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Custeio de procedimento médico pelo SUS: inicial de ação de obrigação de fazer

Agenda 21/08/2014 às 10:18

Peça utilizada para obrigar Estado / Município a custear procedimento médico não realizado pelo SUS.

EXMA. SRA. DRA. JUÍZA DE DIREITO DA ___VARA CÍVEL DA COMARCA DE NOVA LIMA - ESTADO DE MINAS GERAIS.

URGENTE: DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À SAÚDE. DIREITO DE IDOSO. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO.

TRAMITAÇÃO PRIORITÁRIA IDOSO.

PEDIDO DE LIMINAR.

                        MARIA, qualificação e endereço, vem respeitosamente a presença de Vossa Excelência, por seu procurador ao final assinado, propor a presente

 

                        AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDA LIMIMAR INAUDITA ALTERA PARS EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO MÉDICO NÃO FORNECIDO PELO SUS em face do

                        ESTADO DE MINAS GERAIS, pessoa jurídica de direito público interno, que de acordo com o Inciso III do Art. 7º da Lei Complementar nº. 30, alínea A do inciso I do Art. 7º da Lei Complementar nº. 35 e inciso I do Art. 6º do Decreto 44113 é citado judicialmente na pessoa do seu Advogado-Geral, cujo endereço funcional é Rua Espírito Santo, nº 495, Centro, CEP 30.160-030 – Belo Horizonte / MG; e

                        MUNICÍPIO DE RAPOSOS, pessoa jurídica de direito público interno, representado pelo Prefeito Sr. Carlos Alberto Coelho de Azevedo, que pode ser localizado em seu gabinete na Praça da Matriz, nº 64, Centro - CEP 34.000-000, Raposos / MG, em razão dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos:

I - DOS FATOS

                        A Requerente depois de apresentar quadro de dor abdominal foi diagnosticada como sendo portadora de colelitiáse[1] e coledecolitiáse[2].

                        Conforme literatura médica, pacientes que apresentam tais moléstias, devem ser submetidas a um procedimento denominado CPRE - consiste na abreviatura de Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica, um procedimento que possibilita ao médico diagnosticar problemas do fígado, vesícula biliar, dutos biliares e pâncreas.

                        A CPRE é utilizada principalmente para diagnosticar e tratar problemas dos dutos biliares, inclusive cálculos biliares, estreitamentos inflamatórios (cicatrizes), vazamentos (devidos a trauma ou cirurgia) e câncer. A CPRE combina o uso de Raios-X com um endoscópio, que consiste em um tubo iluminado longo e flexível. Através do endoscópio, o médico consegue ver internamente o estômago e o duodeno (parte superior do intestino delgado) e injetar um contraste dentro dos dutos da árvore biliar e do pâncreas para poder visualizá-los em radiografias.

                        Por esta razão, o Dr. Gustavo Henrique M. Mingotti, CRM 45.235, em 07/05/2014, encaminhou a Requerente, em caráter de urgência, vide laudo em anexo, para realização da CPRE.

                        Acontece Excelência, que este procedimento, não obstante ser insubstituível, além de ser indispensável para milhares de pacientes, não é fornecido pelo Sistema Único de Saúde – SUS. E como é um procedimento caro, deixou a Requerente de realizá-lo, já que como pensionista, a mesma não recebe mais que 1 (um) salário mínimo mensal, o que sequer é suficiente para manutenção das suas despesas ordinárias.

                        Sem a realização do tratamento adequado, a saúde da Requerente só faz piorar. Inclusive, a mesma esteve internada na Fundação Hospitalar Nossa Senhora de Lourdes, no período de 17/05/2014 a 28/05/2014, face o agravamento de suas moléstias que desencadearam um quadro de icterícia[3].

                        Registre-se que a alta da Requerente, só ocorreu porque sem a CPRE, nada pode ser feito em seu caso. Inclusive, o Dr. Rodrigo Muzzi de O. Safe, CRM 46.559, reafirmou a necessidade de realização de CPRE, vide laudo em anexo.

                        É importante frisar, que a Requerente é pessoa idosa, contanto hoje com mais de 77 anos de idade, é diabética, sofre de hipertensão, razão pela qual, é possível afirmar que submetê-la a tamanho sofrimento, ao não se permitir a realização de um procedimento, que deveria ser custeado pelo SUS, é algo totalmente desumano.

                        Portanto, Excelência, os fatos ora apresentados como causa de pedir revelam que o Poder Público deixou de prestar atendimento à paciente em questão. Em se tratando de procedimento médico de urgência, tendo em vista os direitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e à saúde, compete ao Poder Público agir imediatamente no sentido a disponibilizar o referido tratamento pelo Sistema SUS à paciente, eis que a demora poderá causar-lhe lesão permanente e risco de morte.

                        Reforçamos que se trata de pessoa idosa, que conta hoje com 77 (setenta e sete) anos de idade.

II - DO DIREITO

                        O direito à saúde é um direito fundamental do indivíduo. A Constituição da República de 1988 definiu como fundamentos do Estado Democrático de Direito a “cidadania” e a “dignidade da pessoa humana” (artigo 1°). Não resta dúvida que o direito à saúde está atrelado a tais fundamentos, pelo que a omissão do Poder Público nessa seara representa abalo aos próprios fundamentos da República.

                        Conforme a norma do artigo 6° da Constituição o direito à saúde constitui direito fundamental social, integrando, pois, o elenco de direitos humanos previstos expressamente no texto constitucional.

                        Por sua vez, o artigo 196 da Constituição da República, de forma enfática, dispõe claramente:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

                                  

                        A preocupação do Constituinte com o direito à saúde foi tão elevada que fez constar expressamente que as respectivas ações e serviços são de “relevância pública” (ao que parece, a única hipótese expressa no texto constitucional).

                        No âmbito supralegal, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, adotado pela XXI Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo 226, de 12/12/1991, e promulgado pelo Decreto 591, de 06/07/1992, em seu artigo 12, dispõe o seguinte:

1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental.

2. As medidas que os Estados-partes no presente Pacto deverão adotar, com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam necessárias assegurar:

a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças.

b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente.

c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças.

d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médicas e serviços médicos em caso de enfermidade.” (grifo nosso)

                        No mesmo sentido, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988 (Protocolo de San Salvador), adotado pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo 56, de 19/04/1995, e promulgado pelo Decreto 3.321, de 30/12/1999, no seu artigo 10, dispõe que:

1. Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social.

2. A fim de tornar efetivo o direito à saúde, os Estados-Partes comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público e especialmente a adotar as seguintes medidas para garantir este direito:

a) Atendimento primário de saúde, entendendo-se como tal a assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade;

b) Extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado;

c) Total imunização contra as principais doenças infecciosas;

d) Prevenção e tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natureza;

e) Educação de população sobre a prevenção e tratamento dos problemas de saúde, e

f) Satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por suas condições de pobreza, sejam mais vulneráveis.

                        A regulamentação infraconstitucional de tal direito é dada pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

                        Tal diploma legal traz, logo no seu artigo 2º, que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (caput) e que “O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.” (§ 1º).

                        A aludida Lei Federal disciplina o Sistema Único de Saúde (SUS) e garante, ainda, a integralidade da assistência (artigo 7º, II). Ou seja, o atendimento do paciente deve ser completo, abarcando todas as necessidades do cidadão (princípio do atendimento integral).

                        O Supremo Tribunal Federal há mais de uma década firmou o entendimento de que o direito à saúde constitui direito fundamental do indivíduo e que sua efetividade é dever do Poder Público. Sobre o tema confira-se:

“E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. RE 271286 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL - AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CELSO DE MELLO  Julgamento:  12/09/2000. Órgão Julgador:  Segunda Turma Publicação:  DJ DATA-24-11-2000 PP-00101 EMENT VOL-02013-07 PP-01409.

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                        Em decisão mais recente, o Supremo Tribunal Federal, através de decisão do eminente Ministro Celso de Mello, foi enfático em dispor que o Poder Judiciário tem o encargo de garantir a efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais (2ª geração – liberdades positivas), em casos de grave omissão do Poder Público, e que a distribuição gratuita, as pessoas carentes, de medicamentos essenciais à preservação de sua vida e/ou de sua saúde é um dever constitucional que o Estado não pode deixar de cumprir. O mesmo raciocínio se aplica aos tratamentos, exames, insumos e outros igualmente importantes para assegurar a saúde da pessoa. Vale a transcrição de trecho do histórico voto do Ministro Celso de Mello, afastando a tese de reserva do possível:

“Mais do que nunca, Senhor Presidente, é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa.

Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e de proteção ao direito à saúde.

Cabe referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a advertência de LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, ilustre Procuradora Regional da República (“Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público”, p. 59, 95 e 97, 2000, Max Limonad), cujo magistério, a propósito da limitada discricionariedade governamental em tema de concretização das políticas públicas constitucionais, corretamente assinala:

 

“Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.

...................................................

Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social.

...................................................

Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.

...................................................

As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.” (grifei)

 

Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245/246, 2002, Renovar), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.

Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele - a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004).

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” — ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível — não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à saúde — que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 196) — tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial.

O caso ora em exame, Senhor Presidente, põe em evidência o altíssimo relevo jurídico-social que assume, em nosso ordenamento positivo, o direito à saúde, especialmente em face do mandamento inscrito no art. 196 da Constituição da República, que assim dispõe:

 

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (grifei)

 

Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa.[4]

                        Não se discute acerca da obrigação do Poder Público em arcar com exames, remédios e tratamentos, prestando atendimento integral ao cidadão. Nesse sentido, confira-se acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À PESSOA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE: ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA - ELA. PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA (ART. 5º, CAPUT, CF/88) E DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196, CF/88). ILEGALIDADE DA AUTORIDADE COATORA NA EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE BUROCRÁTICA. 1 - A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para garantia do maior de todos os bens, que é a própria vida. 2 - É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos artigos 6º e 196. 3 - Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, AG nº 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, REsp nº 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000). 4 - Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 6º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever do Estado" (art. 196). 5 - Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida. 6 - Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos. 7 - Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente público (Estado do Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da enfermidade da recorrente.RMS 11183/PR; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 1999/0083884-0 - Ministro JOSÉ DELGADO - T1 - PRIMEIRA TURMA j. 22/08/2000 DJ 04.09.2000 p. 121 RSTJ vol. 138 p. 52.   

                        Em decisão mais recente, decidiu o mesmo Tribunal:

ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL.

1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais.

2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.

3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005).

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 1136549/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 21/06/2010)

                        A melhor doutrina sobre o assunto também traz ensinamentos que levam à conclusão inexorável de que é dever inafastável dos réus assegurar o direito à saúde na hipótese. Conceição Aparecida Pereira Rezende e Jorge Trindade afirmam que é princípio da política de atenção à saúde no SUS a saúde como direito, ressaltando que:

Além do princípio que concebe a saúde como direito, a Constituição Brasileira de 1988 qualificou o direito à saúde incluindo-o no conjunto dos Direitos Sociais.

O que significa isto? Para a administração pública, a responsabilidade de elaborar programas operacionais que garantam que a atenção à saúde de toda a população habitante na área de abrangência de sua competência esteja assegurada, conforme suas atribuições constitucionais e legais. Para a população, significa a possibilidade de exigir, individual ou coletivamente, a consecução desse direito junto ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, sempre que ele for negado.[5]

           

                       E esses mesmos autores, analisando o princípio da integralidade de assistência e as atribuições dos entres públicos em realizá-la advertem:

A integralidade de assistência significa que o cidadão tem o direito de ser atendido e assistido sempre que necessitar, em qualquer situação de risco ou agravo (doença), utilizando ou não insumos, medicamentos, equipamentos, entre outros. Ou seja, o que define o atendimento deve ser a necessidade das pessoas.

Por esse princípio, é inconcebível, no SUS, algumas perguntas tais como: o SUS atende idosos? O SUS faz cirurgia do coração? O SUS faz parto? Atende câncer? Faz tomografia? Fornece medicamentos? Faz dentadura? Coloca aparelho nos dentes?

...

Cabe ressaltar alguns pontos mais significativos. O primeiro deles é que o direito à saúde não deve ser assegurado especificamente por uma ou outra esfera de governo, mas pelo ESTADO. Ou seja, o DIREITO à saúde é muito mais que as ações e serviços de saúde que são executadas pelo próprio Setor Saúde, especialmente nos Municípios. Por isso, a primeira competência/responsabilidade é do conjunto de Gestores do Governo, como um todo, para com a saúde. O dever é do Estado/Nação, e não de alguns órgãos governamentais.[6]

                       Patente, desta forma, o dever dos requeridos, que deverão ser compelidos a prestá-lo.

                       Ademais, trata-se de direito à saúde de pessoa idosa, pelo que incide as normas da Lei n.° 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que preconiza a prioridade absoluta no atendimento:

Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

        Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

        I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;

        II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas;

        III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso;

        IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações;

        V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência;

        VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;

        VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;

        VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais.

        IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda. (Incluído pela Lei nº 11.765, de 2008).

                       Especificamente quanto a saúde, determina o Estatuto do Idoso:

Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.

        § 1o A prevenção e a manutenção da saúde do idoso serão efetivadas por meio de:

        I – cadastramento da população idosa em base territorial;

        II – atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios;

        III – unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas de geriatria e gerontologia social;

        IV – atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que dele necessitar e esteja impossibilitada de se locomover, inclusive para idosos abrigados e acolhidos por instituições públicas, filantrópicas ou sem fins lucrativos e eventualmente conveniadas com o Poder Público, nos meios urbano e rural;

        V – reabilitação orientada pela geriatria e gerontologia, para redução das seqüelas decorrentes do agravo da saúde.

        § 2o Incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.

III - LEGITIMIDADE PASSIVA. SOLIDARIEDADE ENTRE O ESTADO E O MUNICÍPIO

                        As normas dos artigos 23, inciso II, e 196, da Constituição da República revelam a obrigação solidária dos entes federativos quanto à saúde, visto que, o primeiro, determina a competência comum, ao passo que, no último, o termo “Estado” foi utilizado para designar de forma genérica o Poder Público.

                        Assim, os atos normativos que distribuem atribuições aos gestores visam a organização e operacionalização do Sistema Único de Saúde (SUS) não podendo ser invocadas para elidir a responsabilidade solidária dos réus de efetividade do direito à saúde. O Supremo Tribunal Federal já decidiu quanto à solidariedade na hipótese:

EMENTA: Suspensão de Liminar. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde - SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Ordem de regularização dos serviços prestados em hospital público. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança pública. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento. (SL 47 AgR, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00001)

                        O Ministro Gilmar Mendes foi enfático em seu voto:

A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do artigo 23, inciso II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja a causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal) de prestações na área de saúde.

O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.

                        Sobre o tema é salutar a decisão do Superior Tribunal de Justiça, no RESp 771.537/RJ:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – TRATAMENTO MÉDICO –  SUS – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS.

1. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que, qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros.

2. Recurso especial provido. Retorno dos autos ao Tribunal de origem para a continuidade do julgamento.

(REsp 771537/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2005, DJ 03/10/2005, p. 237)

IV- DA TUTELA ANTECIPADA

                        No caso em comento estão presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada. A Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, ao dar nova redação ao artigo 273 do Código de Processo Civil, possibilitou a antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pleito inicial:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

                        A verossimilhança da alegação resta patente, na hipótese, por todas as normas que regem o direito à saúde e os documentos juntados, comprobatórios da necessidade de ações positivas do Estado para garantia da saúde do usuário.

                        Com efeito, cabe ao Poder Público prestar atendimento integral, fornecendo os medicamentos, tratamentos e insumos necessários à saúde e à vida da pessoa necessitada. A omissão por parte dos requeridos está caracterizada, de forma atentatória ao ordenamento jurídico vigente.

                        O fundado receio de dano irreparável é extreme de dúvida, posto que as provas que acompanham a petição inicial, inequivocamente, levam ao entendimento de que a falta do atendimento da demanda em comento põe em risco a saúde do paciente, podendo trazer agravos à sua condição atual, principalmente considerando que se trata de pessoa idosa. A pessoa que não tem condições financeiras para realizar seu tratamento não pode ficar exposta a riscos de agravos à sua saúde, por tempo indeterminado, em razão da descarada ineficiência do Poder Público em gerir a saúde pública.

                        O sempre lembrado Prof. Alexandre Freitas Câmara com precisão ensina que:

há casos em que o indeferimento da tutela antecipada pode causar um dano ainda mais grave do que seu deferimento. Pense-se, por exemplo, numa hipótese em que a antecipação da tutela se faça necessária para que se realize uma transfusão de sangue, ou uma amputação de membro. Ambos os casos revelam provimentos jurisdicionais capazes de produzir efeitos irreversíveis. Ocorre que o indeferimento da medida, nos exemplos citados, provocaria a morte da parte, o que é – sem sombra de dúvida – também irreversível.

Nestas hipóteses, estar-se-á diante de verdadeira ‘irreversibilidade recíproca’, caso em que se faz possível a antecipação da tutela jurisdicional. Diante de dois interesses na iminência de sofrerem dano irreparável, e sendo possível a tutela de apenas um deles, caberá ao juiz proteger o mais relevante, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, o que lhe permite, nestas hipóteses, antecipar a tutela jurisdicional (ainda que, com tal antecipação, se produzam efeitos irreversíveis).”[7]

                        Não resta qualquer dúvida que o interesse mais relevante e que merece proteção imediata é a saúde. Não é razoável exigir-se que, constatada a violação aos direitos fundamentais, principalmente de pessoa idosa, fique ela exposta, até o provimento jurisdicional definitivo, aos sérios riscos de vir a perder sua vida, decorrentes da omissão dos ora requeridos no atendimento à saúde.

                        De mais a mais, o artigo 461 do Código de Processo Civil é taxativo ao prever que:

Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.” (grifei).

                        Deve ser dispensado, por outro lado, prévia audiência dos representantes dos requeridos, sob pena de restar verdadeiramente negado o acesso ao Judiciário, mormente porque tais trâmites processuais, pela sua conhecida demora, poderá resultar em prejuízos à usuário, consistente no agravamento de sua saúde.

                        Nesse sentido, o pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial.[8] Havendo evidente força maior, estado de necessidade ou exigência de preservação da saúde ou vida humana, não há de se ouvir nenhum representante dos requeridos. Como já restou decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 409.172/RS, 5ª T., j. 04.04.2002, Rel. Min. Félix Fischer, DJU 29.04.2002, p. 320), em situações “nas quais resta evidente o estado de necessidade e a exigência da preservação da vida humana, sendo, pois, imperiosa a antecipação da tutela como condição, até mesmo, de sobrevivência para o jurisdicionado” não há que se falar em audiência prévia.

                        Posto isso, imperiosa a concessão inaudita altera pars da tutela antecipada.

V - DO PREQUESTIONAMENTO

                        A demanda ora apresentada, Excelência, refere-se à aplicação dos artigos 1°, incisos II e III; 6° e 196, da Constituição da República de 1988, pelo que eventual decisão, em última instância, que contrariá-los, poderá ensejar a interposição de Recurso Extraordinário, pelo que ficam os mesmos, desde já, estampados para efeito de prequestionamento. Importante ressaltar que existe repercussão geral das questões constitucionais discutidas, visto que poderão imprimir reflexos no âmbito da saúde pública.

                        Da mesma forma, vislumbrando interposição de eventual Recurso Especial, diante de decisão de última instância, ficam prequestionados os artigos 12, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966; 10, do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988; 2° e 7°, da Lei n.° 8.080/90; 3° e 15, da Lei n.° 10.741/2003; 273 e 461, do Código de Processo Civil e 12, da Lei 7.347/85.

VI - DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS

                        Ante o exposto, visando resguardar a saúde da Requerente, se pede:

                        1) A concessão da TUTELA ANTECIPADA, inaudita altera pars, para determinar ao ESTADO DE MINAS GERAIS e ao MUNICÍPIO DE RAPOSOS, no prazo de  48 (quarenta e oito) horas, que disponibilizem tratamento de CPRE que consiste na abreviatura de Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica à Sra. Maria Silva da Cruz, encaminhando-a para avaliação médica e, demais procedimentos necessários, fornecendo-lhe todos os exames, medicamentos, insumos e outros, a critério de médico especialista, bem como, caso necessário, que seja encaminhado a atendimento na rede particular, às custas dos réus;

                        2) Seja fixada, já na concessão da tutela antecipada, multa diária à base de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento da medida judicial determinada, para cada réu;

                        3) Ao final, seja julgado procedente o pedido, confirmando a tutela antecipada, condenando-se os requeridos a prestar atendimento integral à Sra. Maria Silva da Cruz, disponibilizando o tratamento CPRE que consiste na abreviatura de Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica, fornecendo-lhe todos os exames, medicamentos, insumos e outros, a critério de médico especialista, bem como, caso necessário, que seja encaminhado a atendimento na rede particular, às custas dos réus, com cominação da multa diária acima referida (R$ 10.000,00);

                        4) A condenação dos Requeridos ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

                        Para tanto, requer a Autora:

                        a) Seja determinada a citação dos requeridos para oferecerem resposta no prazo legal, sob pena de revelia e confissão ficta, imprimindo-se ao feito o rito ordinário previsto no Código de Processo Civil;

                        b) A concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos da Lei n° 1.060/50, diante da declaração de hipossuficiência firmada pela Autora;

                        c) Prioridade da tramitação do processo, procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais, com fulcro nas Leis Nº 10.173/2001 e Nº 10.741/2003 c/c arts. 4º e 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil.

                        Protesta-se por provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, requerendo-as, desde já, ad cautelam, notadamente o depoimento pessoal da interessada, a oitiva de testemunhas, juntada de novos documentos, perícias e o mais que se fizer necessário à perfeita elucidação dos fatos.

                        Dá à causa o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

                        Nestes termos,

                        Pede e espera Deferimento

                        Nova Lima, 03 de junho de 2014.

Wesley José Pereira – adv.

OAB/MG 120.571


[1] Colelitíase ou pedra na vesícula é a presença de cálculos na vesícula biliar. Esses cristais ou cálculos podem ocorrer em diversas porções do trato biliar, como o ducto colédoco (causando Coledocolitíase) e a vesícula biliar. Os cristais podem obstruir o trato biliar, causando icterícia, e o ducto pancreático, levando à pancreatite. A colelitíase se trata especificamente da formação desses cristais na vesícula biliar.

[2] Coledocolitíase é a presença de cálculos no ducto colédoco. Esta condição causa icterícia e lesão às células do fígado, sendo uma emergência médica, necessitando de CPRE ou tratamento cirúrgico.

[3] Icterícia é uma síndrome caracterizada pela coloração amarelada de pele, mucosas e escleroticas devido a um aumento de bilirrubina no sangue maior que 2 mg/dl (hiperbilirrubinemia).

[4]     Publicado no Informativo do STF n.° 582.

[5]     REZENDE, Conceição Aparecida Pereira, TRINDADE, Jorge. Direito sanitário e saúde pública: manual de atuação jurídica em saúde pública e coletânea de leis e julgados em saúde. v. 2. Brasília: Ministério da Saúde, 2003, p. 62

[6]     Op. cit., p. 64 e 73/74. Os negritos são nossos.

[7]     CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. V. 1, 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 461/462. Grifamos.

[8]     MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 18. ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 437.

Sobre o autor
Wesley José Pereira

Sócio-fundador da Lopes Pereira Sociedade de Advogados, inscrito na OAB/MG sob o n.º 120.571, graduado em 2008 na tradicional Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em Belo Horizonte, instituição na qual também realizou a Pós-Graduação em Direito Previdenciário, área em que atua. <br>É membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP.<br>Participa constantemente de cursos de extensão e de aperfeiçoamento em Direito Previdenciário, escrevendo para sites e blogs especializados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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