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Governo de gabinete no Brasil:

uma saída exótica e contrária ao dogma da separação dos poderes?

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Agenda 01/07/2016 às 15:46

Notas

[i] Objeções como essas pressupõem, o que não é fácil de se demonstrar, que existe algo como um “temperamento nacional”; e que esse pode ser monarquista ou republicano, Presidencialista ou Parlamentarista, estoico ou epicurista e etc. E pressupõe, ainda, que a partir da identificação desse temperamento, poderíamos concluir qual seria o sistema de governo “natural” de um dado país. Não custa registrar que não estamos certos a respeito da plausibilidade dessas premissas.

[ii] Uma outra linha argumentativa, a qual, todavia, não enfrentaremos aqui, é a de que o sistema presidencialista deitaria, no Brasil, supostas raízes históricas e populares. Eis como Paulo Bonavides rebate essas alegações: “O presidencialismo era algo tão estranho, tão anômalo, tão fora do conhecimento da liderança política proclamadora da República que Rui Barbosa levou mais de um decêndio de magistério constitucional a educar doutrinariamente os primeiros homens do novo regime, ensinando-lhes os princípios e a prática do sistema presidencial, adotado de surpresa, recebido dos Estados Unidos e gravado na Constituição pátria pelo punho daquele que foi o maior luminar de nossa história política. (...) Um dos argumentos escamoteadores e sofísticos largamente empregados na campanha de que resultou o plebiscito contra o Ato Adicional foi o de que o presidencialismo deitava no Brasil raízes históricas e populares. Isto é rigorosamente falso, conforme já assinalamos em reflexões antecedentes. A menos que essas raízes se buscassem na história do cesarismo político nacional, nas sedições, nas violências, nos atentados perpetrados contra a Constituição; na frequente e monótona série de golpes de Estado, ou no pesadelo da crise permanente em que se viu a nação mergulhada desde a primeira Constituição republicana, nos graves riscos de comprometimento da estrutura democrática do país, em face da vocação ditatorial do Presidente da República” (1969, p. 73-74).

[iii] Nas palavras de Bagehot: “O segredo da eficiência da Constituição Inglesa pode ser descrito como a união próxima, a quase completa fusão, dos poderes executivo e legislativo. Não há dúvida de que pela teoria tradicional, tal como ela existe em todos os livros, a virtude de nossa constituição consiste na inteira separação das autoridades legislativa e executiva, mas na verdade o seu mérito consiste na sua singular aproximação. O elo é o gabinete. Através dessa nova palavra, nós queremos designar uma comissão do corpo legislativo selecionada para ser o corpo executivo. A legislatura possui muitas comissões, mas essa é a maior”. (1915, p. 166. Traduzimos)

[iv] Apud (GODOY, 2013, p. 12).

[v] Também Joaquim Nabuco teve a oportunidade, ao apresentar um perfil de Balmaceda, o ex-Presidente do Chile, de censurar o que chamara de “política silogística” e que nós chamamos de política fundada em dogmas abstratos. Eis as palavras do autor: “O que o fascina nessa quadra de 1870 a 1878, em que ele lança as bases de sua popularidade e forma a sua reputação parlamentar, é o manejo de ideias novas, essa espécie de exercício, tão atraente para os principiantes, ao qual se pode dar o nome de política silogística. É uma pura arte de construção no vácuo. A base, são teses, e não fatos; o material, ideias, e não homens; a situação, o mundo, e não o país; os habitantes, as gerações futuras, e não as atuais” (2010, p. 34). Na sequência, ele afirma, abordando por outro viés essa mesma característica da personalidade de Balmaceda: “Não há em política pretensão mais fútil do que essa apresentada em nome da ciência. A ciência pode tanto criar uma sociedade como a glótica pode inventar uma língua, ou a filosofia uma religião. A política chamada científica propõe-se poupar a cada sociedade as contingências da experiência própria, guiá-la por uma sabedoria abstrata, síntese de experiências havidas, o que seria enfraquecer e destruir o regulador da conduta humana, que é exatamente a experiência individual de cada um” (ob. Cit. p. 58). Na sequência, o autor afirma que esse cientificismo seria ainda mais daninho do que o racionalismo jacobino que grassou no período do Grande Terror. Ele afirmou: “(...) mesmo o Racionalismo Jacobino de 1793 não é porém sistemático, arrasador, como o metodismo científico. Não há paixão, por mais feroz, que se possa comparar em seus efeitos destruidores à inocência da infalibilidade. Os Terroristas de Paris, ‘massacravam’ brutalmente como assassinos ébrios; os Teoristas inovadores amputam com a calma e o interesse frio de cirurgiões” (Ob. Cit. p. 59). De nossa parte, cremos que o jacobinismo do século XVIII (que derivava do zeitgeist iluminista) e o liberalismo extremado do século XIX (que teria acometido a mente de Balmaceda) são diferentes gradações e instanciações de um único e mesmo fenômeno, que poderíamos chamar de racionalismo ou cientificismo. Por isso, guardadas as devidas proporções, as glosas que Nabuco opõe a Balmaceda também podem ser feitas, pelos mesmos motivos, ao racionalismo de Montesquieu, do qual trataremos a seguir.  

[vi] Posição que não é livre de controvérsias, como se depreende da leitura do trecho citado na nota iii, de autoria de um abalizado estudioso da Constituição Inglesa.

[vii] Cf. (Kelly, 2010. p. 366).

[viii] Nesse sentido, dando conta de que os partidos políticos tal como nós os conhecemos só surgiriam no século XIX: “A origem dos modernos partidos políticos se encontra certamente na Inglaterra com a divisão dos que defendiam a Coroa e os que pretendiam a defesa do Parlamento, depois de 1689. A princípio eram grupos que dividiam o Parlamento Tories e Whigs, fundados principalmente nas prerrogativas reais, na política econômica e nos privilégios da Igreja. Somente no século XIX caracterizou-se a divisão em partidos Whigs, os liberais, e Tories, os conservadores, e se constituíram como grupos que se identificavam com a norma eleitoral. Nos Estados Unidos, na Europa e entre nós, o século XIX viu a criação de partidos que passaram a constituir a base do sistema eleitoral, reunindo os grupos sob a orientação de ideologias e interesses próprios”. (CAVALCANTI, 1969, p. 103)

[ix] Esse é o parecer de Raul Pila: “...na própria Inglaterra, foi somente em 1832 que, com a reforma eleitoral, o sistema inglês apresentou os seus caracteres, hoje clássicos” (1999, p. 269).

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[x] (2005, p. 247).

[xi] Idem. Ver também no mesmo sentido: “Depois de introduzida com grande rigor pelas Revoluções americana e francesa, a separação rígida dos Poderes afigurou-se inviável na prática. Isto basicamente devido à necessidade de impedir que os Poderes criados se tornassem tão independentes a ponto de se desgarrarem de uma vontade política central que deve informar toda a organização estatal” (BASTOS, 1982, p. 139).

[xii] A respeito do que foi dito até aqui sobre o nosso modelo de presidencialismo de coalizão, e em especial sobre: a) a inexistência de uma nítida separação de poderes entre o Executivo e o Legislativo quando se trata da implementação de políticas públicas e b) o esforço que o Executivo é levado a fazer para simplesmente seguir existindo e funcionando como tal, cabe trazer o testemunho de quem participou diretamente da história: “O Congresso está arranhando o governo para enfraquecê-lo. Essa questão da Esca, se for a fundo, é uma complicação grande, não tem nada a ver comigo, vem de antes do Itamar, mas explode com ele, e aí pode haver uma relação perigosa entre a Aeronáutica e a Esca, porque funcionários da Aeronáutica eram pagos pela Esca para melhorar o salário. Não sei se é isso que está no relatório, mas parece ser verdadeiro. Ou seja, vai de novo confundir o Sivam. Então, veem-se duas coisas, digamos num plano mais interpretativo. De um lado, a pequena história que, na sua trança, vai deixando revelar o estrutural que está por trás e que, no primeiro momento, não aparecia. O que há de estrutural é que nós não contamos com um quadro em que Executivo e Legislativo tenham suas competências definidas. O Legislativo inchou sua competência fiscalizadora, avançando muito para dentro da administração propriamente dita para entorpecê-la, não para controlá-la, e marginalmente, claro, vão tirando as vantagens. E o Executivo não tem tido a condição de ser um Executivo, digamos, mais agressivo. Eu posso fazer isso, eu e um ou outro ministro, mas no conjunto é um Executivo que está minado pela própria incapacidade do Estado, não do governo, de se organizar. Esses vazamentos incessantes são a prova mais clara disso. Temos, então, um problema institucional, que existe, permanece, não foi resolvido. Nessa parte não houve reforma da Constituição, e a minha força advém da sociedade. Na verdade, o meu voto veio da sociedade, não do sistema político propriamente dito, que continua com as manobras de sempre. No passado, isso era resolvido através de uma paralisação do Executivo, via CPI ou coisa que o valha, ou então, num passado mais remoto, de uma ação autoritária do Executivo, seja aquele autoritarismo personalista do Collor que não deu em nada, seja mais para trás a coisa militar. Estou fazendo um esforço grande para adaptar a Constituição e, dentro do jogo democrático, fazer funcionar o Executivo, fazer as reformas e fazer com que o Legislativo tenha um canal efetivo de ação, mas sem ultrapassar certos limites”. (CARDOSO: 2015, p. 349). Não é muito diferente o parecer de Pontes de Miranda. Eis o que ele dizia sobre a falta de equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo no Presidencialismo que se pratica no Brasil: “Tal como se estabeleceu nos textos e tal como se pratica, o presidencialismo brasileiro não é sistema de equilíbrio entre Poder Executivo e Poder Legislativo. Não se leva em conta, para governar, a maioria parlamentar ou congressual; faz-se, artificialmente, a maioria governamental. De modo que o presidencialismo brasileiro desequilibra o sistema, criando corpo ligado ao Poder Executivo dentro do Congresso Nacional”. (PONTES DE MIRANDA: 1947, p. 52)

[xiii] Eis o que consta na anotação do dia 28.08.1995 do já citado diário da presidência de Fernando Henrique Cardoso: “Ainda ontem, o editorial do Estado de São Paulo reclama que os ministros, e sobretudo o PSDB, não recebem os deputados. E cita inclusive o caso do Partido Liberal. Ora, o líder desse partido, Valdemar Costa Neto, só vai lá para pedir nomeações para posições onde ele possa ter vantagens, e vantagens alegadamente pecuniárias. É inacreditável. Os jornais dão isso como descaso do Executivo, e não como pressão chantageadora do Legislativo. Reclamei com o Marco Maciel, aliás nem reclamei, ponderei, e pedi que ele intercedesse. Não que vá mudar, mas pelo menos me ajudará a obter pareceres mais equilibrados e favoráveis” (Ob. Cit. p. 224). Esse mesmo deputado, lembramos, viria a ser condenado na Ação Penal 470 (mensalão), por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a uma pena de 7 anos e 10 meses em regime semiaberto e a pagamento de multa.

[xiv] Pesquisa nacional realizada pelo Instituto Datafolha em julho de 2015 apontou que dentre 14 instituições (como a Igreja Católica, as Forças Armadas, os Sindicatos e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil), aquelas ligadas à política partidária são as com menor credibilidade perante a população: A presidência da República e os ministérios figuram na 12ª colocação, abaixo ficou o Congresso Nacional, em 13º e, em último, os partidos políticos.  (Notícia disponível em: http://www.oab.org.br/noticia/28578/oab-e-uma-das-instituicoes-com-maior-credibilidade-aponta-pesquisa. Acesso em 15.05.2016).

[xv] Eis, por exemplo, o que discursara o Deputado Lourenço de Albuquerque (Partido Liberal) na sessão do dia 14.05: “Eis aí porque, ao falar pela primeira vez sobre este desagradável incidente, eu disse: ‘A injúria não foi dirigida ao ex-ministro da guerra, foi irrogada à Câmara dos Srs. Deputados, a essa mesma Câmara que o ano passado apoiou o ministério, não obstante fazer parte dele o mesmo ex-ministro da guerra’. Senhores, é verdade que o nobre presidente do conselho procurou prevenir esta objeção, dizendo: eu pensava que o meu colega ex-ministro da guerra tinha inteligência, e compreensão dos negócios da pasta que lhe foi confiada, mas o contato de nove meses convenceu-me do contrário. Pois, S. Ex. que é dotado de inteligência tão penetrante, que é tão sagaz, somente no fim de nove meses conheceu a incapacidade de seu colega? Não deve, portanto, ter sido esse o motivo que determinou a demissão do honrado ex-ministro da guerra. O que parece verossímil é que motivos de outra ordem influíram no ânimo do honrado presidente do Conselho, o qual, não tendo razões, nem o necessário desembaraço, para entender-se direta e pessoalmente com seu colega, deliberou escrever-lhe uma carta em termos tais que ele não ousasse lê-la perante o parlamento (...) peço-vos pois que, poupando dificuldades ao ministério, soliciteis a vossa demissão”. Sobre a demissão do Ministro da Guerra Rodrigues Júnior, eis como a descreveu Afonso Celso Jr.: “Em 1883 [1884, corrigimos], Rodrigues Júnior convidado por carta do Presidente do Conselho, Lafaiete, a solicitar exoneração de ministro da Guerra, recorreu ao Imperador, e S.M. lhe disse que, havia tempos, transmitira aos presidentes do Conselho a faculdade de propor a nomeação ou demissão de seus companheiros”. (1998, p. 148). Resumindo um discurso do próprio Rodrigues Júnior, eis como João Manuel Pereira da Silva descrevera o episódio do “apelo ao Imperador”: “Percebeu [Rodrigues Júnior] que não podia mais entreter relações com o Presidente do Conselho, e cumpria-lhe diretamente solicitar do Imperador sua exoneração. Ouviu de Sua Majestade palavras lisonjeiras a seu respeito, e ao mesmo tempo a declaração de que a concedia. Dissera-lhe Sua Majestade que os Presidentes de Conselho deviam ter toda liberdade na organização e modificação dos ministérios, e bem assim na fiscalização e direção da política, e por esse motivo na conferência prévia, que recebiam antes do despacho conjunto dos ministros, os ouvia separada e particularmente”. (2003, p. 524)

[xvi] Referimo-nos à seguinte passagem do discurso proferido na sessão do Senado de 28.05.1884: “O que é preciso é ter paciência e resignarmo-nos aos inconvenientes do sistema, porque esses inconvenientes são também até certo ponto garantia contra os excessos ou desregramentos. No sistema representativo nem tudo se pode obter de pronto; porque ele é cheio de temperamentos e funciona com alguma lentidão. Tudo se consegue, porém, pelo influxo da opinião, pelos progressos da razão pública”. (Anais do Senado do Império).

[xvii] Ver edições de 26.10; 27.10; 28.10; 29.10; 30.10; 03.11; 06.11; 07.11; 11.11; 12.11; 15.11 e 19.11. No ápice do tom acusatório contra o Gabinete, ali ficou escrito que... “A execução-sumária-violenta de 25 de outubro foi o produto de um plano e vontade do governo, dando para a execução as ordens e instruções ao seu principal preposto na responsabilidade da polícia da capital do Império”. (15.11.1883) 

[xviii] Não exageramos ao afirmar que se a política é uma guerra, Rui Barbosa era um encouraçado. Eis o que a Águia de Haia escreveu na edição de 21.11.1883 do Jornal do Comécio: “Sem embargo, confessando estes três fatos, que desarmavam e inocentavam absolutamente o governo – uma polícia organicamente invalida; uma legislação de imprensa condescendente com todas as insolências e abuso da palavra; uma sociedade relativamente insensível a esses excessos (são os escritores oposicionistas que assim o capitulam) – a oposição acaba por essa consequência inimitável: O governo assassinou a Apulcho de Castro” (O artigo, cujo trecho é aqui reproduzido, também consta do livro O Crime de 25 de outubro: Uma escaramuça conservadora em 1883. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1883 pp 21-30). Também trataram do tema as edições de 26.10; 31.10; 02.11; 03.11; 10.11; 13.11; 14.11; 17.11; 20.11 e 22.11

[xix] Sobre a centralidade da Imprensa no sistema parlamentar, e a importância, para o governo, de vencer o debate público, Walter Bagehot afirmou o seguinte: “O Times fez muitos ministérios. Quando, como tem acontecido recentemente, há uma longa sequência de Parlamentos divididos, de Governos sem “poder de voto bruto”, e que dependem da força intelectual, o apoio dos órgãos mais influentes da imprensa inglesa tem sido de importância crítica. Se um jornal de Washington pudesse derrubar o Sr. Lincoln, existiriam bons escritos e excelentes argumentos nos jornais de Washington. (...) Ninguém se importa com um debate no Congresso que “dá em nada”, e ninguém lê longos artigos que não possuem influência sobre os eventos. Os americanos veem de relance as manchetes das notícias e todo o jornal. Eles não entram em um debate. Eles não cogitam entrar em uma discussão que seria inútil”. (1915, p. 175. Traduzimos)

[xx] Eis suas conclusões: “Essencialmente, os dados e as evidências arroladas autorizam conclusões que divergem, de modo não trivial, das perspectivas predominantes entre os estudiosos quanto à interpretação da dinâmica política do período. Em contraste frente àquelas visões, apresentadas na seção 2, as informações sistematizadas sugerem que a atuação do Trono, através do Moderador, não explica a rotação de governos entre 1840 e 1889. Distintamente, o estudo realizado mostra que conflitos, efetivos ou potenciais, entre o executivo e o legislativo, em especial a Câmara dos Deputados (padrão 3), foram o motivo mais frequente para a queda de gabinetes no Império, respondendo por mais da metade dos episódios examinados (19 em 37)”. Disponível em http://www.fflch.usp.br/dcp/assets/docs/III_SD_2013/Mesa_11.1_-_Sergio_Ferraz_III_SD_2013.pdf. Acesso em 15.05.2016).

[xxi] Sobre o tema, deixou escrito Afonso Celso Júnior, que fora deputado de 1881 a 1889, o seguinte: “Por fim, nos últimos anos da monarquia, em caso de crise ministerial, o Imperador ouvia os presidentes das duas câmaras e os chefes políticos mais eminentes. De 1882 a 1885, a Câmara derrubou, por meio de votação de moções, 4 Ministérios: Martinho Campos, Paranaguá, Lafaiete e Dantas. Portanto, o parlamentarismo introduziu-se lentamente nos costumes políticos do Brasil, sem que o texto legal o consagrasse. Iam-se seguindo, quanto possível, as normas do parlamentarismo inglês. A opinião pública dominava. Ministro impopular não se demorava no poder. O Ministério do Marquês de São Vicente retirou-se em março de 1871, em virtude da oposição da imprensa, conforme nobremente confessou o ilustre estadista”. (1998, p. 148).

[xxii] Foi o caso, por exemplo, da queda do Gabinete Cotegipe, o qual registrou, do seguinte modo um diálogo que manteve com a Princesa Regente em janeiro de 1888, mostrando que quando se tratava do tema da abolição, a Princesa Isabel, já a partir dessa data, adotava uma postura dirigista e voluntarista diante do governo: “Disse-me logo que parece que o ministério está perdendo prestígio. Perguntei em que e por quê. Sua alteza respondeu que refere-se à questão da abolição da escravidão, a qual, em São Paulo, tomava caráter muito sério e mostrou receio de que a província, nada esperando do centro, aderisse às tendências separatistas, e por isso desejava saber o que faria o ministério. Observei que a separação da província de São Paulo não era de temer-se (com dois ministros paulistas), tanto mais quanto o gabinete tem feito por ela em relação à imigração (mais do que por qualquer outra); que nós não púnhamos obstáculos nem desejávamos abater o que ali ia se fazer por iniciativa particular, apesar de reconhecermos que os resultados não correspondiam aos interesses dos proprietários e antes dificultaria a substituição do trabalho; que o ministério estudava a questão e em abril daria sua opinião, fazendo alguma coisa ou não, porém ficando ou retirando-se, pois não queremos o poder pelo poder e sim para o bem geral. Sua alteza parece inspirada pelo conde D’Eu, pois este ou aprovou o que ela dizia ou acrescentava algumas considerações. E, por fim, disse que minha lealdade exigia que eu aconselhasse a Sua Alteza que deixasse essa e as questões políticas aos partidos, como fazia a Rainha Vitória. Nesse ponto reclamou pelo seu direito, que não contestei, senão pelo uso que dele fizesse em questões que dividiram os partidos. Tanto Sua Alteza como o conde observaram que a Rainha já ia perdendo ou tinha perdido por essa neutralidade! Em vista disso, pareceu-me que Sua Alteza está influenciada, pois nunca falou tão clara e positivamente. Mostrava desejo de que alguma coisa fizesse, mas nunca pôs na balança a sorte do ministério como agora” (NASCIMENTO, 2011).

[xxiii] Cf. (BAGEHOT, 1915, p. 329).

[xxiv] Cf., nesse sentido, a Standard Note da Casa dos Comuns Fixed-term Parliaments Act 2011 (SN/PC/6111), de autoria de Richard Kelly, Oonagh Gay e Isobel White, de 16 de outubro de 2014. Ali está registrado que: “A Lei [dos Parlamentos com Termo Fixo] também proíbe a Coroa de dissolver o Parlamento exceto em consonância com a legislação. Em Constitutional & Administrative Law (7ª Edição), Neil Parpworth anotou que ‘como uma consequência da a Lei dos Parlamentos com Termo Fixo de 2011, o monarca não mais possui o poder de dissolver o Parlamento’” (Disponível em http://researchbriefings.parliament.uk/ResearchBriefing/Summary/SN06111. Acesso em 16/05/2016. Traduzimos).

[xxv] Sobre o art. 101, inciso V da Constituição do Império, cabe citar a seguinte passagem de Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente, a qual demonstra que, no império, a dissolução da Câmara dos Deputados com a convocação imediata de novas eleições era uma medida aconselhada em situações de impasse entre a legislatura e o Gabinete: “É sem dúvida uma prerrogativa indispensável e essencialmente ligada ao Poder Moderador. Predomine ou não uma facção, intente ou não uma política fatal, desde que dá-se um desacordo inconciliável entre a câmara dos deputados e o ministério, o poder moderador é pela natureza das cousas chamado a examinar, e em sua consciência apreciar onde entende estar a razão. Se da parte da câmara cumpre dissolver o ministério: se da parte deste cumpre dissolver aquela, e dessa arte consultar a nação, para que por uma nova eleição manifeste o seu juízo e desejos. Se a nova maioria vem animada das mesmas ideias, então o ministério deve retirar-se; se pelo contrário é de diverso pensar, o acerto da dissolução fica demonstrado, e a harmonia restabelecida” (1857, p. 210). E observe-se que toda essa dinâmica, que até hoje é uma excelente síntese do funcionamento do sistema de Gabinete, foi descrita pelo maior publicista do Império a partir da interpretação do seguinte dispositivo constitucional: “Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador (...) V. Prorrogando, ou adiando a Assembleia Geral, e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando imediatamente outra, que a substitua”. O que corrobora o já citado parecer de Afonso Celso Júnior segundo o qual o governo de Gabinete se introduziu lenta e evolutivamente nos costumes políticos do Brasil, mesmo à míngua de previsões constitucionais (v. nota xxi).

[xxvi] Atento a isso, o mesmo Raul Pila ponderou que os parlamentaristas não desconhecem a complexidade do fenômeno político-social. E acrescenta: “À reforma proposta não pedem eles mais do que ela realmente pode dar, isto é, a substituição de um mecanismo constitucional vicioso, por outro que julgam mais adequado e capaz de dar melhor rendimento à democracia brasileira. Será útil semelhante substituição? Produzirá um resultante mais conveniente o novo sistema de transformação de forças? Justificada estará, só por isto, a reforma parlamentarista”. (ob cit p. 357)

Sobre o autor
Haroldo Augusto da Silva Teixeira Duarte

bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Haroldo Augusto Silva Teixeira. Governo de gabinete no Brasil:: uma saída exótica e contrária ao dogma da separação dos poderes?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4748, 1 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50223. Acesso em: 22 dez. 2024.

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