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Relações entre Estado e economia:

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 4.  EMPRESA PRIVADA E EMPRESA PÚBLICA: UM ESTUDO COMPARATIVO DO DESEMPENHO ECONÔMICO

Como visto, o modelo regulador de Estado prega que para ser mais eficiente um Estado deveria deixar a produção de riquezas prioritariamente para o setor privado. Este Estado interviria na economia apenas para que a atuação dos agentes econômicos, ao mesmo tempo que lucrativa, supra as necessidades coletivas não naturalmente atendidas pelo mercado. Só que para que esse modelo regulador de Estado seja realmente mais eficiente do que o modelo social e o modelo liberal é preciso que: (i) empresas privadas sejam em geral mais eficientes do que empresas públicas e (ii) sem nenhuma regulação, as empresas privadas acabem não sendo socialmente tão eficientes, devido às falhas de mercado. Para averiguar isso, recorre-se ao estudo comparativo do desempenho econômico de empresas privadas e públicas realizado por Edilberto Carlos Pontes Lima em seu artigo intitulado “Privatização e Desempenho Econômico: Teoria e Evidência Empírica”        

Para fazer esse estudo, Pontes Lima utilizou a teoria do agente-principal para explicar abstratamente as diferenças de desempenho entre empresas públicas e privadas. Logo após, fez uma análise das diferenças de incentivos presentes em cada tipo de empresa. A partir disso partiu para uma comparação empírica do desempenho das empresas públicas e privadas. E finalizou seu artigo com um estudo das empresas brasileiras privatizadas na década de 90 que passaram a figurar na lista das quinhentas maiores empresas privadas.

4.1  A TEORIA DO AGENTE-PRINCIPAL

A teoria do agente-principal esquematiza uma das formas mais antigas de interação social. Para ela se aplicar deve haver pelo menos dois indivíduos. Um, que é o principal, deseja que o outro, que é o agente, realize determinada tarefa e, para isso, o contrata mediante um pagamento (monetário ou não). É o que ocorre em uma empresa privada quando o seu dono contrata um empresário para administrar a empresa e é o que ocorre entre este administrador e os seus subordinados. É também o que acontece em empresas públicas, sendo o diretor da empresa o agente e a sociedade o principal. Dito isso, prossiga-se a explicação desta teoria. Na relação entre o agente e o principal há dois problemas: (i) assimetria de informações e (ii) cada um quer maximizar a sua função utilidade.

Assimetria de informações significa que um tem mais informações do que o outro. Normalmente é o agente que tem mais informações, pois praticando diretamente a ação ele acaba conhecendo melhor o processo e todas as suas nuances. Tendo mais informações, o agente pode usar isso contra o principal.

Em economia, maximizar a função utilidade significa, em palavras simples, uma pessoa fazer as coisas do modo mais prazeroso para ela, tendo em consideração todas as variáveis envolvidas. Assim, no caso de um administrador de empresas que acha que trabalhar menos e descansar mais é melhor, para maximizar a sua função utilidade, ele trabalhará o menos possível.

Para que a teoria agente-principal fique mais clara, veja-se um exemplo do dia-a-dia. Mário é um estudante universitário e está fazendo um trabalho para ser entregue no dia seguinte. Tendo feito apenas metade do trabalho descobre que acabaram as folhas de papel para impressão. Sem tempo para ir comprar ele mesmo, pede ao seu irmão caçula, Manuel, que vá comprar folhas de papel. Para isso, Mario entrega a Manuel 10 reais. E como compensação pelo esforço, Mario diz ao seu irmão que com o troco ele pode comprar um picolé, mas apenas um. Feliz, Manuel vai comprar as folhas para impressão, que custaram 7 reais. Voltando para casa Manuel vai comprar o seu picolé. Cada um custa 1 real. Manuel compra um e rapidamente o devora. Ainda não satisfeito, pensa “ora o meu irmão não sabe quanto custam as folhas nem o picolé, só eu sei, porque vim comprar. Se eu disser para ele que as folhas custaram 7,50 reais e o picolé 1,50 reais, então posso comprar mais um picolé e ele não vai ficar sabendo”. Assim, Manuel compra mais um picolé. Ao chegar em casa entrega a Mario as folhas e 1 real de troco, justificando os preços como tinha planejado. Como os preços eram razoáveis, Mario acha que está tudo certo, agradece o irmão e volta a fazer o seu trabalho.

Neste exemplo Mario era o principal e Manuel o agente. A assimetria de informações consiste no fato de Manuel saber os preços exatamente, enquanto Mario tinha apenas uma noção. Se aproveitando disso, Manuel procura maximizar a sua função utilidade comprando mais de um picolé. De fato, para Manuel quanto mais picolés melhor. Esse mesmo raciocínio se aplica na relação entre donos de empresas privadas e seus administradores, assim como entre a sociedade e os diretores de empresas públicas. Os administradores/diretores é que acompanham o dia-a-dia da empresa e todos os problemas que surgem. Conhecem detalhes que o dono/sociedade muitas vezes ignora ou sobre os quais tem uma vaga noção. Assim, da mesma forma que o Manuel, os administradores/diretores podem se aproveitar dessa assimetria de informações para maximizar as suas funções utilidade (pegando dinheiro por fora, trabalhando menos do que poderiam, etc.). 

4.2 OS INCENTIVOS

Para evitar esses abusos, os principais poderiam procurar meios de eliminar a assimetria de informações. Entretanto, para saber tanto quanto os agentes, seria preciso que os principais participassem das mesmas tarefas. E é justamente para não fazer essas tarefas que os principais contrataram os agentes. Assim, os agentes sempre terão mais informações do que os principais. Dito isso, os principais podem se fazer a seguinte pergunta: como fazer com que uma pessoa faça algo sendo que ela poderia fazer outra coisa melhor para ela? A resposta é: criando incentivos. Com os incentivos, torna-se mais atraente para o agente fazer o que realmente quer-se que ele faça. Um exemplo é o caso de uma empresa que dá aos administradores algumas ações da própria empresa. Deste modo, se a empresa se valoriza no mercado, como eles têm ações da empresa, eles se tornam mais ricos. Assim, quando puderem escolher entre fazer ou não fazer algo que vai valorizar a empresa, eles tenderão a optar por se esforçar em valorizar a empresa (mesmo que o principal não tivesse conhecimento técnico para saber dessa oportunidade de valorização da empresa).

Segundo Edilberto Carlos Pontes Lima, o que diferencia o desempenho de empresas privadas e públicas são justamente os incentivos. Em uma empresa privada o incentivo principal é o lucro, que como diz Pontes Lima (1997, p. 17) é um forte incentivo:

Observa-se, assim, forte incentivo à monitoração do comportamento dos executivos e/ou dos empregados. (...) proprietários privados encontram incentivos significativos que tornam desejável monitorar o comportamento dos administradores e empregados, de forma que tendam a ofertar o que os consumidores demandam e a baixo custo. Consequentemente, administradores e empregados privados encontrarão dificuldades em apresentarem comportamentos displicente ou inconsistente em relação ao aumento do valor presente da empresa privada.

Já em uma empresa pública, quem será beneficiado por uma atuação eficiente pelo diretor será o conjunto da sociedade. Mas, cada cidadão, individualmente, terá um benefício muito pequeno. Daí decorre que cada cidadão terá pouco estímulo para tentar monitorar o comportamento dos administradores e empregados públicos. Assim, Pontes Lima (1997, p. 19) ensina:

De forma geral, observou-se que há problemas de agência tanto na empresa privada quanto na pública. Contudo, teoricamente, o monitoramento no setor privado tem mais chances de ser mais efetivo porque há o interesse direto nos lucros por parte do proprietário, ao passo que, no setor público, a boa performance econômica constitui-se em um bem público, o que induz ao comportamento individual free rider de cada cidadão, embora, em alguns casos, o governo possa estar diretamente interessado no bom desempenho estatal.

4.3 comparação empírica do desempenho das empresas públicas e privadas

Viu-se que, teoricamente, as empresas privadas tendem a ser mais eficientes do que as empresas públicas. Resta agora observar se a experiência confirma uma performance mais eficiente da empresa privada. Edilberto Carlos Pontes Lima, coletou diversas pesquisas nessa área e as publicou em seu artigo.

Boardman e Vining (1989) fizeram uma pesquisa a partir da lista das quinhentas maiores empresas não-estadunidenses do mundo e que atuam em um ambiente competitivo. Segundo Pontes Lima (1997, p. 25) o resultado foi:

As conclusões foram que as empresas privadas são mais lucrativas e mais eficientes que as empresas mistas e estatais. As empresas mistas têm uma lucratividade igual ou pior que as empresas estatais e apresentam eficiência igual ou superior às estatais.

Megginson et alli (1994) elaboraram uma pesquisa em que comparou-se a atuação de 61 companhias em 18 países e 32 indústrias, privatizadas entre 1961 e 1990. Pontes Lima (1997, p. 28) descreve as conclusões:

O resultado mostrou forte evidência em favor da privatização: houve aumento de lucratividade, as vendas cresceram, aumentaram os investimentos, a eficiência operacional e o número de empregados. Além disso, diminuíram o nível de endividamento e aumentaram os pagamentos de dividendos. Para o conjunto das empresas observa-se a melhoria desses indicadores, mas quando os autores fizeram um corte e dividiram em duas subamostras – empresas competitivas e firmas em indústrias não-competitivas -, as primeiras apresentaram um resultado bem superior às últimas.

Pinheiros (1996) apresenta um estudo para as privatizações realizadas no Brasil. Pontes Lima (1997, p. 31) descreve que:

O resultado, para o conjunto das empresas privatizadas (décadas de 80 e 90), revelou-se estatisticamente significativo para todas as variáveis, exceto a liquidez corrente. Com exceção do lucro líquido, todos os demais indicadores econômicos melhoraram sensivelmente, com destaque para o crescimento dos investimentos, do investimento sobre as vendas e do investimento sobre o imobilizado.           

Ao final, fazendo uma análise geral das pesquisas, Pontes Lima (1997, p. 33) diz que:

O que se observa é que a maior parte apresenta evidência favorável à empresa privada, mas um número não despresível chega a resultados indiferentes ou favoráveis à empresa pública. Isso sugere que, a despeito da estrutura de propriedade ter papel importante, esta não é a única variável com influência sobre a performance.

4.4   estudo das empresas brasileiras privatizadas na década de 90 que passaram a figurar na lista das quinhentas maiores empresas privadas

Neste parte do artigo, Edilberto Carlos Pontes Lima observa o desempenho de dez empresas brasileiras privatizadas na década de 90 e que passaram a figurar na lista das 500 maiores empresas privadas do país, após a privatização. As empresas que se enquadram nessas características são a CSN, a USIMINAS, a CST, a COSIPA, a ACESITA, a AÇOMINAS, a CSN, a PQU, a PETROFLEX e a FOSFÉRTIL.        

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Para fazer o estudo, o autor utilizou a média dos indicadores de três até cinco anos antes da privatização, e de dois até quatro anos após a privatização, para efeitos de comparação. Os indicadores escolhidos foram os que tradicionalmente avaliam a performance de empresas, a saber: vendas, patrimônio líquido, endividamento, ativos, empregados, lucro líquido, retorno sobre as vendas (ROS), retorno sobre o patrimônio (ROE), retorno sobre os ativos (ROA), vendas por empregado e ativos por empregado[20].

Após ter trabalhado esses dados, Pontes Lima verificou os mesmos indicadores para o conjunto das quinhentas maiores empresas privadas, com o intuito de avaliar se as alterações de performance foram exclusivas das empresas privatizadas ou se foi um movimento generalizado na economia.

Ninguém melhor do que o próprio Pontes Lima (1997, p. 38) para descrever o resultado de seu estudo:

A conclusão do estudo realizado com as dez empresas aqui analisadas vai na mesma direção daqueles anteriormente resenhados, ou seja, sugere-se que a mudança da estrutura de propriedade, de fato, tem um papel importante para melhorar a performance econômica das empresas, ainda que alguns desses estudos (em número não desprezível) tenham sido favoráveis à empresa estatal ou indiferentes. Uma característica importante se extrai da evidência empírica: quando a empresa atua em uma estrutura de mercado pouco competitiva, a conclusão de que a empresa privada é mais eficiente é mais difícil de se alcançar. É o caso das evidências empíricas listadas por Boardman e Vining (1989), e também por Vickers & Yarrow (1991). Nesse caso o resultado é ambíguo, com ligeira vantagem para a empresa privada. (...) Quando se trata de empresas que atuam em estruturas de mercado competitivas, a evidência favorável à empresa privada é mais nítida. Os estudos listados por Yarrow (1986), Boardman & Vining (1989), Megginsson et alli (1994), Pinheiro (1996) e o deste artigo vão nessa direção. (grifo nosso).

4.5  O ESTUDO DE PONTES LIMA E O ESTADO REGULADOR

O estudo de Edilberto Carlos Pontes Lima tem importância conclusiva para o modelo regulador de Estado. Uma vez que se pode cientificamente concluir que empresas privadas tendem a ser mais eficientes do que empresas públicas tanto abstrata quanto concretamente, a pretensão do Estado Regulador de ser mais eficiente do que o Estado Social torna-se plausível.

Além disso, o estudo também deixa claro que é em ambientes competitivos que se torna mais evidente a eficiência de empresas privadas em relação às públicas. Isso reforça a idéia do modelo regulador de que o Estado deve intervir no mercado para diminuir as falhas de mercado.

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Sobre o autor
Sérgio Eidi Yamagami Sawasaki

Analista Judiciário - TJPR Pós-graduado em Direito Público pela UNIBRASIL. Graduado em Direito pela PUC-PR. Graduado em Economia pela UFPR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAWASAKI, Sérgio Eidi Yamagami. Relações entre Estado e economia:: um enfoque sobre o modelo de Estado Regulador e aspectos de sua aplicação no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3986, 31 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29048. Acesso em: 29 mar. 2024.

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