CONCLUSÃO
A Constituição Federal atribuiu autonomia aos Estados-membros da Federação, através de seu artigo 25, possibilitando-os a criação de seus próprios ordenamentos jurídicos locais. Entretanto, impôs a eles, outrossim, limitações tanto negativas quanto positivas, o que gerou a existência de normas inseridas nas respectivas Constituições Estaduais que são de mera reprodução obrigatória daquelas constantes da Carta Federal.
Coerentemente, ao permitir a auto-organização dos entes estaduais, a Lei Fundamental também reconheceu a possibilidade de eles próprios criarem mecanismos de proteção de suas Constituições, conforme artigo 125, §2º, surgindo, em paralelo à jurisdição federal, diversas jurisdições constitucionais estaduais.
Para tanto, estabeleceu-se a concorrência de parâmetros de controle, sendo adotada tão-somente a Constituição Federal como parâmetro para o controle de constitucionalidade realizado perante o Supremo Tribunal Federal, bem assim unicamente a Constituição Estadual no controle exercido pelos Tribunais de Justiça locais.
A Constituição Estadual é significativamente composta por normas de reprodução obrigatória e, por consequência, são amplamente utilizadas como parâmetros para se declarar a inconstitucionalidade de uma lei estadual ou municipal que a contrarie.
A Suprema Corte, conquanto já tenha entendido que tais normas seriam eminentemente federais e, portanto, não poderiam ser utilizadas como base para o controle de constitucionalidade estadual, sob pena de usurpação de sua exclusiva competência, felizmente alterou o seu posicionamento, passando a considerá-las verdadeiras normas estaduais. Afinal, considerar as normas de reprodução como ociosas, seria o mesmo que entender que o controle estadual como um todo é ocioso.
Foi permitida, com isso, a interposição de recurso extraordinário, caso a interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça de tais dispositivos contrariasse o sentido ou o alcance da Constituição Federal.
Tal mudança de entendimento deveu-se ao fato de os Estados-membros serem entidades autônomas, bem assim terem recebido essa competência para controlar as leis que afrontem suas Constituições locais do texto da própria Constituição Federal, sem qualquer exceção. Dessa forma, não seria lícito ao Supremo ver distinções onde o constituinte não o fez.
Além disso, entender diversamente seria aniquilar a ação interventiva estadual nos municípios, já que os princípios motivadores de intervenção dos Estados naqueles seriam, em sua maioria, os mesmos indicados na Constituição da República para a intervenção federal.
Por outro lado, se as normas de reprodução obrigatória fossem mesmo normas federais meramente transplantadas, seria imprescindível, em toda representação de inconstitucionalidade estadual − inclusive a interventiva − que a Suprema Corte, previamente, falasse sobre a viabilidade do processamento da ação, o que é indiscutivelmente inviável.
Ademais, contra as leis federais que reproduzem dispositivos da Constituição Federal, é inquestionável o cabimento de recurso especial, não se cogitando de ociosidade. Isso porque as normas de conteúdo igual não devem se excluir reciprocamente, mas sim ensejar a dúplice garantia jurisdicional: da União e dos Estados.
E, por fim, as normas de reprodução obrigatória não são normas secundárias que correm necessariamente à sorte das normas primárias. Por tudo isso, não se há de falar em violação ao princípio da supremacia da Constituição Federal. Na verdade, haveria afronta a tal princípio caso se aniquilasse um sistema de controle estadual estabelecido por ela própria.
Dessa forma, reconhecer que as normas de reprodução obrigatória possuem eficácia de verdadeiras normas estaduais significa obedecer aos princípios basilares de nosso ordenamento jurídico atual, ou seja, significa atender ao princípio da autonomia dos Estados Federados e ao papel do Supremo Tribunal de guardião exclusivo da Lei Fundamental, ao lado do tão aclamado princípio da Supremacia da Constituição Federal.
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Notas
[1] Uadi Lammêgo Bulos. Constituição Federal Anotada. 5ª ed.rev. e atual., p. 572/573.
[2]Artigo 125, §2º: “Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão”.
[3] Regina Maria Macedo Nery. Controle da Constitucionalidade das leis municipais. 2. ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 73-74.
[4] Gilmar Ferreira Mendes. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3ª ed., p.331.
[5] Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Constitucional. 19 ed., p.413.
[6] Raul Machado Horta. Estudos de Direito Constitucional. Del Rey, 1995, p. 78.
[7] RCL. 370-1, Rel. Min. Octavio Gallotti (acórdão não publicado).
[8] STF – Pleno – Reclamação nº. 383/SP – Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21/05/1993.
[9] STF – Reclamação 4432/TO, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU 10.10.2006, cuja transcrição do inteiro teor da decisão pode ser encontrada no Informativo nº. 444/STF, de 18.10.2006.
[10] José Tarcízio de Almeida Melo. Reformas – Administrativa – Previdenciária – do Judiciário, p.445; Clèmerson Merlin Clève. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no Direito Brasileiro. p. 159-160.