Sem embargo do mais acendrado e insofismável respeito que deve ser dispensado aos ministros da 2ª Turma do STJ, no entendimento firmado quando foi julgado EREsp 1.886.929, ocorrido em 08.06.2022, não há como aquiescer com esta decisão que chocou a nação brasileira, limitando o direito à vida e à saúde dos beneficiários de planos de saúde privados de forma avassaladora.
Toda decisão judicial deve pautar-se aos princípios gerais do direito e a consecução do bem comum, senão a mesma deverá ser considerada injusta, ainda que advenha do próprio Poder Judiciário, que tem o dever de dar a cada um o que é seu, sendo essa a finalidade da palavra justiça, tão buscada hodiernamente nesse mundo conturbado e de profundas desigualdades sociais entre os cidadãos.
Negar ou restringir qualquer tratamento que um paciente precisa por recomendação médica, com lastro em cláusula de exclusão contratual, ou por não fazer parte do Rol de Procedimentos da ANS, fulmina a própria natureza do contrato de seguro saúde.
A cobertura domiciliar (home care) ao paciente segurado, para realização de qualquer tratamento que necessita para manutenção ou recuperação da sua saúde, não pode ser restringida, quando se mostra necessária, devendo a negativa ou restrição fundada em exclusão contratual, ser declarada abusiva, inclusive frente a Súmula n. 90 do TJSP e outras decisões de Tribunais do país.
Resta evidente, que a decisão da 2ª Turma do STJ fulminou a própria natureza dos contratos de saúde suplementar no Brasil, além de se sobrepor ao direito a saúde e a vida de todos os brasileiros que vivem nesse país, usuários de planos de saúde, violando a dignidade da pessoa humana e outros direitos, eis que o acesso à saúde deve ser amplo, pois é previsto pela Constituição como sendo um direito básico de todos.
Certo é também, que o STJ não tem a função constitucional de legislar, nem de criar embaraços exigindo respaldo técnico no sistema NAT-JUS ou CONITEC, dificultando o tratamento do paciente, aniquilando prescrições médicas, a ponto de atentar contra a vida do paciente beneficiário de um plano de saúde no momento em que ele mais precisa para preservar com qualidade a sua vida.
A Segunda Turma do STJ praticou, d. v. uma atrocidade contra as pessoas que possuem plano de saúde, trazendo para o cenário da saúde suplementar, decisão teratológica e reprovável, a ponto de restringir o direito a vida e a saúde, que causa arrepio a qualquer pessoa de inteligência mediana, dando a forte impressão de que o sistema jurídico entrou em colapso, nada mais valendo, em se tratando do preservação desses bens jurídicos mais tutelados e importantes para os seres humanos.
Resta configurada a conotação de que o mal venceu o bem, atentando frontalmente contra a sagrada proteção do corpo humano, templo de Deus bem descrito na escritura a nós outorgada.
Vale lembrar também, as palavras da ministra Nancy, no julgamento do ARESP que decidiu pela taxatividade modulada do Rol da ANS, "...que soa, pois, incoerente, falar em taxatividade de um rol que é periodicamente alterado para inclusão e exclusão de tecnologias em saúde.".
Aceitar a decisão da 2ª Turma do STJ, como substitutiva da prescrição médica da equipe que cuida do paciente, é algo surreal, anormal e desumano, já que o STJ, além de não ser legislador, também não possui conhecimentos técnicos em especialidades médicas, para avocar para si a prerrogativa legal de aniquilar de forma estarrecedora, recomendações da medicina acerca da preservação da vida de um paciente que necessita de assistência por parte do seu plano de saúde.
Quanto ao home care, caso não esteja previsto em contrato, deve ser considerada abusiva qualquer tipo de negativa para sua concessão, valendo destacar que os contratos estão sob a égide também do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que proclama a abusividade de cláusulas contratuais que afastam tratamentos essenciais de segurados ou beneficiários de um plano de saúde.
Por revelar-se abusiva qualquer cláusula contratual restritiva, e por causar prejuízo excessivo ao consumidor, a não disponibilização do home care impede que a avença atinja sua finalidade, que é justamente salvaguardar a vida do beneficiário.
Ademais, vale ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor determina que as regras impostas em contratos de adesão devem ser interpretadas sempre em favor do consumidor, considerado nulas as disposições que restringem os direitos dos segurados e colocam em risco o próprio objeto do contrato de plano de saúde.
Todo contrato de saúde a que um consumidor adere visa sempre preservar a manutenção, recuperação ou promoção do bem estar biológico, psicológico ou social do beneficiário, e que podem ser praticados em ambiente hospitalar ou não, e nesse contexto deve ser entendido como incluído o home care, prestigiando ainda a boa fé contratual, assegurada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Assim, qualquer procedimento indispensável para a manutenção da vida de um paciente que possui plano de saúde privado jamais poderia ser abatido de forma assassina e impiedosa pela 2ª Turma do STJ, cujos interesses das operadores estrangularam o direito e saúde e a vida dos usuários dos planos de saúde suplementar.
Quanto ao aspecto da não inclusão do home care no Rol de Procedimentos da ANS, em nada afeta o direito dos beneficiários, nem mesmo o que decidiu o STJ, porque a negativa sempre foi considerada abusiva pelo Judiciário, que reiteradamente aplicou o CDC.
Ademais, a jurisprudência de longa data é remansosa em admitir a concessão de qualquer tratamento desde que haja prescrição médica, onde no campo da saúde suplementar, resta claro que. quando uma empresa resolve atuar nesse setor, avoca para si e submete-se ao disposto no artigo 196 da Constituição Federal.
Negar o sagrado direito a manutenção adequada da saúde e a vida de um paciente, sob o argumento de que o tratamento não consta do Rol de Procedimentos da Agência Reguladora, é de uma temeridade sem limite, além de não promover o equilíbrio entre a proteção à vida e à saúde dos segurados dos planos de saúde privados, não podendo nenhuma decisão judicial, ainda que do STJ, se sobrepor a prescrição médica de cada paciente, por contrariar a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor, a ponto de inovar a ordem jurídica.
No que se refere as exceções da decisão do STJ, no que toca às condicionantes sugeridas para que se reconheça a situação excepcional, o que elas parecem sugerir é que cabe ao interessado evidenciar um estado de certeza tão robusto em relação à relevância terapêutica do tratamento buscado, que também fulmina o direito a vida e a saúde que não pode ser considerado normal.
Em matéria de proteção a vida e saúde de um cidadão, beneficiário ou não de um plano de saúde privado, convém destacar que os direitos em jogo são iguais porque "Quando o legislador transfere para a ANS a função de definir a amplitude das coberturas assistenciais (artigo 10, parágrafo 4º, da Lei 9.656/1998), não cabe ao órgão regulador, a pretexto de fazê-lo, criar limites à cobertura determinada pela lei, de modo a restringir o direito à saúde assegurado ao consumidor, frustrando, assim, a própria finalidade do contrato", (RECURSO ESPECIAL Nº 1.876.630 - SP (2020/0125504-0)
Resta transparente ser abusiva qualquer norma infra legal que restrinja a cobertura de tratamento para as moléstias listadas na CID, admitindo-se apenas as exceções previstas na Lei 9.656/1998, como os tratamentos experimentais.
Em verdade, o Rol de Procedimentos da ANS não pode representar uma delimitação taxativa da cobertura, pois o contrato se submete à legislação do setor e às normas do CDC, que foi contrariada frontalmente pela decisão da 2ª Turma do STJ, tornando taxativo o Rol de Procedimentos da Agência Reguladora, cujos maiores integrantes são pessoas ligadas as Operadores de Saúde Suplementar que atuam no setor.
O que resta claríssimo aos olhos que qualquer operador do direito, louvando-se a decisão da 2ª Turma do STJ (conhecido como Tribunal da Cidadania), que prestigiou e aumentou os lucros das Operadoras de planos de saúde suplementar, que o próprio nome diz, suplementam o direito a saúde constitucional, reside no fato incontroverso de que não pode a Operadora e nem o Poder Judiciário escolher o melhor tratamento ignorando as prescrições do médico do paciente, independente de estar o não o procedimento previsto no contrato.
É mandatório que não pode o juriscondicionado ser elevado a condição de tanto desprezo acerca do seu direto pleno de preservação da melhor técnica para garantir a sua saúde e vida, se prevalecer a premissa de que o judiciário se encantou com a agora recorrente expressão "medicina baseada em evidências", que jamais poderá representar a compreensão de que foi decidido pelo STJ, então por esse motivo, vale mais o que prescrevem os profissionais do campo jurídico e as decisões da ANS, admitindo o pensamento do STJ como sendo uma resposta única e precisa, entendimento esse, totalmente espúrio e equivocado aos olhos da lógica jurídica.
O mesmo STJ, através de decisão da 3ª Turma, ao analisar o Recurso Especial nº 1.378707-RJ, cujo acórdão foi publicado no DJE de 15.06.15, reafirmou o entendimento de que o home care deve ser custeado pelo plano de saúde mesmo que não haja previsão contratual. Nesse julgamento o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, disse que o contrato de plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não pode restringir a modalidade de tratamento para as enfermidades cobertas.
Além disso, o relator deixou claríssimo ao julgar esse Recurso Especial, que mesmo não havendo previsão contratual, deve ser aplicado o artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor e o artigo 423 do Código Civil, enaltecendo essa decisão, que é abusiva a recusa do plano de saúde a cobrir as despesas do serviço de home care, quando ele é imprescindível ao paciente.
Consigne-se que o Superior Tribunal de Justiça, consolidou pela Súmula 608 que o CDC aplica-se aos contratos de plano de saúde, donde se conclui que qualquer negativa em custear home care, significa recusa em arcar e dar continuidade ao tratamento já iniciado em ambiente hospitalar ou similar, o que não é permitido pela legislação consumerista.
Destaca-se também, que a monstruosa e diabólica decisão do STJ está sendo atacada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o partido Rede Sustentabilidade, que entraram com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que prevê a taxatividade do rol de procedimentos aos planos de saúde, alegando que a norma cria empecilhos para o usuário e fere os direitos à saúde e à vida.
Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 986, os autores questionam o uso da palavra taxativo no artigo 2º da Resolução Normativa 465/2021 da ANS, algo inédito desde a regulação da matéria, havendo ainda, um pedido de concessão de liminar para suspender a eficácia do dispositivo, fixando o caráter exemplificativo do rol de procedimentos e eventos em saúde, bem como a eficácia de atos do poder público, inclusive decisões judiciais, que tenham entendido pelo caráter taxativo do rol.
Há também a Ação Direta de Inconstitucionalidade, registrada sob nº 7.088, que questiona a Lei 14.307/20221, a fim de que seja dada a natureza meramente exemplificativa ao rol da ANS, cuja relatoria também compete ao Ministro Luis Roberto Barroso, estando em suas mãos restabelecer a dignidade dos usuários de planos de saúde privados de natureza suplementar.
Resta inegável que a ANS ultrapassou o seu dever regulamentar, em ofensa aos princípios da separação de Poderes e da legalidade, pois a legislação só a autoriza a editar lista de referência básica de tecnologias a ser coberta pelos contratos, e não uma lista exaustiva e taxativa dos procedimentos cobertos.
A ADPF foi distribuída, por prevenção, ao ministro Luís Roberto Barroso, também relator das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7088 e 7183, que tratam do mesmo tema, assim uma nova orientação acerca do tema poderá acontecer a qualquer momento.