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Prisões e medidas cautelares à luz da Lei nº 12.403/11

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29/05/2012 às 16:43
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Mais uma vez assistimos à jurisdicionalização de problemas que não são principalmente judiciais. A Lei nº 12.403/11 vem no escopo de favorecer ao esvaziamento das prisões, para desafogar os presídios, mas as prisões cautelares já vinham sendo aplicadas como último recurso.

Sumário: 1- Introdução. 2- Uma Análise Crítica. 3- Situação Anterior 4- Alterações da Lei nº 12.403/11: Disciplina Geral das Medidas Cautelares. 5- Prisões: Regras Gerais. 6- Prisão em Flagrante. 7- Prisão Preventiva. 8- Prisão Domiciliar. 9- Outras Medidas Cautelares. 10- Fiança. 11- Prisão Preventiva Decorrente do Descumprimento de Medidas Cautelares e outros Aspectos. 12- Conclusões.


1- INTRODUÇÃO

Em maio de 2011, teve advento a nova disciplina das prisões e medidas cautelares, via alteração do CPP, através da Lei nº 12.403. O processo penal era um dos últimos bastiões que se mantinha infenso às modificações legislativas que já vinham se operando no seu congênere civil havia pelo menos quinze anos. Salvante os casos de leis extravagantes direcionadas à tratativa de espécies delitivas específicas, que eventualmente traziam disciplina processual[1], a única grande modificação de amplo espectro que tinha se verificado no processo penal tinha sido, até então, a lei dos juizados especiais e algumas relativas aos procedimentos codificados.[2]

É, porém, fato notório que a criminalidade também evolui e se altera no mesmo ritmo que a sociedade. Embora os pilares constitucionais da persecução penal sejam mais ou menos estáveis, fundamentados na ampla defesa, no contraditório, no direito de liberdade como regra, respeito aos direitos humanos, e na oficialidade, era certo que o processo penal não tardaria a demandar por mudanças.

Mas admitir estas mudanças como necessárias não significa, por outro lado, asseverar que aquelas que estão sendo paulatinamente inseridas no processo penal estejam corretas ou sejam as mais eficazes.

De qualquer sorte, modificações foram operadas no tocante à cautelaridade no âmbito do CPP, demandando reflexão, e isso se faz ainda mais necessário na seara processual penal do que em outros quadrantes, pois o número de profissionais que têm contato direto com a matéria é significativamente menor do que aqueles que labutam no campo cível, por exemplo.

A proposta deste trabalho é trazer uma análise crítica a partir da visão de quem conta com alguma experiência na área processual penal, transcendendo à mera glosa dos dispositivos e buscando perquirir, com a mesma ênfase com que se costuma tratar normalmente das questões técnicas, as conseqüências concretas das modificações legislativas operadas pela Lei nº 12.403/11.


2- UMA ANÁLISE CRÍTICA

A quem quer que seja que acompanhe a produção legislativa brasileira, em especial a da última década, desponta, de forma evidente, como conclusão de uma análise do contexto, um problema preocupante, o qual eu denomino de jurisdicionalização dos problemas.

Sinteticamente, se pode afirmar que a tônica central deste problema reside na tendência de tornar problemas jurisdicionais questões que, a rigor, não o seriam, ou o seriam apenas secundariamente, residualmente, ou, ainda, questões que, embora apresentando um viés que as torna passíveis de serem encaradas como problemas de repercussão jurídica e jurisdicional, na verdade teriam melhor solução a partir de outra abordagem.

Simplificando, e tornando clara a idéia, o que se tem visto é a transformação de problemas que são antes dependentes de solução a partir da ação do Poder Executivo em problemas cuja solução buscada passa a ser primordialmente jurisdicional, em verdadeira deturpação. Produzem-se, a partir desta premissa, normas pouco funcionais e direcionadas a dar apenas soluções paliativas a problemas antes sociais ou administrativos que jurídicos, no sentido de jurisdicionais.

Aqueles que operam diariamente na justiça brasileira sabem que a cada dia o Judiciário tem ocupado, de forma indevida e forçada, mais e mais espaço na resolução de problemas em cuja alçada somente por exceção deveria interferir. Tem havido uma verdadeira transferência de problemas e responsabilidades que deveriam ser atacados primordialmente pelo Poder Executivo.

Alguns exemplos são emblemáticos. Veja-se a questão da saúde. Hoje tramitam milhões de demandas judiciais buscando atendimento médico. Falha e omissão de quem? Não menos significativo é o número de demandas envolvendo remuneração e vantagens de servidores públicos decorrentes do descumprimento, por parte do poder público, especialmente o executivo, em suas três esferas, das políticas salariais. Mais questões administrativas.

As hipóteses supra espelham situações onde a inércia pura do Poder Executivo acabou por transferir o problema para a esfera judiciária. Há outras, porém, onde esta transferência é comissiva e legislativa. Refiro-me, aqui, especificamente ao problema da violência doméstica, cuja lei foi alardeada aos quatro ventos com pompa e cerimônia como o apanágio de todos os males e que, na prática, além de inconstitucional[3], não passa de um engodo populista. Reporto-me diretamente às medidas protetivas, que são, na prática, inócuas, meros pedaços de papel, desprovidos de eficácia por absoluta falta de estruturas executivas que lhes possam dar concretude empírica[4], cuja implementação caberia ao poder executivo[5]. Problemas que poderiam ser resolvidos ainda na fase administrativa, com a correta intervenção de estruturas adequadas, acabam sendo judicializados a alto custo e sem a produção de soluções efetivas.

Mas qual a pertinência da menção destas hipóteses em vista da nova disciplina das prisões? Simples: Penso eu que mais uma vez um problema eminentemente executivo está sendo abordado primordialmente pelo viés jurisdicional. Este problema é a falta de vagas nas instituições prisionais, e a resposta que está sendo visivelmente buscada é facilitar as liberações de presos para esvaziá-las.

Parte-se de duas premissas equivocadas. A primeira, em parte motivada pelo discurso de intelectuais teóricos, muitos dos quais nunca estiveram em uma sala de audiência ou tiveram, em suas, mãos um PEC (processo de execução criminal), e que repetem surrados discursos superficiais e destituídos de base empírica, diz que o número de presos no Brasil é excessivo. A segunda, igualmente oriunda de pessoas que desconhecem a realidade, se baseia na assertiva de este pretenso excesso de presos decorrer da legislação demasiadamente rígida e da atividade judiciária que a interpreta.

Quanto à primeira afirmação, o número de presos no Brasil é absolutamente proporcional a sua população e não tem, absolutamente, relação com rigores demasiados da legislação. Pelo contrário. Tomados paradigmas de proporcionalidade entre quantidade de presos e população de algumas nações democráticas, se poderia afirmar o contrário, ou seja, que a legislação brasileira é até benevolente. Esta equivocada premissa de um rigor exacerbado é ainda difundida por conta do irreflexivo repetir de frases feitas e conceitos que pretendem ser “politicamente corretos”, mas que não correspondem à realidade, como, por exemplo, o de que a cadeia no Brasil é somente para pobres e isso se deveria a um tratamento diferenciado da Justiça para com pessoas mais abastadas.

Ora, se há mais pessoas pobres nas cadeias isso nada mais reflete a realidade de que há proporcionalmente mais pessoas nesta condição do que abastadas, e, proporcionalmente, elas, a maioria, também se lançam com mais facilidade à pratica de crimes graves, especialmente o tráfico[6], hoje responsável por quase um terço das prisões, ou crimes que envolvem violência contra a pessoa. Quando pessoas em melhores condições financeiras cometem crimes graves como estes, especialmente, repito, aqueles praticados com violência contra a pessoa e o tráfico, também acabam presas, seja cumprindo pena, seja cautelarmente[7].

A outra premissa equivocada reside em se atribuir o número de presos aos rigores da lei. Na verdade, com as penas alternativas e com o juizado especial criminal, somente delitos com penas acima de quatro anos ou casos de delinqüentes reincidentes implicam em prisão como resultado de uma condenação. Com maior razão, também são estas situações as que hoje podem ensejar prisão cautelar.  

Já no que concerne às prisões cautelares, tema que diz mais de perto com esta abordagem, igualmente se obrou a partir de uma perspectiva errada. Ao elaborarem a nova legislação ora em análise, parece que desconheceram, os legisladores, que a aplicação das prisões cautelares, ressalvadas raríssimas exceções, já era tratada como uma medida absolutamente excepcional, condicionada sempre não só à legalidade, mas à constatação da sua imperativa imposição como medida extrema e última alternativa no caso concreto.

O indisfarçado escopo da lei é reduzir a quantidade de presos, criando alternativas à prisão cautelar e alterando sua disciplina. Desconhecem os legisladores que aqueles que estão presos cautelarmente assim estão, em sua quase totalidade, em vista do cometimento de crimes graves ou do reiterado cometimento de infrações. Por outras palavras, são indivíduos em vista dos quais a custódia cautelar se faz efetivamente necessária, e que somente seriam beneficiados por modificações legislativas que, de forma irresponsável, desconsiderassem esta realidade que lhes é própria. A maioria não será atingida pela nova lei.  

O Judiciário, ciente da realidade prisional melhor do que ninguém, pois é em quem os problemas acabam por desembocar, já vinha, de forma geral, aplicando com parcimônia a legislação acerca da prisão cautelar, em todas as suas modalidades. Assim, as alterações da nova lei, almejadas como uma solução ao menos parcial do problema da superlotação das cadeias e presídios, ataca as causas erradas e terá pouquíssima repercussão concreta na realidade.

As causas do problema crônico da superlotação e decadência de nossas prisões não está na legislação das prisões, está na inércia dos administradores e na falta de investimentos[8]. Mais uma vez se busca a jurisdicionalização de uma solução que não pode ser dada pelo Judiciário.

A questão é: Quando as Corregedorias irão se mover para informar juízes, promotores e delegados[9] para que se manifestem concreta e previamente acerca destas alterações legislativas  ou quando irão as pessoas que trabalham com os problemas diretamente ser consultadas a fundo quando da efetivação de um projeto de lei? Por quanto tempo continuaremos a ter legislações fadadas a não funcionar, feitas sem conhecimento efetivo da realidade ou com finalidade meramente de dar uma satisfação formal à sociedade?


3- SITUAÇÃO ANTERIOR

Antes de evoluirmos para a atual disciplina das prisões e medidas cautelares, mister darmos uma breve olhada em como era antes da modificação legislativa.

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Anteriormente, tínhamos, basicamente, cinco espécies de prisões cautelares, sendo quatro codificadas e uma constante de legislação extravagante. Eram elas as prisões em flagrante, preventiva, decorrente de sentença de pronúncia, decorrente de sentença penal condenatória e temporária, esta última prevista em lei própria.

Tais prisões eram as únicas formas de cautela que atuavam diretamente sobre a pessoa do acusado.   

A prisão em flagrante é a única que pode ser efetuada por qualquer pessoa, havendo dever em relação à autoridade e seus delegatários. Tradicionalmente foram identificadas três situações de flagrância, configurando os flagrantes próprio, impróprio e ficto. Durante algum tempo, houve certa celeuma doutrinária se uma vez que o julgador recebesse o flagrante, o despachasse e não concedesse a liberdade provisória, estaria apenas mantendo a prisão em flagrante ou decretando a prisão preventiva, pois ambas passaram a ter os mesmos requisitos, nos termos da redação do parágrafo único do artigo 310 do CPP. Hoje, conforme veremos, esta dúvida restou expressamente dissipada.

A prisão decorrente de pronúncia decorria da sentença que encerrava a fase do judicium acusationis nos procedimentos do júri. Ali podia ser mantida a custódia já decretada anteriormente ou feita a decretação no momento da decisão. Outra prisão que decorria de sentença era aquela oriunda da sentença penal condenatória recorrível. A princípio, o recolhimento do acusado à prisão era conditio sine qua nom para conhecimento do eventual apelo interposto por ele, circunstância que foi afastada pela interpretação do princípio da presunção de inocência.

A prisão preventiva podia ser decretada na fase inquisitorial ou após existente processo judicial, fosse a requerimento da acusação, representação da autoridade policial ou mesmo de oficio pelo julgador. Deveria ter como fundamento um dentre os seguintes: garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

A possibilidade de decretação respeitava exclusivamente aos delitos dolosos, em regra nos punidos com pena de reclusão, e, excepcionalmente, os punidos com detenção, desde que, neste último caso, fosse o acusado “vadio” ou, se havendo dúvidas acerca de sua identidade, não fornecesse elementos para sua correta identificação. Ainda era possível a prisão se o acusado houvesse sido condenado por crime doloso, com sentença transitada em julgado, e ressalvada a reabilitação, ou em casos que envolvessem violência doméstica[10].

Também seria necessária a presença de prova da existência e indícios suficientes de autoria. Não era cabível a prisão preventiva quando o agente tivesse praticado o fato sob o pálio de excludente da ilicitude

Já a prisão temporária tem previsão em lei específica, a Lei nº 7.960/89, voltada a crimes cujo rol dela consta, e mediante concurso de pelo menos duas das três hipóteses de seu artigo primeiro. É espécie de prisão com limitação legal de duração[11]


4- ALTERAÇÕES DA LEI Nº 12.403/11: DISCIPLINA GERAL DAS MEDIDAS CAUTELARES

A primeira alteração de monta promovida pela Lei nº 12.403/11 reside na introdução das denominadas medidas cautelares.

A cautelaridade não é novidade no processo penal, visto que a prisão cautelar, sob todas as suas modalidades, é uma manifestação direta da cautelaridade. Ocorre que a cautelaridade voltada diretamente à pessoa do agente somente existia, no processo penal, sob a forma de prisão, de privação de liberdade. As outras formas de cautelaridade, presentes nas medidas assecuratórias, voltam-se à responsabilidade ex delicto, vale dizer, não atingem ao agente em si, mas ao seu patrimônio. Agora a epígrafe do título IX fala em “prisões, medidas cautelares e liberdade provisória”. Embora a epigrafe efetue a separação entre medidas cautelares e prisões, a tratativa da legislação deixa claro que a prisão é uma delas. Passam a existir, assim, outras formas de cautelaridade voltadas diretamente à pessoa do agente.   

O artigo 282 do CPP, que antes tratava da prisão em flagrante, passou a trazer a disciplina das medidas cautelares, que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, conforme o caso. Duas linhas de princípios devem ser observados na sua aplicação.

Primeiro, a “necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais.” A redação repete, em parte, a disciplina anterior da prisão preventiva, evidenciando a possibilidade de utilização dos institutos ainda mesmo na fase inquisitorial. A redação é bem mais flexível do que a anterior relativa à prisão preventiva, no que se utiliza de melhor técnica. O importante é atrelar a aplicação das medidas à necessidade. A parte final do dispositivo reporta-se, de forma genérica, à possibilidade de cometimento de outras infrações em hipóteses expressamente previstas em lei. Na verdade, esta parte mira especificamente a prisão decorrente da necessidade de fazer cumprir medidas protetivas da lei de violência doméstica, única hoje existente prevista de forma expressa em lei, deixando aberta a possibilidade de que outros casos venham a ser criados por lei. Por outro lado, a tratativa da prisão preventiva estende a possibilidade de decretação dela a casos de violência contra outras categorias de pessoas, conforme se verá a seu tempo.

Ainda deverá ser levada em conta a “adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.” Tais circunstâncias eram igualmente consideradas antes da alteração legislativa. Agora isso apresenta previsão específica. A nova redação também agrega mais flexibilidade ao julgador se comparada à anterior, que se reportava, ao menos no caso da prisão preventiva, a elementos de aferição objetiva (exemplo, a condenação anterior), permitindo melhor adequar a medida ao caso concreto.

Houve substancial mudança quanto à possibilidade de decretação oficiosa da prisão preventiva e agora das medidas cautelares que a abarcam. Como visto anteriormente, em relação à prisão preventiva havia a possibilidade de o magistrado impor a custódia cautelar de ofício, fosse na fase inquisitorial, fosse na judicial. Tal hipótese ordinariamente tinha azo nas situações de crimes graves ou envolvendo agentes reincidentes, não sendo necessária nem mesmo a oitiva prévia do MP para tanto. A redação do atual parágrafo 2° do artigo 282 do CPP eliminou a possibilidade de decretação de ofício na fase inquisitorial como regra. Diz ela que “as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.” No curso de investigação criminal, não é mais possível a decretação de ofício de qualquer medida cautelar, especialmente prisão preventiva, salvo as exceções.

Há duas espécies de exceções à necessidade de pedido ou representação para que seja decretada a prisão preventiva na fase inquisitorial. A primeira consta do parágrafo 4º do artigo 282, que diz que “no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva.” Aqui, em caso de descumprimento de medida cautelar anteriormente imposta, é possível a decretação oficiosa, ainda mesmo que seja na fase inquisitorial. Adiante serão vistos outros aspectos (Item 11, abaixo). 

A outra está no parágrafo 5º, segundo o qual “o juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.” Tem-se aqui situação na qual o julgador, tomando ciência de que os motivos que ensejaram a decretação de prisão anteriormente retornaram, poderá decretar, mesmo sem que haja pedido, novamente a custódia cautelar, podendo ser durante a fase inquisitorial ou processual.

Outro aspecto antes inexistente (e estamos tomando sempre aqui o paradigma da prisão preventiva) reside na possibilidade de contraditório prévio. Na disciplina anterior, não estava prevista a possibilidade de contraditório prévio à decretação da prisão e tal possibilidade não vingou nem através de critérios pretorianos.

Com o advento da lei de violência doméstica e das prisões decretadas a partir de medidas protetivas descumpridas, a inexistência de contraditório na prisão cautelar deu margem a muitas injustiças, criadas a partir da fraudulenta utilização da lei de violência doméstica com criação de acusações inverídicas voltadas a obtenção de fins predeterminados[12]. Esta condição é pouco conhecida pela população e mesmo nos meios jurídicos[13], tudo por conta da sistemática que vinha sendo observada, e ainda é utilizada na tramitação dos feitos criminais e cíveis (as medidas protetivas) previstas nesta lei.

De fato, uma vez feito registro de ocorrência envolvendo fato que, em tese, pode caracterizar caso de violência doméstica, dois procedimentos tem início, sendo um obrigatório e outro facultativo. Obrigatório é o procedimento criminal, facultativo a medida protetiva, que tem de ser pedida pela pretensa ofendida. Anteriormente a uma recente decisão do STF, a pretensa vítima poderia desistir de levar à frente o procedimento criminal. Por conta disso muitas vezes a pessoa que se dizia vítima desde já asseverava não desejar representar. Resultado é que o processo criminal, tramitando sob a forma de inquérito, estava invariavelmente fadado ao arquivamento quando este desejo de renúncia era ratificado em audiência. Consequentemente, na seara criminal, não teria o acusado o direito de produzir prova em sua defesa, quiçá para demonstrar a inverdade da acusação, ou outras circunstâncias relevantes acerca dos fatos.

Restava o procedimento de medida protetiva. Apesar de ele ser processado, na maioria dos Estados, em varas criminais ou especializadas, cuida-se de procedimento de natureza cível, coisa que passa despercebida a muitos. Aliás, esta natureza cível é a razão de ser do artigo 13 da Lei nº 11.340, que manda aplicar subsidiariamente o CPC aos procedimentos nela previstos. O único procedimento ao qual pode ser aplicada a disciplina do CPC é a medida protetiva.

Ocorre que os julgadores e operadores jurídicos têm desconhecido esta aplicação, que ensejaria conduzir-se o processo de medida protetiva como cautelar cível, de forma a permitir que, uma vez não logrando êxito na conciliação em audiência especialmente designada para esta finalidade, se propiciasse ao acusado a chance de apresentar defesa. O resultado prático desta generalizada omissão é que há medidas protetivas que duram anos sem que o acusado e prejudicado pudesse ter provado fatos em seu favor ou provado a inveracidade da acusação que ensejou a concessão desta forma de cautela cível.

O descumprimento destas medidas pode ensejar a decretação de prisão de natureza cautelar penal. E como a maioria dos envolvidos dispõem de pouco conhecimento acerca de seus direitos, não é raro prisões serem decretadas por descumprimento de medidas protetivas baseadas em acusações falsas ou mesmo sem conhecimento de que cometeu  uma ilegalidade, violando-a, por parte do preso.[14]

Embora a situação tenha se alterado substancialmente em relação ao processo criminal, pois a decisão do STF, proferida no início de 2012, considera as ações relativas à violência doméstica todas públicas incondicionadas, de forma que o acusado terá uma oportunidade de se defender, é certo que a possibilidade de contraditório antes da decretação de prisão cautelar ou de outra medida de natureza cautelar penal, vem em boa hora.

Este contraditório terá campo de aplicação principalmente nestas prisões relativas ao descumprimento de medida protetiva ou vocacionadas a dar efetividade a elas. No mais, a grande a maioria dos casos envolve urgência ou a utilização deste expediente pode comprometer a eficácia da medida. Todavia, observados os termos da nova redação, tem-se que a regra agora é a presença de contraditório e deverá, por conseguinte, o julgador fundamentar a opção pelo não deferimento de contraditório prévio, ainda que isso venha a acontecer na maioria das vezes.

As medidas cautelares, incluída a prisão, não serão aplicadas quando a infração em tese cometida não se cominar pena privativa de liberdade.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Prisões e medidas cautelares à luz da Lei nº 12.403/11. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3254, 29 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21891. Acesso em: 4 nov. 2024.

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