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O julgamento acerca da prisão após a decisão de segunda instância:

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Agenda 28/09/2020 às 14:50

1. Introdução

 No modelo de jurisdição constitucional atual adotou-se o modelo kelseniano/austríaco para a proteção da constituição federal, no sentido de incumbir a um tribunal constitucional a análise acerca da constitucionalidade ou não de determinada norma.

O modelo austríaco de controle de constitucionalidade (Verfassungsgerichtsbarkeit), todavia, não foi aplicado no Brasil em sua pura essência. Este modelo previa que uma corte constitucional deveria pronunciar-se acerca da inconstitucionalidade ou não de determinada norma somente por intermédio do controle concentrado de constitucionalidade.

Certo é que, no modelo brasileiro, adota-se tanto o sistema concentrado quanto o difuso de constitucionalidade.

Contudo, nos anos da República de Weimar (1918-1933), uma das principais discussões envolviam justamente o jurista Hans Kelsen, defensor deste controle concentrado de constitucionalidade por intermédio de um tribunal jurídico-constitucional, e o político Carl Schmitt, que sustentava a tese de que o defensor da constituição federal deveria ser o Presidente da República, que era, justamente, um sujeito que era eleito pelo povo, ideal este que foi melhor desenvolvido em seu livro Der Hüter der Verfassung (BERCOVICI, 2005).

É de certa pacificidade o entendimento de que a democracia está umbilicalmente ligada com a constituição, pois esta lhe assegura normas protetoras contra a própria atividade estatal, ou contra o próprio senso coletivo, e que a constituição está umbilicalmente ligada à jurisdição constitucional, contudo, em que pese o ideal de Carl Schmitt não ter sido concretizado no plano atual, verifica-se que alguns de seus ideais ainda persistem no âmbito discricionário do poder judiciário, principalmente quanto ao julgamento de casos polêmicos que envolvem grande repercussão nacional. Ora, se a decisão proferida por uma corte constitucional deveria ser jurídica, logo, esta não deveria sopesar com tanto afinco acerca dos eventuais reflexos políticos decorrentes de seus efeitos, mas apenas analisar a juridicidade da norma ou do ato atacado no caso em concreto, verificando a sua compatibilidade com a constituição ou não, deixando que os órgãos que possuem natureza preponderantemente política (executivo e legislativo), consigam superar os efeitos de uma declaração de inconstitucionalidade com a criatividade que a população que os legitimou requer (REYES, 2019).

O Supremo Tribunal Federal não raras vezes fundamenta as suas decisões de forma política, como forma a sedimentar um discurso protetivo que deveria ser praticado pelos que foram efetivamente legitimados. Contudo, quando recebeu para a análise o debate acerca do início do cumprimento de uma pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, a referida corte, de forma majoritária, mas não unânime, acabou se posicionando de forma estritamente jurídica quanto a aplicabilidade da constituição federal no caso concreto, vedando, desta forma, a implementação de tal situação, e isto causou uma série de rebuliços sociais, trazendo à tona o debate acerca da possibilidade de o STF atuar também como um órgão político, de acordo com os ideais de Carl Schmitt, ou se deveria atuar como guardião do texto constitucional conforme previa Hans Kelsen.


2. O histórico jurisprudencial acerca da possibilidade de se executar a pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado, após a decisão proferida por um tribunal ordinário em segunda instância

2.1. Sobre as normas que foram debatidas

Antes de se adentrar ao histórico jurisprudencial sobre a questão, é importante traçar os contornos que o estudo pretende adentrar.

Trata-se da análise do princípio da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, e do art. 283 do Código de Processo Penal Brasileiro, que, ipsis literis dispõem:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

É clara a interpretação que, de acordo com a legislação, o indivíduo não pode ser preso antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, salvo em virtude de prisão temporária ou preventiva, que possuem outros requisitos para o seu estabelecimento. Desta forma, para que seja possível uma interpretação contrária, seria necessário que este dispositivo fosse tido como inconstitucional, e, de acordo com a constituição federal, tem-se que ninguém deve ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Com a análise conjunta de ambos os dispositivos, tem-se a interpretação de que o indivíduo não pode ser preso antes do trânsito em julgado, pois a prisão pode ser interpretada como atribuição máxima de culpa ao sujeito que está sendo acusado em âmbito processual penal.

No âmbito da Suprema Corte, o entendimento contrário a este se sustenta basicamente em três premissas. A primeira é a de que nenhum direito é absoluto, tampouco o direito à presunção de inocência. A segunda dita que, como é no tribunal ordinário, ou seja, na segunda instância, em que há a finalização da análise acerca dos fatos, logo, uma condenação por parte deste tribunal atesta, com forte presunção de veracidade, que, de fato, a conduta realmente se verificou no plano concreto. A terceira defende a tese de que, caso não haja a execução antecipada da pena, isto poderia acarretar na tradução de uma impunidade, tendo em vista que a cultura jurídica brasileira decorre no sentido de recorrer sempre até a última instância, e, tendo em vista que o poder judiciário é moroso ao proferir decisões, haveria o risco de o acusado ser beneficiado pelo instituto da prescrição intercorrente. Um fato curioso reside na posição enfática de que os defensores desta tese não se posicionam acerca da inconstitucionalidade do referido dispositivo legal que veda a prisão antes do trânsito em julgado (frise-se: ressalvadas as hipóteses de prisão temporária e preventiva), mas interpretam o dispositivo conforme à constituição.

Desta forma, é bem possível concluir que os argumentos contrários residem basicamente em apenas um sentimento: o de impunidade, em decorrência de um processo judicial lento e complexo, que acaba consumando-se na prescrição sem a análise efetiva do mérito do caso. Verifica-se que a população anseia por um pronunciamento judicial quanto ao mérito da questão, ou seja, não é possível satisfazer a vox populi mediante o julgamento amparado com base em previsões legislativas não consonantes, de certo modo, aos fatos vivenciados e discutidos no caso.

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2.2. Das alterações de posicionamento jurisprudencial

O Supremo Tribunal Federal alterou o seu entendimento, nos últimos dez anos, quatro vezes seguidas.

Inicialmente, desde novembro de 1991 até fevereiro de 2009, havia o entendimento de que era possível a execução provisória após a condenação proferida por um tribunal ordinário, e, caso o réu opusesse recursos junto às instâncias extraordinárias (STJ e STF), deveria iniciar o cumprimento provisório da pena até a finalização do julgamento. A fundamentação principal do HC 68.726, julgado pelo Min. Néri da Silveira, que embasou este entendimento, dispôs que:

Não considero, de outra parte, a ordem para que expeça mandado de prisão do réu, cuja pena privativa de liberdade se confirme, unanimemente, no julgamento de sua apelação contra a sentença desfavorável, em conflito com a norma do art. 5º, LVII, da Constituição Federal, quando preceitua: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

A ordem de prisão, em decorrência de decreto de custódia preventiva, de sentença de pronúncia ou de decisão de órgão julgador de segundo grau, é de natureza processual, concerne aos interesses da garantia da aplicação da lei penal ou da execução da pena imposta, após reconhecida a responsabilidade criminal do acusado, segundo o devido processo legal, com respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, qual na espécie sucedeu.[2]

O entendimento estava compatível com a legislação da época, tendo em vista que a legislação processual penal, prevista no art. 283 do Código de Processo Penal, que vedava a prisão antes do trânsito em julgado, só foi alterada em 4 de maio de 2011, por intermédio da Lei n.º. 12.403.

Este entendimento foi alterado pela Suprema Corte mesmo antes da promulgação do referido dispositivo, entre o período de fevereiro de 2009 até maio de 2016, ocasião em que o Supremo entendeu que não seria possível que o réu tivesse iniciada a execução da sua pena antes do trânsito em julgado da discussão processual. A fundamentação principal trazida no HC 84.078, embasada pelo Relator Ministro Eros Grau, dispôs, em síntese, que:

6. A Lei de Execução Penal – Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1.984 – condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 105), ocorrendo o mesmo com a execução da pena restritiva de direitos (artigo 147). Dispõe ainda, em seu artigo 164, que a certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado valerá como título executivo judicial.

7. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

8. Daí a conclusão de que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se temporal e materialmente, ao disposto no artigo 637 do CPP.

(...)

11. Ora, se é vedada a execução da pena restritiva de direito antes do trânsito em julgado da sentença, com maior razão há de ser coibida a execução da pena privativa de liberdade – indubitavelmente mais grave – enquanto não sobrevier título condenatório definitivo. Entendimento diverso importaria franca afronta ao disposto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição, além de implicar a aplicação de tratamento desigual a situações iguais, o que acarreta violação do princípio da isonomia. Note-se bem que é à isonomia na aplicação do direito, a expressão originária da isonomia, que me refiro. É inadmissível que esta Corte aplique o direito de modo desigual a situações paralelas.[3]

Desta forma, houve alteração do entendimento do Supremo Tribunal Federal ante a aplicação do princípio da isonomia, tendo em vista que, se era impossível a execução de penas restritivas de direito antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, logo, não seria possível, igualmente, a execução provisória de pena mais grave antes de atingido o referido lapso temporal.

Contudo, o entendimento foi alterado novamente, passando-se a permitir a execução provisória da pena em maio de 2016. A fundamentação principal do HC 126.292, cuja relatoria precedeu do Ministro Teori Zavascki, foi a seguinte:

5. Realmente, antes de prolatada a sentença penal há de se manter reservas de dúvida acerca do comportamento contrário à ordem jurídica, o que leva a atribuir ao acusado, para todos os efeitos – mas, sobretudo, no que se refere ao ônus da prova da incriminação -, a presunção de inocência. A eventual condenação representa, por certo, um juízo de culpabilidade, que deve decorrer da logicidade extraída dos elementos de prova produzidos em regime de contraditório no curso da ação penal. Para o sentenciante de primeiro grau, fica superada a presunção de inocência por um juízo de culpa – pressuposto inafastável para a condenação -, embora não definitivo, já que sujeito, se houver recurso, à reversão por um Tribunal de hierarquia imediatamente superior. É nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado. É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame da decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tenha ela sido apreciada ou não pelo juízo a quo. Ao réu fica assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau, respeitadas as prisões cautelares porventura decretadas.[4]

É curioso notar, igualmente, que, dentro deste julgado, verifica-se excertos que não necessariamente se debruçam à técnica jurídica de interpretação das normas, mas se sustentam a equiparações em âmbito de direito comparado, de sensos de justiça, dados estatísticos, etc, conforme se destacará em algumas passagens:

7. Não é diferente no cenário internacional. Como observou a Ministra Ellen Gracie quando do julgamento do HC 85.886 (DJ 28/10/2005), “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema”.

(...)

Interessante notar que os dados obtidos [dados citados pelo Ministro Teori Zavascki que dispõem que os habeas corpus dirigidos ao tribunal são providos em tão somente 4% dos casos] não compreenderam os recursos interpostos contra recursos extraordinários inadmitidos na origem (AI/ARE), os quais poderiam incrementar, ainda mais, os casos fadados ao insucesso. E não se pode desconhecer que a jurisprudência que assegura, em grau absoluto, o princípio da presunção da inocência – a ponto de negar executividade a qualquer condenação enquanto não esgotado definitivamente o julgamento de todos os recursos, ordinários e extraordinários – tem permitido e incentivado, em boa medida, a indevida e sucessiva interposição de recursos das mais variadas espécies, com indisfarçados propósitos protelatórios visando, não raro, à configuração da prescrição da pretensão punitiva ou executória.

(...)

[Ministro Luis Roberto Barroso] 40. Os métodos de atuação e argumentação dos órgãos judiciais são essencialmente jurídicos, mas a natureza de sua função, notadamente quando envolva a jurisdição constitucional e os chamados casos difíceis, tem uma inegável dimensão política. Assim é devido ao fato de o intérprete desempenhar uma atuação criativa – pela atribuição de sentido a cláusulas abertas e pela realização de escolhas entre soluções alternativas possíveis -, e também em razão das consequências práticas de suas decisões.

(...)

43. Pois bem: o pragmatismo jurídico, que opera dentro dos sentidos possíveis da norma jurídica, oferece três argumentos que reforçam a necessidade de revisão da atual jurisprudência do STF quanto à impossibilidade de execução provisória da pena. Como já afirmado no início deste voto, a alteração, em 2009, da compreensão tradicional do STF sobre o tema, que vigia desde a promulgação da Constituição de 1988, produziu três efeitos negativos: o incentivo à interposição de recursos protelatórios, o reforço à seletividade no sistema penal e o agravamento do descrédito do sistema de justiça penal junto à sociedade. A reversão desse entendimento jurisprudencial pode, assim, contribuir para remediar tais efeitos perversos, promovendo (i) a garantia de equilíbrio e funcionalidade do sistema de justiça criminal, (ii) a redução da seletividade do sistema penal, e (iii) a quebra do paradigma de impunidade.[5]

É possível verificar outras passagens de teor semelhante, contudo, faz-se necessário suspender esses trechos, para não alongar em demasia o presente estudo, mas essas demonstrações servem apenas pelo intuito de demonstrar que, de fato, houve uma espécie de espectro político sustentado no âmbito deste julgamento.

Em apertada síntese, o julgamento firmou-se no sentido de que a execução provisória da pena era possível, tendo em vista que a análise dos fatos terminaria após o pronunciamento recursal proferido por um tribunal ordinário, e que a não aplicação do referido instituto causaria impunidades, no sentido de gerar o risco de se culminar em uma prescrição intercorrente da pretensão punitiva do ente estatal, haja vista a triste cultura brasileira de se interpor recursos que, na maioria dos casos, são protelatórios.

Por fim, o quarto e último posicionamento do Supremo Tribunal Federal decorreu no sentido de negar a execução provisória da pena, tendo em vista a vedação prevista no art. 283 do Código de Processo Penal, cuja redação foi alterada pela Lei n.º. 12.403, de 4 de maio de 2011, firmando-se a Corte no sentido de que o referido dispositivo é constitucional. É o que se verifica mediante a análise das ADC’s n.º. 43, 44 e 54, cuja relatoria era do Ministro Marco Aurélio.

O princípio da não culpabilidade é garantia vinculada, pela Lei Maior, ao trânsito em julgado, de modo que a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal não comporta questionamentos. O preceito consiste em reprodução de cláusula pétrea cujo núcleo essencial nem mesmo o poder constituinte derivado está autorizado a restringir.

Essa determinação constitucional não surge desprovida de fundamento. Coloca-se a preclusão maior como marco seguro para a severa limitação da liberdade, ante a possibilidade de reversão ou atenuação da condenação nas instâncias superiores.[6]

É possível classificar as mudanças de entendimento jurisprudencial em quatro tempos distintos:

a) Primeiro período: de novembro de 1991 até fevereiro de 2009: possibilidade da execução provisória da pena;

b) Segundo período: de fevereiro de 2009 até maio de 2016: impossibilidade da execução provisória da pena;

c) Terceiro período: de maio de 2016 até novembro de 2019: possibilidade da execução provisória da pena;

d) Quarto período: de novembro de 2019 até os dias atuais: impossibilidade da execução provisória da pena.

2.3. Dos fatores sociais verificados no segundo até o quarto período de mudança de interpretação jurisprudencial

O Brasil foi palco de uma das maiores investigações de corrupção e lavagem de dinheiro do mundo, e a maior que o país teve experiência. Essa investigação, denominada como Operação Lava Jato, teve início em meados de 2009, ante a investigação de crimes de lavagem de capitais relacionados a deputados do Estado do Paraná, ou seja, teve início justamente dentro do segundo período de mudança do entendimento jurisprudencial no âmbito do STF.

Esta investigação culminou na denúncia e condenação de diversos políticos e empresários influentes, e, de forma acertada, é possível concluir que a investigação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a que causou as maiores reviravoltas sociais ao redor de todo o país.

O ex-presidente foi denunciado no dia 14 de setembro de 2016[7] pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, decorrentes de uma investigação que encontrou irregularidades, no sentido de ser ele o proprietário oculto de um apartamento no litoral do Estado de São Paulo que foi recebido como forma de negociar a troca de favores políticos na época em que era presidente da república, e acabou sendo condenado, em primeira instância, no dia 12 de julho de 2017[8]. Após a interposição de recursos, a condenação acabou sendo mantida em segunda instância no dia 24 de janeiro de 2018[9], e houve a sua prisão no dia 7 de abril de 2018[10].

De acordo com o lapso temporal verificado, tem-se que o início desta operação de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro iniciou-se justamente no segundo período de posicionamento jurisprudencial do STF, que impedia a execução provisória da pena, mas a acabou alterando o seu posicionamento, permitindo o implemento da referida reprimenda antes do trânsito em julgado.

Durante esta investigação, conforme os acusados foram sendo condenados, a população realizava diversos protestos massivos ao redor do país, em que os manifestantes lutavam pelo fim da impunidade, por intermédio da aplicação da lei, de forma rígida, contra aqueles que eram acusados pela prática de crimes de corrupção e de lavagem de capitais. No dia 14 de março de 2016, ou seja, ainda entre o segundo e o terceiro período de entendimento jurisprudencial do STF[11], houve um massivo protesto ao redor de todo o país, ocasião em que os manifestantes protestavam pelo fim da impunidade, pelo apoio à Operação Lava à Jato, pela prisão do ex-presidente (que, à época, ainda não havia sido condenado), bem como pelo afastamento da atual presidente da república, Dilma Rousseff. Estima-se que este movimento agregou cerca de 6,8 milhões de pessoas, de acordo com os organizadores, e, de acordo com as Polícias Militares, cerca de 3,6 milhões[12].

Em outros momentos passados, por volta de 2015, existiram outros protestos exigindo um combate mais rígido à corrupção[13], que reuniram, igualmente, um número considerável de manifestantes. De fato, durante o segundo e o terceiro período de posicionamento jurisprudencial é possível afirmar, sem qualquer sombra de dúvidas, que o país foi tomado por um volksgeist combativo aos ditos crimes de colarinho branco, mais especificamente àqueles voltados contra o patrimônio da administração pública.

Curiosamente esses mesmos argumentos de combate à impunidade, efetividade da persecução penal, combate rígido à corrupção, dentre outros, foram utilizados nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal para fundamentar a alteração de entendimento acerca da impossibilidade de se decretar a execução provisória, para, posteriormente, possibilitá-la, após decisão proferida por um tribunal ordinário.

É certo que após a prisão do ex-presidente, ocorrida no dia 7 de abril de 2018, os movimentos sociais que reivindicavam um combate rígido à corrupção foram esmorecendo, até porque, boa parte dos intentos dos manifestantes foram atendidos, de certo modo, pelo poder público[14].

Ou seja, houve um certo apaziguamento social após este fato.

Após este período de pacificação social, e diz-se pacificação no sentido de o país não ter sido tomado por protestos relevantes desde a prisão do ex-presidente, no dia 07 de novembro de 2019 (decisão que foi disponibilizada no DJ no dia 11 de novembro de 2019), o Supremo Tribunal Federal decidiu retornar ao seu antigo entendimento, no sentido de vedar a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, devendo o acusado, desde que não verificadas as hipóteses de prisão temporária ou preventiva, responder em liberdade até o pronunciamento final por parte do poder judiciário acerca do caso, mas, neste caso, em ação que visava a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal pelo controle concentrado de jurisdição, ou pelo legítimo Verfassungsgerichtsbarkeit. Um outro fator relevante deste julgamento foi o placar de 6 votos contrários à execução provisória antes do trânsito em julgado contra 5 votos favoráveis a esta tese, ou seja: uma conclusão extremamente acirrada.

Sobre o autor
Rodrigo Nunes Sindona

Advogado, mestre em direito pela FADISP, especialista em direito tributário, previdenciário e empresarial pela EPD, direito penal e constitucional pela Faculdade LEGALE, Defensor Dativo junto ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SINDONA, Rodrigo Nunes. O julgamento acerca da prisão após a decisão de segunda instância:: um reavivamento da discussão entre Carl Schmitt e Hans Kelsen?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6298, 28 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85662. Acesso em: 21 nov. 2024.

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