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A “Caixa de Pandora” e o Processo do Trabalho

11/01/2013 às 14:44
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Deve-se evitar processos e julgamentos que contribuem para transformar o Processo do Trabalho numa "caixa de Pandora", uma espécie macabra de loteria na base do “se colar, colou”.

Segundo a mitologia grega, Pandora foi a primeira mulher existente na face da Terra. Hefesto, deus do fogo, dos metais e da metalurgia, e Atena, deusa da guerra, da civilização, da sabedoria, da arte, da justiça e das habilidades moldaram-na em barro, a mando de Zeus. Cada deus do Olimpo deu-lhe um dom, uma qualidade, uma virtude, um predicado. Atena lhe ensinou a arte de tecer; Afrodite lhe deu a beleza; de um, recebeu a graça; de outro, a inteligência; de outro ainda, a paciência; e de cada um dos outros a habilidade na dança, a meiguice, a persuasão, a temperança. Hermes, segundo Hesíodo, deu-lhe “uma mente despudorada e a natureza enganosa”.

Prometeu, protetor da Humanidade, um titã filho de Jápeto e Clímene que frequentemente desafiava a onisciência e a onipotência dos deuses, roubara de Zeus o fogo sagrado para dá-lo aos homens. Supunha que, com o domínio do fogo, os homens poderiam dominar a Natureza e se aproximar da divindade de Zeus. Como castigo, Zeus amarrou-o a uma tocha enquanto uma grande águia lhe devorava o fígado durante a noite, para crescer no outro dia e ser novamente devorado à noite, e assim por toda a eternidade. Não contente, Zeus determinou a Hermes que levasse Pandora(pan: todos; dora: presente) para viver entre homens, como humana. Foi entre os homens que Pandora conheceu Epimeteu, irmão de Prometeu, que se encantou por sua beleza e, contrariando os conselhos do irmão de que nada aceitasse dos deuses, a tomou como esposa. Epimeteu tinha consigo um jarro, dado pelos deuses, e que continha todos os males do mundo. Em vão, pediu a Pandora que nunca abrisse o jarro, mas a mulher, vencida pela curiosidade, descumpriu a ordem do marido e abriu-o. Todos os males que até hoje afligem a humanidade escaparam desse vaso, por mais que Pandora tentasse, desesperadamente, recolhê-los e colocá-los de volta. Dentro do vaso ficou um único bem: a esperança.

É por isso que, desse dia em diante, os homens passaram a ser atormentados por todos os males como o trabalho, a velhice, a doença, as pragas, os vícios, a mentira.

A expressão “caixa de Pandora” significa criar um mal que nunca poderá ser desfeito. 

Saio do Olimpo e volto ao mundo dos homens.

As pessoas andam com o ego à flor da pele. Qualquer problema corriqueiro, banal, que num outro contexto seria resolvido sem alarde, é agora motivo de processo. O crescente resgate da cidadania e a releitura da escritura de pessoa têm gerado no judiciário, especialmente o trabalhista, consequências imprevisíveis, curiosas e perversas. Massificados por uma enganosa propaganda oficial de que já não são cidadãos de segunda classe, mas destinatários naturais da ordem jurídica, todos se julgam socialmente inteiros e não mais meros apêndices de si mesmos, o que os deixa muito atentos aos seus direitos, mas, infelizmente, pouco ciosos dos seus deveres. O acesso amplo e barato ao processo estimula a banalização das lides e o descompromisso com a ética judiciária. O processo moderno é, antes de tudo, palco de malandragem, espécie de jogo de adivinhações que transforma cada causa num teatro bufão onde nem sempre vence quem tem razão, mas o mais astuto, o que mais bem sabe manejar preliminares e atuar nos desvãos da ciência processual. A lide processual deixou de ser uma arena segura, com regras claras e armas iguais, onde cada litigante sabe de antemão o que esperar do oponente.

Não!

No curso da lide, a provisória fragilidade de uma parte já não provoca na outra comiseração ou qualquer sentimento de equidade, nem o juiz se vê na obrigação de compensar juridicamente o economicamente desigual. Ninguém no processo está preocupado com a evidência de que certa situação jurídica desigual deve ser equilibrada para que ambos duelem com armas de mesmo calibre, para que a justiça prevaleça não porque o adversário foi mais ardiloso, malandro ou oportunista, mas porque estava do lado de quem agiu com lealdade, verdade e boa-fé. Há dois réus confessos: os advogados e os juízes, nessa ordem. Os primeiros, porque pedem o que sabem não ser devido, escondidos sob um esquisito “dever de ofício” que os obrigaria a aceitar qualquer causa, defender qualquer razão, tudo em nome de uma equivocada profissão de fé que lhes asseguraria uma inexistente e quase divina imunidade profissional; os segundos, por deferirem o que lhes pedem, sem refletir, estudar, contar, pesar, medir.

O juiz moderno deve ser consequencialista. Ser um juiz consequencialista significa não ignorar o fato de que o seu julgamento, certo ou errado, produz consequências práticas na vida civil, pelas quais ele é o único responsável. Numa palavra: ser consequencialista é dar a cada um o seu segundo as leis e a prova dos autos, mas tendo sempre em mente que a sua sentença, embora em princípio seja válida apenas entre as partes, ultrapassa os limites daquelas folhas amareladas que compõem o processo, como instrumento da jurisdição, e repercute na vida prática, na vida que está além da janela do seu gabinete arejado, no dia a dia do homem comum, no preço das coisas, no comércio jurídico, nas situações corriqueiras que as pessoas amanhã cedo irão vivenciar na feira, no metrô, no supermercado, na escola dos filhos, no posto de gasolina, na fila do ônibus, nos contratos milionários das complexas transações internacionais e naquelas relações miúdas de vizinhança, apalavradas, como se dizia antigamente, no “fio do bigode”.

Mais que isso: deve saber que num mundo jurídico instável e construído sob inspiração de uma jurisprudência líquida, volátil, nascida quase sempre de parto prematuro e tendo por paradigmas os interesses de ocasião, o mau exemplo serve sempre de bom exemplo, e uma jurisprudência torta, que sacraliza aquilo que o juiz supõe que deveria ser, ou queria que fosse, mas que não o é, serve de farol a um punhado de ações que desembocam no foro, uma depois da outra, sempre brandindo aquele julgado como um paradigma desastrado, e que outros juízes, premidos pelo excesso de trabalho, pelo tempo, pela preguiça intelectual, pelo desencanto com a toga ou pelas exigências cada vez mais absurdas dos órgãos que controlam a jurisdição, vão repetindo aquilo sem refletir, sem ponderar, sem dissecar os conceitos, sem separar o joio para verificar se as teses encontráveis no julgado que lhe serve de referência realmente reproduzem uma situação de fato idêntica, e não apenas semelhante àquela que examina, e se de fato se sustentam, se têm conteúdo, se não passam de um amontado de conceitos incompatíveis entre si, pinçados aqui e acolá de outros julgados igualmente equívocos, como se fossem ovelhinhas de desenho animado, pulando uma cerca imaginária apenas porque o que vai à frente fez a mesma coisa.

Por isso, o juiz consequencialista deve abandonar a doutrina casuista, a lide midiática, o gosto pelo espalhafato e pela modernança que somente faz sentido na sua cabeça. Deve dar mais valor aos conceitos clássicos já sedimentados, à jurisprudência que vive nas águas calmas das ideias pacíficas dos tribunais superiores, e não de qualquer tribunal. Tudo sem perder o pé da realidade, porque o juiz consequencialista é, acima de tudo, homem do seu tempo.

Veja a questão do dano moral, por exemplo. Hoje em dia, tudo é motivo para indenizações desse tipo. Essas ações estão cada dia mais caricatas, despropositadas, equivocadas e milionárias.

Na Justiça do Trabalho, há uma indústria desse tipo de ação enchendo de ouro a burra dos advogados. Intencionalmente ou não, advogados, partes e juízes estão invertendo as premissas desse instituto, deformando a jurisdição e demonizando as empresas. Os trabalhadores são agora anjos de candura que gastam os dias polindo as penas alvas de suas asinhas angelicais enquanto entoam maviosas cantigas em harpas celestiais no Nirvana. Ao contrário do processo civil, o processo do trabalho não exige depósito prévio de custas, e isso faz de cada trabalhador um litigante em potencial. Litigar na Justiça do Trabalho é muito barato. Aqui, o crime compensa. Os juros são de 1% ao mês, contados de forma simples, os emolumentos dos atos processuais não são cobrados um por um, e as custas, para quem perde, quase nunca são cobradas, e, se o são, não obedecem a uma escala progressiva que vai onerando o bolso do perdedor tantos quantos sejam os atos que, por culpa de sua recalcitrância, tenham sido praticados no processo. São sempre de 2% sobre o valor da causa e o valor da causa é constantemente apequenado já na inicial exatamente para que o prejuízo no bolso seja menor em caso de perda da ação. Ninguém capitaliza juros ou aplica a taxa SELIC, embora haja lei para isso.

O risco de perder uma demanda já não representa um moderador desse apetite processual porque o queixoso sabe, de antemão, especialmente no processo do trabalho, que não terá de pagar nenhum centavo de custas ou emolumentos. Se for vencido, há leis que o dispensam dessa obrigação fiscal ou dos honorários do advogado da parte contrária, bastando afirmar que não tem condições de litigar sem prejuízo de seu sustento, ou do sustento da família.

Volto ao dano moral: ¿será mesmo que advogados e juízes não sabem diferençar dano moral de dano material?

A construção de uma ordem jurídica justa assenta-se no princípio universal neminem laedere, que em latim significa “não prejudicar a ninguém”. Do ponto de vista material, dano é a efetiva diminuição de um patrimônio. Patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Num conceito mais simplista, dano é a diferença entre o valor atual do patrimônio do credor e aquele que teria se a obrigação tivesse sido cumprida exatamente como contratada. Em sentido geral, dano é toda desvantagem que experimentamos em nossos bens jurídicos, seja o patrimônio, o corpo, a vida, a saúde, a honra, o crédito, o bem-estar, a capacidade de aquisição etc. Dano é pressuposto da responsabilidade civil. Onde não há dano, não há responsabilidade.

Dano moral é qualquer sofrimento que não seja causado por uma perda pecuniária. São inquietações graves do espírito, turbações de ânimo, desassossego aviltante e constrangedor que tira a pessoa do eixo de sua rotina a ponto de lhe impor sofrimento psicofísico cuja sequela seja facilmente identificável se comparado o comportamento atual e aquele outro, anterior à conduta ofensiva. É a “penosa sensação de ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano, em consequência deste, seja provocada pela recordação do defeito da lesão, quando não tenha deixado resíduo mais concreto, seja pela atitude de repugnância ou de reação ao ridículo tomada pelas pessoas que o defrontam”.

Na responsabilidade civil, a vítima tem de provar a ação ou a omissão culposa do agressor, o nexo de causalidade e o dano. Na responsabilidade civil do empregador por dano moral, o empregado somente tem de provar o fato e o nexo de causalidade. Não se exige prova do dano (prejuízo concreto) porque a sequela moral é subjetiva. O dano moral existe in re ipsa, isto é, deriva do próprio fato ofensivo, de tal sorte que, provada a ocorrência do fato lesivo, a sequela moral aflora como presunção hominis (ou facti), que decorre das regras da experiência comum, daquilo que ordinariamente acontece. Provados, pois, o fato e o nexo causal, a dor moral é presumível, pois liga-se à esfera íntima da personalidade da vítima e somente ela é capaz de avaliar a sua extensão.    

Nem todo dano é indenizável. Apenas o injusto o é. São danos justos, e, portanto, irreparáveis, os que provêm das forças da natureza ou do acaso (caso fortuito e força maior) e os definidos pelo direito como legítima defesa própria ou de terceiros, devolução da injúria, desforço pessoal, destruição de coisa para remoção de perigo, entre outro, ou aqueles causados pelo próprio lesado (culpa exclusiva da vítima).

É claro que nem todo sofrimento, dissabor ou chateação em razão de uma ofensa tipifica dano moral. É necessário que a agressão extrapole os aborrecimentos normais de tantos quantos vivem em coletividade. O que se pode entender por “aborrecimentos normais” é também casuístico e depende de uma avaliação objetiva e subjetiva que somente o juiz pode fazer diante do caso concreto. A doutrina recomenda que, na avaliação de situações de fato onde se pede reparação moral, o juiz siga a lógica do razoável, isto é, que tome por paradigma o meio-termo entre o homem frio e insensível e o homem extremamente sensível.

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A natureza jurídica da quantia em dinheiro que se pede por lesão moral é compensatória, e não indenizatória. A locução indenizar provém de in + damnum, isto é, sem dano, o que implicaria tornar as coisas ao exato ponto em que estavam se a lesão não tivesse ocorrido. Como na lesão moral isso não é possível, o juiz arbitra uma quantia que possa, ao mesmo tempo, compensar a dor moral da vítima e desestimular o agressor de reincidir na conduta lesiva. Não pode ser restitutio in integrum (restituição integral, indenização pelo todo) pela só-razão de que não se pode conhecer, exatamente, a extensão do dano, nem de pretium doloris (preço da dor) porque dor não se paga em dinheiro, mas a de um conforto material que não seja exorbitante a ponto de constituir-se em lucro capiendo (captação de lucro) nem minguado a ponto de deixar na vítima e no agressor a sensação de impunidade.

É comum em processos trabalhistas o empregado pedir danos morais por falta de pagamento de horas extras, de verbas rescisórias, de ter sido preterido em promoções por critérios objetivos como não atingimento de metas de produção, falta de anotação ou devolução de carteira de trabalho etc. A falta de anotação de carteira de trabalho somente pode gerar direito a indenização por danos morais se o empregado provar que, por falta dessa providência, sofreu algum tipo de prejuízo concreto, como perda da chance de recolocação no mercado de trabalho, restrição de crédito, perda de contrato de locação de imóvel, perda de assistência previdenciária, prisão arbitrária, entre outros. Fora disso, é mera irregularidade administrativa que não gera direito algum, exceto o da própria anotação do contrato.

Noutros casos, o empregado sofre um acidente no trabalho e reclama indenização por lesão moral. Há dano moral nisso? Em princípio, não. O acidente em si é risco da atividade. Se, em razão do acidente, o empregado deixa de trabalhar durante certo tempo, haverá, se muito, dano material equivalente à diferença entre o que recebia na empresa no dia do acidente e o que o INSS lhe pagou como auxílio previdenciário pelo lapso de inatividade, além de indenização por remédios, internação hospitalar, fisioterapia, próteses ou tratamento médico, ou o equivalente ao que deixou de ganhar se seus ganhos dependiam de produção ou de sua atividade pessoal, como vendas ou representação, por exemplo. Ainda quando o acidente deixa no empregado sequela física ou psicológica que diminui a sua capacidade produtiva, o dano é meramente material e equivale ao percentual dessa redução, e deve levar em consideração a expectativa de vida do empregado. Se o acidente deixar sequela estética que diminua, de modo permanente, a beleza da arquitetura estética externa da pessoa a ponto de afetá-la em relação ao que era antes do infortúnio, ou dificultar sua recolocação no mercado de trabalho por expô-la ao riso, asco ou escárnio, à vergonha ou ao constrangimento, aí sim haverá dano moral como desdobramento do acidente. Se não houver esse desdobramento, estaremos diante de simples lesões de natureza patrimonial.

O Boletim Informativo nº 34/2012, do TST, reproduz ementa em que certa sociedade empresária foi condenada a pagar ao empregado indenização por danos morais apenas porque o empregado trabalhava vestindo uma camiseta promocional de um dos produtos revendidos pela empresa. Eis a ementa:

“Dano moral. Configuração. Uso indevido da imagem. Uniforme com propagandas comerciais. Ausência de autorização.

A veiculação de propagandas comerciais de fornecedores da empresa nos uniformes, sem que haja concordância do empregado, configura utilização indevida da imagem do trabalhador a ensejar o direito à indenização por dano moral, nos termos dos arts. 20 do CC e 5º, X, da CF, sendo desnecessária a demonstração concreta de prejuízo. Com esse entendimento, a SBDI-I, em sua composição plena, conheceu do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negou-lhe provimento. Vencidos os Ministros Aloysio Corrêa da Veiga, relator, Brito Pereira e Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. TST-E-RR-40540-81.2006.5.01.0049, SBDI-I, rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, red. p/ acórdão Min. João Oreste Dalazen, 13.12.2012”.

O TST entendeu ter havido uso indevido da imagem do empregado e condenou a sociedade empresária a pagar-lhe indenização por dano moral. O equívoco é duplamente manifesto, data venia. Em primeiro lugar, não houve “dano à imagem do empregado”. Dano de imagem é outra coisa. O termo “imagem”, para o Direito, tem duas acepções distintas. Na primeira, entendida in concreto, imagem é res(coisa), bem de natureza material pertencente ao seu autor e obtida ou captada por qualquer meio físico, técnico ou artístico (corpus mechanicum), aí entendida não apenas a imagem captada por meio da pintura, da holografia, da fotografia, da escultura, do desenho, dos processos óticos ou digitalizados, da figuração caricata ou estilizada, mas também “a imagem sonora da fonografia, da radiodifusão, dos gestos e expressões dinâmicas da personalidade”  cuja proteção ou violação interessa ao direito autoral. Na segunda, é abstrata, extrapatrimonial, subjetiva, e integra a esfera íntima da personalidade humana como direito moral que somente o dono pode usar, fruir e dispor como lhe aprouver, e esta, como pressuposto do jus imaginis, interessa à responsabilidade civil e, mais notadamente, à parte dele que se ocupa do dano moral pelo seu uso indevido ou desautorizado porque é um dos direitos civis da personalidade.

Segundo Francesco Degni, “imagem é o sinal característico de nossa individualidade, é a expressão externa do nosso eu. É por ela que provocamos nas pessoas, com as quais entramos em contato, os sentimentos diversos de simpatia. É ela que determina a causa principal de nosso sucesso ou de nosso insucesso”. Imagem é toda sorte de representação de uma pessoa, ainda que se trate do semblante ou de parte do corpo, como cabelo, boca, mãos, pés, seios, nádegas. Para o direito, imagem é toda expressão formal e sensível da personalidade de um homem. É, em suma, a figura, a representação, a semelhança ou aparência de pessoa ou coisa, “a projeção dos elementos visíveis que integram a personalidade humana, é a emanação da própria pessoa”.

A afirmação da existência de um “direito de imagem” não é isenta de críticas, já que gente muito lida ensina que na lesão ao direito de imagem o que se fere é a honra, ou a sua privacidade. De modo geral, admite-se que existe um direito à própria imagem, e esse direito é autônomo, inato, inviolável, intransferível, personalíssimo e irrenunciável. Como bem jurídico essencial, o titular do direito de imagem pode exercer sobre ela qualquer ato de disposição, exceto o de privar-se dela. É atécnico falar-se em “direito de imagem”, como se a imagem pertencesse a um ramo específico da ciência jurídica. Não é isso. A imagem é que se constitui, ela própria, em um direito autônomo da personalidade e, como tal, reclama tutela específica. Quando se diz “direito de imagem”, bem depressa se entende que se está a referir sobre um direito exclusivo de exploração de um bem da personalidade que pertence a cada indivíduo em si mesmo considerado. A reprodução da efígie do retratado depende de sua autorização, e não cabe, nesses casos, indagar se da publicação adveio ou não dano moral ao retratado ou propiciado àquele que a veicula algum proveito ilícito.

No caso julgado, não se tratava de “dano à imagem”. Dano à imagem do empregado haveria se a sua própria efígie tivesse sido utilizada para promoção de produtos, sem sua autorização. É a imagem da pessoa, como atributo inseparável de sua personalidade que é atingida pelo dano. Pelo que se lê da ementa, não é essa a hipótese. O fato de um empregado trajar uma camiseta com a propaganda de um produto revendido pelo seu patrão não configura exploração de sua imagem. Não é a imagem do empregado o bem “atingido” pela ação do empresário, nem isso constitui “invasão ilícita” do seu patrimônio imaterial (honra, nome, personalidade etc). Hipótese diferente seria aquela em que a própria efígie do empregado tivesse sido explorada comercialmente pelo patrão, sem consentimento. Nesse caso, o consentimento expresso do trabalhador deveria ter sido previamente obtido e a sua imagem não poderia ser usada para qualquer fim que não tivesse sido aquele expressamente combinado. Em segundo lugar, não houve dano moral algum porque, como visto, não há prova de qualquer invasão ilícita ao patrimônio moral do empregado.

Julgamentos desse tipo apenas contribuem para transformar o processo do trabalho numa "caixa de Pandora", uma espécie macabra de loteria na base do “se colar, colou”. 

É preciso dar um basta!

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Sobre o autor
José Geraldo da Fonseca

Advogado - Veirano Advogados. Desembargador Federal do Trabalho aposentado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, José Geraldo. A “Caixa de Pandora” e o Processo do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3481, 11 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23392. Acesso em: 19 abr. 2024.

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