6 – ORÇAMENTO ESTIMADO COMO CRITÉRIO DE ACEITABILIDADE
Existe um entendimento maciço na doutrina que critérios de aceitabilidade das propostas do certame não podem ser sigilosos, por força do §1º do art. 44 da Lei nº. 8.666, de 1993:
“§1º É vedada a utilização de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa, ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes.” Grifo nosso.
Além disso, o orçamento estimado frequentemente é eleito como critério de aceitabilidade, conforme autoriza o inciso X do art. 40 da Lei nº. 8.666, de 1993, já que o edital deve indicar “o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos”. Ou seja, a previsão de critério de aceitabilidade dos preços, global e unitário, é obrigatória, mas é facultada a fixação de preços máximos como critério de aceitabilidade.
Acrescente-se que a Súmula nº. 259/2010 do Tribunal de Contas da União foi mais incisiva, já que impõe também a fixação de preços máximos como critério de aceitabilidade nas licitações que tem por objeto obras e serviços de engenharia: “Nas contratações de obras e serviços de engenharia, a definição do critério de aceitabilidade dos preços unitários e global, com fixação de preços máximos para ambos, é obrigação e não faculdade do gestor.” E, como já ressaltado em tópico acima, os preços máximos geralmente são aqueles indicados no orçamento estimado, embora não necessariamente o sejam.
Com efeito, sendo os preços máximos, unitário e global, eleitos como critério de aceitabilidade das propostas, os mesmos devem está contidos no edital do certame, logo, devem ser divulgados nos mesmos termos que a lei exige para o edital.
O entendimento acima aparentemente repercute nas licitações na modalidade pregão (Lei nº. 10.520, de 2002) e na modalidade prevista no regime diferenciado de contratação (Lei nº. 12.462, de 2011), uma vez que nos certames regidos pela Lei nº. 8.666/93, a obrigatoriedade de divulgação do orçamento estimado no edital já decorre do próprio texto do seu art. 40, §2º, II.
No que diz respeito ao pregão, verificamos que a divulgação do orçamento estimado apenas se dá nos autos do processo licitatório, e não no corpo do edital, segundo o inciso III do art. 3º da Lei nº. 10.520, de 2002. Por isso, há entendimento consolidado no Tribunal de Contas da União dispensado a presença do orçamento estimado como anexo (parte integrante) do edital, conforme já exposto acima.
Por outro turno, o posicionamento acima apenas analisa, em tese, a necessidade da divulgação do orçamento estimado, sem levar em conta que o orçamento estimado pode ser, também, eleito como critério de aceitabilidade das propostas. E, neste caso, há obrigatoriedade de divulgação do orçamento no pregão?
Entendemos que sim, em face do disposto no art. 3º, inciso I, combinado com o art. 4º, inciso III ambos da Lei nº. 10.520/2002:
“Art. 3º A fase preparatória do pregão observará o seguinte:
I – a autoridade competente justificará a necessidade de contratação e definirá objeto do certame, as exigências de habilitação, os critérios de aceitação das propostas, as sanções por inadimplemento e as cláusulas do contrato, inclusive com fixação dos prazos para fornecimento;
(...)
Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:
(...)
III – do edital constarão todos os elementos definidos na forma do inciso I do art. 3º, as normas que disciplinarem o procedimento e a minuta do contrato, quando for o caso;” Grifo nosso.
Com efeito, como os critérios de aceitação das propostas devem constar no edital, obviamente se o orçamento estimado for um destes critérios, o orçamento estimado terá a mesma divulgação do instrumento convocatório.
Registre-se que o Ministro Relator do Acordão nº. 392/2011 – Plenário José Jorge, embora ratifique o entendimento TCU a respeito da faculdade da divulgação do orçamento estimado nos pregões, ele ressalta que: “é claro que, na hipótese do preço de referência ser utilizado como critério de aceitabilidade de preços, a divulgação no edital é obrigatória. E não poderia ser de outra maneira. É que qualquer regra, ou critério ou hipótese de desclassificação de licitante deve estar, por óbvio, explicitada no edital, nos termo do art. 40, X, da Lei nº 8.666/93.”
Veja que o respeitável entendimento acima utiliza aplicação subsidiária do art. 40, §2º, II da Lei nº. 8.666, de 1993 no pregão. O que é desnecessário, em face da previsão contida no inciso I do art. 3º, combinado com o inciso III do art. 4º, ambos da Lei nº. 10.520, de 2002.
Noutro lado, no que diz respeito ao processo licitatório previsto na Lei nº. 12.462, de 2011, cabe esclarecer que a mesma, a despeito do sigilo diferido do orçamento estimado (art. 6º), ainda assim, estabelece que o orçamento estimado será critério de aceitabilidade das propostas. Ou seja, obriga a Administração a licitar utilizando critério de julgamento sigiloso, é o que se depreende do inciso III do seu art. 24:
“Art. 24 Serão desclassificadas as propostas que:
(...)
III – apresentem preços manifestamente inexequíveis ou permaneçam acima do orçamento estimado para a contratação, inclusive nas hipóteses previstas no art. 6º desta Lei.” Grifo nosso.
Daí surge a seguinte indagação: o dispositivo acima ofende o §1º do art. 44 da Lei nº. 8.666, que veda a utilização de critérios sigilosos de aceitação das propostas, que direta ou indiretamente elidam o princípio da igualdade entre os licitantes?
Preliminarmente, há que se registrar que o §1º do art. 44 da Lei nº. 8.666 é aplicável subsidiariamente ao regime diferenciado de contratação, por força do art. 39 da Lei nº. 12.462, de 2011[16], já que não há norma semelhante e nem em confronto com disposição desta lei, bem como ser tal dispositivo um corolário do princípio de isonomia.
Há que esclarecer que o disposto §1º do art. 44 da Lei nº. 8.666 não contradiz o disposto no art. 6º da Lei do RDC, uma vez que o art. 6º estabelece o sigilo do orçamento estimado é para todos os licitantes, ou seja, o critério sigiloso não ilide o principio da igualdade entre os licitantes, pelo contrário o confirma.
Com efeito, não vislumbramos inconstitucionalidade ou ilegalidade na regra prevista no inciso III do art. 24 da Lei do RDC que estabelece critério sigiloso de desclassificação de propostas, uma vez que o sigilo é temporário - até a adjudicação do objeto -, e não se aplica aos órgãos de controle externos e internos (art. 6º, §3º), além de não ofender os princípios norteadores do exercício da função administrativa, em especial, o principio da isonomia.
Noutro lado, pode surgir outra indagação: sendo o critério de julgamento sigiloso, e se todos os licitantes apresentarem preços acima do orçamento estimado?
O art. 26 da Lei do RDC soluciona a questão. Será aberta fase de negociação com primeiro colocado. Se o primeiro não reduzir seu preço ao valor igual ou menor que o valor estimado, serão convocados os demais licitantes, segundo a ordem de classificação inicialmente estabelecida, senão vejamos:
“Art. 26 Definido o resultado de julgamento, a administração pública poderá negociar condições mais vantajosas com o primeiro colocado.
Parágrafo único. A negociação poderá ser feita com os demais licitantes, segundo a ordem de classificação inicialmente estabelecida, quando o preço do primeiro colocado, mesmo após a negociação, for desclassificado por sua proposta permanecer acima do orçamento estimado.”
Com efeito, o art. 26 permite que propostas acima do valor estimado não sejam automaticamente desclassificadas, desde que todas as licitantes ofertem valores acima do valor estimado. Impondo à Administração o dever de negociar com o primeiro classificado para que reduza sua proposta aos limites do orçamento estimado.
7 – DA CONCLUSÃO
Em síntese, concluímos que nas modalidades licitatórias regidas pela Lei nº. 8.666, de 1993, o dever de divulgação do orçamento estimado decorre do próprio texto da lei, ao indicá-lo como parte integrante do edital. O mesmo não pode ser dito em relação ao pregão, uma vez que a Lei nº. 10.520, de 2002, expressamente indica o orçamento estimado apenas como documento que deve instruir os autos do processo licitatório e não como parte do edital.
Quando for adotado o Sistema de Registro de Preços, as regras de divulgação do orçamento seguem as normas do pregão ou da concorrência. Ressaltando-se que é obrigatória a fixação, no edital, do valor unitário máximo a que Administração se dispõe a pagar como critério de aceitabilidade das propostas.
Por outro lado, o Regime Diferenciado de Contratação estabelece o sigilo do orçamento estimado até a adjudicação do objeto, o que seria uma espécie de divulgação postergada, mas disponibilizada permanentemente aos órgãos de controle interno e externo. Por isso, não vislumbramos inconstitucionalidade da medida. Além disso, os riscos de vazamento de informação, em favorecimento irregular a determinados licitantes, não invalidam a norma. E outras experiências internacionais revelaram que o sigilo é um mecanismo válido para obter a melhor proposta para Administração.
Noutro turno, quando o orçamento estimado for eleito como critério de aceitabilidade das propostas, a Lei nº. 8.666/93 e a Lei nº. 10.520/2002 expressamente obrigam a sua previsão no corpo do edital. O que não acontece na Lei do RDC, que adota o orçamento estimado como critério de aceitabilidade, em que pese encontre-se fora do edital e em sigilo. Ainda assim, tal situação não implica na nulidade do certame, uma vez que este critério não elide o princípio da igualdade entre os licitantes.
8 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARDOSO, André Guskow. O Regime Diferenciado de Contratações Públicas: a questão da publicidade do orçamento estimado. In: JUSTEM FILHO, Marçal; PEREIRA, Cesar A. Guimarães (Cood). O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC); comentários à Lei nº 12.462 e ao Decreto nº 7.581. Belo Horizonte: Fórum, 2012;
JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Sistema de Registros de Preços e Pregão Presencial e Eletrônico. 4º ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011;
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética 2010;
_______ Pregão: (comentários à legislação do pregão comum e eletrônico). 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2009;
PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública. 8º ed. Rio de janeiro: Renovar, 2009.
Notas
[1] PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública. 8º ed. Rio de janeiro: Renovar, 2009, p. 497.
[2] JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Sistema de Registros de Preços e Pregão Presencial e Eletrônico. 4º ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 558.
[3] Ob. cit. p. 558.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: (comentários à legislação do pregão comum e eletrônico). 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 99.
[5]Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
(...)
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;
[6] Art. 17 (...)
§ 1º Os órgãos ou entidades integrantes do SISG e os que aderirem ao sistema do Governo Federal disponibilizarão a íntegra do edital, em meio eletrônico, no Portal de Compras do Governo Federal - COMPRASNET, sítio www.comprasnet.gov.br.
[7] Art. 9º (...)
§ 2º O termo de referência é o documento que deverá conter elementos capazes de propiciar avaliação do custo pela administração diante de orçamento detalhado, definição dos métodos, estratégia de suprimento, valor estimado em planilhas de acordo com o preço de mercado, cronograma físico-financeiro, se for o caso, critério de aceitação do objeto, deveres do contratado e do contratante, procedimentos de fiscalização e gerenciamento do contrato, prazo de execução e sanções, de forma clara, concisa e objetiva.
[8] Art. 3º A licitação para registro de preços será realizada na modalidade de concorrência ou de pregão, do tipo menor preço, nos termos das Leis nºs 8.666, de 21 de julho de 1993, e 10.520, de 17 de julho de 2002, e será precedida de ampla pesquisa de mercado. (Redação dada pelo Decreto nº 4.342, de 23.8.2002).
[9] Art. 9º O edital de licitação para registro de preços contemplará, no mínimo: (Redação dada pelo Decreto nº 4.342, de 23.8.2002)
(...)
III - o preço unitário máximo que a Administração se dispõe a pagar, por contratação, consideradas as regiões e as estimativas de quantidades a serem adquiridas;
[10] Ob. cit. p. 395.
[11] § 1º O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
[12] JUSTEM FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética 2010, p. 550.
[13]CARDOSO, André Guskow. O Regime Diferenciado de Contratações Públicas: a questão da publicidade do orçamento estimado. In: JUSTEM FILHO, Marçal; PEREIRA, Cesar A. Guimarães (Cood). O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC); comentários à Lei nº 12.462 e ao Decreto nº 7.581. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 99.
[14] Ob cit. p. 91.
[15] Ob cit. p. 85.
[16] Art. 39. Os contratos administrativos celebrados com base no RDC reger-se-ão pelas normas da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, com exceção das regras específicas previstas nesta Lei.