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A remição de bens e a carta de arrematação

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Agenda 12/03/2021 às 18:42

Entenda a diferença entre remissão e remição, e alguns dos principais aspectos relacionados à matéria.

I – A REMIÇÃO  

Conforme Celso Neves (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. VII, 2ª Ed., Forense, Rio de Janeiro, 1977, p. 375), remição (para nós da execução) advém de redimere, tornar a comprar a coisa já vendida, como já existia no Digesto, XXXIV, 3, 20 - ut eos ex nostribus redimeret - e significa resgate. 

O remir (forma sincopada de redimir) aparece nas Ordenações Afonsinas, Liv. IV, Tít XVII - Do Benefaci Valleano outorgado aas molheres, que fião alguém, ou fe obrigão por elle - no § 1º: "...affy como fé alguu homem prometteffe certo dinheiro para remir algum cativo" , como disse ainda Celso Neves(obra citada, pág. 375).  

Ensinou Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo XIII, 2ª Edição, Forense, 1961, p. 431), em mais uma lição lapidar, que: 

"Falando do que o porteiro levaria das escrituras e da 'venda dos penhôres', as Ordenações Filipinas, Livro I, Título 84, § 11, aludiram ao caso de 'se a parte quiser pagar, e lhe tornarem esses penhôres'. No Livro II, Título 53, § 7, depois de se ter cogitado de não haver lanço e da adjudicação pelos exeqüentes (§ 6), encontra-se que, 'depois de tomadas as fazendas para os próprios', se 'farão notificar às pessoas, cujas foram, que dentro de oito dias paguem as quantias, por que foram tomadas'. Na Ordenação do Livro IV, Título 13, § 7, previa-se o ter-se achado lançador, acrescentando-se o juiz 'pode mandar novamente requerer o devedor, que pague a dívida, se não que a coisa, ou penhor seja arrematado pelo preço, que nele é lançado, posto que seja pequeno'. 

A remição é historicamente um benefício de caráter familiar, pois permite que o cônjuge do executado, descendentes e ascendentes deste, adquirir para si os bens adjudicados ou vendidos, pelo valor da adjudicação ou do preço da praça ou leilão. 

Há diferença entre remição de bens e remissão da dívida.  

Remissão das dívidas é o perdão da dívida concedido pelo credor ao devedor. 

A remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiros. 

José da Silva Pacheco (Tratado das Execuções, Processo de Execução, 2° Vol., 2ª Ed., Saraiva, São Paulo, 1976, p. 534.) lecionou  que a remição em nosso sistema apresenta-se como uma medida expropriatória, ao lado da arrematação, adjudicação ou usufruto de imóveis ou de empresa. Seria "como os demais, um meio de extrair valores dos bens do executado, para atender à execução expropriatória". 

A remição é ato jurídico de resgate de bens da execução, seja pela satisfação do pedido pelo executado, seja pela substituição objetiva deles por dinheiro, pelo credor com garantia real, ou pelos credores concorrentes que hajam penhorado o mesmo bem, ou ainda pelo cônjuge, ascendentes ou descendentes, no caso de adjudicação -tendo preferência pela mesma oferta estes três últimos e nessa ordem- pois, não seria mais possível o resgate após a arrematação nos termos da Lei 11.382/2006 que revogou os artigos 787 a 790 do CPC, como disse Sérgio Massaru Takoi (O instituto da remição e a lei 11.582/06, in Migalhas).  

A remição da execução consiste na satisfação integral do débito executado no curso do processo e impede a alienação do bem penhorado. Essa prerrogativa está prevista no art. 826 do CPC/2015, cuja primeira parte estabelece que “antes de adjudicados ou alienados os bens, o executado pode, a todo tempo, remir a execução (...)”. 


II – A ADJUDICAÇÃO  

A remição de bens prefere, na execução civil, à adjudicação.  

A figura da adjudicação, se via no direito romano, sob o nome de adiudicatio, própria do chamado direito formulário, numa fase em que se autorizava o juiz a atribuir às partes a propriedade de certas coisas ou de partes delas. 

A adjudicação há de ser compreendida como um ato de expropriação executiva no qual o bem penhorado é transferido para o credor ou outros legitimados (§ 5.º do art. 876 do CPC/2015), mediante requerimento expresso nesse sentido. 

Já afirmamos, em artigo anterior (O perfil da adjudicação no direito brasileiro, CEJ/RN, 16/2008), que, no seu âmbito originário, surgiu a adjudicação com o sentido de dar alguma coisa por sentença, adaptando-se, posteriormente, à função executiva, no sentido básico da aquisição do bem pelo exequente. 

Com a redação dada pela Lei 11.382, de 2006, o instituto absorveu, à luz da leitura do artigo 685 – A, § 2º, o resgate, remição do bem penhorado, pelos parentes do executado. 

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A adjudicação é a modalidade de execução forçada que, diante daquela reforma processual, adquiriu um caráter prioritário, juntamente com a alienação particular, se somando a arrematação que passou a ter um caráter subsidiário, do que se lê dos incisos I a III do artigo 647 e do parágrafo único do artigo 685 do Código de Processo Civil de 1973 que restou revogado pelo novo CPC de 2015. 

Como a penhora, a adjudicação é ato executório. Na penhora, ato específico da execução contra o devedor solvente, tem-se a fixação da responsabilidade executória sobre os bens por ela abrangidos. Na adjudicação, tem-se a passagem do bem penhorado, por ato do Estado-Juiz, do patrimônio do devedor para o credor ou terceiro. 

Com a Lei 11.382/2006, não é mais pressuposto para a adjudicação que esteja finda a praça, sem lance, como se lia do artigo 714 na redação original que lhe deu o Código revogado, de 1973. 

A adjudicação dos bens penhorados, com a redação dada pela Lei 11.382, transformou-se na forma preferencial de satisfação do direito do credor na execução de obrigação por quantia certa, pois a execução passou a propiciar ao exequente a apropriação direta dos bens constritos em pagamento de seu crédito. A esse propósito tem –se a leitura do artigo 647 do CPC de 1973 mantida pelo artigo 825 do novo Código. 

Fugindo-se ao modelo que havia sob o Código de 1939, não se permite que o pedido de adjudicação seja apresentado em concorrência com o lanço do arrematante. Isso porque o requerimento do legitimado para adjudicar deve ser apresentado logo após a penhora e a avaliação. Caso contrário, terá o credor de participar da licitação na disputa pelo bem com os demais interessados. Porém, a redação que se dava à norma não permitia incidência de preclusão se for frustrada a hasta pública ou a alienação particular e o legitimado apresentar oferta para a adjudicação. 

Nada impediria ao executado remir a execução, entre a resolução tomada pelo juiz, decidindo eventuais questões suscitadas pelo requerimento de adjudicação e em decorrência da pluralidade de pretendentes, e a assinatura do auto (artigo 631 do Código de 1973). 

A adjudicação é um direito do credor.  

Em lugar de aguardar a arrematação para apresentar o requerimento, como se dispunha o artigo 788, revogado, o pleito do cônjuge, descendente ou ascendente deverá ser manifestado logo após a avaliação e antes que a expropriação seja encaminhada para a alienação por iniciativa do legitimado ou em hasta pública. 

Sobre o tema ficou assim a escala de referência: a) primeiro o cônjuge, depois o descendente e, finalmente, o ascendente. Havendo diversos pleiteantes no mesmo grau, o caminho é a realização de licitação entre eles, e o vencedor será quem oferecer o melhor preço. 

O cônjuge, descendente ou ascendente do executado continuam a gozar de preferência na licitação. Em concorrência, porém, com a sociedade, em caso de penhora de quota social penhorada em execução por dívida pessoal do sócio, a preferência legal é dos outros sócios (parágrafo quarto, do artigo 685 -  A do CPC de 1973). 

Mas, entenda-se: não se confundem adjudicação e remição de bens. Mas a reforma já falava em adjudicação por cônjuge, descendente ou ascendente do executado. 


III – A CARTA DE ARREMATAÇÃO  

Vem a alusão a chamada carta de arrematação.   

Uma das formas de transformar em dinheiro determinado bem móvel ou imóvel, no curso do processo de execução ou fase de cumprimento de sentença e, após concluída a respectiva avaliação, reside na alienação, a qual pode ser realizada judicialmente por meio de leilão. 

Em outras palavras, por vezes ao exequente não lhe interessará adjudicar o bem penhorado e, por outro lado, necessário se faz encontrar alguém disposto a adquirir referido bem judicialmente por meio de leilão, a depositar nos autos o valor do lance vencedor, observadas as regras previstas nos arts. 879 a 903 do CPC. 

 A arrematação não é ato contratual, é ato processual de transferência coativa, daí porque se fala em sua irretratabilidade, como ensinou Liebman.

Também não é sentença, de maneira que não pode ser objeto de recurso ou de ação rescisória, como aludiu José Frederico Marques(Instituições de Direito Processual Civil, ed. 1969, volume V, n. 1.219, página 267).

A arrematação é título de domínio, em sentido material, do arrematante sobre os bens adquiridos na hasta pública. Por sua vez, o auto de arrematação funciona como título em sentido formal.

No caso de bem imóvel a transferência forçada aperfeiçoa-se com a expedição da carta de arrematação, que é o instrumento dela, como o translado é o instrumento da escritura lavrada nas notas do tabelião.

A carta de arrematação, contendo os requisitos legais, que se destina à transcrição no Registo de Imóveis, é redigida pelo escrivão e subscrita pelo juiz.

As despesas da arrematação, da extração da carta, bem como os impostos devidos pela transcrição do imóvel são ônus do arrematante.

Já se entendeu que “o arrematante não está obrigado a pagar os tributos incidentes sobre o imóvel arrematado, para obter a expedição da carta de arrematação, uma vez que o preço depositado responde pelos impostos e taxas devidos”(TJSP, ac. De 3 de outubro de 1974, RT 471/58 – 59).

A arrematação transfere o domínio do bem ao arrematante; transfere ao arrematante direito aos frutos pendentes; obriga o depositário judicial ou particular, ou eventualmente o devedor a transferir ao arrematante a posse dos bens arrematados; extingue as hipotecas inscritas no imóvel.

O CPC/73 previa que assinado o auto de arrematação, esta tornar-se-á perfeita e acabada, ainda que julgados procedentes os embargos do devedor. 

Por sua vez, o CPC/2015, não obstante prever disposição semelhante (e desde que não provocado o juízo em dez dias após a arrematação ou suscitado vício inerente ao procedimento de leilão), foi além, para também assegurar a irretratabilidade da arrematação não obstante reconhecido, a posteriori, eventuais vícios aptos a invalidar a arrematação já consolidada, como disseram Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica(O artigo 903 do CPC e a arrematação perfeita e acabada, in Migalhas).  

Trago a lição de Tereza Arruda Alvim Wambier (Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016) quando disse:  

"O Novo Código de Processo Civil extinguiu, pois, a figura dos embargos de segunda fase (embargos à arrematação, alienação e adjudicação), previstos no art. 746 do CPC/73 e, no seu lugar, previu essa ação autônoma que, por expressa disposição do caput, mesmo que bem sucedida, não terá o condão de refletir no desfazimento da arrematação, alienação ou adjudicação. Nesse passo, após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega, não será mais admitida a discussão da arrematação, alienação ou adjudicação dentro do processo executivo. Eventual vício terá de ser arguido em ação autônoma. Trata-se de técnica que, a nosso ver, visa a conferir mais segurança e atratividade às formas de expropriação." 

Com isso, se ao final dos embargos à execução for verificado que o título não era hábil a iniciar a execução, a arrematação já realizada é preservada, resolvendo-se a questão em perdas e danos

Trato na matéria posição do Tribunal de Justiça de São Paulo:  

Agravo de instrumento - Ação de execução de título extrajudicial - Insurgência em face de decisão que indeferiu pedido do agravante para cancelamento da arrematação havida nos autos (matrículas nºs 44.710 e 30.937), consignando que eventual discussão em relação à propriedade dos bens arrematados deveria se dar pela via extrajudicial - Improcedência do inconformismo - Pretensão de desconstituição da arrematação em razão de acordo celebrado entre as partes, posteriormente à assinatura do auto de arrematação - Impossibilidade - Cartas de arrematação expedidas e registradas junto ao CRI - Inexistência de vício do ato judicial - Arrematação perfeita e acabada (art. 903, CPC) e registrada na matrícula dos imóveis - Precedentes - Hipótese de manutenção decisão hostilizada - Recurso desprovido." 

(TJSP; Agravo de Instrumento 2152044-43.2018.8.26.0000; Relator Des. Jacob Valente; 12ª Câmara de Direito Privado; j. 09/04/2019; grifos nossos) 

"Agravo de Instrumento. Ação de execução de título extrajudicial. Execução e penhora de imóvel da executada Maria José Ribeiro que faleceu no tramite da execução. Assinado o auto de carta de arrematação, considera-se perfeita, acabada e irretratável (art. 903 do CPC/2015). Eventual procedência dos embargos oferecidos pelo executado, ou de eventual ação autônoma prevista no § 4º do art. 903, não ensejará o desfazimento da arrematação, tendo o executado direito apenas a haver do exequente a reparação dos prejuízos sofridos. Recurso desprovido." 

(TJSP; Agravo de Instrumento 2228546-57.2017.8.26.0000; Relator Des. Morais Pucci; 35ª Câmara de Direito Privado; j. 03/04/2019; grifos nossos) 

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução de título extrajudicial - Arrematação que se considera perfeita, acabada e irretratável com a assinatura do auto de arrematação pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma em que o arrematante figurará como litisconsorte necessário - Art. 903, caput e parágrafo 4º, do NCPC - Direito do arrematante de boa-fé que, a princípio, se encontra resguardado, ressalvada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos - Tributos, de outro lado, que se sub-rogam ao preço da arrematação, nos termos do art. 130, do CTN - Decisão que autorizou a expedição de mandado de levantamento ao Município mantida - Recurso improvido, revogado o efeito suspensivo." 

(TJSP; Agravo de Instrumento 2246266-37.2017.8.26.0000; Relator Des. Lígia Araújo Bisogni; 14ª Câmara de Direito Privado; j. 16/03/2018; grifos nossos) 

"ALIENAÇÃO DE COISA COMUM - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - CITAÇÃO EDITALÍCIA REGULAR - REGULARIDADE FORMAL DA CONTESTAÇÃO POR NEGATIVA GERAL APRESENTADA PELO CURADOR ESPECIAL EM FACE DO DISPOSTO NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 341 DO CPC2015 - REALIZADA A ARREMATAÇÃO E LEVADA A REGISTRO A RESPECTIVA CARTA, DEVE SER CONSIDERADA PERFEITA, ACABADA E IRRETRATÁVEL - POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DE EVENTUAIS PREJUÍZOS EM AÇÃO AUTÔNOMA (CPC, ART. 903, 'CAPUT' E § 4º) - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO." 

(TJSP; Agravo de Instrumento 2188094-05.2017.8.26.0000; Relator Des. Theodureto Camargo; 8ª Câmara de Direito Privado; j. 19/12/2017; grifos nossos) 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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