Sumário: 1 - Introdução. 2 – Divulgação do orçamento estimado na Lei nº 8.666/93. 3 - Divulgação do orçamento estimado na modalidade pregão. 4 - Divulgação do orçamento estimado no Sistema de Registro de Preços. 5 - Divulgação do orçamento estimado no Regime Diferenciado de Contratação. 6 – Orçamento estimado como critério de aceitabilidade. 7 - Conclusão. 8 – Referências bibliográficas.
1 - INTRODUÇÃO
No procedimento licitatório frequentemente debate-se acerca da necessidade de divulgação do orçamento estimado da futura contratação pública, tendo em vista que tal divulgação poderia influenciar os licitantes a apresentar preços próximos do valor orçado, desestimulando uma queda expressiva dos preços. Noutro lado, embora exista previsão expressa na Lei nº. 8.666, de 1993 acerca da necessidade da publicação do orçamento, a Lei nº. 10.520, de 2002 que regula o pregão não traz tal exigência.
Além disso, recentemente a Lei nº.12462, de 2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, inovou nesta questão ao determinar o sigilo do orçamento estimado até o encerramento do certame.
Sem falar da questão envolvendo a fixação de preços máximos, global e unitários, como critério de aceitabilidade das propostas, que poderá interferir na decisão de divulgação, ou não, os valores orçados, conforme veremos.
Assim, no presente trabalho abordaremos o disciplinamento legal deste tema, tecendo considerações a respeito do posicionamento da doutrina mais abalizada e da jurisprudência mais recente do Tribunal de Contas da União.
2 – DIVULGAÇÃO DO ORÇAMENTO ESTIMADO NA LEI Nº. 8.666, DE 1993.
Na Lei nacional de Licitações Contratos Administrativos a divulgação dos preços de referência é obrigatória, uma vez que o inciso II do §2º do art. 40 da Lei nº. 8.666/93 dispõe que o orçamento estimado em planilhas e preços unitários constitui anexos obrigatório ao edital:
§2º Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante:
(...)
II – orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários;” Grifo nosso.
Como leciona Jessé Torres Pereira Junior, a importância do §2º decorre do mesmo indicar que, a despeito de não integrar o corpo do edital, o orçamento estimado constitui parte integrante do mesmo. Significa dizer que vinculam a Administração e os licitantes, como se estivem transcritas no corpo do edital, não podendo os licitantes alegar ignorância sobre os mesmos.[1]
Ou seja, constitui parte integrante do edital o anexo que contém os preços de referência de cada item a ser licitado. Logo, como é obrigatória a divulgação do edital, conforme impõe o art. 21 do mesmo diploma legal, será obrigatória a divulgação dos valores de referência.
Registre-se que a obrigação de divulgação dos preços quase que invariavelmente é analisada sob o prisma da exigência contida no inciso X do art. 40 da Lei nº. 8.666/93, visto que este dispositivo prevê a obrigatoriedade de constar no corpo do edital os critérios de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos:
“Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
(...)
X - o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 48; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998).” Grifos nosso.
Em outras palavras, sempre que a Administração estabelecer preços máximos como critério de aceitabilidade, estes necessariamente serão divulgados, já que constarão do bojo (corpo ou texto) do edital. Como via de regra o preço máximo é extraído do valor de referência, seja por ser idêntico, seja por ser um percentual deste, o valor de referência direta ou indiretamente será divulgado.
Neste caso, entretanto, não necessariamente será impositiva a divulgação dos preços, uma vez que a redação do inciso X do art. 40 faculta, e não obriga, a fixação de preços máximos como critério de aceitabilidade. Ressalvada a hipótese prevista na Súmula nº. 259/2010 do Tribunal de Contas da União, que trataremos adiante.
Por outro lado, como já adiantamos acima, a exigência de divulgação dos preços de referência é obrigatória, por força do inciso II do §2º do art. 40. Independente dos preços estimados serem, ou não, eleitos como critérios objetivos de aceitabilidade das propostas, eles devem ser divulgados nas licitações deflagradas sob as modalidades licitatórias previstas na Lei nº. 8.666, de1993.
3 - DIVULGAÇÃO DO ORÇAMENTO ESTIMADO NA MODALIDADE PREGÃO
A Lei nº. 10.520, de 2002, criou uma modalidade própria de licitação, por meio de pregão, cuja maior característica distintiva revela-se na inversão de fases, vez que inicialmente busca-se apurar o menor preço na fase de lances, para, posteriormente, examinar apenas a habilitação do licitante vencedor com menor preço. Se este não for habilitado, passa-se ao exame do licitante classificado subsequente.
Assim, a Lei nº. 10.520, de 2002 estabeleceu regras próprias à referida modalidade licitatória, tendo, no seu art. 3º, que trata da fase preparatória do pregão, dispensado a presença do orçamento estimado como anexo (parte integrante) do edital, visto que exigiu sua presença apenas nos autos do processo administrativo, senão vejamos:
“Art. 3º A fase preparatória do pregão observará o seguinte:
I – a autoridade competente justificará a necessidade de contratação e definirá o objeto do certame, as exigências de habilitação, os critérios de aceitação das propostas, as sanções por inadimplemento e as cláusulas do contrato, inclusive com fixação dos prazos para fornecimento.;
II – a definição do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, vedadas especificações que, por excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, limitem a competição;
III – dos autos do procedimento constarão a justificativa das definições referidas no inciso I deste artigo e os indispensáveis elementos técnicos sobre os quais estiverem apoiados, bem como o orçamento, elaborado pelo órgão ou entidade promotora da licitação, dos bens ou serviços a serem licitados; e
(...)” Grifo nosso.
Tal conclusão extrai-se do disposto no inciso III do art. 4º do mesmo diploma legal, já que este exige do edital apenas os seguintes elementos: os definidos no inciso I do art. 3º; as normas que disciplinem o procedimento; e, a minuta do contrato. Ou seja, tal dispositivo não exige que o edital contenha o orçamento estimado, que se encontra arrolado no inciso III do art. 3º. Este será documento integrante do processo licitatório e não do próprio edital. Para melhor entendimento vale transcrever o disposto no inciso III do art. 4º da citada lei:
“Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:
(...)
III – do edital constarão todos os elementos definidos na forma do inciso I do art. 3º, as normas que disciplinarem o procedimento e a minuta do contrato, quando for o caso;
(...)” Grifo nosso.
Com efeito, em tese, a Lei nº. 10.520, de 2002, diferentemente da Lei nº. 8.666/93, dispensou a presença do orçamento estimado do edital de pregão, alocando-o apenas como peça indispensável ao procedimento preparatório do pregão.
Em que pese os Decretos nºs. 3.555, de 2000 e 5.450, de 2005 (que regulam o pregão presencial e eletrônico respectivamente no âmbito federal) incluam o orçamento como peça integrante do Termo de Referência, na fase preparatória do certame, a sua divulgação permanece como decisão discricionária do órgão organizador.
Nesse sentido, é a jurisprudência iterativa do Tribunal de Contas da União (Acórdão nºs. 644/2006, 1925/2006, 114/2007 1784/2009 e 392/2011 todos do Plenário). Destes acórdãos, em especial, vale transcrever trecho do sumário do Acórdão nº 392/2011 – Plenário:
“REPRESENTAÇÃO COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. OITIVA PRÉVIA DO REPRESENTADO. APRESENTAÇÃO DE JUSTIFICATIVAS. LICITAÇÃO SUSPENSA POR INICIATIVA DO PRÓPRIO ÓRGÃO. NEGATIVA DO PROVIMENTO CAUTELAR. EXAME DO MÉRITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. EXPEDIÇÃO DE DETERMINAÇÕES E RECOMENDAÇÃO. ARQUIVAMENTO.
(...)
3. "Orçamento" ou "valor orçado" ou "valor de referência" ou simplesmente "valor estimado" não se confunde com "preço máximo". O "valor orçado", a depender de previsão editalícia, pode eventualmente ser definido como o "preço máximo" a ser praticado em determinada licitação, mas não necessariamente.
4. Nas modalidades licitatórias tradicionais, de acordo com o art. 40, § 2º, II, da Lei n.º 8.666/93, o orçamento estimado deve figurar como anexo do edital, contemplando o preço de referência e, se for o caso, o preço máximo que a Administração se dispõe a pagar. No caso do pregão, a jurisprudência do TCU é no sentido de que a divulgação do valor orçado e, se for o caso, do preço máximo, caso este tenha sido fixado, é meramente facultativa.” (Rel. Min. José Jorge, Acórdão nº 392/2011 – Plenário). Grifo nosso.
Além disso, cabe registar que autor Jorge Ulysses Jacoby Fernandes, defende que a não divulgação dos preços no pregão não ofende a literalidade da lei e ainda apresenta algumas vantagens, tais como não influenciar os licitantes a ofertar lances próximos do valor orçado, não vejamos:
“O procedimento não contraria a literalidade da lei e apresenta algumas vantagens:
a) Inibe a tentativa de o licitante limitar seu preço ao estimado nas pesquisas;
b) Permite ao pregoeiro obter na fase de lances e na negociação preços inferiores aos da pesquisa;
c) Não vincula os preços à época da pesquisa, permitindo à equipe de apoio atualizá-los até o dia da própria sessão do pregão.”[2]
O entendimento de Jacoy parte do princípio de que, como a norma não exige detalhamento do orçamento em planilha de custos unitários, diferente da Lei nº. 8.666, de 1993, após a apuração da estimativa dos preços, numa licitação de vários itens, é possível constar nos autos apenas o valor global, impedindo que um licitante tome conhecimento dos valores unitários apurados pela a Administração, já que a divulgação do orçamento unitário pode obviar as ações do pregoeiro na negociação dos preços ofertados.[3]
Noutro sentido, posiciona-se Marçal Justen Filho que critica este posicionamento do Tribunal de Contas da União, por entender que as normas de publicidade dos atos previstas na Lei nº. 8.666/93 seriam aplicáveis subsidiariamente à Lei nº. 10.520, de 2002, além de infringir o princípio da publicidade, norteador da atividade administrativa estatal, senão vejamos:
“O TCU parece seguir a orientação de que bastaria a existência do documento nos autos do processo administrativo. No entanto, a concepção de que a disciplina geral da Lei nº 8.666 não seria aplicável no caso é destituída de procedência. É inquestionável que o pregão se submete à principiologia consagrada na lei nº 8.666, sendo inafastável a constante e permanente aplicação subsidiária de seus dispositivos. (...) Cabe reconhecer que se trata, no caso, de normas gerais de licitação, que somente deixariam de ser aplicáveis se existisse uma disciplina especial pertinente ao tema no âmbito do pregão ou se a intrínseca especialidade da disciplina do pregão excluísse a sua incidência. Nenhuma das duas hipóteses se verifica.
As normas sobre publicidade de orçamentos, previstas na Lei nº 8.666, apresentam natureza geral e se aplicam no âmbito do pregão. A solução consagrada pelo TCU configura infração à Lei nº 8.666.
Mais ainda, lembre-se que a referida regra configura uma simples decorrência do princípio da publicidade dos atos administrativos. Portanto, a solução adotada infringe um princípio fundamental norteador da atividade administrativa estatal.”[4] Grifo nosso.
É inquestionável que o princípio da publicidade, de status constitucional, deve ser observado pela Administração Pública. Por outro lado, é também inquestionável que nem todo ato administrativo demanda divulgação. Há diversos exemplos de atos estatais, que atingem administrados, determináveis ou não, que não são objeto de prévia publicidade, tais como, medida de autoridade monetária sobre o regime cambial (Banco Central), fiscalização de trânsito, fiscalização sanitária, inclusive, os atos incluídos no bojo do processo licitatório, indispensáveis à sua regularidade, não demandam publicidade, tais como o parecer jurídico da consultoria jurídica, o ato da autoridade que aprova o termo de referência, etc.
Ademais, o fato de o ato administrativo encontrar-se nos autos, ao livre acesso de qualquer cidadão, não o caracteriza como sigiloso. Tendo o art. 3º, III, da Lei nº. 9784/99, conferido aos interessados o direito de vista dos autos, com o direito de obter cópias dos documentos neles contidos.[5] Ou seja, embora não haja divulgação, há livre acesso ao orçamento estimado.
Noutro vértice, a regra contida no art. 3º da Lei nº. 10.520, 2002, que disciplina a fase preparatória do pregão demostra que o legislador optou expressamente por incluir o orçamento estimado apenas nos autos e não como parte integrante do edital, diferentemente da disposição contida no inciso II do §2º do art. 40 da Lei nº. 8.666, de1993. O que, data vênia, parece afastar a necessidade de sua aplicação subsidiária.
Ainda assim, isso não quer dizer que a divulgação do orçamento estimado encontre-se vedada. Pelo contrário, a divulgação deve ser estimulada no âmbito da Administração, como, por exemplo, faz o Decreto nº. 5.450, de 2005 - que regulamenta o pregão eletrônico no âmbito da União - estabelecendo que, além da publicação do aviso, o edital e todos os seus anexos devem está disponíveis na internet, no portal de compras do Governo Federal, conforme dispõe o §1º do seu art.17.[6] Atentando-se que o termo de referência, um dos anexos do edital, é o documento que deve conter elementos capazes de propiciar avaliação do custo pela administração diante de orçamento detalhado, definição dos métodos, estratégia de suprimento, valor estimado em planilhas de acordo com o preço de mercado, conforme dispõe o §2º do art. 9º do referido decreto[7].
4 - DIVULGAÇÃO DO ORÇAMENTO ESTIMADO NO SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS
Cabe relembrar que o Sistema de Registro de Preços – SRP, não constitui modalidade licitatória, mas sim um procedimento especial de licitação – especial por não obrigar a celebração do contrato. O SRP tem amparo legal no art. 15 da Lei nº. 8.666/93, sendo naturalmente utilizado em determinadas espécies de contratações de difícil planejamento exato de consumo, estimulando a economia de escala sem a imposição da contratação de grandes quantidades de uma única vez, conforme se denota das hipóteses elencadas no art. 2º, do Decreto nº. 3.931, de 2001, que o regulamenta da esfera federal.
Segundo o Decreto Federal nº. 3.931, de 2001, que regula o SRP no âmbito da União, o mesmo só será adotado na modalidade de concorrência ou de pregão, conforme dispõe seu art. 3º.[8] Daí já se extrai que as normas referentes à divulgação dos preços de referência seguem a disciplina destas modalidades licitatórias.
Noutro Lado, a par das normas previstas em cada uma destas modalidades, o Decreto nº. 3.931, de 2001, no seu art. 9º inciso III, estabelece que o edital de registro de preços deve indicar o preço unitário máximo que a Administração de dispõe a pagar por contratação, consideradas as regiões e as quantidades a serem adquiridas.[9] Ou seja, estabeleceu a fixação de preços unitários máximos no edital como critério de aceitabilidade das propostas dos licitantes.
Lembre-se que a fixação dos preços unitários máximos, embora não revele, necessariamente, o valor estimado da contratação, ele no mínimo dá uma ideia do valor estimado, como ressaltamos neste trabalho.
Cabe acrescentar que a fixação de preços máximos é mecanismo que não só confere segurança orçamentária para contratação, como também impede contratações a preços superfaturados, muito acima dos de mercado.
Nesse sentido, o autor Jorge Ulysses Jacoby Fernandes ressalta a relevância da norma:
“A par de oferecer dificuldades, em alguns casos, a norma é importante porque assegura à comissão de licitação instrumentos para decidir com eficiência, sem perigos de adjudicar produtos com preços superfaturados. Além disso, o SRP é uma referência para todos os que licitam e têm, portanto, o dever de registrar em ata se o preço ofertado está compatível com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com constantes do Sistema de Registros de Preços.”[10]
Por consequência, como a fixação de preços máximos cria um critério de aceitabilidade das propostas, necessariamente a Administração terá que divulgar no edital o valor máximo de cada item licitado, haja vista que os critérios de aceitabilidade devem fazer parte do edital, ressalvada a hipótese do certame ser regidos pelo Regime Diferenciado de Contratação, da Lei nº. 12.462, de 2011, que trataremos mais adiante.
Ressalte-se que, como o Decreto nº. 3.931, de 2001, é norma federal que regulamenta Lei nacional, outros entes federativos poderão dispor de forma distinta referente à fixação de preços máximos.
De qualquer modo, convém esclarecer que nos autos do procedimento licitatório sempre devem constar os preços estimados para compra de bens, visto que estes preços serão extraídos da ampla pesquisa de mercado exigida explicitamente no §1º do art. 15 da Lei nº. 8.666/93[11].
5 - DIVULGAÇÃO DO ORÇAMENTO ESTIMADO NO REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÃO
O Regime Diferenciado de Contratação, instituído pela Lei nº. 12.462, de 4 de agosto de 2011, aplica-se exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização: dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016; da Copa das Confederações da FIFA 2013 e Copa do Mundo FIFA 2014; de obras do infraestrutura e à contratação de serviços para aeroportos e capitais de Estados distantes até 350 km das cidades sedes dos jogos; e de ações integrantes do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento.
Do ponto de vista da divulgação do orçamento, este regime de contração é de fato diferenciado, uma vez que institui, ex lege, o sigilo do orçamento. Isto é, o mesmo além de não ser divulgado no instrumento convocatório, não poderá ser acessado nos autos do instrumento convocatório por qualquer licitante. É o que se depreende do art. 6º do citado diploma legal:
“Art. 6º Observado o disposto no §3º, o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas imediatamente após o encerramento da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para elaboração das propostas.
§1º Nas hipóteses em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, a informação de que trata o caput deste artigo constará do instrumento convocatório.
§2º No caso de julgamento por melhor técnica, o valor do prêmio ou da remuneração será incluído no instrumento convocatório.
§3º Se não constar do instrumento convocatório, a informação referida no caput deste artigo possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno.” Grifo nosso.
O orçamento estimado apenas será acessível aos licitantes após o encerramento do certame. Para ser mais exato, apenas após a adjudicação do objeto ao licitante vencedor (segundo o art. 9º do Decreto nº. 7.581, de 11 de outubro de 2011, que regulamenta a citada Lei), o orçamento será tornado público, sem prejuízo da divulgação dos quantitativos e das demais informações necessárias para elaboração das propostas.
São ressalvadas apenas duas situações, nas quais o orçamento estimado (ou o valor do prêmio) será divulgado no instrumento convocatório: na hipótese em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto; ou, no caso de julgamento por melhor técnica.
Noutro lado, e não poderia ser diferente, o orçamento estimado estará previamente disponível permanentemente aos órgãos de controle externo e interno, para verificar se tais orçamentos (sigilosos) estão escorados em pesquisas sólidas de mercado, de forma a evitar superfaturamento de preços.
Daí verifica-se que o legislador ordinário reconheceu que a divulgação prévia do orçamento estimado influencia os licitantes a oferecer preços próximos do valor estimado, dificultando a obtenção da proposta mais vantajosa a Administração. Afinal, é intuitivo que, se o comprador primeiro apresenta o quanto está disposto a pagar pelo produto ou serviço, o vendedor, empresário que visa o lucro, tenderá a informar o valor o mais próximo daquele ofertado.
Existe corrente contrária à estipulação do sigilo, por entender que viola o princípio constitucional da publicidade, bem como pelos riscos de uso de informação privilegiada pelos agentes públicos no curso do processo licitatório. Nesse sentido, leciona Marçal Justen Filho, ao comentar Lei nº. 8.666, de 1993:
“Depois e como já se apontou anteriormente, a manutenção do segredo acerca do orçamento ou preço máximo produz um enorme risco de reintrodução de práticas extremamente nocivas, adotadas antes da Lei nº 8.666. É que se algum dos licitante obtiver (ainda que indevidamente) informações acerca do referido valor, poderá manipular o certame, formulando proposta próxima ao mínimo admissível. O sigilo acerca de informação relevante, tal como o orçamento ou o preço máximo, é incentivo a condutas reprováveis. Esse simples risco bastaria para afastar qualquer justificativa para adotar essa praxe.”[12] Grifo Nosso.
Ressalte-se que o posicionamento acima é feito à luz do inciso II do §2º do art. 40 e do §1º do art. 44 ambos da Lei nº. 8.666, de 1993, que, diferente da Lei nº 12.462, de 2011, expressamente indicam como parte integrante do edital o orçamento estimado, e vedam a adoção de critério sigiloso de julgamento. De qualquer modo, Marçal reitera que o “simples risco bastaria para afastar qualquer justificativa para adotar essa praxe.”
Noutro sentido, posicionando-se pela validade da norma que impõe o sigilo no RDC, o autor André Guskow Cardoso destaca que, ainda que a transparência dos atos administrativos tenha status constitucional, isso não induz a ideia de que todo e qualquer ato praticado pela Administração tenha que ser previamente objeto de ampla publicidade, visto que existem situações que a prévia publicidade do ato implica na sua ineficácia, como, por exemplo, determinadas intervenções do Banco Central no mercado financeiro. Nestes casos, a publicidade poderá ser diferida para momento posterior a pratica do ato ou à consolidação dos seus efeitos.[13]
Isto é, o sigilo absoluto do orçamento estimado não teria validade constitucional, já a publicidade diferida, postergada, teria amparo, uma vez que não deixaria de haver publicidade. Ademais, como o próprio §3º do art. 6º ressalva, a informação referida no “caput” deste artigo será disponibilizada estrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno. Ou seja, o sigilo “temporário” não se impõe aos órgãos de controle. Logo, para os órgãos de controles não haveria qualquer restrição de publicidade.
Outrossim, em pese os riscos de vazamento de informação, o que pode vir a frustrar o princípio da igualdade entre os licitantes, a existência deles não invalida a norma que estabelece o sigilo[14], uma vez que é inerente ao sigilo os riscos de sua descoberta irregular. Por esse motivo, medidas rigorosas na prevenção de vazamento devem ser adotas pela Administração, no sentido de ocultar o orçamento estimado no andamento do procedimento licitatório.
Ademais, no direito comparado o sigilo do orçamento estimado é adotado nas normas de aquisições públicas nos Estados Unidos (Federal Acquisition Regulation – FAR, art. 36.203, c) e na União Europeia (Diretiva 2004/18/EC, art. 35)[15]. Ou seja, as experiências internacionais também revelaram que o sigilo é um mecanismo válido para obter a melhor proposta para Administração nas suas aquisições.
E, enquanto o Supremo Tribunal Federal não se posicionar acerca de algumas ações diretas de inconstitucionalidades propostas contra este dispositivo legal, há que se reconhecer a validade do texto legal.