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Revisão administrativa de benefícios por incapacidade concedidos judicialmente

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10/09/2011 às 15:22
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A possibilidade de revisão administrativa de benefícios decorrentes da incapacidade laboral concedidos judicialmente tem previsão legal no artigo 71 da Lei nº 8.212/93.

1.INTRODUÇÃO

A possibilidade de revisão administrativa de benefícios decorrentes da incapacidade laboral concedidos judicialmente tem previsão legal no artigo 71 da Lei n. 8.212/93, verbis:

Art. 71. O Instituto Nacional do Seguro Social-INSS deverá rever os benefícios, inclusive os concedidos por acidente do trabalho, ainda que concedidos judicialmente, para avaliar a persistência, atenuação ou agravamento da incapacidade para o trabalho alegada como causa para a sua concessão. [Grifei].

Por revisão administrativa dos benefícios por incapacidade, entenda-se a realização de perícia médica por profissionais do quadro de médicos do INSS, visando auferir a permanência da incapacidade laboral anteriormente constatada.

Se o benefício por incapacidade foi concedido administrativamente, a perícia revisional terá por escopo tão somente constatar a permanência ou não do quadro clínico incapacitante.

No caso de concessão judicial, entretanto, o procedimento revisional deve levar em conta considerações outras, objeto do presente trabalho, de forma que não haja ofensa à coisa julgada.

Segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social [01], no ano de 2009 o INSS manteve ativos 3.836.887 (três milhões, oitocentos e trinta e seis mil, oitocentos e oitenta e sete) benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, o que equivale a um dispêndio anual de R$ 2.516.604.000,00 (dois bilhões, quinhentos e dezesseis milhões e seiscentos e quatro mil reais).

De acordo com dados do SUIBE [02], o Índice de Concessão e Restabelecimento Judicial de Benefícios no Brasil é 8,37%. Quando se aborda a questão da revisão administrativa de benefícios por incapacidade concedidos judicialmente está-se a falar, portanto, em mais de trezentos mil benefícios e valor pago anualmente pelo Erário superior a duzentos milhões de reais.

A relevância da concessão judicial de benefícios por incapacidade para o INSS pode ser aquilatada pelas palavras de seu atual presidente, Mauro Luciano Hauschild [03], a respeito do novo modelo de perícias administrativas previsto para ser adotado pela Autarquia previdenciária no início de 2012. Segundo o presidente, "com a adoção do novo modelo, os peritos poderão se dedicar mais a atividades como revisão dos benefícios por invalidez e dos judiciais, o acompanhamento nas empresas sobre as condições do ambiente de trabalho, a realização de laudos de insalubridade, dentre outras" [04].


2. NATUREZA DOS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE

Para Wladimir Novaes Martinez [05], os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez são "irmãos": "[A aposentadoria por invalidez] é benefício-irmão maior do auxílio-doença".

Com efeito, o evento determinante de ambos os benefícios é absolutamente similar [06]. Para o auxílio-doença, tal evento é o segurado restar inapto para o seu trabalho ou ocupação habitual por mais de quinze dias. Em se tratando de aposentadoria por invalidez, o evento determinante é a incapacidade para o trabalho por mais de quinze dias, conjugada com a insuscetibilidade de recuperação [07]

Na lição de Hermes Arraes Alencar [08]:

"Tem direito a um dos benefícios previdenciários em epígrafe [auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez] o segurado que, após cumprir a carência, quando for o caso, ficar incapaz, de forma total, para o trabalho ou para as atividades habituais.

Se a incapacidade verificada for definitiva para todas as atividades desenvolvidas pelo segurado, o benefício será aposentadoria por invalidez; ao reverso, tratando-se de incapacidade temporária, por período superior a 15 dias consecutivos, fará jus a auxílio-doença.

A incapacidade para o trabalho deve ser comprovada através de exame realizado pela perícia médica do INSS."

A incapacidade ensejadora da aposentadoria por invalidez é a permanente, que se diferencia da definitiva [09]. Com efeito, o que é permanente, na definição de Antônio Houaiss [10] é o que permanece no tempo, é duradouro, estável. Já o vocábulo definitivo, refere-se "ao que não tem mais conserto ou jeito; final, total". Em contrapartida, temporário é o "que dura apenas um certo tempo; provisório, não definitivo".

Os benefícios por incapacidade são concedidos de acordo com o alcance da incapacidade e seu caráter temporário, permanente ou definitivo [11].

Assim, a incapacidade total ou parcial e temporária implica auxílio-doença. A incapacidade total e permanente importa aposentadoria por invalidez. E a incapacidade parcial e definitiva enseja o auxílio-acidente.

Em que pese a redação do § 1º do art. 31 da Lei n. 8.213/91 [12], a incapacidade ensejadora da aposentadoria por invalidez não é definitiva, pois a mesma lei, no art. 49, admite a possibilidade de recuperação da capacidade de trabalho pelo aposentado por invalidez [13].

Apenas o auxílio-acidente requer incapacidade definitiva. Trata-se, na hipótese, de indenização ao segurado pela redução parcial (e definitiva) de sua capacidade laborativa [14]. E, justamente por se tratar de incapacidade definitiva, não há previsão normativa para sua revisão.

Portanto, tanto o auxílio-doença quanto a aposentadoria por invalidez têm natureza precária, passíveis que são de cessação ou suspensão [15]. É o que prescreve o art. 101 da Lei nº 8.213/91 (Plano de Benefícios da Previdência Social - PBPS), verbis:

Art. 101. O segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.


3.CONSIDERAÇÕES SOBRE A COISA JULGADA

Leciona Nelson Nery Júnior [16]:

"Coisa julgada material (auctoritas rei iudicatae) é a qualidade que tona imutável o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de mérito não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário...nem à remessa necessária do CPC 475...Somente ocorre se e quando a sentença de mérito tiver sido alcançada pelo preclusão, isto é, a coisa julgada formal é pressuposto para que ocorra a coisa julgada material".

Tem, portanto, a coisa julgada, classicamente definida por Liebman como "a imutabilidade do comando emergente de uma sentença", função garantidora da segurança jurídica, tornando indiscutível o conteúdo da decisão judicial em determinado processo (efeito endoprocessual da coisa julgada) ou em qualquer outro (efeito extraprocessual).

Não obstante a intangibilidade da coisa julgada, situações há em que seu alcance é limitado.

Através da ação rescisória pode-se desconstituir a coisa julgada nas hipóteses elencadas pelo art. 485 do Código de Processo Civil brasileiro. A título de exemplo, a sentença que viola literal disposição de lei pode ser atacada pela ação rescisória, desde que respeitado o prazo decadencial de dois anos da prolação da sentença transitada em julgado.

Admite-se também, para desconstituição da coisa julgada, o manejo da actio querela nullitatis quando o processo foi eivado de vícios formais de tal maneira manifestos que venha a ser considerado inexistente [17]:

"A ação declaratória de inexistência mostra-se como o instrumento adequado para extirpar do mundo jurídico sentenças que sejam fruto de ato processual absolutamente nulo ou inexistente, ante a ausência de algum dos pressupostos de existência (ou de constituição) do processo (como a petição inicial, a jurisdição, a citação e a capacidade postulatória)."

.Para a corrente doutrinária e jurisprudencial que encampa a tese da relativação da coisa julgada, há possibilidade de esta vir a ser desconsiderada quando (i) houver coisa julgada injusta e (ii) houver coisa julgada inconstitucional. Dois são os exemplos clássicos utilizados por esta corrente doutrinária: a investigação de paternidade transitada em julgado antes do advento dos exames de DNA e a desapropriação de imóveis com avaliações supervalorizadas [18].

O próprio CPC excepciona a incidência da coisa julgada (art. 472) nas ações relativas ao estado de pessoas quando não citados no processo, em litisconsórcio necessário, todas as partes interessadas. Exemplo típico são as ações declaratórias de ausência e morte presumida, cujas sentenças são desconstituíveis em reaparecendo o ausente ou o presumidamente morto.

Resta ainda a hipótese das relações jurídicas continuativas, abordadas pelo art. 471, inciso II do CPC:

Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:

I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II - nos demais casos prescritos em lei.

Relações Jurídicas continuativas são aquelas que se projetam no tempo, normalmente envolvendo prestações periódicas. Em conformidade com a Teoria da Imprevisão, as sentenças determinativas (que tratam das relações jurídicas continuativas) se fundam em uma situação fática que pode naturalmente se alterar no futuro.

Para a maior parte da doutrina a possibilidade de revisão das sentenças que julgam relações jurídicas continuativas advém do fato de que estas espécies de sentença contêm, implicitamente, a cláusula rebus sic stantibus, admitindo, com base na Teoria da Imprevisão, a possibilidade de alteração das circunstâncias de fato e de direito que envolveram a sua formação, permitindo assim sua revisão [19].

De acordo com Nélson Nery Júnior [20], as sentenças determinativas trazem:

"...ínsita a cláusula rebus sic stantibus, de sorte que, modificadas as situações fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a anterior coisa julgada material, tem-se uma nova ação, isto é com nova causa de pedir próxima (fundamentos de fato) ou nova causa de pedir remota (fundamentos de direito). Não se trata de ‘repropositura’ da mesma ação anterior, cuja sentença de mérito foi acobertada pela autoridade da coisa julgada, mas sim de ‘propositura’ de ação nova, fundada em novos fatos ou em novo direito. O preceito, portanto, nada tem a ver com a intangibilidade da coisa julgada material, que se mantém intacta."

Exemplo típico de sentença determinativa é a que, avaliando o binômio necessidade x possibilidade, julga a prestação de alimentos. Havendo alteração no binômio, nada impede a propositura de uma nova ação de alimentos, sem que isto implique ofensa à intangibilidade da coisa julgada.

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4.A CESSAÇÃO ADMINISTRATIVA DE BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE CONCEDIDOS JUDICIALMENTE

A prestação de benefícios por incapacidade é uma relação jurídica continuativa, eis que se protrai no tempo, concretizando-se nas sucessivas prestações pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social ao segurado enquanto persistente a incapacidade laborativa.

Quanto a concessão do benefício por incapacidade é fruto de uma decisão judicial, cabe ao INSS cumprir o comando judicial no prazo determinado, implantando ou restabelecendo o benefício, sem margem para qualquer discussão senão a travada no seio do processo. No entanto, após a implantação, a manutenção do benefício judicialmente concedido passa à seara administrativa, recebendo tratamento similar aos demais benefícios concedidos administrativamente [21].

Registre-se que, quando da concessão de um benefício previdenciário, cumpre verificar tão somente os requisitos necessários à sua implementação, quais sejam, a incapacidade laboral, a qualidade de segurado, o cumprimento da carência e a não pré-existência da incapacidade.

Sem embargo, quando o benefício está em manutenção impõe-se, além do cumprimento dos requisitos, a observância de obrigações recíprocas. Assim, cabe ao INSS o escorreito pagamento das prestações previdenciárias, enquanto cumpre ao segurado obrigações tais como a submissão a exames médicos periciais periódicos, a tratamento gratuito e a procedimento de reabilitação profissional proporcionado pela Previdência Social [22]. O descumprimento de tais obrigações acarreta a suspensão do benefício até o adimplemento. A falta dos requisitos importa a cessação do benefício.

Assim, os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez serão suspensos quando o segurado deixar de cumprir sua obrigação de submeter-se aos exames médicos periciais, a tratamento e a processo de reabilitação profissional proporcionados gratuitamente pela Previdência Social, exceto se o tratamento for cirúrgico e/ou passar pela necessidade de transfusão de sangue, que são facultativos. E serão cessados quando da recuperação da capacidade laborativa ou, no caso do auxílio-doença, pela transformação em auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez [23].

O já transcrito art. 101 da Lei n. 8.213/91 é o que estabelece, entre outras, a obrigação de o segurado em gozo de benefícios por incapacidade submeter-se a exames médicos periódicos a cargo da Previdência Social.

Já o igualmente mencionado art. 71 da Lei 8.212/91 (Plano de Custeio da Previdência Social – PCPS) impõe um dever ao INSS. Não tem a Previdência Social a faculdade de rever os benefícios por incapacidade. Há, isto sim, obrigação (poder-dever) do INSS de rever os benefícios, AINDA QUE CONDEDIDOS JUDICIALMENTE, para averiguar a PERSISTÊNCIA, ATENUAÇÃO OU AGRAVAMENTO DA INCAPACIDADE ALEGADA COMO CAUSA PARA SUA CONCESSÃO.

Questão de suma importância diz respeito à necessidade ou não de o INSS ajuizar nova ação requerendo a revisão do benefício por incapacidade concedido judicialmente, nos termos do supra transcrito inciso I do art. 471 do CPC.

Entendemos incompatível com a lei e com princípios do direito administrativo a exigência de o INSS manejar nova ação visando a cessação de um benefício por incapacidade, quando já não mais preenchidos os requisitos pelo segurado. Senão vejamos.

A possibilidade de cessação administrativa do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez, mesmo quando concedidos na via judicial é decorrência da própria natureza dos benefícios, cuja percepção subordina-se à continuidade da incapacidade que os ensejaram. É o que dispõem os arts. 47 e 60 do Plano de Benefícios da Previdência Social:

Art. 47. Verificada a recuperação da capacidade de trabalho do aposentado por invalidez, será observado o seguinte procedimento:

I - quando a recuperação ocorrer dentro de 5 (cinco) anos, contados da data do início da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que a antecedeu sem interrupção, o benefício cessará:

a) de imediato, para o segurado empregado que tiver direito a retornar à função que desempenhava na empresa quando se aposentou, na forma da legislação trabalhista, valendo como documento, para tal fim, o certificado de capacidade fornecido pela Previdência Social; ou

b) após tantos meses quantos forem os anos de duração do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, para os demais segurados;

II - quando a recuperação for parcial, ou ocorrer após o período do inciso I, ou ainda quando o segurado for declarado apto para o exercício de trabalho diverso do qual habitualmente exercia, a aposentadoria será mantida, sem prejuízo da volta à atividade:

a) no seu valor integral, durante 6 (seis) meses contados da data em que for verificada a recuperação da capacidade;

b) com redução de 50% (cinqüenta por cento), no período seguinte de 6 (seis) meses;

c) com redução de 75% (setenta e cinco por cento), também por igual período de 6 (seis) meses, ao término do qual cessará definitivamente. [Grifei]

Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz. [Grifei]

Portanto, desponta nítida a natureza transitória dos benefícios por incapacidade, que somente serão auferidos pelo segurado enquanto este permanecer incapaz. Pode-se dizer que se trata de benefícios previdenciários cuja manutenção se dá rebus sic stantibus, ou seja, enquanto permanecerem as circunstâncias fáticas e jurídicas que o ensejaram.

E, para verificar a permanência da incapacidade, evento determinante do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez, é necessária a realização periódica de exames na pessoa do segurado, a fim de que os benefícios não sejam pagos àqueles que a eles não têm direito. Tudo em obediência à Legalidade estrita que rege os atos da Administração Pública, na esteira dos já comentados arts. 101 do PBPS e 71 do PCPS.

Note-se que a possibilidade de a Administração rever de ofício benefícios previdenciários concedidos judicialmente é decorrente de seu poder de autotutela. Com efeito, à Administração é dado rever os seus atos, de forma a possibilitar a adequação destes à realidade fática em que atua, e declarar nulos os efeitos dos atos eivados de vícios quanto à legalidade.

Mesmo quando provocado por decisão judicial, a concessão de benefícios previdenciários é um ato administrativo em sua essência, que deve ser revisto quando não mais preenchidos os requisitos legais para sua manutenção.

Tomadas as devidas cautelas, tal revisão não configura ofensa à coisa julgada. O Executivo é autônomo perante os demais Poderes constitucionalmente constituídos e, tal autonomia, consubstanciada no princípio da autotutela, confere à Administração o poder-dever de rever seus atos, desde que adstrita ao princípio da legalidade.

Não se trata de insurgência contra decisão judicial transitada em julgado. Antes, as decisões judiciais não conferem ao jurisdicionado um manto protetor que lhe permita auferir direitos sem o preenchimento dos requisitos previstos em lei.

Ao emitir a sentença, o juiz se atém à situação fática que lhe á apresentada. Havendo alteração neste contexto, pode (e deve) a Administração usar de seu poder de autotutela, sem que, para tanto, necessite recorrer ao Judiciário. Trata-se de corolário do princípio constitucional da independência e autonomia dos Poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário).

No entanto, para que a cessação administrativa do benefício por incapacidade não ocorra à revelia do princípio da legalidade, cumpre ao INSS observar as necessárias cautelas.

Há que se verificar, v.g. se o benefício foi concedido em decorrência de antecipação de tutela, situação a requerer procedimento específico.

Há que se prover ao segurado o contraditório e a ampla defesa, sob pena de ofender-se o devido processo administrativo.

Há (e aqui reside a diferença entre a cessação de um benefício concedido judicialmente ou administrativamente) que se constatar, nos casos dos benefícios por incapacidade, a ocorrência de alteração fática, ou seja, a evolução do quadro clínico do interessado entre a data da perícia judicial e a data da nova perícia administrativa.

Como visto, as sentenças que tratam de relações jurídicas continuativas são passíveis de revisão justamente pela possibilidade de haver alteração na situação fática que as embasaram. E para que a eventual revisão não ofenda a coisa julgada, é necessário restar caracterizada tal alteração, que, no caso dos benefícios por incapacidade, é a evolução do quadro clínico do segurado.

Nesse sentido o entendimento dominante nos Tribunais pátrios:

TRF da 4ª Região – AGRAVO DE INSTRUMENTOO Nº 2004.04.01.022739-2/RS – RELATOR: Des. Federal NÉFI CORDEIRO:

PREVIDENCIÁRIO. SUSPENSÃO ADMINISTRATIVA DE BENEFÍCIO CONCEDIDO NA VIA JUDICIAL. POSSIBILIDADE. LEI 8.212/01. ART. 71 C/C LEI Nº 8.213/91, ART. 101.

1. Por força do caráter temporários dos benefícios baseados na incapacidade laborativa, e tendo em vista o disposto nos arts. 71 da Lei nº 8.212/91 e 101 da Lei nº 8.213/91, é possível o cancelamento administrativo de benefício concedido pela via judicial, sempre que verificada, por perícia médica a cargo da Previdência Social, a recuperação da capacidade laboral do segurado.

2. A obrigação do segurado submeter-se à perícia médica administrativa, para fins de verificação de incapacidade laboral, não implica em realização de tratamento cirúrgico, ao qual não está obrigado, nos termos do art. 101 da Lei nº 8.213/91. [Grifei]

TRF da 4ª Região – EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 1999.04.01.024704-6/RS – RELATOR: Juiz João Surreaux Chagas

EMENTA – PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA CONCEDIDO NA VIA JUDICIAL. CANCELAMENTO.

Ainda que o auxílio-doença tenha sido concedido por sentença, a Previdência Social pode cancelar administrativamente o benefício quando apurar que o segurado recuperou a capacidade para o trabalho, consoante determina o art. 71 da Lei 8.212/91. Admitir-se que o INSS somente poderia sustar o benefício depois do reconhecimento judicial da recuperação da capacidade do segurado seria dar tratamento diferenciado ao segurado em detrimento dos demais, que receberam o benefício através da via administrativa. Ademais, teria o risco de proporcionar um enriquecimento sem causa ao segurado, caso venha a ser reconhecida judicialmente a cessação da incapacidade depois de longa tramitação do processo. Além disso, estimularia indevidamente o segurado a ingressar diretamente com o pedido de auxílio-doença perante a Justiça, pra manter indefinidamente o benefício até novo julgamento. Embargos infringentes acolhidos.

Mister transcrever, pela lucidez e clareza, trecho do voto divergente do Ilustre Juiz Nefi Cordeiro, que ensejou o recurso de embargos infringentes suso citado.

"O benefício de auxílio-doença é, por natureza, temporário, devendo ser cancelado com o restabelecimento do segurado.

Cabe à autarquia previdenciária a verificação periódica de seu estado de saúde. Sendo constatada a aptidão para o trabalho, o benefício é cancelado, podendo o beneficiário recorrer administrativamente ou utilizar da via judiciária.

Com a realização de nova perícia, o INSS cancelou o beneficio por constatar que o segurado se encontra apto ao trabalho. Neste procedimento não há ferimento à coisa julgada, pois os motivos que ensejaram na concessão do benefício foram motivados pela perícia anterior, que não possui valor como garantia de irreversibilidade da doença.

Possível, pois, a cessação administrativa do benefício temporário – de auxílio-doença - judicialmente concedido, sem ofensa à coisa julgada, em razão de nova perícia administrativa que constate a melhoria do estado de saúde.

Como foram pagas as prestações atrasadas, anteriores à realização da perícia, não restam parcelas a executar. Eventual contestação aos fundamentos da perícia e do cancelamento do beneficio, somente caberão em específica ação de conhecimento.

Sendo assim, voto no sentido de negar provimento à apelação." [Grifei]

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Sobre o autor
Olavo Bentes David

Procurador Federal. Foi Subprocurador Regional da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS na 2ª Região entre março de 2010 e junho de 2011

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DAVID, Olavo Bentes. Revisão administrativa de benefícios por incapacidade concedidos judicialmente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2992, 10 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19962. Acesso em: 28 mar. 2024.

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