[1] A palavra “pedofilia” será utilizada neste texto para explicitar o abuso sexual de menores por maiores. Sabe-se perfeitamente que se trata de um transtorno sexual na linguagem psiquiátrica, e que, na legislação brasileira inexiste tipo penal com tal denominação, mas sim, por exemplo, os crimes de “estupro de vulnerável”, de “Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável”, afora crimes previstos no Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8069/90), como v.g. artigos 240 a 241 – D.
[2] KÜSTER, Bernardo P. França legaliza pedofilia (na prática). Disponível em www.youtube.com , acesso em 27.08.2018.
[3] LOPES, Gilmar. A França aprovou uma lei que liberou a pedofilia? Disponível em www.e-farsas.com , acesso em 27.08.2018. No mesmo sentido: MATSUKI, Edgard. França aprova lei que legaliza pedofilia e sexo consentido com crianças #boato. Disponível em www.boatos.org , acesso em 27.08.2018.
[4] LOPES, Gilmar. Op. cit.
[5] Cf. CÓDIGO Penal. Disponível em https://www.legifrance.gouv.fr/content/location/1752 ,acesso em 27.08.2018.
[6]LEGIFRANCE le service public de la diffusion du Droit.Disponível em www.legifrance.gouv.fr , acesso em 28.08.2018.
[7]BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Trad. Paulo M. Oliveira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1985, p. 80.
[8]LEGIFRANCE le service public de la diffusion du Droit.Disponível em www.legifrance.gouv.fr , acesso em 28.08.2018.
[9] Op. Cit.
[10]FISS, Owen M. A Ironia da Liberdade de Expressão. Trad. Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira Neto. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 58.
[11] LEAL, João José, LEAL, Rodrigo José. Novo tipo penal de estupro contra pessoa vulnerável. Disponível em www.jusnavigandi.com.br , acesso em 27.08.2018.
[12] PESSI, Diego, SOUZA, Leonardo Giardin de. Bandidolatria e Democídio. São Luís: Resistência Cultural, 2017, p. 39 – 41. Lembremos que na época havia já o marco dos 14 anos em forma de “presunção de violência”, de acordo com o atualmente revogado artigo 224, “a”, CP, que agora tem continuidade normativo típica em forma, não mais de presunção, mas de “proibição direta”, no artigo 217 – A, CP.
[13] RUSHDOONY, Rousas John. Esquizofrenia Intelectual. Trad. Fabrício Tavares de Moraes. Brasília: Monergismo, 2016, p. 144.
[14] ADENDO: Tem havido repetições dos mesmos argumentos dos sites que anunciam como “fake news”, a mera prognose de uma liberalização do contato sexual entre adultos e crianças pela influência dos dispositivos da chamada “Lei Schiappa” na França. Continuam, algumas pessoas, confundindo um juízo de valor e prognóstico, com um juízo de fato e diagnóstico. Ao mesmo tempo, mantém uma cegueira, que somente pode ser deliberada, diante da verdadeira informação objetivamente falsa constante dos sites de suposto controle de veracidade, quanto à inexistência, em qualquer tempo, de menção ao marco de idade – limite de 15 anos na legislação francesa. A questão divide opiniões também na França e é normal que a interpretação da lei e suas consequências previstas seja divergente entre as pessoas. O que é inadmissível é rotular como “fake news” uma dada interpretação em prol de outra que igualmente não passa de uma interpretação. Para dirimir qualquer dúvida sobre a polêmica existente, podendo haver interpretações díspares e não necessariamente falsas, exponho algumas manifestações de autores franceses sobre o tema:
Guillaume de Thieulloy, em artigo intitulado “A Lei Schiappa e os incendiários da devassidão” (Original: “La loi Schiappa et les pompiers pyromanes de la débauche” – link: https://www.les4verites.com/politique/la-loi-schiappa-et-les-pompiers-pyromanes-de-la-debauche ), faz menção a críticas feitas, inclusive, por setores de esquerda contra a lei, por meio de manifestações e abaixo – assinados. “La loi a loupé son principal objectif qui consistait à protéger davantage les enfants des agressions sexuelles d’adultes”. (“a lei perdeu o objetivo principal que era proteger mais crianças da agressão sexual de adultos”. Tradução livre). Esclarece que embora a lei tenha surgido num clima de revolta em dois casos de abuso de menores em que os autores foram absolvidos porque se considerou que crianças de 11 anos poderiam consentir com atos sexuais, na hora de estabelecer uma idade proibibiva na legislação houve recuo. Assim, critica fortemente o laxismo da novel legislação francesa:
“Mais le laxisme en matière de protection de l’enfance n’est pas moins inquiétant. La loi Schiappa a donc refusé – et c’est ce que dénonce à juste titre la tribune – de donner un âge au-dessous duquel tout acte sexuel est, ipso facto, un viol, puisqu’il ne peut pas y avoir de consentement. La colère des signataires est d’autant plus justifiée qu’au départ, la loi devait contenir une « présomption de non-consentement » pour les mineurs”. (“Mas a frouxidão na proteção infantil não é menos perturbadora. A lei Schiappa, portanto, recusou - e é exatamente isso que a plataforma denuncia - dar uma idade abaixo da qual todo ato sexual é, ipso facto, um estupro, já que não pode haver consentimento. A raiva dos signatários é ainda mais justificada, uma vez que, no início, a lei deveria conter uma ‘presunção de não consentimento’ para os menores”. Tradução livre).
A justificação para tal recuo seria a de que a instituição de uma idade rigorosa, constituiria óbice constitucional frente à presunção de inocência. Mas, não se levou em consideração que o Judiciário já vinha aplicando a idade de 15 anos de maneira automática, com algumas dissidências, o que tornava improvável a alegação de insconstitucionalidade. Mesmo porque, similarmente ao Brasil, se trataria de uma proibição da conduta e não de uma presunção de violência. O autor chama a atenção para o fato de que os mentores da lei são “bombeiros piromaníacos” que “aplaudem a revolução sexual e zombam da fidelidade conjugal”. E ainda chama a atenção sobre o envolvimento da Ministra que dá nome à lei com o ramo da pornografia. Finalmente conclui: “Com legisladores e "especialistas" como você, pedófilos e estupradores têm um futuro brilhante pela frente”! (No original completo: “La sémillante Secrétaire d’État a affirmé que cette présomption avait été retirée pour éviter une censure du Conseil constitutionnel. C’est possible, mais je ne vois pas pourquoi le Conseil aurait nécessairement censuré l’automaticité de la sanction dans un cas bien précis. Si ma mémoire est bonne, il n’avait pas censuré les peines planchers qui n’étaient pas moins « automatiques ». Au total, cette loi me semble bien mal « ficelée ».Mais, surtout, on ne peut s’empêcher de penser que tous ces braves libertaires, y compris au gouvernement, qui invoquent la protection de l’enfance ou la protection de la femme à longueur de journée, sont de dangereux pompiers pyromanes. Ils applaudissent tous à la révolution sexuelle, moquent la fidélité conjugale, célèbrent « les familles multiples », et s’indignent des conséquences !La réalité, c’est que l’une des causes majeures de la pauvreté en France est le divorce (que chaque majorité successive se vante de faciliter et qui, désormais, peut se faire par simple envoi de lettre recommandée).C’est que les agressions sexuelles doivent beaucoup à la propagande pornographique qui se répand partout (et notre charmante ministre en sait quelque chose, puisque, naguère, elle était auteur, à succès paraît-il, de romans pornos).Mais si vous détruisez les mœurs, ne vous étonnez pas des conséquences. Toutes les lois du monde n’y feront rien. Avec des législateurs et des « experts » comme vous, les pédophiles et les violeurs ont de beaux jours devant eux” !).
De outra banda, encontra-se o advogado Patrick Lingibé, defendendo a lei sob comento como um avanço na proteção de mulheres e menores. O texto é intitulado “Loi du 3 août 2018 renforçant la lutte contre les violences sexuelles et sexistes: une avancée notable pour la défense des femmes et des mineurs”? (“Lei de 3 de agosto de 2018 que reforça a luta contra a violência sexual e baseada no género: um importante passo em frente para a defesa das mulheres e dos menores? – link: https://www.village-justice.com/articles/commentaire-sur-loi-belloubet-schiappa-aout-2018-renforcant-lutte-contre-les,29277.html ). O autor explica que antes da nova lei, embora se citasse a idade de 15 anos, não havia presunção de violência. Com a nova redação essa inexistência de presunção foi mantida. Havia uma promessa governamental de estabelecer uma idade – limite irrefutável, mas o autor a considera como uma violação às garantias constitucionais dos acusados, assim como teria havido um aviso do Conselho de Estado a este respeito. Esta teria sido a razão do recuo. Não compreende o autor que tal idade – limite seria uma norma proibitiva, independente de qualquer presunção de violência. É então mantida e explicitada na lei uma idade, mas que é passível de questionamento quanto à validade do consentimento do menor, de modo que “não há crime se uma pessoa de idade completa tiver relações sexuais consensuais com menores de 15 anos de idade”. (No original: “Il n’y a donc aucune infraction pénale si un majeur a des relations sexuelles consenties avec un mineur de plus de 15 ans”).
Afirma Lingibé:
“No entanto, é particularmente lamentável e angustiante notar que esta lei foi objecto de comentários totalmente falsos a ponto de a distorcer, em particular ao indicar que este texto teria sido mais permissivo e até legalizaria a pedofilia, o que é totalmente enganador. Pelo contrário, esta lei melhora significativamente a prevenção da violência e o acompanhamento das vítimas e reforça fortemente as sanções penais contra os agressores sexuais e protege os menores”. No original: (“Néanmoins, il est particulièrement regrettable et affligeant de constater que cette loi a fait l’objet de commentaires totalement faux au point de la dénaturer, notamment en indiquant que ce texte serait devenu plus permissif et légaliserait même la pédophilie, ce qui est totalement fallacieux. Bien au contraire, cette loi améliore sensiblement la prévention des violences et l’accompagnement des victimes et renforce durement les sanctions pénales contre les agresseurs sexuels et protège les mineurs.”). Observe-se que o autor tem, portanto, uma interpretação diversa e também qualidica como “falsa” qualquer outra visão. Ele não percebe que o aumento de pena, unido ao incremento de exigências para a comprovação da vulnerabilidade e falta de discernimento dos menores, acaba criando uma normatização autofágica, ainda pior do que a anterior, que, ao menos, se referia aos menores de 15 anos e permitia uma interpretação mais rigorosa, embora tenham havido casos de indevido elastério, a exemplo do que ocorreu no Brasil, mesmo diante de uma legislação proibitiva. O autor, como outros, não enxerga ou não quer enxergar, a abertura legislativa provocada e suas consequências práticas, preferindo acreditar num conto de fadas de um mundo melhor após a edição da Lei Schiappa.
Já Jacques Guillemain apresenta artigo intitulado “Schiappa s’en fout du viol des mineurs” (“Shiappa não se importa com a violação de menores” - link: https://ripostelaique.com/schiappa-sen-fout-du-viol-des-mineurs.html). Guillemain critica o recuo da lei projetada, eliminando o prometido estabelecimento de uma idade proibitiva, sob a alegação de que tal violaria a presunção de inocência.
Na mesma toada, encontra-se o texto “La loi libérale – libertaire de Marlène Schiappa sur les violences sexuelles sur mineurs” (“Lei liberal – libertária de Marlene Schiappa sobre violência sexual contra menores” – link: http://www.medias-presse.info/la-loi-liberale-libertaire-de-marlene-schiappa-sur-les-violences-sexuelles-sur-mineurs/91952/ ).
Ainda mais incisivo é o texto de Anne Schubert, chamando a atenção para a ascensão de Marlène Schiappa de autora pornô para Ministra de Estado da França (“O fabuloso destino de Marléne Schiappa, autora pornô virou ministra – originalmente: “Le fabuleux destin de Marlène Schiappa, auteur pornô devenue ministre” - link: “https://ripostelaique.com/le-fabuleux-destin-de-marlene-schiappa-auteur-porno-devenue-ministre.html). Não se trata de utilização de argumento “ad hominem”, mas de uma constatação quanto à irrazoabilidade no fato de que uma autora da área da pornografia esteja envolvida na elaboração de leis que pretendem impor rigores a questões de conduta sexual.
Finalmente vale citar o texto de Marion Sigaut (“Contre la sexualization des enfants et la loi Schiappa: L’Appel à la résistance de Marion Sigaut & Les oueuvres completes de Marlène Schiappa, alias Marie Minelli”? – “"Contra a sexualização de crianças e a lei de Schiappa: O chamado de Marion Sigaut à resistência e as obras completas de Marlene Schiappa, também conhecida como Marie Minelli"? – Link: http://ladyvanessa.over-blog.com/2018/08/contre-la-sexualisation-des-enfants-et-la-loi-schiappa-l-appel-a-la-resistance-de-marion-sigault.html). A autora tece críticas à lei posta e seu perigo quanto à abertura para a aceitação de relações sexuais de adultos com menores, desde que haja consentimento considerado válido, agora nos termos da lei, que, expressamente põe essa questão em discussão. Também Sigaut expõe as obras pornográficas de Schiappa, contestando sua legitimidade moral para dar credibilidade à legislação que supostamente visaria à maior repressão a abusos sexuais, especialmente contra menores. Segundo Sigaut, antes da lei nova havia proibição expressa de atos sexuais, mesmo consentidos, com menores de 15 anos. Isso era considerado como delito. Agora a questão de uma idade – limite é expressamente afastada pela lei. Mesmo com a situação antecedente, havia o afastamento dessa proibição em casos em que juízes consideravam o menor capaz de assentir validamente. A colocação da questão em discussão expressa na legislação torna a possibilidade ou até probabilidade de abertura para abusos serem considerados atos sexuais aceitáveis, bem mais plausível. Sigaut cita a legislação francesa antecedente, para a qual “L'atteinte sexuelle sur mineur est une infraction prohibant et réprimant les relations sexuelles, y compris consenties, entre un majeur et un mineur sexuel. Cet acte est considéré comme un délit.” ("O abuso sexual de um menor é uma ofensa proibitiva e reprime as relações sexuais, incluindo o consentimento, entre uma pessoa de idade completa e um menor sexual. Este ato é considerado um crime. "). Note-se que a palavra “proibitiva” tem uma importância ímpar. Portanto, sem esse caráter de “proibição” absoluta, é inegável que as brechas para a aceitação de contatos sexuais com menores, ainda que menores de 15 anos, são abertas pela novel legislação. Quem entenda diversamente está exercitando seu direito de liberdade de pensamento e, ao expressar esse pensamento, o de expressão, mas não pode pretender calar com assertivas arrogantes e invectivas, bem como rotulações, as interpretações divergentes que surgem tanto no Brasil como mesmo na França, conforme demonstrado.