inflação inercial, trazendo como principal elemento o congelamento de preços, sendo que a cada plano incorporavam-se novas características, aperfeiçoando os planos anteriores, na tentativa de não se incorrer nos mesmos erros.

Em meio a essa feroz luta contra a inflação, estava sendo elaborada a Constituição Brasileira de 1988. Mais humanista que as anteriores, enfatizando a dignidade da pessoa humana, a cidadania, a solidariedade e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Já sob o regime da nova Constituição, em 1990 tem início o governo Collor. Este implantou o Programa Nacional de Desestatização, como medida para o ajuste fiscal e patrimonial do setor público. A máquina estatal estava hipertrofiada, tão grande que se tornava lenta e financeiramente insustentável. Conforme ensina Placha (2007, p. 41):

Verifica-se o aumento significativo da máquina pública pela assunção de novas tarefas voltadas para a promoção social, o que dificulta o andamento destas ações, até mesmo pela burocratização do aparato estatal, bem como surgem problemas decorrentes da escassez de recursos financeiros. Ainda que tenha sido experimentado um sensível aumento na qualidade de vida das pessoas, decorrente da atuação promocional do Estado, ainda assim verifica-se que muitas mazelas coletivas ainda assombram a sociedade atual. Houve, sim, uma evolução. O curioso, é que esta mesma evolução tende a inviabilizá-la.

Diante disso, optou-se pela desestatização ou privatização. Em 1991 foi privatizada a primeira estatal, ainda no governo Collor. A USIMINAS, uma siderúrgica mineira, que na época era uma das empresas estatais mais lucrativas, passava para o setor privado. Depois, nesse mesmo ramo, seguiu-se a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (em 1993).

O governo de Fernando Henrique Cardoso continuou as privatizações. Apoiado pelas recomendações do Consenso de Washington e do FMI, o presidente criou o Conselho Nacional de Desestatização, deixando claro o seu propósito de implementar um amplo programa de privatizações. E, de fato, as privatizações foram feitas, mas não sem críticas. E as críticas eram feitas não apenas por aqueles que discordavam ideologicamente de uma diminuição da máquina estatal, mas também por aqueles que, embora estivessem de acordo com as privatizações, se revoltavam com o modo como elas eram feitas. Um exemplo é o caso da Eletropaulo, vendida para a licitante estadunidense AES. O problema é que o BNDES liberou para essa empresa o financiamento de 100% do valor que pagaria aos cofres públicos. Ou seja, é como se o vendedor desse ao comprador o dinheiro para comprar a sua mercadoria. Não entrou nenhum dinheiro novo, a não ser os juros do empréstimo. Outra crítica era que se permitia que os compradores pagassem com “moeda podre”. Esse era o nome que se dava aos títulos de dívida pública emitidos em épocas de crise financeira e que tinham perdido seu valor de mercado. Ou seja, o governo estava vendendo suas empresas em troca de papéis sem nenhum valor.

De uma forma ou de outra, o fato é que no governo de Fernando Henrique Cardoso foram feitas inúmeras privatizações. Alguns exemplos são: a Companhia Vale do Rio Doce (em 1997), a TELEBRÁS (em 1998), o BANESPA (em 2000) e o BEG (Banco do Estado de Goiás S. A., em 2001).

Paralelamente a essa política de privatizações, afora interesses político-econômicos imorais que surgem na escória nacional, já se podia visualizar a implementação do modelo regulador de Estado. Como diz Gilberto Bercovici (2005, p. 83):

Uma das propostas principais da Reforma do Estado foi, também, a privatização das empresas estatais brasileiras. A privatização, no Brasil, foi associada à delegação de serviços públicos à iniciativa privada. Com a venda das empresas estatais que detinham o monopólio da prestação do serviço público, transferiu-se, conjuntamente com a propriedade da empresa, a execução do serviço. A regulação passou a ocorrer de dois modos distintos: a regulação contratual, ou seja, por meio do contrato de concessão entre o órgão regulador e o particular prestador do serviço público; e a regulação econômica setorial (economic regulation), pelo controle de fiscalização da prestação do serviço desempenhada pela atuação a “agência” reguladora do setor.

Gilberto Bercovici (2005, p. 81) ainda apresenta o assunto sob uma perspectiva de reforma do Estado:

(...) patrocionou-se a reforma do Estado para promover o descomprometimento público em relação à economia, por meio da privatização, liberalização e desregulação, buscando a substituição do Estado Intervencionista por um Estado Regulador. (...) Esta foi a lógica da chamada “Reforma do Estado”, promovida no Brasil entre 1995 e 2002, especialmente por meio de emendas à Constituição de 1988 e da criação de novos órgãos públicos, chamados de “agências”, imitando a estrutura administrativa norte-americana. A Emenda Constitucional n. 19, de 1998, especialmente, buscou instituir a chamada “Administração Gerencial”, cuja preocupação se dá em termos de eficiência de resultados, transplantando mecanismos da iniciativa privada para a Administração Pública e pautando a atuação do Estado pelo mercado.

Assim, a reforma de Estado que substitui o Estado Intervencionista por um Estado Regulador está aliada à reforma da Administração Pública, que passaria de uma administração burocrática para uma gerencial. Cabe aqui esclarecer melhor esse assunto.

O ex-Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira escreveu o artigo “Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado” publicado no livro “Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial”. Neste trabalho Bresser Pereira propõe a Administração Pública Gerencial em oposição à Administração Pública Burocrática.

A Administração Pública Burocrática concentra-se no processo, nos procedimentos. Fazendo isso busca evitar situações de nepotismo e de corrupção. Surgiu no século XIX, como forma de combater a promiscuidade entre bens públicos e privados que predominava nas monarquias européias. De fato, quando foi elaborada era uma grande inovação, atendendo aos ideais morais e às contingências econômicas da época. No século XIX predominava, ainda, o ideal de Estado Liberal. O Estado deveria ser mínimo, protegendo os direitos de propriedade. Para esse Estado, uma Administração Pública Burocrática atendia bem aos seus propósitos. Por outro lado, no século XX foi se desenvolvendo um modelo de Estado mais preocupado com as questões sociais. Às funções básicas do Estado foram se somando serviços sociais (educação, saúde, previdência etc.). E a Administração Pública Burocrática foi se mostrando inadequada para atender essa nova forma que o Estado ia tomando. Nas palavras de Bresser Pereira (1998, p. 26):

Foi um grande progresso o surgimento, no século XIX, de uma administração pública burocrática em substituição às formas patrimonialistas de administrar o Estado. (...) Apesar disso, quando, no século XX, o Estado ampliou seu papel social e econômico, a estratégia básica adotada pela administração pública burocrática – o controle hierárquico e formalista dos procedimentos – provou ser inadequada. Essa estratégia podia talvez evitar a corrupção e o nepotismo, mas era lenta, cara, ineficiente.

Se a forma como se administrava a coisa pública era ineficiente, era preciso pensar em novas maneiras de se realizar essa administração. Daí a proposta do que se chamou de Administração Pública Gerencial.

A Administração Pública Gerencial tem como características básicas: ser orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; e utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos gestores públicos[19]. Como pode-se perceber, essas idéias são convergentes com o modelo regulador de Estado. As reformas administrativa e de Estado que hoje se discutem e que vão sendo paulatinamente implantadas são complementares.

Sobre o autor
Sérgio Eidi Yamagami Sawasaki

Analista Judiciário - TJPR Pós-graduado em Direito Público pela UNIBRASIL. Graduado em Direito pela PUC-PR. Graduado em Economia pela UFPR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAWASAKI, Sérgio Eidi Yamagami. Relações entre Estado e economia:: um enfoque sobre o modelo de Estado Regulador e aspectos de sua aplicação no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3986, 31 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29048. Acesso em: 22 dez. 2024.

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