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Relações entre Estado e economia:

um enfoque sobre o modelo de Estado Regulador e aspectos de sua aplicação no Brasil

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5.  O ESTADO REGULADOR

5.1  A PRESENÇA DA REGULAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição é a lei que define a estrutura em que o Estado deverá se enquadrar. Seus limites e possibilidades estão nela previstos. Forma de Estado, forma de governo, sistema econômico, religiosidade ou secularidade, estão entre as escolhas estabelecidas pela Constituição de um país. No Brasil, a Constituição define inclusive os objetivos fundamentais a serem perseguidos pelo país (artigo 3º), quais sejam: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Há diferentes formas de alcançar esses objetivos. O modelo regulador foi consagrado pela Constituição Brasileira de 1988, não de maneira explícita, mas em decorrência do contexto sistemático do ordenamento constitucional.

Em seu artigo 170, a Constituição Brasileira indica a tendência regulatória do Estado:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

         I – soberania nacional;

         II – propriedade privada;

         III – função social da propriedade;

         IV – livre concorrência;

         V – defesa do consumidor;

         VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

         VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

         VIII – busca do pleno emprego;

         IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Este artigo estabelece que a ordem econômica no Brasil deve valorizar a livre iniciativa e ter como princípio a propriedade privada. Isso significa que o Estado tem que prezar pelo desenvolvimento do setor privado. Mas ao mesmo tempo em que faz isso, deve também valorizar o trabalho humano, assegurar dignidade a todos, proteger a soberania nacional, a livre concorrência, o consumidor, o meio ambiente, reduzir desigualdades etc. E isso está de acordo com o modelo regulador de Estado. Incentiva-se o setor privado como motor do desenvolvimento e produção de riquezas, mas impondo-se limites e direcionando-se as ações das empresas para os objetivos estatais, também definidos pela Constituição. Placha (2007, p. 53) complementa:

O modelo brasileiro está caracterizado pela busca do desenvolvimento econômico, observados princípios de promoção social. Isto significa que a atividade regulatória, no aspecto constitucional, tem a função de equilibrar relações econômicas e socias. O Estado assume uma postura de atuação subsidiária à iniciativa privada, coordenando e fiscalizando as atividades particulares, permanecendo com as funções estatais exclusivas.         

Apenas o artigo 170, entretanto, não deixa tão clara a consagração do modelo regulador pela Constituição Brasileira. Os artigos 173 e 174 são essenciais para tal constatação:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo conforme definido em lei.

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. 

O artigo 173 da Constituição estabelece que em regra não cabe ao Estado a atuação em atividades econômicas. Como visto em capítulos anteriores, estas atividades são essenciais para o suprimento de necessidades básicas e supérfluas de cada indivíduo e da comunidade. Assim, se o Estado não atua nessas atividades é preciso que alguém o faça e este alguém é o setor privado[21].  Isso significa que no Brasil a produção de bens e a prestação de serviços deve ser feita predominantemente pela iniciativa privada. Esta, entretanto, se deixada a sua própria sorte tende a atuar segundo interesses individuais, negligenciando as necessidades coletivas. É por isso que o artigo 174 define o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica e atribui a ele as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Além disso, o Estado deverá exercer essas funções segundo os seus objetivos fundamentais definidos na Constituição, de modo a suprir as necessidades coletivas. É exatamente isso que prega o modelo regulador de Estado e o artigo 219 da Constituição da República:

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos da lei federal.           

5.1.1  O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O governante de um país tem um grande poder em suas mãos. A possibilidade de escolher entre alternativas que influenciarão a vida de muitas pessoas é uma grande responsabilidade. Sabe-se que muitos governantes não tomam suas decisões baseados no que será melhor para o povo, mas de acordo com interesses particulares. Imagine-se, em oposição à realidade, que os governantes tivessem a intenção de escolher as alternativas que mais beneficiassem o povo. Acrescentando mais utopia a essa imaginação, admita-se que todos os cidadãos também quisessem apenas o que fosse melhor para todos. Tudo parece indicar que essas sociedades seguiriam felizes, desfrutando de uma harmonia surreal e um longo caminho rumo ao progresso e bem-estar. Entretanto, qual a alternativa que mais beneficia a todos?

Os seres-humanos aparentemente têm a curiosidade de saber como as coisas funcionam. De ter domínio, controle sobre o que ocorreu, ocorre e ocorrerá. Assim, quer-se saber como surgiu o Universo, por que há vida na Terra, como viviam as primeiras civilizações humanas, por que chove, quando ocorrerá o próximo eclipse, como surgem os bebês, por que as pessoas adoecem, por que algumas terras são férteis e outras não, o que acontece depois da morte, por que alguns países são ricos e outros pobres, como surgiu o Estado, como o Estado se relaciona com a Economia etc. E para apaziguar essas dúvidas tenta-se compreender a realidade através de diferentes métodos aplicados a diversos objetos, formando variados campos de estudo como a Geografia, a História, a Medicina, a Geologia, a Física, o Direito, a Economia etc. De fato, muitas respostas foram encontradas, permitindo que se possa até mesmo prever o que vai acontecer quando um dado conjunto de fatores e circunstâncias se apresentam na realidade: podemos prever secas e chuvas com certa precisão, medir tempo e distância, moldar e construir objetos, desenvolver máquinas, identificar e prevenir doenças (vacinas, medidas profiláticas), transplantar órgãos, voar, fazer plantas e animais crescerem mais rápido, inserir genes de uma espécie em outra etc. Tudo o que foi descoberto até agora dá cada vez mais controle aos seres-humanos sobre o que ocorre a sua volta[22].

Esse controle, entretanto, não é absoluto. E seu grau depende do campo de estudo. As ciências sociais, em oposição às naturais, não conseguem prever com tanta exatidão o que vai ocorrer dadas certas circunstâncias. São tantos fatores, dentre os quais muitos subjetivos, que não se consegue ter domínio total sobre o objeto de estudo. Em outras palavras, a realidade não é compreendida em sua totalidade. Nesta perspectiva, a resposta para a pergunta “qual a alternativa que mais beneficia a todos?” depende da opinião de cada um, ou de cada grupo. Como não se tem controle sobre a realidade, não se pode prever totalmente as conseqüências de uma e outra alternativa, sempre havendo espaço para especulações. Será natural, então, que diferentes grupos façam diferentes especulações. Segue-se logicamente que, mesmo todos tendo as melhores intenções, haverá divergências sobre qual a melhor alternativa.

Sendo assim, a decisão a ser tomada dependerá de forças políticas e/ou de critérios pré-estabelecidos. É neste ponto que o princípio da dignidade da pessoa humana se torna importante. Muitas vezes, no seu relacionamento com a economia, o Estado tem de optar entre pessoas e o desenvolvimento econômico. Por exemplo, numa situação em que a elaboração de leis trabalhistas (salário mínimo, jornada de trabalho etc.) fará diminuir a produção de riquezas, a decisão pode se basear no poderio político dos grupos envolvidos (operários versus industriais) ou em critérios pré-estabelecidos (riqueza em primeiro lugar versus dignidade em primeiro lugar). No Brasil, a dignidade da pessoa humana é um critério pré-estabelecido pela Constituição.

Assim, o modelo regulador de Estado deve procurar o desenvolvimento econômico incentivando a produção de riqueza pelas empresas, mas deve fazê-lo sem jamais infringir a dignidade humana. O Estado deve respeitar os limites impostos pelos direitos fundamentais dispostos na Constituição. Há direitos atribuídos a uma pessoa apenas pelo fato de ela ser humana, e estes direitos fundamentais não podem ser violados. Nem mesmo o pretexto do desenvolvimento econômico é válido. Esses direitos são, então, limites à atuação do Estado, como bem diz Moraes (2002, p. 58):

Na visão ocidental de democracia, governo pelo povo e limitação de poder estão indissoluvelmente combinados. O povo escolhe seus representantes, que, agindo como mandatários, decidem os destinos da nação. O poder delegado pelo povo a seus representantes, porém, não é absoluto, conhecendo várias limitações, inclusive com a previsão de direitos e garantias individuais e coletivas, do cidadão relativamente aos demais cidadãos e ao próprio Estado.

5.2  O DIREITO REGULATÓRIO

A Constituição da República Federativa do Brasil define que este país constitui-se em um Estado Democrático de Direito. Ser um Estado de Direito significa que o Estado deve atuar dentro do campo permitido pela lei[23], rejeitando a idéia de que o governante tudo pode e de que não será responsabilizado por seus atos. Ao Estado de Direito acrescenta-se o adjetivo “democrático”, sendo o governante um representante do povo, devendo agir no interesse deste e não no próprio. Isso afasta Estados Totalitários, que muitas vezes agiam legalmente, mas contra os interesses da população.

Dessa forma, no Brasil o Estado deve tomar suas decisões tendo como norte as leis e o interesse coletivo. Sendo assim, para que se empregue o modelo regulador, é preciso que ele esteja previsto nas leis nacionais. É neste contexto que se fala de um Direito Regulatório.

Como a Regulação trata do modo como o Estado se relaciona com a economia, um ramo do Direito que aborde esse assunto estará intimamente ligado ao Direito Administrativo. Pode-se dizer que o Direito Regulatório pertence a uma das etapas evolutivas do Direito Administrativo. De fato, como o Direito Administrativo impõe limites à atuação do Estado, ordenando o relacionamento deste com os particulares, o Direito Regulatório não é senão uma das facetas desse ramo mais abrangente. Assim, PLACHA (2007, p. 77) diz: “O Direito Regulatório é uma especialização do Direito Administrativo e que deve, portanto, observar os limites do sistema jurídico.” Villela Souto (2002 apud PLACHA, 2007, p. 76) corrobora:

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A necessidade de regular as atividades em que o setor privado substituiu ou ocupou espaços não atendidos pelo público, bem como aquelas de interesse econômico geral acarretou o surgimento de novas estruturas administrativas e de novas categorias de normas, respectivamente, as agências reguladoras e as normas reguladoras.

5.3  A ATIVIDADE REGULATÓRIA

O Estado Brasileiro tem objetivos e finalidades definidos por sua Constituição e para cumpri-los precisa agir concretamente, exercendo diversas atividades. Segundo a classificação tradicional, que foi adotada pela Constituição, essas atividades podem ser de cunho Administrativo, Legislativo ou Judiciário. Dentre as atividades administrativas, pode-se citar a atividade regulatória.

A atividade regulatória compreende o exercício de poder de fiscalização, repressão, promoção de fomento em áreas de interesse e além disso, o estabelecimento de  certas normas.

A fiscalização é para controle da atividade econômica pública e privada e dos serviços sociais não exclusivos do Estado, com o objetivo de defender o interesse coletivo. Se um determinado setor está praticando atos que vão contra esse interesse, a atividade regulatória tomará medidas repressivas, punindo as empresas do setor. Por outro lado, se um setor não pratica atos prejudiciais à coletividade, mas ao mesmo tempo deixa de praticar atos benéficos, cabe ao Estado, por meio da atividade regulatória, incentivar esses atos. Para fazer isso, o Estado delega àqueles encarregados pela atividade regulatória uma parcela do poder normativo da Administração Pública. Assim, para Placha (2007, p. 99):

Portanto, a atividade regulatória é uma parcela do poder normativo da Administração Pública, que tem por finalidade específica estabelecer normas de conduta e controle sobre atividades setoriais determinadas. Mas embora seja uma parcela da atividade administrativa, a atividade regulatória possui a diferença de estar dissociada da idéia de poder governamental central.

5.3.1  A Intervenção do Estado na Economia e a Atividade Regulatória

Quando se fala em intervenção do Estado na economia fala-se de toda e qualquer forma pela qual o Estado modifica o curso normal dos mercados. Assim, a Atividade Regulatória é uma das formas dessa intervenção, sendo menos abrangente.

A intervenção econômica do Estado pode atuar na seara das quatro falhas de mercado apontadas, inclusive, ofertando o Estado ele mesmo os bens considerados públicos (por serem não disputáveis e não exclusivos). O Estado também pode ofertar bens que não são públicos, mas que por produzirem grandes externalidades positivas, são de interesse coletivo, como a educação e a saúde. Essas atuações do Estado diretamente na economia não são abrangidas pela regulação econômica. Simplesmente, os atos que o próprio Estado pratica não precisam ser direcionados para o interesse coletivo, pois em teoria eles já devem ser essencialmente voltados para tais fins. Diferente é o caso do setor privado, que por tender ao lucro e aos interesses dos empresários[24], deve ser regulado para evitar prejuízos coletivos e para fomentar o seu lado socialmente benéfico.

Mas a regulação econômica também não é feita sobre todo e qualquer setor privado da economia. Regulam-se os setores da economia deixados para a iniciativa privada, mas que tenha uma grande importância social ou em que haja significativo poder de monopólio[25] ou ainda cujas externalidades negativas ou positivas devam ser evitadas ou fomentadas e, por fim, também nos casos em que o grau de assimetria de informações exige intervenção estatal.

5.3.2  Características

Como principais características da atividade regulatória, pode-se citar: a independência do poder governamental, a autonomia, a descentralização e a subsidiariedade. A seguir tratar-se-á de cada uma delas.           

5.3.2.1  Independência do poder governamental

Estado e Governo não podem ser confundidos. Segundo a valiosa lição de Hely Lopes Meirelles (1999, p. 54) o conceito de Estado:

(...) varia segundo o ângulo em que é considerado. Do ponto de vista sociológico, é corporação territorial dotada de um poder de mando originário (Jellinek); sob o aspecto político, é comunidade de homens, fixada sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção (Malberg); sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana (Biscaretti di Ruffia); na conceituação de nosso Código Civil, é pessoa jurídica de Direito Público Interno (art. 14, I). Como ente personalizado, o Estado tanto pode atuar no campo do Direito Público como no do Direito Privado, mantendo sempre sua única personalidade de Direito Público, pois a teoria da dupla personalidade do Estado acha-se definitivamente superada.        

Em oposição, o grande autor Meirelles (1999, p. 59) diz que governo:

Em sentido formal, é o conjunto de Poderes e órgãos constitucionais; em sentido material, é o complexo de funções estatais básicas; em sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos. Na verdade, o Governo ora se identifica com os Poderes e órgãos supremos do Estado. Ora se apresenta nas funções originárias desses Poderes e órgãos como manifestação da Soberania. A constante, porém, do Governo é a sua expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica vigente. O governo atua mediante atos de Soberania ou, pelo menos, de autonomia política na condução dos negócios público.

Assim, pode-se dizer que os objetivos do Estado são superiores e mais duradouros do que os objetivos de um governo. No caso do Brasil atual, cada eleição dá ensejo a um novo governo. Dentro dos limites definidos pela Constituição, cada governo define o modo como vai atuar. Pode ser um governo popular, um governo mais voltado à produção de riquezas etc. O Estado perpassa os diversos governos, como uma estrutura maior que dá certa unidade aos sucessivos governos, permitindo que as conquistas de cada governo convirjam para uma mesma finalidade comum.

Neste contexto, uma vez que o modelo regulador busca direcionar a atividade econômica segundo as finalidades do Estado, a atividade regulatória deve guardar independência do poder governamental. Uma vez que na atividade regulatória as finalidades são as do Estado, não se pode admitir que cada governo altere o seu exercício conforme o matiz de sua política. Submeter a atividade regulatória à influência política é torná-la mecanismo de corrupção e concentração de poder econômico, já que é de grande interesse das empresas privadas ter controle sobre o órgão que regula a sua atividade.

Além disso, se a cada eleição os órgãos que regulam diversos setores da economia mudarem as regras do jogo, a insegurança das empresas quanto às políticas que serão adotadas nos próximos governos será um obstáculo para um crescimento saudável da economia nacional. Instabilidade econômica dá ensejo a episódios de grande desemprego, inflação, descontrole cambial etc. Não é este o objetivo estatal.

5.3.2.2  Autonomia

            Para ser independente do poder governamental, é preciso que a atividade regulatória seja autônoma. A autonomia deve ser tanto da gestão administrativa quanto financeira[26].

            Se a atividade regulatória depender do governo para ter recursos financeiros para por em prática seus objetivos, cada governo terá um forte mecanismo de pressão sobre os agentes reguladores. Seria fácil para o governo impor condições, por vias alternativas, para atender a interesses político-econômicos próprios. A atividade regulatória quedaria inútil para as finalidades que lhe são estabelecidas pela Constituição.

            Por sua vez, a gestão administrativa autônoma garante que as entidades reguladoras organizem elas mesmas as suas atividades. Como quem trabalha nas entidades reguladoras é que vivencia os problemas e dificuldades que a atividade tem, são eles os mais aptos a gerenciar e organizar o modo como o objetivos devem ser alcançados. Deixar que outros órgãos interfiram, principalmente aqueles de cunho político, dificultaria em muito a concreção desses objetivos.

            Por outro lado, naturalmente a atividade regulatória não é imune ao controle externo. Se ela desviar ou ultrapassar dos limites e finalidades constitucionais, deverá sofrer as sanções cabíveis. A capacidade das entidades reguladoras de solucionar e dirimir conflitos, por exemplo, está sujeita ao controle jurisdicional. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a autonomia regulatória resulta da “(...) nova dimensão de autodeterminação que resulta da abertura, pela lei, de um espaço decisório deslegalizado em seus respectivos setores de atuação”. 

5.3.2.3  Descentralização

            A atividade regulatória, novamente para ser independente e autônoma do poder governamental, é exercida por pessoas jurídicas distintas do Estado. É por isso que ela é dita descentralizada. Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 147) explica com grande clareza a distinção entre centralização e descentralização:

Na centralização o Estado atua diretamente por meio dos seus órgãos, isto é, das unidades que são simples repartições interiores de sua pessoa e que por isto dele não se distinguem. Consistem, portanto, em meras distribuições internas de plexos de competência, ou seja, em “desconcentrações” administrativas. Na descentralização o Estado atua indiretamente, pois o faz através de outras pessoas, seres juridicamente distintos dele, ainda quando sejam criaturas suas e por isto mesmo se constituam, como ao diante se verá, em parcelas personalizadas da totalidade do aparelho administrativo estatal.

            A descentralização pode ser vista como uma resposta do Estado perante as mudanças sócio-econômicas que os grupos humanos têm vivido. A história está repleta de exemplos de direitos conquistados ao longo do tempo, muitos dos quais se acumularam até os dias de hoje. As atribuições do Estado iam aumentando à medida que discursos sociais ganhavam força. Estados economicamente mais desenvolvidos conseguiram, de certa forma, oferecer e garantir esses direitos aos cidadãos durante certo tempo. Entretanto, o crescimento e envelhecimento populacional impossibilitaram que o Estado, por si mesmo, ofertasse tantos bens e serviços. A estrutura administrativa que antes funcionava, tornou-se obsoleta diante da realidade sócio-econômica atual. De modo que inúmeros países passaram por processos de reforma administrativa, em que suas estruturas piramidais e hierarquizadas foram flexibilizadas. Assim, segunda Placha (2007, P. 104):

Esta transformação ocorreu, em parte, por conta da evolução das relações sócio-econômicas que atingiram um estágio elevado de complexidade e dinamismo, sendo que o Estado já não tinha mais estrutura compatível para lidar com as situações advindas destas mudanças. A atividade regulatória deriva deste movimento de descentralizar, sendo uma tendência contrária ao paradigma clássico tradicional das administrações centralizadas e hierarquizadas, pois a regulação se espalha por diversas estruturas, com inúmeros agentes envolvidos e com interesses distintos.

5.3.2.4  Subsidiariedade

            Segundo o modelo regulador de Estado, a produção das riquezas necessárias ao suprimento de necessidades básicas e supérfluas dos indivíduos e do grupo é deixada prioritariamente para o setor privado. Somente nos casos em que este setor se mostrar incapaz ou insuficiente para suprir essas necessidades é que o Estado deve intervir na economia, em primeiro lugar direcionando as forças privadas para as necessidades não atendidas e em segundo lugar, quando a primeira alternativa não for viável, produzindo os bens ou prestando os serviços em falta ele mesmo. Essa ordem do suprimento das necessidades deixa claro o papel subsidiário do Estado e da Atividade Regulatória neste modelo.

            A subsidiariedade da Atividade Regulatória indica que, embora a Constituição adote o modelo regulador, nem todos os setores da economia serão submetidos à essa regulação. Apenas aqueles em que se observar que as necessidades coletivas não estão sendo atendidas conforme as normas constitucionais é que serão objeto da Atividade Regulatória[27].

            Importante ressaltar que ser subsidiário não significa ser pouco importante. O papel do Estado e a Atividade Regulatória são extremamente importantes. Sem o Estado dificilmente a economia chegaria aos níveis de prosperidade que chegou e que vem alcançando. O Estado garante a paz social e um certo nível de estabilidade das instituições e relações entre indivíduos e entre nações. Roubos, guerras, assassinatos, golpes políticos, etc., são fatores que vão contra a fluidez das negociações e trocas que levam à prosperidade econômica de uma nação[28].  

5.3.3  Normatividade

            A economia tem se tornado cada vez mais complexa. Cada setor demanda enorme quantidade de estudo para ser parcialmente compreendido. Sempre há muitos fatores e variáveis a serem analisados para que se possa chegar a uma conclusão, que mesmo assim não pode ser tida como definitiva, mas a mais adequada para aquele momento.

            Decisões políticas, descoberta de novas fontes de petróleo, desenvolvimento de novas tecnologias, eclosão de guerras, assinatura de um novo acordo internacional, embargos estrangeiros à importação de um produto nacional, surgimento de novas doenças, catástrofes naturais etc. Todos esses acontecimentos influenciam as decisões das empresas, podendo levar algumas à falência e outras à altos lucros. Consequentemente, esses acontecimentos podem ensejar desemprego e/ou aquecer a economia. O fato é que muitos desses acontecimentos são imprevisíveis ou acontecem muito rapidamente, o que significa que a sobrevivência de muitas empresas depende da sorte e do acompanhamento desse dinamismo. Se o Estado quer que seu país seja próspero, deve criar um ambiente institucional em que facilite essas mudanças pelas empresas conforme a dinâmica da realidade. 

            Nesse raciocínio, seria inadequado que os setores econômicos fossem regulamentados em suas especificidades pelo Poder Legislativo. Essa esfera do poder estatal, pela própria adoção do modelo democrático no Brasil, atua de modo um tanto vagaroso, atendendo a inúmeros requisitos procedimentais estabelecidos pela Constituição. Além desta questão temporal, a regulamentação de setores da economia exige grande conhecimento técnico sobre cada setor, sem o que corre-se o risco de gerar desajustes de grande repercussão negativa na economia.

            É por isso que a lei delegou aos entes reguladores competências normativas variadas para disciplinar determinadas matérias dos setores regulados. As entidades reguladoras são compostas de pessoal tecnicamente especializado e que dispensam atenção permanente ao setor que regulam, sendo os agentes mais adequados a regulamentar setores específicos da economia. Com o conhecimento técnico e acompanhamento da dinâmica sócio-político-econômica, consegue-se elaborar normas que incentivem as empresas para os objetivos desejados sem impossibilita-las de exercer lucrativamente as suas atividades. Sobre isso Placha (2007, p. 112) escreveu:

Portanto, a normatividade, enquanto característica da atividade regulatória, decorre da necessidade do Estado disciplinar determinadas situações, cujo regramento não decorre exclusivamente da lei, sendo que a alternativa foi atribuir aos entes reguladores competências normativas específicas para interferir sobre determinadas atividades, que exigem atenção estatal especial devido às particularidades do setor regulado.

5.3.3.1  A Legitimidade Democrática da Atividade Regulatória

            O poder normativo delegado à Atividade Regulatória é origem de questionamentos sobre a legitimidade democrática dessa atividade. Ter competência para criar normas que outras pessoas terão de respeitar sob pena de punição pela força estatal, é um grande poder. E, segundo a ideologia democrática, o poder emana do povo, que pode delega-lo a alguns representantes eleitos pela maioria. A questão, portanto, é que a atividade regulatória compreende o exercício de função normativa por agentes não eleitos pelo voto direto.

            Imagine-se, então, que os agentes das entidades reguladoras fossem eleitos pelo povo periodicamente, assim como os chefes do executivo e os legisladores. O efeito seria o mesmo de que a Atividade Regulatória não fosse independente do poder governamental. Os agentes reguladores seriam tão instáveis quanto os governos, não dando aos setores econômicos a estabilidade necessária para o seu crescimento. Além disso, tornar-se-iam mais vulneráveis a influências políticas e econômicas, uma vez que precisariam de financiamento para suas campanhas eleitorais.

            Mas, o fato de a eleição pelo povo não ser compatível com a Atividade Regulatória não significa que ela é democraticamente ilegítima. A democracia não é exercida apenas pelo ato de votar. Audiências públicas e prestações de conta à comunidade são formas essenciais para que o povo não participe das decisões apenas na hora de escolher o candidato. Controlar o que está sendo feito pode ser mais importante do que escolher dentre alguns poucos candidatos. A democracia deve ser exercida no dia-a-dia e não apenas a cada dois anos. Alexandre Santos de Aragão (2005, p. 87) vem fortalecer esta perspectiva:

Veja-se, por exemplo, as agências reguladoras, cujos dirigentes são nomeados por mandatos certos não coincidentes, propiciando a nomeação deles ao longo de diversos governos. A medida, longe de se afastar da democracia, com um suposto afastamento destas instâncias das forças políticas majoritárias, assegura o pluralismo no seio do Estado sem retirar totalmente o poder de controle do Chefe do Poder Executivo ou do Poder Legislativo. São, destarte, uma fórmula apta a propiciar a necessárias combinação entre o pluralismo e o princípio majoritário. 

Acrescente-se, por fim, o fato de que com as Agências Reguladoras, típicas do modelo regulador de Estado, torna-se mais fácil para a população verificar o que está sendo feito a respeito de cada setor regulado[29]. Se há uma agência dedicada aos serviços de telefonia, por exemplo, qualquer alteração será logo sentida pelo usuário, que em encontrando problemas, saberá exatamente a quem reclamar e exigir os seus direitos: à agência reguladora do serviço de telefonia. Quando não há uma entidade própria e claramente responsável por um setor, torna-se difícil para o cidadão encontrar um canal de comunicação com o órgão estatal responsável. Neste sentido, a Atividade Regulatória é um avanço para a democracia nacional.

5.3.4  Meios da Atividade Regulatória

O setor privado é composto de grandes, médios e pequenos empreendedores. De uma forma ou de outra, todos buscam ter bons lucros. Seja para sustentar a família ou comprar um iate, a iniciativa privada tende a tomar suas decisões procurando ter os melhores retornos financeiros possíveis. Logicamente, se dois fornecedores vendem a mesma matéria prima por preços diferentes, sem considerar outros fatores (como frete, formas de pagamento etc.), um empresário tenderá a comprar do fornecedor que vender por um preço menor. Seguindo esse raciocínio e sabendo-se que o investimento na produção de alguns bens e serviços de utilidade coletiva (segurança pública, obras de infra-estrutura etc.) têm baixo ou nenhum retorno financeiro, é fácil concluir que a iniciativa privada dificilmente investirá neles. Isso não significa que os empreendedores privados são pessoas más e que não pensam na coletividade. O mercado em si dificulta essa forma de atuação pelos seus agentes, pois quem não for competitivo logo é derrubado pelos concorrentes, e será ele que não vai mais conseguir sustentar a sua família ou comprar o seu iate. É esta uma das razões pelas quais se justifica a existência do Estado e a sua intervenção na economia. Esta intervenção, aqui, se dá segundo o modelo regulador, que pode intervir pelos seguintes meios: meios repressivos, meios promocionais e meios preventivos.

            A competição capitalista e a busca por suprir necessidades individuais leva alguns empresários a não somente deixar de investir em empreendimentos de interesse coletivo, mas a praticar condutas abusivas que acabam sendo prejudiciais à sociedade. É para combater essas práticas que a Atividade Regulatória utiliza-se de meios repressivos. Assim, impõe-se a sanção cabível quando o comando legal ou a norma regulatória não forem observados.

            Por outro lado, há empresários que não prejudicam a sociedade, mas simplesmente deixam de fazer algo que seria útil para a coletividade. Assim, cabe ao Estado incentivar os empresários a fazer tais investimentos. São os meios promocionais de atuação da Atividade Regulatória, pelos quais se pode, por exemplo, atrair investimentos para os setores que estão precisando, atendendo necessidades coletivas que não seriam supridas naturalmente pelo mercado.

            Por fim, utilizando os meios preventivos, os agentes reguladores, que estão em contato com o dinamismo dos setores econômicos regulados, podem evitar que atos e fatos que possam ser danosos para as empresas e para a coletividade venham a ocorrer. Através do controle e fiscalização, o Estado atua para evitar crises econômicas e convulsões sociais. Faz blindagem contra variações políticas e cenários globais ou nacionais desfavoráveis, garantindo estabilidade para os agentes dos setores regulados[30].

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Sobre o autor
Sérgio Eidi Yamagami Sawasaki

Analista Judiciário - TJPR Pós-graduado em Direito Público pela UNIBRASIL. Graduado em Direito pela PUC-PR. Graduado em Economia pela UFPR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAWASAKI, Sérgio Eidi Yamagami. Relações entre Estado e economia:: um enfoque sobre o modelo de Estado Regulador e aspectos de sua aplicação no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3986, 31 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29048. Acesso em: 5 nov. 2024.

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