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O meio ambiente de trabalho dentro do Poder Judiciário Brasileiro

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01/08/2012 às 15:58
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É preciso detectar os danos causados à saúde dos agentes públicos e políticos submetidos às metas de produtividade judicial estabelecidas pelo CNJ e aos critérios quantitativos de promoção por merecimento de juízes.

Resumo: Após descrever os motivos pelos quais a tutela jurisdicional brasileira está sendo entregue com prejuízo à saúde dos magistrados e servidores envolvidos, no texto se busca apontar uma saída racional e humanizada, elaborada mediante a ponderação dos diversos princípios constitucionais incidentes sobre a matéria. A conclusão obtida aponta para a necessidade de investigar e quantificar – inicialmente a partir de dados já existentes e de sua evolução ao longo do tempo – o limite de produção possível em um ambiente de trabalho equilibrado, devendo o excedente servir como parâmetro para a criação de novos órgãos judiciários.

Palavras-chave: saúde ocupacional, judiciário brasileiro, colisão de princípios, ponderação.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. CORTE EPISTEMOLÓGICO: a) Metas judiciais; b) Promoções por merecimento de juízes; c)  Servidores públicos lotados no Poder Judiário; d) O momento; e) Colisão de princípios e ponderação; 3. CONCLUSÃO; 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1. INTRODUÇÃO

Sem fugir da possibilidade de, ao final, propor alternativas, acrescentando variável à equação que rege a situação analisada, o escopo do presente artigo é, sinteticamente, desenvolver linhas de pensamento voltadas a alicerçar uma reflexão futura sobre os critérios adotados pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ ao estabelecer as metas de produtividade que devem ser cumpridas anualmente pelo Poder Judiciário nacional e a forma de avaliação para as promoções por merecimento de magistrados, de tal sorte que se possa estabelecer um diálogo a esse respeito envolvendo os atores sociais interessados, as diversas entidades representativas de juízes e servidores e os demais setores organizados da sociedade.

Trata-se de um olhar adotado a partir dos direitos fundamentais – consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil – à dignidade da pessoa humana e ao meio ambiente de trabalho equilibrado – e, em consequência, à vida, à integridade física e à saúde – assim entendidos aqueles inerentes a todos os que laboram no dia a dia da atividade jurisdicional.

Nessa quadra, conceitos originariamente alicerçados em relação aos trabalhadores com vínculo empregatícios, neste ensaio são aplicados tanto a agentes públicos quanto a agentes políticos, já que tal condição não lhes retira, por óbvio, a condição de humanos, muito menos ameniza eventuais efeitos oriundos do modo como sua prestação de serviços é executada.

Considerando também o direito fundamental dos jurisdicionados à tramitação processual célere - capaz de tornar efetiva a prestação jurisdicional entregue, transformando-a em verdadeira tutela jurisdicional –, bem como o amálgama formado pelos demais direitos fundamentais antes referidos, tratados todos como princípios, a hipótese conduz à investigação da existência de um conflito solucionável pela técnica da ponderação.

Sendo o aspecto merecedor de um outro ensaio, apenas se registra que, acrescentando-se igualmente regras éticas e do ordenamento jurídico internacional – self-executing e non self-executing – é possível extrair (CANOTILHO[1] e ROXO[2]) um standard de realização de direitos fundamentais que – abrangendo, por exemplo, o princípio da proteção[3], o desenvolvimento sustentavel[4], os Objetivos do Milênio traçados pela Organização das Nações Unidas em 2000 e a norma internacional ISO 26000 – resulte em conclusões ou ações que possam ser utilizadas, ao menos como parâmetros, em outras áreas do serviço público ou privado, mormente àquelas categorias – como médicos, professores, entre outros – em que a pressão por produtividade se desenvolve em ambiente carecedor ou deficiente de meios materiais e/ou humanos.

Retomando o objetivo traçado para o presente estudo, como a metodologia constitucional da ponderação - utilizada na busca de solução para colisão entre princípios - exige (ALEXY[5], CANOTILHO[6] e NOVAIS[7]) uma valoração das “circunstâncias particulares do caso concreto”, iniciemos por descrevê-las, deixando a respectiva aquilatação para o momento subsequente.


2. CORTE EPISTEMOLÓGICO

A. METAS JUDICIAIS

Como resposta à demanda social gerada pela constatação de um enorme saldo de processos sem julgamento e à demora na entrega da prestação jurisdicional correspondente, as três primeiras metas a serem cumpridas pelo Poder Judiciário Brasileiro foram estabelecidas em 2008 pelo CNJ, para serem implementadas no ano seguinte: a primeira era voltada à adoção de planejamento estratégico e uso de ferramentas eletrônicas e as duas outras dirigidas à entrega da prestação jurisdicional, estabelecendo o dia 31 de dezembro de 2009 como prazo para julgamento das ações distribuídas até 31-12-05 e a redução de 20% nas 25 milhões das execuções fiscais ajuizadas.

Tratava-se de uma iniciativa voltada, também, a assegurar efetividade ao disposto no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República[8], norma que estabelece o direito à “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

A partir de então, o CNJ coordena a realização dos Encontros Nacionais do Poder Judiciário, reunindo todos os presidentes e corregedores de tribunais brasileiros, tendo em mira avaliar a estratégia nacional, obter indicadores de resultados, metas, projetos e ações que possam ser compartilhados e implementados no País e definir ações para o período subsequente.

Recentemente, o CNJ conferiu publicidade ao relatório que contém o balanço das metas 2011[9],  tendo a Justiça do Trabalho cumprido 98,94% da meta 3, que estabelecia o objetivo de ser julgada quantidade igual a de processos de conhecimento distribuídos em 2011 e parcela do estoque, com acompanhamento mensal, sendo que, no último percentual, o TRT da 1ª Região obteve o índice respectivo de 110,38%, o TRT da 9ª Região 106,69% e TRT da 3ª Região 104,02%.

Para o ano de 2012, dentre as metas gerais nacionais, a meta 1 estabelece o imperativo de serem julgados mais processos de conhecimento do que os distribuídos no mesmo lapso e a meta 2 julgar, até 31-12-12, 80% dos processos distribuídos em 2008 pela Justiça do Trabalho, ao passo que, como meta específica da Justiça do Trabalho, encontra-se a meta 17, que indica aumentar em 10% o quantitativo de execuções em relação ao ano anterior, tudo sem que um idêntico aumento quantitativo de meios materiais e de servidores seja demonstrado como previamente implementado.

O que chama à atenção, ao longo dos anos abrangidos pelas referidas metas, são as medidas estabelecidas, pelos Tribunais, em relação à saúde dos envolvidos na entrega da tutela jurisprudencial, juízes e servidores, todas sempre remetendo a uma ação de identificação futura de danos e riscos ou estabelecendo objetivos que, a par de completamente desvinculados das metas de produtividade, não são acompanhados de nenhuma indicação metodológica para serem atingidos, o que as tem tornado, no tempo presente, meras declarações de vontade.

Disso resulta que,  na forma vigente, as metas de produtividade são para “ontem” e as que, objetivamente, visam resguardar a saúde dos envolvidos, são para um futuro que não se sabe quando virá por completo.

Nesse sentido, a Presidência do CNJ, por intermédio da Portaria nº 124/11, estatuiu um grupo de trabalho nacional, formado por juízes e desembargadores, voltado a apresentar  propostas para a promoção da saúde entre magistrados e servidores do judiciário, que anunciou, após reunião levada a efeito no dia 16-4-12[10], a preparação de um protocolo para subsidiar os tribunais na visualização dos principais problemas e soluções locais, abordando doenças físicas e psíquicas como depressão, estresse, hipertensão, dores crônicas e osteomusculares. 

No âmbito da Justiça do Trabalho, a  Resolução nº 84/11, aprovada pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho - CSJT, determina a implantação de Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO[11] e de Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA[12] no âmbito dos Tribunais Regionais sob sua égide, e a meta 14, dirigida também ao referido ramo especializado do Poder Judiciário Federal, estabelece o objetivo de serem eles implementados, durante o ano de 2012, em, pelo menos, 60% das unidades judiciárias e administrativas trabalhistas.

Recentemente,  o  CNJ estatuiu, por intermédio da Portaria nº 69, de 22-5-12,  por ele editada, o “Comitê Organizador do Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde”, ao passo que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho realizou, nos dias 29 e 30 de maio de 2012, um “Seminário sobre Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças Ocupacionais”, todavia, nos estritos limites de identificar realidades regionais e buscar auxiliar os Tribunais Regionais do Trabalho na implementação da Meta 14 antes referida[13].

Assim, passados três anos do início da implementação da política de metas, pelo menos uma conclusão possível já começa a ser delineada: sendo (VELLOSO[14]), em relação ao tema, “a metodologia administrativa em voga nos Tribunais” caracterizada “pela possibilidade de visualizar as deficiências e alterá-las a tempo” nas reuniões períodicas de a avaliação, é necessário agora “dirigir a prioridade para as necessidades de condições de trabalho dos juízes e servidores”, o que não se confunde - embora louvável a intenção de estabelecer, a partir daí, um diálogo com a sociedade - com iniciativas do CNJ[15] voltadas a assegurar reconhecimento social pelo esforço dos magistrados, ou valorização de sua carreira, seja porquanto assim não abrangidos os servidores que lhes assessoram, seja em razão de não atingir o aspecto objetivo causador/agravador de adoecimentos, que adiante se demonstrará ser o trabalho prestado sob pressão e sem todos os meios materiais necessários.

B. PROMOÇÃO POR MERECIMENTO DE JUÍZES

Regida atualmente pela Resolução nº 106 do CNJ – com a possibilidade de ser complementada por regras regionais –, a promoção por merecimento de magistrados em 1º grau de jurisdição e o acesso às vagas abertas no 2º grau de jurisdição é marcada por critérios objetivos voltados exclusivamente à produtividade, examinada apenas por critério quantitativo,  comparando-se[16] o número de sentenças e audiências realizadas pelos juízes concorrentes com a média de produção de magistrados que atuam em unidades similares.

E isso tem sido questionado, como se pode observar nas teses aprovadas no XVI Conselho Nacional de Magistrados de Trabalho – CONAMAT[17], dentre as quais se destacam as defendidas pelos Juízes José Carlos Kulzer[18] e Leonardo Vieira Wandelli[19],  que evidenciam a preocupação com a qualidade das decisões nesses moldes produzidas e os possíveis malefícios causados às condições de saúde dos envolvidos em sua produção.

De outro modo, sendo essa a fórmula, o incremento quantitativo oriundo das metas estabelecidas pelo CNJ potencializa, em igual ou superior medida, o desempenho exigido para as promoções em foco,  pois, se “competitividade em produção” existia sem as citadas metas, com a sua existência, ela é elevada pela maior quantidade de “água despejada no monjolo deste moinho”.

E, no mesmo raciocínio, tudo o que é aplicado à forma como tais metas são fixadas, repercute na produção avaliada para estabelecer quem será o juiz promovido, razão pela qual a solução proposta ao cabo deste texto gera idêntico efeito.

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C. SERVIDORES PÚBLICOS LOTADOS NO PODER JUDICIÁRIO

Mola propulsora da prestação jurisdicional, os servidores públicos lotados no Poder Judiciário - notadamente aqueles que laboram na atividade-fim, em contato direto com os Juízes, Desembargadores e Ministros, confeccionando minutas de sentenças, despachos, liminares e acórdãos, ou nas Secretarias Judiciárias, impulsionando a tramitação processual -, veem-se premidos pelo enorme implemento de carga de trabalho adicional oriunda do cumprimento das metas antes referidas e pelo trabalho destinado à promoção de juízes.

E, no epicentro dessa pressão, encontram-se aqueles que ocupam funções comissionadas – FCs – ou cargos em comissão – CJs –, no mais das vezes localizados na difícil posição de “ficar entre a cruz e a espada”, ou seja, responsáveis por fiscalizar o cumprimento dos objetivos traçados e, eles próprios, sendo submetidos a uma carga de trabalho superior, não podendo, sob pena de perderem a vantagem financeira inerente ao posto que ocupam, se ausentar em razão de licenças periódicas ou prolongadas para tratamento de saúde, razão pela qual o uso de tratamentos paliativos, que atacam apenas os sintomas psicossomáticos produzidos, tornam-se cada vez mais frequentes, retardando a eclosão do quadro clínico assim gerado.

Somem-se a isso a questão de gênero, pois há atividades domésticas suplementares que ainda são, preponderantemente, praticadas pelas mulheres, o que torna, ainda mais, exaustiva a jornada por elas praticada.  

Os efeitos que derivam de todo esse quadro será retratado, a partir de dados concretos, por amostragem, no tópico seguinte.

D. O MOMENTO

Perpassa o Tribunal Superior do Trabalho um momento rico de inserção em campanhas voltadas à prevenção de acidentes e doenças laborais, nas quais se destaca como um importante agente catalizador, o que é digno de registro e aplauso.

Também na jurisprudência da citada Corte, a natureza de ordem pública que permeia a proteção à saúde dos prestadores de serviços jurisdicionados é reconhecida, por exemplo, no inciso I da Orientação Jurisprudencial nº 342 da SBDI-I[20], a par da celeuma originada pelo advento da flexibilização que lhe é subsequente.

E a força normativa de normas internacionais - particularmente, de convenções da Organização Internacional do Trabalho - e da Constituição da República começam a permear a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, o que representa um enorme ganho sob o ponto de vista quantitativo e qualitativo do ordenamento aplicável aos conflitos que lhe são submetidos a julgamento.  

Portanto, esse é, talvez, o momento certo para que, a partir da Justiça do Trabalho, sejam alinhavados diálogos com a sociedade e lançados questionamentos e propostas transformadoras a respeito das metas judiciais e das promoções por merecimento de juízes, de tal sorte que o conceito de “emprego verde” a que alude a Organização Internacional do Trabalho – OIT[21] - dotados de integral proteção ambiental - atinja também, plenamente, aqueles que prestam serviços no Poder Judiciário Brasileiro.

Afinal, a par da celeuma, inteiramente válida, a respeito do conteúdo das decisões judiciais prolatadas em ambiente de pressão quantitativa, o número de licenças para tratamento de saúde – notadamente doenças cardiológicas, psicossomáticas e psicológicas – assim como de servidores que laboram medicados, deverão se tornar públicos a partir da regulamentação da Lei nº 12.527/11, que regula o acesso a informações no âmbito da administração pública direta e indireta da União, Estados e Municípios.

Isso  permitirá estabelecer um cruzamento de dados, ao longo do tempo, entre as estatísticas de implementação das metas, o quadro clínico dos operadores jurídicos envolvidos e os custos econômicos que derivam desta situação, oriundos das licenças para tratamento de saúde e aposentadorias por invalidez.

Elementos a esse respeito já começam a surgir a revelia de iniciativas estatais, como se pode citar, por amostragem, os obtidos pelo projeto[22] “Como Vai Você? Análise das condições de trabalho e saúde dos servidores do Poder Judiciário Federal em Santa Catarina”[23], trabalho efetuado por pesquisadores das Universidades Federais de Santa Catarina e Rio de Janeiro e Universidade Autônoma de Barcelona, durante o ano de 2011, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário Federal existentes no território catarinense.

Na citada pesquisa, aplicados os questionários científicos específicos, foram detectados riscos psicossociais oriundos da sobrecarga ou sobredemanda de trabalho prestado, sob pressão, pelos servidores respectivos, sem que recursos – materiais e humanos – suficientes para fazer frente a elas sejam disponibilizados – altas demandas e baixos recursos –, estando a maioria dos integrantes consultados em uma zona crítica de Burnout moderado, com uma percentagem considerável de pessoas na zona de Burnout  médio-alto, quadro reputado como tendente a se agravar  a curto ou médio prazo em razão da perda de capacidade laboral de pessoas em processo de adoecimento, que tendem a se afastar do trabalho e, assim, sobrecarregar os servidores que permanecem em atividade.

A fim de esclarecer o termo antes utilizado, cita-se excerto do artigo publicado[24] por Ana Maria T. Benevides-Pereira[25], transcrito abaixo:

O termo burn out ou burnout, “queimar até a exaustão”, vem do inglês e indica o colapso que sobrevêm após a utilização de toda a energia disponível (…).

No contexto da psicologia, a definição mais utilizada tem sido a de Maslach & Jackson (1986) em que o burnout é referido como uma síndrome multidimensional constituída por exaustão emocional, desumanização e reduzida realização pessoal no trabalho. O burnout é a maneira encontrada de enfrentar, mesmo que de forma inadequada, a cronificação do estresse ocupacional. Sobrevêm quando falham outras estratégias para lidar com o estresse.

A exaustão emocional caracteriza-se pela sensação de esgotamento emocional e físico. Trata-se da constatação de que não se dispõe mais de nenhum resquício de energia para levar adiante as atividades laborais. O cotidiano no trabalho passa a ser penoso, doloroso.

Aliás, nada disso é novidade, pois a relação de causa e efeito interligando o trabalho aos adoecimentos cardíacos, respiratórios, de digestão, endócrinos, metabólicos, nervosos, mentais e de locomoção já consta (RIBEIRO[26]), desde 2005, de uma longa relação publicada pelo Ministério da Saúde Brasileiro[27], sendo reconhecido (ROXO[28]) que desde muito o acentuamento “da carga mental e da intensificação do trabalho” fez “emergir novos riscos” laborais.

Como resultado,  já se faz sentir o surgimento de uma categoria dentro da categoria dos servidores do Poder Judiciário Federal: a de uma sucata de luxo, representada por pessoas razoavelmente remuneradas que, ou estão afastadas/se afastam do trabalho ou, trabalhando, ou não, sob o efeito de medicamentos, não conseguem mais atingir a produtividade que lhes era possível e está sendo progressivamente exigida daqueles que ocupam seus antigos postos, de tudo resultando um enorme prejuízo financeiro e social para a Nação.

 À guisa de conclusão, neste tópico, tem-se que um quadro grave já se desenha e pode emergir em um futuro muito próximo, dele resultando considerável prejuízo funcional, social e econômico, tudo podendo ser melhor apurado e quantificado pelo cruzamento de dados antes referido, prática que pode e deve ser melhorada na medida em que a inciativa for sendo implementada.

E. COLISÃO DE PRINCÍPIOS E PONDERAÇÃO

Vejamos quais normas constitucionais incidem sobre a forma como a tutela jurisdicional vem sendo, em tal situação, entregue para os jurisdicionados, partindo, após, para uma análise topográfica (CANOTILHO[29]) do quadro obtido visando situar, no caso concreto, “em que medida a aréa ou esfera de um direito (ambito normativo) se sobrepõe a esfera de um outro direito também normativamente protegido” e “qual o espaço que ´resta´ aos dois bens bens conflitantes para além da área de sobreposição”.

O § 1º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (SARLET[30]) encerra o “postulado da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais”, o qual imprime aos poderes públicos um “mandado de otimização de sua eficácia”, a fim de que lhes seja conferida “a maior eficácia possível” e (Canotilho[31]) uma “conformidade substancial”  que não podem ser ignoradas ou relativizadas em nenhum  dos atos emanados do Estado, sendo  (Delgado[32]) o homem “o centro convergente de direitos”, com os seus direitos fundamentais orientando-se “pelo valor-fonte da dignidade”.

No que se refere ao meio ambiente, o disposto no artigo 225[33] da Constituição Federal impõe aos entes públicos “o dever” de remover ameaças nele existentes como forma de tutelar - garantindo e protegendo - outros direitos fundamentais - como à vida, à saúde e à segurança –, ao passo que no inciso VIII do artigo 200 do referido Diploma[34] o meio ambiente do trabalho é reconhecido como uma dimensão sua, sendo, dessarte, ambos merecedores de idêntica proteção.

Fossem apenas esses os dispositivos constitucionais dirigidos ao meio ambiente, ter-se-ia uma hipótese sobre a qual a doutrina (CANOTILHO[35]) questiona se estariam assegurados apenas direitos procedimentais ambientais – de informação, de participação e de ação judicial[36] - e em qual medida o dever do Estado de assegurar proteção aos direitos fundamentais corresponde, em relação à matéria, a um direito radicalmente subjetivo - no sentido (CANOTILHO[37]) de poder ser exigido, aqui também, individualmente -, visto que, se as prestações ambientais que têm origem do texto constitucional se dirigem somente à proteção de “interesses supraindividuais”, não se coadunariam “com a subjetividade individual do direito a prestações ambientais”.

Todavia, consta do inciso XXII do artigo 7° da Constituição Cidadã[38] o direito dos trabalhadores “à redução dos riscos laborais”, proteção (FREITAS[39]) que integra o patrimônio jurídico dos servidores públicos civis da União por força do contido no § 3º do artigo 39 da mesma Carta[40].

Tais normas, que integram (MELO[41]) o contrato individual de emprego – em razão do disposto no artigo 444 da CLT[42] - e os vínculos de natureza administrativa – por força da literalidade da última norma constitucional citada –, garantem aos trabalhadores empregados e aos servidores públicos civis o direito subjetivo de, individualmente, demandarem em juízo buscando a um ambiente de trabalho saudável. E (FREITAS[43]) como – de forma indistinta – “a tutela de um ambiente de trabalho equilibrado para o exercício de atividades profissionais objetiva, a um só tempo, preservar a vida e garantir a saúde e a segurança” daqueles que nele prestam serviços, e os magistrados – agentes políticos – são titulares destes direitos fundamentais, possuem eles direitos subjetivos idênticos.

Visto sob esse prisma, é inquestionável a existência, no âmbito constitucional, de um “direito fundamental e universal ao trabalho digno” (Brito Filho[44]), assim entendido aquele em que “um de seus aspectos principais” é a prestação em “condições que preservem a saúde” de todos os profissionais envolvidos, conforme se pode depreender também de conceito nesses termos lançado na página eletrônica mantida pelo escritório de Lisboa da Organização Internacional do Trabalho –OIT[45], que a ele agrega, como elemento constitutivo, a segurança no local de trabalho.

Por outro lado, o direito à duração razoável do processo e aos meios que assegurem sua tramitação célere – expressamente previsto, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal[46] - ou tempestiva (MARINONI[47]), deriva (CANOTILHO[48]) do direito de acesso à Justiça, este previsto no inciso XXXV do mesmo normativo[49].

Afinal, “a proteção jurídica através dos tribunais implica a garantia de uma proteção jurídica eficaz e temporalmente adequada”, “em tempo útil”, e possui natureza jurídica de “direito fundamental”, com dimensões de “direito de defesa do particular perante os poderes públicos”, “direito de proteção do particular (...) perante a violação dos seus direitos por terceiros (dever de proteção do Estado e direito do particular de exigir essa proteção” e “dimensões de natureza prestacional, na medida em que o Estado deve criar” os “órgãos judiciários” necessários, de tal sorte (RIBEIRO[50]) que a prestação jurisdicional seja qualificada, se tornando uma efetiva tutela jurisdicial.

Vale ressaltar, todas as normas abordadas, quando observadas sob o viés do direito constitucional contemporâneo, deitam raízes, concretizam (SARLET[51]), um núcleo axiológico comum, a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República[52] cujos efeitos, quanto ao particular, são lançados (CAMBI[53]) sobre toda a tutela jurídica, “não se restringindo ao vínculo entre governantes e governados, mas se estendendo para toda e qualquer relação” que envolva violação ou ameaça de lesão a direito, locução que contempla, por óbvio, aqueles postos sobre a mesa.

Fixadas essas considerações, como se pode perceber, sobre a forma como a tutela jurisdicional vem sendo entregue no Brasil - considerando-se as metas judiciais estabelecidas pelo CNJ e o incremento  que provocam no quantitativo utilizado como critério objetivo de promoção por merecimento de magistrados -, incidem, de um lado, o direito fundamental ao meio ambiente de trabalho saudável, que respeite a integridade física e mental de juízes e servidores e, de outro, o direito fundamental à duração razoável do processo e aos meios que assegurem a sua tramitação célere.

Portanto, traduzindo para o caso concreto a topografia do conflito em exame temos:

FORMA COMO A TUTELA JURISDICIONAL VEM SENDO

ENTREGUE NO BRASIL - DIREITOS EM CONFLITO

Direito ao meio ambiente de trabalho

equilibrado,  preservando a saúde de juízes e servidores, no interior do Poder Judiciário

Direito à duração razoável do

 processo e aos meios  que

assegurem sua tramitação célere

Há sobreposição dos direitos acima descritos na medida em que o principal meio empregado para minimizar a demora na entrega da prestação jurisdicional, a fixação de metas judiciais pelo CNJ, tem implicado acréscimo na produção judiciária considerada como critério para a promoção de magistrados e ambos têm resultado, a um só tempo, na prestação de serviços em condições - sob pressão e sem meios suficientes – antagônicas à existência de um ambiente de trabalho equilibrado no interior do Poder Judiciário brasileiro e na eclosão de um quadro de adoecimento dos agentes públicos e políticos envolvidos.  

Para solucionar o citado conflito é necessário recorrer à Teoria dos Direitos Fundamentais (ALEXY[54]), edifício que tem como uma de suas “colunas-mestras” a diferenciação entre regras e princípios, ambas espécies do gênero norma, sendo as primeiras (CANOTILHO[55]) “normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proibem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer execução (direito definitivo)” e os últimos “normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas”.

Portanto,  analisando os direitos fundamentais descritos no quadro sinótico anterior, constata-se, à luz da aludida classificação, que são todos eles princípios, que colidem quando se trata de conferir, na forma como vem ocorrendo, celeridade à tutela jurisdicional brasileira. 

A metodologia empregada (DELGADO[56]) para solucionar conflitos de princípios é diferente da utilizada diante de regras conflitantes. Se nesta hipótese o conflito é solucionado - em termos de “tudo ou nada” (DWORKIN[57]), ou seja, “dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão” -, ou pela existência de uma cláusula de exceção em uma delas - “em virtude de um princípio” (ALEXY[58]), ocasionando uma “redução teleológica” - ou por uma declaração de invalidade, esta adotada utilizando-se critérios clássicos de comparação entre os dispositivos em antinomia, como o cronológico, o hierárquico ou o especial, naquela (DELGADO) “quando dois princípios entram em colisão, em uma zona conflitante de determinado caso concreto, um deverá ceder diante do outro, prevalecendo aquele de maior peso”, mantendo, todavia, ambos sua validade.

A respeito do tema, leciona o Professor Doutor J.J. Gomes Canotilho[59]:

A agitação metódica e teórica em torno do método de balanceamento ou ponderação no direito constitucional não é uma “moda” ou um capricho dos cultores de direito constitucional. Várias razões existem para essa viragem metodológica: (1) inexistência de uma ordenação abstracta de bens constitucionais o que tornaria indispensável uma operação de balanceamento desses bens de modo a obter uma norma de decisão situativa, isto é, uma norma de decisão adaptada às circunstâncias do caso; (2) formatação principal de muitas das normas do direito constitucional (sobretudo das normas consagradoras de direitos fundamentais) o que implica, em caso de colisão, tarefas de “concordância”, “balanceamento”, “pesagem”, “ponderação” típicas dos modos de solução de conflitos entre princípios (que não se reconduzem, como já se frisou, a alternativas radicais de “tudo ou nada”); (3) fractura da unidade de valores de uma comunidade que obriga a leituras várias dos confitos de bens, impondo uma cuidadosa análise dos bens em presença e uma fundamentação rigorosa do balanceamento efectuado para a solução dos conflitos. 

Aplicando ao caso concreto uma harmonização de princípios (CANOTILHO[60]) – “de forma a assegurar, nesse caso concreto, a aplicação coexistente dos princípios em conflito” – e a denominada Lei da Ponderação – “de acordo com a qual (NOVAIS[61]), basicamente, quanto maior for o grau de não realização de um princípio por força da existência de um princípio oposto, maior terá de ser a importância deste último” – obtem-se que à exigência quantitativa de tutela jurisdicional em foco devem ser acoplados cuidados com a saúde de juízes e servidores, na exata medida de que a primeira só pode ser implementada enquanto não comprometer o segundo aspecto ventilado.

E desta conclusão resulta ser imprescindível a introdução, tanto nas metas judiciárias estabelecidas pelo CNJ quanto nos critérios de promoção por merecimento de juízes, de ao menos uma variável que considere esse aspecto, de tal sorte que se encontre um “ponto de equilíbrio” com as características aludidas, valor que pode ser obtido, em moldes estatísticos, a partir do cruzamento de dados referidos alhures, prática que deve e pode ser melhorada, acrescendo ou substituindo o método empregado, repisa-se, a partir da análise do quadro assim obtido.

Essa é a forma de não tornar a medida um fim em si, mas de aproveitá-la (PRADO JR[62]) em um processo dialético de formação do conhecimento, enquanto algo que deve ser entendido como ponto de partida para, diante de um objetivo concreto – redução de danos causados à saúde de magistrados e servidores – e da assimilação de resultados, merecer aperfeiçoamento constante ou mesmo, se for o caso, substituição.

Em defesa da solução encontrada, na linguagem utilizada pelo Supremo Tribunal Federal em seus julgados, ela satisfaz o princípio da proporcionalidade em sentido lato, constituído pelos sub-princípios, máximas ou elementos, da proporcionalidade em sentido restrito, idoneidade ou adequação e necessidade, definidos[63] pelo Professor Doutor Jorge Reis Novais[64] como:

Na sua utilização mais comum, ao princípio da idoneidade é atribuído o sentido de exigir que as medidas restritivas em causa sejam aptas a realizar o fim visado com a restrição ou contribuam para o alcançar; ao princípio da indispensabilidade ou da necessidade, o sentido de que, de todos os meios idôneos disponíveis e igualmente aptos a prosseguir o fim visado com a restrição, se deve escolher o meio que produza efeitos menos restritivos; por sua vez, a proporcionalidade em sentido restrito respeitaria à justa medida ou relação de adequação entre os bens e interesses em colisão e o benefício por ela prosseguido.

Nesse sentido, não há dúvida que a medida restritiva proposta é “apta a realizar o fim visado” – a proteção à saúde assaz referida –, além de permitir o acréscimo de resolução de conflitos até o limite a partir do qual a ofensa à dignidade da pessoa humana de juízes e servidores se materialize.

Vale ressaltar, ainda, que: a) o “alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais” (NOVAIS[65]) abordados é preservado, pois salva “um sentido útil” para todos eles; b) os quantitativos de gastos econômicos, advindos de licenças para afastamentos do trabalho e aposentadorias por invalidez, advindas do adoecimento por conta de trabalho sob pressão ou agravamento de doenças laborais pré-existentes pode servir como fundamento para a alteração proposta e argumento para o diálogo social proposto, já que o dano social reflexo, ocasionado nas famílias e nos grupos sociais respectivos, embora não muito importante, exigiria uma avaliação por certo mais complexa; c) o cruzamento de dados aventado municiaria, ainda, a implementação do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA na Justiça do Trabalho, pois ajuda noreconhecimento, avaliação e consequente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de trabalho”, objetivo traçado, no item 9.1.1[66] da NR nº 9 do Ministério do Trabalho e Emprego, para o citado programa; e d) de tudo resultaria (ALEXY[67]) uma “norma de direito fundamental atribuída, que tem estrutura de regras e à qual o caso pode ser subsumido”.

 Além disso, conferindo concretude à dimensões de natureza prestacional imanente do direito de acesso à Justiça, o “ponto de equilíbrio” encontrado, assim como o excedente de processos que deveriam ser solucionados por força das metas estabelecidas pelo CNJ, pode e deve gerar: a) modificações na Resolução nº 63, com a redação que lhe conferiu a Resolução nº 93, ambas da lavra do  CSJT[68], que “institui a padronização da estrutura organizacional e de pessoal dos órgãos da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus” considerando exclusivamente processos por eles recebidos em 1 ano, veda a utilização de projeções de dados em tal cálculo e só permite, ordinariamente, reavaliações que considere alterações na movimentação processual detectadas com base em médias apuradas nos três anos que lhe sejam anteriores; b) informação a ser aproveitada pelo comitê permanente instituído pela Portaria nº 42 do CNJ[69] visando “elaborar estudos e propor critérios objetivos para a criação de varas e cargos no âmbito do Poder Judiciário da União”; e c)  critério a ser considerado, pelo grupo de trabalho formado, em razão da Portaria nº 74 do CNJ[70] “para estudar e analisar os procedimentos em trâmite perante este Conselho Nacional de Justiça que versam acerca da criação de Varas e de cargos de juízes e servidores no âmbito da Justiça do Trabalho”.

Por fim, dentre outras medidas complementares à solução proposta – portanto, que não a substituem –, pode-se apontar: a) a introdução de pausas obrigatórias, a cada X minutos de trabalho – lapso a ser fixado conforme orientação técnica especializada -, nos softwares utilizados para redação de texto ou acompanhamento e impulso na tramitação processual, já que, na ampla maioria dos casos, funcionam eles a partir da introdução da senha do juiz ou servidor respectivo; b) limitação – com controle por intermédio das aludidas senhas –,  do tempo total de trabalho diário; e c) limitação do número de toques por juiz ou servidor x jornada.

Quanto às últimas sugestões, salienta-se que o controle estabelecido diretamente nos softwares não prescinde de uma fiscalização hierárquica e nem do fomento de uma “cultura” voltada para a saúde dos envolvidos, por intermédio da instituição de concursos voltados a premiar projetos ou iniciativas que se destaquem nesse sentido, formação de um banco de idéias, prospecção de iniciativas congêneres adotadas internacionalmente, etc...

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Sobre o autor
Cláudio Luiz Sales Pache

Bacharel em Direito, Analista Judiciário lotado no Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PACHE, Cláudio Luiz Sales. O meio ambiente de trabalho dentro do Poder Judiciário Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3318, 1 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22341. Acesso em: 23 abr. 2024.

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