5 CONCLUSÃO
O artigo buscou sintetizar a discussão sobre a (des)necessidade de motivação do ato administrativo de dispensa do empregado público de empresa pública ou sociedade de economia mista, por decisão unilateral da administração pública.
Como visto, delinear o assunto a partir do estudo da teoria dos atos administrativos pode fornecer uma série de informações básicas, porém, extremamente relevantes para a compreensão global do tema.
Os atos administrativos são o modo como a Administração Pública atua em sua função típica de poder público, isto é, são o meio pelo qual o Estado se manifesta formalmente a respeito de suas próprias decisões que geram efeitos no mundo do Direito.
A legislação, desde a lei da ação popular, até a lei que disciplina o processo administrativo em âmbito federal, fornece, não somente princípios norteadores, mas também vincula o administrador a proceder conforme a previsão expressa da norma.
Neste sentido, quando a empresa pública ou a sociedade de economia mista, seja ela prestadora de serviço ou atue explorando atividade econômica pretende, por vontade unilateral, dispensar algum de seus funcionários, é preciso que o meio pelo qual venha oficialmente a se manifestar seja um ato administrativo, e não apenas um mero ato de gestão.
Ocorre que estamos diante de uma situação onde é preciso atentar para o fato de que a decisão unilateral tomada pelo ente da administração indireta vai gerar efeitos práticos que, conforme previsão do artigo 50, inciso I da lei 9.784/1999, afetará direitos de uma pessoa.
Dessa forma, a exigência de que este ato administrativo tenha motivação é, antes de tudo, questão de respeito ao princípio da legalidade e, conforme estudo no tópico sobre teoria das nulidades, evita que seja o ato considerado nulo.
Isto, pois, nos deixa claro que a motivação não somente é um princípio, ou mesmo um requisito legal para os atos administrativos de dispensa de empregado público, mas também é uma característica indispensável do pressuposto “forma”. Oportuno relembrar que, mesmo considerando ser discricionária a decisão de dispensa por parte da administração pública, ainda sim é necessária a presença da forma no ato administrativo.
De outro lado, vimos que nossa Constituição é clara em definir que, no tocante a direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, se aplica às empresas públicas e às sociedades de economia mista o mesmo regime de direito privado aplicado as demais empresas privadas.
Nesta diapasão, é simples concluir que a dispensa sem justa causa é, atualmente, até por inércia do legislador, um direito potestativo do empregador que não precisa motivar ou justificar sua decisão.
Todavia, retornamos ao ponto de que o empregado público não é um empregado comum, tendo em vista que a ele é atribuída uma série de obrigações legais que os demais colaboradores da inciativa privada não precisam respeitar e cumprir.
A mais famosa dessas obrigações é o ingresso no emprego público por meio de aprovação em concurso de provas ou provas e títulos. O candidato ao emprego público precisa prestar um concurso público que é regido por normas de direito público em um edital que nada mais é do que um processo administrativo composto por uma série de atos administrativos.
Assim, respeitando todo o formalismo exigido pela Constituição, que visa a valorar os princípios da impessoalidade e isonomia, por que este mesmo empregado poderá ser dispensado por um simples ato de gestão ou um ato administrativo sem qualquer motivação?
Os tribunais superiores ingressaram no âmago do problema um pouco tardiamente, haja vista que, por algum tempo, focou-se na ideia de estender, ou não, aos empregados públicos o privilégio da estabilidade.
Agora que as discussões assumiram o caráter eminentemente de direito público, isto é, admitiu-se que se trata de discussão sobre direito administrativo na medida em que se fala em ato administrativo, as cortes se inclinaram a decidir pela obrigatoriedade da motivação.
Um sinal disso é o entendimento sobre casos que envolvam funcionários dos Correios ter sido pacificado, ainda que um forte argumento utilizado tenha sido o reconhecimento da equiparação desta estatal ao regime de Fazenda Pública.
Hoje, não fica muito clara qual posição tomará a jurisprudência no sentido da pacificação definitiva no que diz respeito às demais empresas públicas e sociedades de economia mista, mas a indicação é de que a exigência de ato administrativo motivado será requisito para dispensa do empregado público daquelas que prestam serviço público, ainda que não se exija (corretamente ao nosso ver) a instauração de um processo administrativo.
Em suma, trabalhar a questão da necessidade de motivação do ato de dispensa do empregado público é também contribuir para a defesa de uma categoria de profissionais que passaram por todas as exigências burocráticas do Estado para a ele servir e, não obstante, defender que a própria legalidade – sempre exigida pela autoridade estatal – seja cumprida em favor do indivíduo.
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