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Reprodução assistida: a legislação brasileira atual no trato de novos procedimentos biotecnológicos na área de engenharia genética.

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Agenda 12/07/2017 às 12:10

Os avanços da ciência visam melhorias nos procedimentos de reprodução assistida e também no trato da saúde em geral. Contudo, essas vantagens oferecidas trazem consigo discussões acerca da bioética e da biossegurança.

PALAVRAS-CHAVE: Biotecnologia; Eugenia; Legislação; Reprodução assistida.

 

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Reprodução assistida e riscos de eugenia: As lacunas na legislação brasileira; 2.1 Bioética, biodireito e reprodução assistida; 2.1.1 Riscos de eugenia; 3 O Conselho Federal de Medicina e a regulamentação da reprodução assistida; 3.1 A Resolução Nº 2.013\13 do CFM; 3.2 A Força normativa das resoluções; 4 A eugenia e a negação da diversidade cultural; Conclusão; 5 Referências bibliográficas.

 


1 Introdução

Esse fato gera a necessidade de uma lei específica para regular estes procedimentos evitando os riscos eugênicos já existentes e outros que podem vir a surgir com o tempo, visto que existem falhas na lei quanto aos limites na reprodução assistida. Os avanços da ciência visam melhorias nos procedimentos de reprodução assistida e também no trato da saúde em geral. Contudo, essas vantagens oferecidas trazem consigo discussões acerca da bioética e da biossegurança.

Os progressos tecnológicos na área de reprodução assistida são inevitáveis. Por essa razão, frente ao progresso da ciência e dos avanços no ramo da biotecnologia é necessária uma adaptação legislativa, a fim de evitar abusos e pôr limites em práticas que ponham em risco o patrimônio genético e que possam ferir a dignidade humana.

Com a falta de parâmetros jurídicos específicos, há um grande risco de desvirtuação dos procedimentos de reprodução assistida, por meio da utilização das técnicas da inseminação in vitro para escolher características, ao invés da prevenir de síndromes e demais má formações, doenças genéticas ligadas ao sexo, tornando essas técnicas, assim, eugênicas.

Diante deste contexto, essa pesquisa centrar-se-á na discussão sobre a eficácia da legislação brasileira na prevenção de riscos de eugenia, no que se refere ao uso de técnicas de reprodução assistida. Esse fato gera a necessidade de uma lei específica para regular estes procedimentos evitando os riscos eugênicos já existentes e outros que podem vir a surgir com o tempo, visto que existem falhas na lei quanto aos limites na reprodução assistida. Os avanços da ciência visam melhorias nos procedimentos de reprodução assistida e também no trato da saúde em geral. Contudo, essas vantagens oferecidas trazem consigo discussões acerca da bioética e da biossegurança.

Os progressos tecnológicos na área de reprodução assistida são inevitáveis. Por essa razão, frente ao progresso da ciência e dos avanços no ramo da biotecnologia é necessária uma adaptação legislativa, a fim de evitar abusos e pôr limites em práticas que ponham em risco o patrimônio genético e que possam ferir a dignidade humana.

Com a falta de parâmetros jurídicos específicos, há um grande risco de desvirtuação dos procedimentos de reprodução assistida, por meio da utilização das técnicas da inseminação in vitro para escolher características, ao invés da prevenir de síndromes e demais má formações, doenças genéticas ligadas ao sexo, tornando essas técnicas, assim, eugênicas.

Diante deste contexto, essa pesquisa centrar-se-á na discussão sobre a eficácia da legislação brasileira na prevenção de riscos de eugenia, no que se refere ao uso de técnicas de reprodução assistida.

 


2 REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RISCOS DE EUGENIA: AS LACUNAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

 

2.1 Bioética, Biodireito e Reprodução Assistida 

Bioética é a ética da vida; ciência que estuda os valores morais, procurando estabelecer a licitude e ilicitude das possibilidades experimentais e tecnológicas referentes à vida humana. A Bioética:

 

 

[...] tem como objetivo orientar a humanidade num direcionamento racional mais cauteloso no trato dos avanços biotecnológicos prezando os valores à luz constitucional. Visa também a bioética proteger a dignidade da pessoa humana, os direitos pessoais, princípios e direitos coletivos frente à revolução de novas descobertas biotecnológicas (JUNGES, 2013, p. 48).            

 

Enquanto disciplina, a bioética é nova, sendo examinada à luz dos princípios éticos e morais. Trata-se de um estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências biológicas, com objetivo de melhorar a saúde e qualidade de vida.

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Neste sentido, há diferentes classificações da bioética conforme suas temáticas. Assim, a bioética das situações emergentes é aquela que se refere aos conflitos entre o progresso da ciência e os limites dos direitos humanos e, a bioética das situações persistentes, a que trata de temas cotidianos, problemas que o mundo enfrenta com o passar do tempo.

Essa ligação entre a bioética e os direitos humanos remete a um novo conhecimento jurídico, o Biodireito, que denota a necessidade de se considerar o fato como um todo, não particularizando cada etapa. Isso significa que, dentre os elementos que constituem a experiência humana, o direito e a bioética estão interligados na formação de valores e conceitos.

Até que o Biodireito surgisse, a Bioética, de acordo com Sgreccia (1996, p. 42-44), procurou solucionar as questões existentes entre os seres humanos e o ecossistema, em um primeiro momento. Posteriormente, se preocupou com a análise dos problemas éticos dos pacientes, dos médicos e de todos os envolvidos na assistência médica e pesquisas científicas, relacionadas com o início, a continuação e o fim da vida. Nessa perspectiva, Barboza (2004, p. 73), destaca:

 

[...] o objeto do Biodireito é matéria complexa, heterogênea e que lhe confronta normas existentes que na maioria das vezes lhe são estranhas. Pode-se afirmar, contudo, que sua base principiológica está construída. A partir de 1988 instaurou-se no Brasil uma nova ordem jurídica que encontra na Constituição da República seus princípios estruturais. Tais princípios constitucionais ou princípios gerais de direito compreendem os valores primordiais de nossa sociedade, traduzindo em sua maioria os direitos fundamentais do homem. Por sua natureza, conforme antes exposto, os princípios constitucionais devem constituir os princípios de Biodireito.

 

 

Posteriormente, o Biodireito ao ser erigido à categoria de área do conhecimento e estando atrelado à Bioética, ao Direito Penal, ao Direito Civil, ao Direito Ambiental e ao Direito Constitucional, ele se propõe a trabalhar no limite entre o respeito às liberdades individuais e a coibição de abusos contra a pessoa ou a espécie humana. Abrange, desse modo, todo o conjunto de regras jurídicas já positivadas e voltadas a impor (ou proibir) uma conduta médico-científica danosa ao ser humano e que sujeitam seus infratores às sanções por elas previstas.

 

O Biodireito apresenta-se como um rol de normas positivadas que regem os limites nas atividades científicas e orientam os profissionais de saúde, pesquisadores, cientistas prevendo também sanções em caso de violação da lei, vindo a ser então a disciplina jurídica, que relaciona as normas positivadas aos avanços biotecnológicos (VALLE;TELLES, 2003, p. 108).

 

Sabe-se que o respeito à autonomia do paciente tem como objetivo garantir-lhe a liberdade de escolha sobre seu bem-estar.  Ser autônomo, no entanto, não pressupõe só a liberdade de agir, mas também a capacidade de agir em consonância com as escolhas feitas e as decisões tomadas.  É certo que os avanços tecnológicos abrem um leque enorme para que escolhas sejam feitas de forma clara, mas, ao falar em reprodução assistida, depara-se com alguns questionamentos éticos.

A busca de um estereótipo ditado pela sociedade como ideal é a primeira inquietação, ainda que se saiba que o paciente tem o direito de optar por características genéticas que o satisfaçam.  Esta autonomia também não é absoluta; há limites a serem respeitados, como a diversidade cultural.

Assim, ao referenciar a reprodução assistida, percebe-se que esse procedimento intervém no processo de fecundação natural, embora tenha o objetivo de possibilitar que a pessoa possuidora de infertilidade ou de esterilidade satisfaça o desejo de alcançar a maternidade ou a paternidade.

Segundo a igreja católica, a reprodução assistida abre a porta a novos atentados contra a humanidade.  Entre eles está o incentivo à produção de embriões em número superior ao necessário para a implantação no útero da mulher, depois suprimidos ou utilizados para pesquisas, a pretexto de progresso científico e médico, e o estímulo ao aborto eugênico (eugenia negativa), que acolhe a vida do embrião sob certas condições, recusando a limitação e a enfermidade (PAULO II, 1995, p. 21-22).

As técnicas da reprodução assistida são: a inseminação artificial homóloga ou heteróloga e a fecundação in vitro. Na fecundação homóloga as células reprodutivas usadas são do próprio marido ou companheiro e, na heteróloga, ambas as células reprodutivas podem ser de pessoas desconhecidas.

 

A fecundação in vitro é uma outra técnica da Reprodução Assistida, através da qual se dá a fecundação do óvulo in vitro, ou seja, os gametas masculinos e femininos são previamente recolhidos e colocados em contato, in vitro. Sendo, então, o embrião resultante, posteriormente transferido para o útero ou para as trompas (VALLE;TELLES, 2003, p. 102).

 

A técnica de inseminação artificial trata de depositar no útero os espermatozoides previamente coletados e selecionados em laboratório. Utilizam-se, para isso, meios artificiais em técnicas distintas, o que permite a seleção genética e a prática eugênica.

Assim, ao fazer as escolhas dos melhores genes, surge uma preocupação que parte da análise dos possíveis tratamentos. Ao substituir genes maus por genes bons, gera-se a ideia de que se poderá conceber uma humanidade nova, aperfeiçoada, fazendo, dessa forma, com que a eugenia seja vista como uma forma discriminatória de constituir uma sociedade.

 

2.1.1 Riscos de Eugenia

 

Atualmente, já há nos bancos de doadores a seleção de gametas e sua devida triagem para comercialização. Mesmo sendo vedados os procedimentos que selecionem sexo, raça e demais características, implicitamente estas técnicas podem ser aplicadas em clínicas de reprodução assistida. Basta analisar o fato da escolha do doador para se constatar que há uma seleção de características antecedendo o procedimento.

 

O Brasil tem questões preocupantes que precisam ser solucionadas ao ponto de vista jurídico quanto as possibilidades tratadas na fecundação in vitro, entre elas podemos citar os experimentos com embriões, precisa-se decidir se são considerados pessoas ou apenas objetos experimentais, o que gera dilemas éticos quase insolúveis frente a diversas opiniões sobre conceito vida, concepção e seus atributos (DINIZ, 2014, p. 192).

 

Outra questão importante é o congelamento dos embriões, referente ao tempo que devem permanecer congelados. Isso gera discussões sobre posse, vínculo familiar, geração, se podem ser objeto de divisão em caso de separação de casais ou, simplesmente, se podem ser considerados produtos e vendidos a terceiros, no caso de abandono ou omissão de doadores.

O descarte de embriões feito em laboratório é chamado também de perda planejada ou redução embrionária. A questão que permeia essa discussão é como diferenciar o aborto deste procedimento, que deixa subentendida uma prática semelhante e com a mesma finalidade, apenas em tempo diferente.

Neste sentido, o Estatuto do Nasciturno (2007) afirma que:

 

A proliferação de abusos com seres humanos não nascidos, incluindo a manipulação, o congelamento, o descarte e o comércio de embriões humanos, a condenação de bebês à morte por causa de deficiências físicas ou por causa de crime cometido por seus pais, os planos de que bebês sejam clonados e mortos com o único fim de terem suas células transplantadas para adultos doentes, tudo isso requer que, a exemplo de outros países como a Itália, seja promulgada uma lei que ponha um ‘basta’ a tamanhas atrocidades (BRASIL, 2007, p. 7).

 

Verifica-se, então, a previsão de vedação destas práticas pelo Projeto de Lei nº 1184, de 2003, ainda que a prática frequente destes procedimentos, acima citados, mostre a falha legislativa, visto que, muitas vezes, não recebem a devida sanção. Surge, então, o questionamento de que o descarte embrionário também seria permitido em sua legalidade, e tal ideia parte da existência do Projeto de Lei Originário da Câmara 3/2013, ou PLC 3/2013. Tal projeto, tramitado em regime de urgência, dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual, tornando obrigatório, na rede hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS), o atendimento emergencial, integral e multidisciplinar às vítimas de violência sexual.  Pretende-se, com isso, o controle e o tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.

 

O jurista não poderá quedar-se inerte ante a realidade de consequências jurídicas sobre a técnica conceptiva, ficando silente diante de tão intricada questão, nem o legislador deverá omitir-se, devendo, por isso, regulá-la, rigorosamente, se impossível for vedá-la (DINIZ, 2014, p. 193).

 

Nota-se que o sistema legislativo deixa lacunas em muitas questões, que necessitam ser revistas e formuladas decisivamente, a fim de estabelecer o que é permitido e quais são as práticas vedadas.

É evidente que o procedimento feito com finalidades seletivas eugênicas ocasiona uma série de conflitos sociais, trazendo mais desigualdades numa sociedade já atingida por este mal. As pessoas tornam-se objetos, podendo ser feitas sob medida. Perdem, assim, conceitos de família, características naturais, sendo portador de uma identidade genética desconhecida ou omissa.

Dessa forma, a seleção genética impõe a necessidade de se reavaliar o reconhecimento do estado de filiação, sendo que esse é visto pela LEI Nº 8.069, de 13 de julho de 1990 como direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, correlacionado à identidade genética, a qual é um direito humano. “A identidade genética é um novo direito humano ou fundamental que atinge a constituição do ser humano enquanto espécie e pessoa têm como fundamento a dignidade do ser humano e é um bem jurídico fundamental” (LOUREIRO, 2009, p. 181).

Para ilustrar essa discussão, pode-se citar o filme Gattaca (NICCOL, 1997) que trata da preocupação com a tecnologia reprodutiva e as consequências que esta pode trazer para a humanidade. A partir de uma visão futurística, o filme apresenta o imenso conflito social provocado, quando somente os embriões perfeitos eram selecionados e validados para nascer. Os considerados inválidos seriam discriminados.

Sabe-se que os métodos de inseminação não são acessíveis para toda a população. Logo, a escolha e seleção dos embriões também não estão disponíveis a todos, sendo viáveis apenas para aqueles que têm um poder aquisitivo maior. Esse fator agrava o distanciamento entre pessoas e a segregação por classes sociais, econômicas e raciais.

Isso gera a ideia de que os descendentes das classes sociais mais privilegiadas financeiramente venham a ser uma raça humana mais evoluída que o restante da população. No entanto, essa seleção só aumenta a desigualdade social, de modo que se faz imperiosa a regulamentação e fiscalização dos procedimentos de reprodução assistida.

 

Sobre a autora
Barbara Marques Silveira

Bacharel em Direito e especialista em ciências criminais, atualmente mestranda em Bioética pela Universidade de Barcelona na Espanha.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Barbara Marques. Reprodução assistida: a legislação brasileira atual no trato de novos procedimentos biotecnológicos na área de engenharia genética.: Eugenia e riscos mediante as lacunas legislativas no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5124, 12 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59095. Acesso em: 22 nov. 2024.

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