6 O reconhecimento da dupla maternidade
A dupla maternidade já pode ser verificada como realidade na sociedade brasileira, visto que casais homoafetivos tem recorrido às técnicas de reprodução assistida, isso faz com que surjam situações em que a criança concebida possua duas mães.
A primeira decisão que reconheceu a dupla maternidade ocorreu em 2008, no Rio Grande do Sul, sendo proferida pelo magistrado Cairo Roberto Rodrigues Madruga, da 8ª Câmara Civil da Comarca de Porto Alegre/RS, por meio do julgamento dos autos de n.º 10802177836. No julgamento o juiz entendeu[33]:
Ora, se é admissível a adoção por pessoas com essa orientação sexual, não vejo motivos para que não se admita no presente coso o reconhecimento da maternidade/filiação socioafetiva ou sociológica, com a consequente alteração registral pretendida, independentemente do cumprimento das formalidades da adoção, cujo demorado procedimento certamente levaria ao mesmo resultado.
A partir desse julgamento a incidência de decisões confirmando a dupla maternidade tem sido cada vez mais frequente pela jurisprudência nacional. Contudo, embora tal prerrogativa estivesse sendo amparada pela jurisprudência, para que os casais desejassem haver filhos por meio de técnicas de reprodução assistida, necessita provocar o judiciário para obter o duplo registro. Posto que, os cartórios não possuíam tal prerrogativa.
Diante de tais entraves, foi dado a edição do Provimento nº 52, da Corregedoria Nacional de Justiça[34], publicado em 15 de março de 2016, trazendo a possibilidade de alterar tal procedimento, ao dispor em seu artigo 1º:
o assento de nascimento dos filhos havidos por assistida, será inscrito no livro "A", independentemente de prévia observada a legislação em vigor, no que for pertinente, mediante o comparecimento de ambos os pais, seja o casal heteroafetivo ou homoafetivo. Munidos da documentação exigida por este provimento.
Com a edição do supramencionado provimento, os casais homoafetivos que buscam técnicas de reprodução passaram apoder solicitar o Registro de Nascimento diretamente no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais. Assim, existe uma diminuição da burocracia estatal em legitimar a igualdade de direitos entre as pessoas independente da sua opção sexual.
Transcorrida esta etapa fixaremos o entendimento da possibilidade para a fixação de alimentos gravídicos entre mulheres.
7 A possibilidade para a fixação de alimentos gravídicos entre mulheres
Diante de tudo o que foi exposto e explanado nos vemos em uma questão. Sob a análise da Lei Federal nº 11.804/2008, diante da decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4277, pelo Supremo Tribunal Federal, e posteriormente, o reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da decisão final do Recurso Especial nº 1183378, é possível pleitear alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina ou esta só seria possível apenas se acontecer uma inseminação artificial heteróloga com a vontade do casal homoafetivo?
Primeiramente se faz importante relembrar o princípio da dignidade da pessoa humana, assegurada pela Carta Magna, que é tido como norteador de toda e qualquer discussão jurídica, sendo considerada inconstitucional qualquer decisão judicial que vier a ferir tal garantia. Nelson Nery Júnior[35] diz que:
Esse princípio não é apenas uma arma de argumentação, ou uma tábua de salvação para a complementação de interpretações possíveis de normas postas. Ele é a razão de ser do Direito. Ele se bastaria sozinho para estruturar o sistema jurídico.
Logo, adaptando-se ao tema em discussão, temos que o princípio da dignidade da pessoa humana defende que a gestante e o nascituro são amparados e auxiliados durante o período gestacional. Assim, com essa referência, a Lei Federal n.º 11.804/2008 veio por garantir o direito a alimentos gravídicos à gestante e o nascituro. Apesar de ter o Legislador utilizado o termo “futuro pai”, temos que o objetivo deste foi o de resguardar a gestante e o nascituro de todos os riscos que possam vir a surgir durante a gestação, garantindo-lhe o auxílio financeiro para os custos previstos no artigo 2º, da referida Lei, que já foi mencionado em ocasião anterior.
Embora a Lei não tenha disposto a respeito dos alimentos gravídicos na união homoafetiva, devemos aplicar no presente caso o princípio da analogia, onde sempre que a lei for omissa deve o juiz se utilizar de outros dispositivos legais cabíveis ao caso para poder chegar a uma decisão.
Ademais, levando-se em conta também que a gestação na união homoafetiva feminina ocorre por meio da inseminação artificial e que para a realização desta é imprescindível o consentimento das duas partes, podemos afirmar que o feto gerado é filho do casal.
Diante do exposto, conclui-se então que não importa qual o sujeito passivo da obrigação alimentar gravídica, e sim que essa obrigação seja prestada àquele que tem direito a sua concessão.
Conclusão
Este estudo tratou da fixação de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina que se encontra desamparada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Ancorado em retrospectos históricos, discorremos acerca da evolução do conceito de família no Código Civil, decorrente das mudanças sociais havidas na segunda metade do século passado e o advento da Carta Magna.
No entanto, é perceptível o quanto o ordenamento jurídico brasileiro está distante dos novos conceitos de família, principalmente com relação a família homoafetiva, uma vez que os Legisladores têm sido omissos com relação as matérias que o disciplinam, dando ensejo a inúmeras lides jurídicas para resolver os conflitos decorrentes de tais uniões.
Vimos também os aspectos da concessão de alimentos e suas generalidades, trazendo em especial a Lei Federal n.º 11.408/2008, que passou a garantir a gestante e ao nascituro o direito à concessão de alimentos como forma de garantir a dignidade destes.
Conforme mencionado, não há no ordenamento jurídico lei ou jurisprudências que disciplinem a respeito dos alimentos gravídicos na união homoafetiva, fato este que acaba deixar os magistrados de mãos atadas ao se deparar tal questão. Ao se omitir sobre o tema em questão, o Estado agride violentamente ao direito de igualdade, a proteção a maternidade, onde os casais homoafetivos ao decidirem constituir família através das técnicas de reprodução existentes, veem seu direito limitado em caso de necessitarem pleitear alimentos gravídicos.
Diante do exposto, tomamos a Lei Federal n.º 11.804/2008 como referência para tratar do tema, onde chegamos à conclusão de que que a mesma deverá ser aplicada aos casais homoafetivos, uma vez que possui como objeto resguardar o princípio da dignidade humana, e, resguardado tal princípio, temos que para sua aplicação não importará qual o sujeito passivo da obrigação alimentar gravídica, e sim que essa obrigação seja prestada àquele que tem direito a sua concessão.
Adiante, foi discutido a respeito do dever de sustento, bem como a sua aplicação. Necessário se faz defender a legitimidade da propositura da ação com esse objetivo, e a real necessidade de proteção estatal a quem precisa de alimentos.
Como vimos, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4277, proposta no Supremo Tribunal de Federal, e posteriormente, o seu reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça por meio do Recurso Especial n.º 1183378, representaram um marco na luta pelo direito à igualdade, alterando assim o paradigma do tratamento a ser dado às uniões homoafetivas e permitindo a todos, independentemente de orientação sexual, o direito a constituir família.
Na mesma sequência, trouxemos a técnica da reprodução assistida como forma de procriação entre os casais homoafetivos, trazendo com ela a possibilidade da filiação de dupla maternidade garantida pelo Provimento n.º 52, da Corregedoria Nacional de Justiça.
Assim, percebemos que os embates focados neste estudo estão em total desamparo por parte do Legislador, fazendo com que as Cortes Máximas passem a dispor sobre o assunto em busca de garantir os direitos dos casais homoafetivos.
Se o próprio legislador não é capaz de visualizar a agressão feita ao direito devido a sua omissão, são os operadores do direito que necessita agir com urgência. Afinal, como todo e qualquer relacionamento, as relações homoafetivas acabam por gerar relações jurídicas, principalmente pelo fato de não existir Leis que as resguardem.
Para assegurar direitos e garantias iguais para todos, a família deverá ser interpretada por parte dos Legisladores sob um ponto de vista mais atual. Esta é a única forma para se fazer justiça de fato.
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