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Aposentadoria especial do policial civil

Leia nesta página:

A Lei Complementar Paulista nº. 1.062/08, que disciplina a aposentadoria especial do policial civil do Estado de São Paulo, estabelece o seguinte:

Artigo 2º - Os policiais civis do Estado de São Paulo serão aposentados voluntariamente, desde que atendidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - cinquenta e cinco anos de idade, se homem, e cinquenta anos de idade, se mulher;

II - trinta anos de contribuição previdenciária;

III - vinte anos de efetivo exercício em cargo de natureza estritamente policial.

Artigo 3º - Aos policiais que ingressaram na carreira policial civil antes da vigência da Emenda Constitucional nº. 41, de 19 de dezembro de 2003, não será exigido o requisito de idade, sujeitando-se apenas à comprovação do tempo de contribuição previdenciária e do efetivo exercício em atividade estritamente policial, previstos nos incisos II e III do artigo 2º desta lei complementar.

Como se nota, o art. 2º, inciso II, não faz qualquer distinção entre homem e mulher quanto ao tempo de contribuição para fins de aposentadoria, exigindo, a ambos, 30 (trinta) anos de contribuição previdenciária.

Pena de erudição entendiante, dispensável dizer que o princípio constitucional da igualdade estabelece, como diretriz fundante das leis, que seja conferido igualitário tratamento aos iguais, na medida de suas igualdades, e tratamento desigual aos desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

Do mesmo modo, desnecessários ensaios para se constatar que a mulher, historicamente, sempre esteve em situação de vulnerabilidade nas relações sociais, especialmente no campo profissional.

Atento a essa realidade, o legislador, no art. 40, § 1º, inciso III, letra "a", da Constituição Federal, quando tratou da aposentadoria voluntária do servidor público, com a nova redação que lhe deu a Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003, estabeleceu o tempo de 60 (sessenta) anos de idade e 35 (trinta e cinco) de contribuição, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e 30 (trinta) de contribuição, se mulher, para fins de aposentadoria:

Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo:

§ 1º - Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:

III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:

a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher.

Veja que o texto constitucional é claro ao fazer distinção no critério de idade, exigindo mais para o homem e menos para a mulher.

Nessa mesma linha, e nem podia ser diferente, sob pena de afronta à Lei Maior, a Constituição do Estado de São Paulo estabeleceu a mesma distinção, tanto em relação à idade como ao tempo de contribuição do servidor:

Artigo 126 – Aos servidores titulares de cargos efetivos do Estado, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§ 1º - Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados:

1 - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;

2 - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição;

3 - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:

a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher;

b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição."

Semelhante distinção, por sinal, pelo menos em relação à idade, também fez a Lei Complementar nº. 1.062/08 para aqueles que ingressaram na polícia civil do Estado de São Paulo depois da Emenda 41, de 19 de dezembro de 2003, ao exigir, no art. 2º, inciso I, para fins de aposentadoria, 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se homem, e 50 (cinqüenta) anos de idade, se mulher.

Veja:

Artigo 2º - Os policiais civis do Estado de São Paulo serão aposentados voluntariamente, desde que atendidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - cinquenta e cinco anos de idade, se homem, e cinquenta anos de idade, se mulher;

Portanto, ao exigir indistintamente 30 (trinta) anos de contribuição previdenciária para homens e mulheres policiais, o art. 2º, inciso II, da Lei Complementar Paulista, feriu frontalmente o princípio constitucional da isonomia, ao conferir tratamento igual para homens e mulheres, quando, em obediência à Constituição Federal, deveria tê-los tratados diferentemente, porque são desiguais.

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Outro princípio violado foi o da simetria constitucional, que exige uma relação simétrica entre os institutos jurídicos da Constituição Federal e das Constituições dos Estados-Membros.

A Constituição Federal e a Constituição Paulista preveem redução de 5 (cinco) anos no tempo de contribuição previdenciária para a mulher se aposentar, exigindo mais tempo do homem. Contudo, a lei complementar paulista, que, repita-se, deve guardar simetria com as normas constitucionais, distanciou-se desta regra que é aplicada ao servidor público comum.

Ora, se a servidora pública comum tem assegurado na Constituição Federal e na Constituição Estadual menos tempo de contribuição previdenciária para se aposentar, com muito mais razão esta regra deve ser assegurada à mulher policial, que tem direito à aposentadoria especial.

Assim, inabalável a conclusão de que o art. 2º., inciso II, da Lei Complementar Estadual nº. 1.062/08 é inconstitucional, pois inadmissível exigir, sem qualquer distinção, 30 (trinta) anos de tempo de contribuição previdenciária para o homem e à mulher policiais, sob pena de afronta aos princípios constitucionais da igualdade e da simetria.

Na hipótese, há evidente discriminação contra a mulher policial na Lei paulista, não autorizada pela Constituição Estadual e muito menos pela Constituição Federal.

E como resolver esse manifesto ato discriminatório?

Uma solução é de natureza político-legislativa, bastando que o Governo paulista encaminhe projeto de lei à Assembleia Legislativa alterando o inciso II, do art. 2º, da Lei Complementar nº. 1.062/08, exigindo 30 (trinta) anos de contribuição previdenciária, se homem, e 25 (vinte e cinco) anos, se mulher.

Uma outra solução é de natureza pessoal, dado o fato de o direito ser individual e disponível, de modo que cada mulher ou grupo de mulheres discriminadas e prejudicadas podem impetrar mandado de segurança individual ou coletivo para que o Poder Judiciário estenda o benefício da aposentadoria aos 25 (vinte e cinco) anos de contribuição previdenciária.

Nesse sentido é a lição do constitucionalista José Afonso da Silva:

"São inconstitucionais as discriminações não autorizadas pela Constituição. O ato discriminatório é inconstitucional.

Há duas formas de cometer essa inconstitucionalidade. Uma consiste em outorgar benefício legítimo a pessoas ou grupos, discriminando-os favoravelmente em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação. Nesse caso, não se estendeu às pessoas ou grupos discriminados o mesmo tratamento dado aos outros. O ato é inconstitucional, sem dúvida, porque feriu o princípio da isonomia. Contudo, o ato é constitucional, é legítimo, ao outorgar o benefício a quem o fez. Declará-lo inconstitucional, eliminando-o da ordem jurídica, seria retirar direitos legitimamente conferidos, o que não é função dos Tribunais. Como, então, resolver a inconstitucionalidade da discriminação? Precisamente estendendo o benefício aos discriminados que o solicitarem perante o Poder Judiciário, caso por caso. Tal ato é insuscetível de declaração genérica de inconstitucionalidade por via de ação direta" (Curso de direito constitucional positivo, 6ª. Edição. São Paulo, Ed. RT, 1990, p. 202-203).

Deste modo, para a mulher policial que ingressou nos quadros da polícia civil do Estado de São Paulo antes da vigência da Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003, basta, para se aposentar, o preenchimento cumulativo de dois requisitos: (i) 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial e (ii) 25 (vinte e cinco) anos de contribuição previdenciária.

Já para a mulher policial que ingressou depois da Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003, são necessários o preenchimento cumulativo de três requisitos: (i) 50 (cinquenta) anos de idade; (ii) 25 (vinte e cinco) anos de contribuição previdenciária; e (iii) 20 (vinte) anos de efetivo exercício em cargo de natureza estritamente policial.

Mas, se a discriminação da mulher policial é inconstitucional no Estado de São Paulo, e disso não se tem dúvida, há um risco enorme de que esta discriminação alcance todos os Estados da Federação, inclusive no âmbito federal.

E isso porque o Governo Federal decidiu regulamentar a aposentadoria especial do policial civil, prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, e encaminhou ao Congresso Nacional Projeto de Lei Complementar, que recebeu o nº. 554/10, exigindo, além de outros requisitos, 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se homem, e 50 (cinquenta) anos de idade, se mulher, e, indistintamente, 30 (trinta) anos de contribuição previdenciária para homens e mulheres.

Se o projeto for aprovado como propõe o Governo Federal, a discriminação da mulher policial, que existe apenas no Estado de São Paulo, será Nacional, prejudicará milhares de policiais, e o remédio para corrigir essa afronta à Constituição Federal será impetrar mandado de segurança individual ou coletivo, salvo se, no caso do Estado de São Paulo, o Governo e a Assembleia decidirem, pela via legislativa, alterar o requisito inconstitucional, estabelecendo que a mulher policial pode se aposentar com o tempo de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição previdenciária.

No caso do projeto de lei do Governo Federal, a expectativa é que o Governo, percebendo o equívoco, altere o projeto. Depois, se aprovado como está, a solução será bater às portas do Poder Judiciário.

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Sobre os autores
José Heitor dos Santos

promotor de Justiça no Estado de São Paulo, mestre em Direito Público, professor de Direito Processual Civil na Unip

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Silvio Carlos Alves ; SANTOS, José Heitor. Aposentadoria especial do policial civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2668, 21 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17662. Acesso em: 2 nov. 2024.

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