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A prisão preventiva e o balizamento em abstrato da pena à luz da Lei n° 12.403/11

10/07/2012 às 16:10
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Na situação de cometimento de mais de um crime doloso, a soma de suas penas deve ser superior a 4 anos para credenciamento da necessária e adequada custódia cautelar.

Resumo: O presente artigo fulcra seu objetivo na demonstração da nova formatação da prisão preventiva, aquilatada pela Lei n° 12.403/11, em especial no patamar de pena em abstrato e seus reflexos no concurso de crimes com punição em abstrato inferior à moldura legal, sem se dissociar do norte magnético da preservação dos direitos humanos.


I. Introdução

Como é cediço, a nova Lei de Prisões, após causar grande celeuma com sua entrada em vigor no mundo jurídico, trouxe algumas importantes inovações, tais como a necessidade de decisão fundamentada para manutenção da prisão em flagrante, o redimensionamento da fiança, o banco de dados de prisões e as medidas cautelares alternativas, mas, infelizmente, não enfrentou questões cruciais que se faziam imprescindíveis para a consolidação de um processo penal que se almeja justo e democrático, como, por exemplo, a duração da prisão preventiva e limitação/reorganização do infindável sistema recursal brasileiro.

Por certo, o cerne da hodierna Legislação Prisional já vinha sendo gestado há algum tempo, no Congresso Nacional, com o Anteprojeto de Código de Processo Penal, entretanto, optou o legislador pátrio pela antecipação parcial da parte cautelar, com a aprovação do Projeto de Lei n° 4.208/01, passando, data maxima venia, a equivocada impressão para a sociedade de que, com o imediato início de sua vigência, o endêmico problema da superlotação nas unidades prisionais estaria resolvido num passe de mágica.

Dentro deste espectro de turbulência jurídico-política, exsurge a necessidade do enfrentamento dos novos contornos da segregação cautelar no concurso de crimes, o qual não tem o propósito de firmar qualquer tipo de axioma, mas apenas de catalisar, humildemente, o qualificado embate intelectual, a fim de suavizar a delicada equação composta pelas matrizes da liberdade e do excepcional encarceramento cautelar.


II. Dos pressupostos e fundamentos para decretação da prisão preventiva

A segregação ad custodiam, decretada no curso da persecução penal, com finalidade estritamente cautelar de assegurar o resultado útil do processo, bem como seu normal desenvolvimento, é, a lume dos ensinamentos do DELMANTO, a mais violenta medida processual penal que pode ser imposta a uma pessoa sujeita à persecutio criminis.[1]

Neste contexto, as prisões cautelares, na esteira das lições do AURY, devem atender ao requisito do fumus comissi delicti, ou seja, a probabilidade da ocorrência de um delito, consubstanciada na prova da existência de um crime e nos indícios suficientes de autoria; bem como se fundamentar no periculum libertartis, qual seja o perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo (garantir a ordem pública, a ordem econômica, ou por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal).[2]

Em qualquer fase da investigação policial e durante a ação penal, decretará o juiz, atendendo a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou representação da autoridade policial, a prisão preventiva, ao passo que agirá de ofício, frise-se, por oportuno, apenas com a deflagração da ação penal, de modo a preservar a sistemática processual acusatória brasileira, nos termos do art. 311 do Código de Processo Penal.

Fica o magistrado, dessa forma, com sua imparcialidade intocada durante a fase investigatória, podendo, como gestor do iter processual, utilizar o instituto da prisão preventiva, convertendo a prisão em flagrante em prisão preventiva, decretá-la quando as outras medidas cautelares alternativas à prisão não forem suficientes para acautelar a jurisdição criminal ou em caso de descumprimento destas últimas, de maneira a pairar plenificado que se trata de uma medida excepcional.


III. Das hipóteses de cabimento da segregação cautelar

Fincadas tais premissas, não se deve olvidar que, se, antigamente, a prisão preventiva era permitida indistintamente nos crimes dolosos punidos com reclusão e, nos punidos com detenção, quando se apurava que o indiciado era vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade e ausência de elementos para esclarecimento; bem como no caso de condenação definitiva por outro crime doloso e na hipótese de preservação das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha, agora, harmonizando-se a sistemática processual penal, optou o legislador por repaginar o cabimento do encarceramento cautelar, restringindo o seu raio de alcance, in verbis:

“Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

IV - (revogado).

Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.”

Percebe-se, desse modo, que a novel opção legislativa, alinhada ao princípio da homogeneidade, trilhou seu caminho no sentido de somente admitir, como regra, a prisão preventiva em situações em que o acusado ao final do processo será apenado com pena privativa de liberdade, o que, provavelmente, ocorrerá nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos, evitando que o mesmo sofra, injustificavelmente, ao longo da marcha processual, medida mais gravosa do que sua punição final, sendo valiosa a advertência do RANGEL:

A homogeneidade da medida é exatamente a proporcionalidade que deve existir entre o que está sendo dado e o que será concedido. Exemplo: admite-se prisão preventiva em um crime de furto simples? A resposta é negativa. Tal crime, primeiro, permite a suspensão condicional do processo. Segundo, se houver condenação, não haverá pena privativa de liberdade face à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos. Nesse caso, não haveria homogeneidade entre a prisão preventiva a ser decretada e eventual condenação a ser proferida. O mal causado durante o curso do processo é bem maior do que aquele que, possivelmente, poderia ser infligido ao acusado quando do seu término. Entendemos, em uma visão sistemática do sistema penal como um todo, que, nos crimes de médio potencial ofensivo, ou seja, aqueles que admitem a suspensão condicional do processo (cf. art. 89 da Lei 9.099/95,) não mais se admite prisão cautelar.[3]

No mesmo sentido, vaticina SCHIETTI:

Daí porque o juiz, ao analisar pedido de prisão preventiva, ou mesmo se já preso o acusado, para manter a custódia de forma legítima, deverá avaliar, diante das circunstâncias concretas deduzidas na acusação e já acolhidas na instrução criminal, se a pena que resultará de eventual sentença condenatória justifica o encarceramento preventivo, porquanto é bem possível que a sanção criminal que se antevê aplicável ao caso concreto seja bem inferior ao máximo cominado em abstrato para o ilícito em apuração. Com efeito, aparenta-se irrazoável suprimir a liberdade de alguém a título de prisão cautela, se essa pessoa, ao cabo do processo, não será efetivamente encarcerada a título de prisão pena.[4]

Ademais, foi mantida a prisão para o reincidente em crime doloso e para o caso de preservação de medida protetiva em defesa da mulher, ampliando-a para a tutela do idoso, criança e adolescente e deficiente físico, limitando a duração da segregação utilitarista[5], qual seja a do investigado em situação de dúvida sobre a identidade civil ou de inexistência de elemento para esclarecimento, ao momento da realização da sua identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.


IV. Da quantidade de pena em sede de concurso de crimes para chancela da prisão provisória

Sem perder de vista as várias discussões doutrinárias sobre inúmeros aspectos da legislação em foco, é chegado o momento de enfrentar o âmago da presente missão, no intuito de estabelecer qual deve ser a postura adotada pelo operador do direito, quando ele estiver diante do cometimento de mais de um crime doloso, que, isoladamente, não atenda ao disposto no art. 313, inciso I, do Código de Processo Penal, mas que a soma das suas penas transpasse esse patamar.

A primeira possibilidade seria, ante a omissão legislativa, trazer o norte o quantitativo de 8 (oito) anos isoladamente, para cada crime, visto que a probabilidade de cominação final de pena privativa de liberdade em regime fechado, em tese, será este, na linha do disposto no art. 33, § 2°, a, do Código Penal, como versa CÂMARA:

Diante da insatisfatória regulação da questão é importante relembrar que o critério para imposição ou não de prisão preventiva deve manter estreito diálogo com a probabilidade de condenação do acusado à pena privativa de liberdade reclamando, ainda, que o regime de execução seja o fechado. Reafirme-se que o juiz somente poderá impor prisão preventiva ao investigado ou acusado quando houver probabilidade de que este será condenado a sanção privativa de liberdade e a cumprirá em regime fechado. Logo, a prisão preventiva somente terá lugar quando a pena projetada para o caso concreto ultrapassar (08) oito anos.[6]

A segunda possibilidade para solução da vexata quaestio seria a conjugação analógica do disposto no art. 119 do Código Penal com o art. 313, inciso I, do Código de Processo Penal, a fim de que cada crime atenda, isoladamente, ao marco legal, privilegiando uma interpretação que restrinja o cabimento da prisão preventiva, vez que a liberdade deve ser a regra e a prisão cautelar a exceção, como parte minoritária da doutrina fazia, antes da Lei n° 11.313/06, para privilegiar a aplicação dos institutos despenalizadores no caso de concurso de crimes de menor potencial ofensivo com outros fora do alcance da Lei dos Juizados Especiais.

Outro não era o entendimento do MOREIRA:

No caso de concurso de concurso material ou formal de crimes, ou em se tratando de crime continuado, entendemos que cada crime deve ser considerado isoladamente, aplicando-se, por analogia o art. 119 do Código Penal e a Súmula 497 do STF, posição que sofre restrição de boa parte da doutrina e da jurisprudência.[7]

A terceira possibilidade para resolver o citado impasse e sublinhe-se, por relevante, mais razoável, seria exigir que a soma das penas dos crimes na alça de mira da Justiça seja superior a 4 (quatro) anos, vez que, além de ser cabível, em tese, uma condenação final a pena privativa de liberdade em regime fechado, ex vi do estabelecido no art. 33 do Código Penal, o legislador, em momento algum, indicou que sua aferição deveria ser individual, não se perdendo de foco que idêntica postura já estava pacificada[8] nos casos de incidência dos benefícios das suspensão condicional do processo e fiança, quando em concurso de crimes, assim como no rito processual aplicado, observe-se:   

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CRIMINAL. RHC. ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES. APELAÇÃO EM LIBERDADE. RÉU PRESO DESDE FLAGRANTE E DURANTE TODA A INSTRUÇÃO DO PROCESSO. EFEITO DA CONDENAÇÃO. DECRETO FUNDAMENTADO. FIANÇA. ÓBICE DA SÚM. Nº 81/STJ. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CONCURSO DE CRIMES. SOMA DAS PENAS MÍNIMAS QUE ULTRAPASSAM O QUANTUM MÍNIMO EXIGIDO. RECURSO DESPROVIDO. Não se concede o direito ao apelo em liberdade a réu que permaneceu preso durante toda a instrução do processo, tendo sido motivada a necessidade da custódia processual, pois a sua manutenção na prisão constitui-se em um dos efeitos da respectiva condenação. Precedentes. Mesmo tendo sido revogada a prisão processual anterior, porque insuficientemente motivado o respectivo decreto, não há ilegalidade na posterior decisão monocrática que decreta novamente a custódia do réu, com base em fundamentação concreta e demonstrativa da necessidade da custódia processual. Não se concede fiança a condenado pela prática, em concurso material, de vários delitos, cuja soma das penas mínimas ultrapassa 02 anos de reclusão. Súm. nº 81/STJ. A suspensão condicional do processo prevista no art. 89 da lei nº 9.099/95 é inaplicável aos crimes cometidos em concurso material, formal, ou em continuidade, quando a soma das penas mínimas cominadas a cada crime, a consideração do aumento mínimo de 1/6, ou o cômputo da majorante do crime continuado, conforme o caso, ultrapassar o quantum de 01 ano. Precedentes. Recurso desprovido.[9]

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA (ART. 10 DA LEI 9.437/97) E DESOBEDIÊNCIA (ART. 330 DO CP). CONCURSO MATERIAL. SOMATÓRIO DAS PENAS EM ABSTRATO SUPERIOR A 2 (DOIS) ANOS. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA TRANSAÇÃO PENAL. DENÚNCIA OFERECIDA ANTES DA LEI 10.259/2001. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ORIGINÁRIO ATÉ MESMO PARA FINS DE RECURSO. ORDEM DENEGADA. 1. A Lei nº 10.259/2001, por seu art. 2º, parágrafo único, ampliou o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, elevando o teto da pena máxima abstratamente cominada ao delito para 2 (dois) anos, o que, segundo a jurisprudência pacífica desta Corte Superior de Justiça, justifica a aplicação do princípio da lex mittior, aplicando-se a lei penal mais benéfica aos crimes cometidos anteriormente à sua edição, mesmo que o processo se encontre em grau de recurso. Precedentes. 2. Ocorre que, no caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação de competência será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas ao delitos. Precedentes. 3. Dessa forma, sendo o total das penas, em abstrato, do caso vertente, superior a 2 (dois) anos, resta afastada, de plano, a competência dos Juizados Especiais, não fazendo jus o paciente ao benefício da transação penal. 4. Por outro lado, as ações ajuizadas até o advento da Lei 10.259/2001 devem permanecer sob a jurisdição dos juízos originários, inclusive no que tange aos recursos cabíveis, não obstante seja imperativa a observância dos benefícios instituídos, adequando-se o procedimento em curso aos preceitos da Lei 9.099/95. 5. Portanto, proposta e aceita pelo acusado a suspensão condicional do processo, com a devida homologação, não pode o impetrante, agora, alegar nulidade, por expressa proibição legal: "Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse" (CPP, art. 565). 6. Ordem denegada.[10]

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. IMPOSSIBILIDADE. JUIZADO ESPECIAL. COMPETÊNCIA. CONTINUIDADE DELITIVA. I - Carece totalmente de amparo jurídico, em nosso sistema processual penal, a denominada prescrição antecipada ou virtual da pena, que tem como referencial condenação hipotética (Precedentes). II - No caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal, será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos. Com efeito, se desse somatório resultar um apenamento superior a 02 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial (Precedentes). Agravo regimental desprovido.[11]

A doutrina majoritária, ao analisar a situação, assim vem se manifestando:

Outra problemática se dará em relação ao concurso de crimes (por exemplo, furto e formação de quadrilha). Pensamos que a jurisprudência se inclinará para uma solução similar àquela utilizada para definição da competência dos Juizados Especiais Criminais ou o cabimento da suspensão condicional do processo, ou seja: deve incidir o aumento de pena decorrente do concurso material, formal ou crime continuado.

[...]

Ainda que os limites de pena sejam completamente distintos, os tribunais superiores já definiram a lógica a ser utilizado em situações similares, ou seja, concurso formal ou crime continuado, incide a causa de aumento no máximo e a de diminuição, no mínimo. Em qualquer caso, se a pena máxima obtida for superior a 4 anos, está cumprido este requisito.[12]

Nos casos de concursos de crimes, deve ser levado em consideração o quantum resultante da somatória das penas nas hipóteses de concurso material (CP, art. 69) e de concurso formal impróprio (CP, art. 70, in fine), assim como a majoração resultante do concurso formal próprio (CP, art. 70, 1ª parte) e do crime continuado (CP, art. 71). Não se pode confundir a determinação do cabimento da prisão preventiva (CPP, art. 313, inc. I) com a contagem da prescrição, que incide sobre cada delito isoladamente, nos termos do art. 119 do Código Penal.[13]

Deixaram-se igualmente em aberto, e com as complicações naturalmente decorrentes dessa omissão, as hipóteses de concurso formal, material ou crime continuado quando se analisa que, pela somatória das penas em abstrato dos delitos imputados alcança-se piso superior ao dos quatro anos. Nestas hipóteses, cremos, tenderá a valer a mesma compreensão que tema análogo teve, a saber, a interpretação do art. 89 da Lei n. 9.099/1995 nessas situações, para concluir que, nas hipóteses de concurso formal, material e crime continuado as penas em abstrato devem ser somadas, superando eventualmente o máximo em abstrato de quatro anos e o respectivo impedimento para a decretação, de plano, da prisão preventiva.[14]

Houve lacuna legal também em relação ao cabimento da prisão preventiva  quando houver concurso de delitos. Assim, se houver concurso entre um delito doloso cuja pena máxima seja de um a três anos e outro (também doloso) cuja pena máxima seja de quatro anos, será possível a prisão preventiva? Por exemplo, o agente que oculta, no interior de sua residência, uma arma de fogo de uso permitido, sem autorização legal, sabendo tratar-se de produto de furto. Isoladamente, nenhum dos dois delitos permite a prisão preventiva, pois a receptação possui pena máxima de quatro anos (art. 180 do CP), enquanto o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido possui pena máxima de três anos (art. 12 da Lei 10.826/2003). Devem as penas ser consideradas isoladamente ou devemos aplicar as regras do concurso de crimes?

Embora haja lacuna, não temos dúvidas em asseverar que devem ser observadas as normas relativas ao concurso de crimes, seja somando-as (no concurso material) ou aplicando a majorante no máximo (no caso do crime continuado ou do concurso formal). Em outras palavras, se em razão da aplicação das regras do concurso de crimes resultar pena máxima superior a quatro anos, será plenamente cabível a decretação da prisão preventiva.[15]

Ao fim, é importante consignar que, optando-se pelo balizamento em 4 (quatro) anos do marco divisório para amparar o decreto prisional cautelar, no caso do cometimento de crimes dolosos em concurso, somado à necessidade e à adequação da medida, vedar-se-á à proibição da proteção deficiente ou proibição da infraproteção (Untermassverbot)[16], pela qual se compreende que, comprometendo-se o Estado a tutelar, pela via constitucional, bens e valores fundamentais (vida, liberdade, honra, etc.), deve fazê-lo obrigatoriamente na melhor medida do possível, reafirmando o compromisso ministerial de lutar por um processo penal efetivo.

Nesta direção, caminha FELDENS:

Nessa perspectiva, a interpretação dos princípios e garantias deve-se realizar na integralidade da relação jurídica envolvida pelo Direito Penal, abrangendo o plano processual. O direito à tutela judicial efetiva, por exemplo, pressupõe que a atividade jurisdicional inclua, em seu norte de atuação, o direito do titular do direito fundamental lesado de ver a causa penal julgada em tempo razoável e de que, na hipótese de decisão condenatória, seja a sanção efetivamente implementada.


V. Conclusões

Diante do exposto, com lastro nos fundamentos arremessados, conclui-se, numa interpretação sintonizada com o atual perfil constitucional do processo penal brasileiro, que:

1. A prisão preventiva deve ser concebida como medida de exceção;

2.  A segregação cautelar deve atender a moldura legal imposta pelos art. 311 usque 313 do Código de Processo Penal;

3. Na situação de cometimento de mais de um crime doloso, a soma de suas penas deve ser superior a 4 (quatro) anos para credenciamento da necessária e adequada custódia cautelar.


Notas

[1] DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 64-65.

[2] JÚNIOR LOPES, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 104-111.

[3] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 8. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 584.

[4] SCHIETTI, Rogerio Machado Cruz. Prisão Cautelar: Dramas, Princípios e Alternativas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 100.

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade: as reformas processuais penai introduzidas pela Lei 12.403, de maio de 2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 68.

[6] CÂMARA, Luiz Antônio. Medidas cautelares pessoais: Prisão e liberdade provisória. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 147.

[7] MOREIRA, Rômulo de Andrade Moreira. Curso Temático de Direito Processual Penal. 2. ed.Curitiba: Juruá, 2010, p. 583.

[8] Calha acentuar que se trata de entendimento sumulado pelos Tribunais Superiores, cristalizado nas Súmulas nº 723 do Supremo Tribunal Federal (Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano) e nas Súmulas 81 (Não se concede fiança quando, em concurso material, a soma das penas mínimas cominadas for superior a dois anos de reclusão) e 243 do Superior Tribunal de Justiça (O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso forma ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante ultrapassar o limite de um (01) ano).

[9] STJ, 5ª T., RHC n° 200001438743, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 23.04.01.

[10] STJ, 5ª T., HC n° 200500247464, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 22.08.05.

[11] STJ, 5ª T. AGA n° 200900783467, rel. Min. Felix Fischer, DJ, 29.03.10.

[12] LOPES JUNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas: Lei 12.403/2011.  2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 81-82.

[13] LIMA, Renato Brasileiro de. Doutrina, jurisprudência e prática. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

[14] CHOUKR, Fauzi Hassan. Medidas cautelares e prisão processual: Comentários à lei 12.403/2011. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 94-95.

[15] MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2011, p. 240.

[16] FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e Direito Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 53.

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Sobre o autor
João Paulo Santos Schoucair

Promotor de Justiça de Olindina/BA. Ex-Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais AGES. Pós-graduado em Ciências Criminais pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Membro do Grupo Nacional de Promotores de Justiça - GNPJ. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais –IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHOUCAIR, João Paulo Santos. A prisão preventiva e o balizamento em abstrato da pena à luz da Lei n° 12.403/11. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3296, 10 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22184. Acesso em: 2 nov. 2024.

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