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A isenção do imposto de renda dos proventos de aposentadoria e pensão dos portadores de doenças graves relacionadas em lei.

Um caso típico da má-fé da administração pública brasileira

24/06/2012 às 17:24
Leia nesta página:

Mal informados a respeito de seus direitos, os aposentados e pensionistas são presa fácil dos alvitres arrecadatórios do Estado, muito pouco interessado em informá-los do benefício fiscal.

O direito à informação talvez seja, enquanto corolário do princípio da publicidade dos atos da administração, um dos pilares do estado democrático de direito, uma das condições para o legítimo exercício dos direitos fundamentais e um dos indicadores do respeito às balizas mestras de nossa ordem jurídica insculpidas no preâmbulo da Constituição Cidadã[1].

Tendo em vista as tradições autoritárias da administração pública brasileira, cumpre denunciar o absoluto quadro de desinformação dos potenciais beneficiários de uma das mais importantes desonerações tributárias contidas em nossa ordem jurídica relacionadas à isenção tributária dos proventos de aposentadoria ou reforma em razão de acidente de serviço, de doenças graves relacionadas na lei, bem como dos portadores de moléstias profissionais.

A benesse está prevista no artigo 6º, inciso XIV, da lei federal 7.783/88:

Art. 6. Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:

(...)

XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma. (sem grifos no original)

O mesmo benefício, salvo em relação às moléstias profissionais, alcançam os pensionistas do mesmo modo do que os instituidores das pensões, mesmo que a doença seja posterior à concessão do benefício da pensão (art. 6º, inciso XXI, da lei 7783/88).[2]

Cuida-se de isenção fiscal subjetiva, posto que concedida em razão das condições pessoais do beneficiário que se enquadre num dos dispositivos legais acima. Justamente pelo seu caráter subjetivo, as moléstias profissionais são excluídas da disposição relativa aos pensionistas, aplicando-se, tão-somente, em relação aos instituidores das pensões, ou seja, os aposentados em razão de moléstias adquiridas em razão da prestação de serviço. Natural, posto que o benefício, no que tange às moléstias profissionais, busca alcançar aqueles que se tornaram inativos face às doenças decorrentes do trabalho, o que não ocorre com os pensionistas, que são beneficiários.

Seja como for, por incrível que pareça, o benefício fiscal em questão é, ainda, um ilustre desconhecido de milhares de pessoas, especialmente vinculadas ao regime geral da previdência social, beneficiários da previdência privada, além dos servidores públicos aposentados, integrantes de um dos regimes próprios de previdência social (União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além das entidades da administração indireta).

Isso porque somente é relativamente acessível a informação do direito à isenção em epígrafe no momento inicial da concessão do benefício, quando todas as atenções do potencial beneficiário estão voltadas à obtenção da aposentadoria/pensão e, no caso dos aposentados, ainda há o concurso do apoio da estrutura sindical que, dentre outras coisas, de uma maneira geral, presta o auxílio necessário.

Tal não se dá, entretanto, quando a moléstia profissional ou doença grave relacionada na lei aparecem tempos depois da concessão do benefício previdenciário. Mesmo superveniente, o infortúnio da doença dá sim direito à isenção, nos termos do dispositivo legal acima, e muitos cidadãos, nesta delicada situação não têm conhecimento de seu direito ou de como devem proceder. As instituições do Estado não cumprem, como deveriam, seus deveres de prestar informação a respeito da benesse.

A começar pela grave constatação de que os sindicatos, no Brasil, não representam os aposentados e pensionistas. A categoria dos aposentados e pensionistas, e salvo as honrosas exceções de sempre, está abandonada pelos sindicatos, alijada do processo de luta social. Como não há sindicato de aposentados e pensionistas e nem sempre existem associações de classe que acolham e acomodem os interesses coletivos de tal categoria, observa-se que na maior parte das vezes a inatividade significa perda não somente do emprego, mas, também, de inúmeros vínculos sociais protetivos que ligavam aquele profissional ao seu grupo.

Basicamente o profissional é abandonado à própria sorte, e não são raras as oportunidades em que os sindicatos, que representam os ativos, passam a defender reivindicações contrárias aos interesses dos aposentados, como aconteceu, por exemplo, com a queda da paridade remuneratória promovida pela EC 41/2003, com a criação do fator previdenciário, com a taxação dos inativos e muitas outras alterações legislativas e constitucionais que resultaram em perdas para os titulares dos direitos de aposentadoria e pensão.

A questão é mais grave ainda em relação aos pensionistas, posto que sequer vínculo social com a categoria do instituidor da pensão possuem, razão pela qual a alienação em relação aos direitos, como a isenção em questão, é maior.

Sozinhos, isolados, acometidos de doenças e, principalmente, mal informados a respeito de seus direitos, os aposentados e pensionistas são presa fácil dos alvitres arrecadatórios do Estado brasileiro, muito pouco interessado, diga-se, em informar referido público da renúncia fiscal.

É dizer: como se trata de isenção de um tributo tão revestido de características fiscais, como é o imposto de renda, ou seja, que se presta tanto aos objetivos arrecadatórios da Fazenda Nacional, que não há uma preocupação oficial de informar os potenciais beneficiários de seus direitos, visto que isso significaria redução de arrecadação.

Nunca se viu uma campanha. Nunca se viu as administrações tributária e previdenciária mobilizadas para prestar tais informações para um público tão distinto, merecedor de especial proteção constitucional, face à sua contribuição para a formação do Brasil de hoje. Observa-se que o Poder Público dispõe de todos os endereços dos domicílios de todos os aposentados e pensionistas, mas, mesmo assim, nunca tratou, de forma profissional, de identificar e comunicar o direito em discussão, eximindo-se, assim, de garantir a dignidade e o bem estar dos idosos.

Justamente em razão de tais inconsistências é possível afirmar que milhares de contribuintes, Brasil afora, deixam de gozar da isenção fiscal em referência por simples e mera desinformação, situação que atenta contra a dignidade, sobretudo da pessoa idosa posto que, em geral, os beneficiários de aposentadoria/pensão são idosos, ainda que isto não seja uma regra absoluta, posto que há não-idosos, até mesmo jovens, que se enquadram na isenção legal por estarem aposentados em razão de acidente de trabalho, ou contração de doenças profissionais, ou graves, relacionadas na lei 7.783/88.

Os sindicatos não informam do direito, bem como a própria administração pública, por ter interesse patrimonial na arrecadação tributária, não desenvolve programas de informação amplos e suficientes para atingir os potenciais interessados. Dentro do atual quadro autoritário da administração pública brasileira, é impensável um servidor da estrutura de arrecadação tributária, de qualquer das esferas da administração, elaborar programa de informação tributária para o fim de esclarecer e identificar o público diretamente beneficiado pela isenção.

É evidente que a administração pública não tem a obrigação de descobrir, e identificar caso a caso, a ocorrência das hipóteses autorizativas da isenção aqui tratada, mas é fato que tendo em vista o evidente interesse público identificado no tratamento digno da pessoa idosa (a maioria dos beneficiários), que conta, ou deveria contar, inclusive, com prioridade da família, da sociedade e do estado, é incompreensível o silêncio na divulgação do direito em questão, seja pelos órgãos previdenciários, seja pela administração tributária.

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A Constituição é expressa, em seu artigo 230, caput, e parágrafo primeiro:

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

§ 1º - Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.

Como se vê, a Constituição é sábia. Reconhece a fragilidade da condição da idade avançada, determinando à família, à sociedade e ao Estado (administração), que nada mais é do que a organização jurídica da sociedade, a defesa da dignidade e bem estar dos idosos, bem como seu direito à vida. Mas, vida, aqui, em abundância e com dignidade, não apenas a abstenção de condutas estatais que atentem contra o referido bem jurídico.

O Estado (regimes previdenciários geral e próprio) não informa do direito à isenção. Omite-se e não demonstra qualquer preocupação com a inversão do quadro, apropriando-se injustamente, na via da tributação, de percentuais dos benefícios previdenciários dos idosos, protegidos pela norma isentiva, e sem qualquer preocupação de ordem ética ou jurídica.

O mesmo se diga em relação ao regime complementar, pois muitos fundos de pensão, na condição de responsáveis tributários, além não informar quem de direito, procedem ao desconto do imposto de renda dos assistidos beneficiários da isenção e repassam o tributo ao fisco, perpetuando, assim, o ciclo da injustiça.

A questão não é acadêmica e não se trata de exercício de transferência de responsabilidades para a administração pública acerca de assuntos que deveriam competir ao próprio indivíduo tratar, posto que de seu particular interesse. Não trata de colocar a culpa no governo.

Existe aqui uma questão ética profunda. Pode o Estado, sabedor deste quadro, deixar de adotar providências? Há alguns anos, recordo-me, do empenho de determinado Ministro da Previdência em proceder ao recadastramento dos beneficiários do regime geral maiores de 90 (noventa) anos, posto que havia, e ainda há, fundadas suspeitas de pagamentos fraudulentos de benefícios a descendentes.

Longas filas de idosos, na quinta idade, formaram-se nas agências previdenciárias, gerando manifestações de repúdio à violência do procedimento, afinal eram idosos bem idosos, e estabeleceu-se um debate nacional entre os que defendiam o combate às fraudes previdenciárias e aqueles que se posicionavam no sentido de respeitar as peculiaridades de referido grupo social.

O Ministro de então não caiu, mas o episódio chamuscou sua biografia, não pelo louvável objetivo de combate aos pagamentos indevidos, mas pela demonstração de insensibilidade, ou de incompetência, na condução da tarefa.

Seja como for, verifica-se, pela recordação do episódio, que quando a administração pública, através de suas maiores autoridades, deseja, o Estado brasileiro não se omite e faz o necessário para atingir seus desideratos, independentemente das consequências.

Se o Estado se preocupa tanto com as fraudes, o que é correto, diga-se, do mesmo modo deveria se preocupar em informar seus aposentados e pensionistas a respeito de seus direitos, realizando campanhas de conscientização, já que os recursos injustamente drenados para a Fazenda Nacional fazem muita falta, sobretudo para os idosos, e, como dito, há milhares de pessoas que simplesmente ignoram a possibilidade de gozar do benefício fiscal em referência.

Seria um excelente indicador de como nossa administração pública respeita os aposentados e pensionistas, reafirmando, assim, o próprio preâmbulo da Carta Cidadã com a demonstração de que realmente estamos na construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.


Notas

[1]  Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

[2] XXI - os valores recebidos a título de pensão quando o beneficiário desse rendimento for portador das doenças relacionadas no inciso XIV deste artigo, exceto as decorrentes de moléstia profissional, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão.

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Sobre o autor
Rogério Oliveira Anderson

Mestre em Direito. Especialista em Direito Administrativo. Professor do IESB. Advogado. Sócio da Advocacia Carvalho Cavalcante. Procurador do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDERSON, Rogério Oliveira. A isenção do imposto de renda dos proventos de aposentadoria e pensão dos portadores de doenças graves relacionadas em lei.: Um caso típico da má-fé da administração pública brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3280, 24 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22077. Acesso em: 2 nov. 2024.

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