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Teoria da actio nata na execução fiscal

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CAPÍTULO III

 

3.0  ACTIO NATA

3.1 TEORIA DA “ACTIO NATA”

A teoria da “actio nata”, do latim, nascimento da ação, segundo o qual o prazo prescricional começa a fluir no momento em que o titular do direito subjetivo tem seu direito violado, sendo essa teoria caracterizada pela essência de dois requisitos, a existência do direito e sua posterior violação.

Nesse sentido argumenta Câmara Leal (apud MENEZES, 2009, p.18)

(…) sem exigibilidade do direito, quando ameaçado ou violado, ou não satisfeita sua obrigação correlata, não há ação a ser exercitada; e, sem o nascimento desta, pela necessidade de garantia e proteção ao direito, não pode haver prescrição, porque este tem por condição primária a existência da ação. Duas condições exige ação, para se considerar nascida (nata), segundo a expressão romana: a) um direito atual atribuído ao seu titular;b) uma violação desse direito, a qual tem ela por fim remover. O momento do início do curso da prescrição, ou seja, o momento inicial do prazo é determinado pelo nascimento da ação – actioni nondum natae non praescribitur.

Esclarece o referido autor que o nascimento do direito de ingressar com uma demanda surge no momento em que o seu direito subjetivo é violado, ou seja, sem a violação não haveria ação e, por conseqüência, não haveria a prescrição.

A Teoria da actio nata foi recepcionada pelo Código Civil de 2002, em seu art. 189 e no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 27, que dispõem basicamente que ao ser violado o direito, nasce para o titular a pretensão, que se extingue pela ocorrência da prescrição em prazos fixados para cada caso. Portanto, a actio nata nada mais é do que a concessão ao cidadão de um direito subjetivo, classificado como direito de pretender, ou melhor, de reivindicar judicialmente, porém limitado no tempo em razão de prazos prescricionais.

Neste ponto, é imperioso esclarecer o momento do início da contagem do prazo do direito de pretensão, se a contar da violação do direito ou do conhecimento pelo seu titular.

Os adeptos da referida teoria entendem que o prazo prescricional deve ter início a contar da ciência da violação ou lesão ao direito subjetivo. Seguindo esse raciocínio, o STJ já sumulou matéria referente ao termo inicial do prazo prescricional no seu verbete nº. 278, na medida em que fixou a data que o segurado teve conhecimento da violação ao seu direito para fins de ajuizar ação indenizatória (BRASIL, 2010).

Vê-se que a Teoria da actio nata encontra-se ligado à existência prévia de um direito subjetivo e, além disso, que este seja violado. Somente após o surgimento da pretensão é que a inércia do titular da mesma em reivindicar seu direito pode gerar efeitos, inclusive de extinção do direito de ação.

Com efeito, a aludida Teoria baseia-se, para contagem do início do prazo de prescrição, na lesão ao direito e no momento que esta se deu. Portanto, a prescrição está ligada uterinamente à pretensão, sem esta não se pode falar em contagem de prazo prescricional.

Apesar da obviedade, esse postulado é crucial para a fixação do marco inicial do prazo prescricional nas demandas judiciais, uma vez que, de regra, este coincide com o nascimento da pretensão.

3.2 TEORIA DA “ACTIO NATA” APLICADA À EXECUÇÃO FISCAL

A execução fiscal disciplinada pela Lei nº. 6.830/1980 tem como escopo a cobrança de débitos de natureza tributária e não tributária. A cobrança dos créditos públicos sujeitos ao regramento desta norma pressupõe a existência de um título executivo, que, in casu, é a CDA, Certidão de Divida Ativa, título executivo extrajudicial. (BRASIL, 2010)

A execução então tem início com base em um título. A Lei nº. 6.830/1980 apresenta os requisitos deste título e informa que após a inscrição do débito em dívida ativa este goza de presunção relativa de certeza e liquidez.

Segundo Eduardo Sabbag (2011, p.908):

Ao contrário do Direito Privado, a Fazenda Pública, assumindo tal papel, não precisa provar a certeza e liquidez do crédito tributário para executar judicialmente o sujeito passivo. Aliás, a CDA é título líquido, certo e imediatamente exigível, habilitando a Fazenda a pleitear o importe tributário. Prescindo, assim, o fisco de documento estranho à CDA para provar o débito do sujeito passivo, competindo ao próprio devedor provar ao contrário.

Com efeito, na execução fiscal o devedor ou o responsável integram o pólo passivo, sendo ônus seu a comprovação de fato capaz de elidir a presunção relativa de legalidade da respectiva CDA, incluído a comprovação da perda do direito de cobrar em razão de eventual ocorrência da prescrição.

Quanto à inclusão do sócio-gerente na CDA, o STJ pacificou o entendimento de que a execução pode ser ajuizada diretamente contra ele.

O Código Tributário Nacional, no Art. 135, inciso III, cita as hipóteses de “responsabilidade pessoal dos diretores gerentes, ou representantes de pessoas jurídicas de direito público, quando agirem com excesso de poderes ou infração de Lei, contrato social ou estatutos”. (BRASIL, 2010, p.693)

Observe-se, que, neste caso, a responsabilidade é pessoal, logo não se fala em desconsideração da pessoa jurídica, pois neste caso se aplica o Art. 50 do Código Civil, hipótese diversa da responsabilidade tributária (BRASIL, 2010). Nada obstante, sabe-se que para que ocorra o redirecionamento na execução a jurisprudência tem aplicado o prazo prescricional intercorrente.  

A jurisprudência do STJ é assente no sentido de que a citação válida da empresa executada interrompe o prazo prescricional em relação ao sócio-gerente. Contudo, para redirecionar a execução contra este o prazo qüinqüenal começa a correr somente a partir da citação válida daquela, em razão da prescrição intercorrente.

No entanto, o ponto de discussão proposto neste trabalho é a fixação do marco inicial deste prazo de 5 (cinco) anos quanto aos sócios gerentes, quando se verificar a dissolução irregular de uma sociedade limitada, se da citação da pessoa jurídica ou da época em que a parte exeqüente tomou conhecimento da irregularidade no encerramento da sociedade (Teoria da Actio Nata).

Há doutrinadores que reconhecem a aplicação da teoria, tanto com base na doutrina que defende a tese da actio nata como forma de contagem do prazo prescricional, como também na construção de uma doutrina retributiva, voltada para o ressarcimento ao Erário, e preventiva, direcionada ao combate de ilícitos tributários.

A teoria da actio nata vem sendo aplicada no direito civil, no qual foi recepcionada em seu art. 189 e também vem sendo aplicada no direito tributário e administrativo. (BRASIL, 2010). Não passou despercebido que na doutrina exista contestações quanto a sua aplicação, em contrapartida, cresce na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a adoção da teoria da actio nata, que apresenta ligação ao princípio da boa-fé.

Destarte, percebe-se que a teoria da actio nata é cabível na execução fiscal tendo respaldo na doutrina nacional e inclusive em alguns julgados do próprio Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.

Nesse sentido, é o seguinte excerto de julgado:

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO-GERENTE. PRESCRIÇÃO. TEORIA DA "ACTIO NATA". RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. MATÉRIA QUE EXIGE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 393/STJ.

1. O termo inicial da prescrição é o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagrado no princípio universal da actio nata.

2. In casu, não ocorreu a prescrição, porquanto o redirecionamento só se tornou possível a partir da dissolução irregular da empresa executada.

3. A responsabilidade subsidiária dos sócios, em regra, não pode ser discutida em exceção de pré-executividade, por demandar dilação probatória, conforme decidido no Recurso Especial "repetitivo" 1.104.900/ES, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, julgado em 25.3.2009, DJe 1°.4.2009, nos termos do art. 543-C, do CPC.

4. Incidência da Súmula 393/STJ: "A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória".

Agravo regimental provido.

(Segunta Turma, AgRg no REsp 1196377 / SP, relator Ministro HUMBERTO MARTINS (1130), DJe de 27/10/2010) (BRASIL, 2010, p.5).

No entanto, a aplicação da mencionada teoria no redirecionamento da execução para o sócio-gerente, exige o preenchimento de alguns requisitos, quais sejam: se tratar de sociedade empresarial limitada; se configurar a justa causa, que ocorre quando se comprova a prática de ato com excesso de poder ou infração a lei, ou ainda em razão de dissolução irregular da sociedade pendente de débitos; se apurar que o passivo da empresa absorve o ativo, ou seja, insuficiência ou inexistência de patrimônio da empresa; e se constatar a promoção regular do andamento da execução pela Fazenda Pública. 

De fato, consoante já mencionado anteriormente, é da essência das limitadas a responsabilização subsidiária dos sócios, de modo que o redirecionamento só é possível a partir do momento em que o Juízo da Execução constata a inexistência ou insuficiência de patrimônio ativo da sociedade e que a insolvência decorreu de dolo, culpa, fraude, excesso de poder ou dissolução irregular. Somente a contar deste momento é que efetivamente o Exeqüente adquire sua pretensão executiva sobre os bens pessoais do sócio gerente. Antes desta constatação não é possível incluir a pessoa física ou jurídica administradora no pólo passivo da demanda, justamente, em razão da blindagem de seu patrimônio pessoal. 

Por seu turno, o STJ já sumulou no seu verbete nº. 435 que a paralização das atividades da empresa no domicílio fiscal, sem a necessária comunicação aos órgãos competentes, por si só, configura sua dissolução irregular e, por conseqüência, autoriza o redirecionamento da execução ao sócio-gerente.

É imperioso, ademais, para se aplicar a teoria da actio nata no redirecionamento da execução fiscal, demonstrar que a Fazenda promoveu regularmente o andamento do feito, inclusive, diligenciando a fim de excutir os bens da sociedade suficientes para adimplir a dívida, uma vez que somente após restar demonstrada a insolvência da sociedade é que a Fazenda poderá exigir a dívida dos sócios gerentes. 

A guisa de exemplo, segue a ementa do julgado da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. CITAÇÃO DA EMPRESA E DO SÓCIO-GERENTE. PRAZO SUPERIOR A CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA.

1. O Tribunal de origem reconheceu, in casu, que a Fazenda Pública sempre promoveu regularmente o andamento do feito e que somente após seis anos da citação da empresa se consolidou a pretensão do redirecionamento, daí reiniciando o prazo prescricional.

2. A prescrição é medida que pune a negligência ou inércia do titular de pretensão não exercida, quando o poderia ser.

3. A citação do sócio-gerente foi realizada após o transcurso de prazo superior a cinco anos, contados da citação da empresa. Não houve prescrição, contudo, porque se trata de responsabilidade subsidiária, de modo que o redirecionamento só se tornou possível a partir do momento em que o juízo de origem se convenceu da inexistência de patrimônio da pessoa jurídica. Aplicação do princípio da actio nata.

4. Agravo Regimental provido.

(AgRg no REsp 1062571 / RS, relator Ministro Herman Benjamin, DJe de 24.03.2009) (BRASIL, 2009, p.3).

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É incontroverso que a referida teoria não pode ser aplicada aleatória e em todos os casos de executivos fiscais, embasado na frágil premissa da supremacia do interesse público arrecadatório, no caso, a satisfação do crédito fiscal, sob pena de violação aos princípios e institutos tributários, bem como diante da possibilidade da dívida se transformar em imprescritível.

Por outro lado, é insustentável a tese de que a aplicação da mencionada teoria no redirecionamento, em caso, por exemplo, de dissolução irregular de sociedade limitada, gera a imprescritibilidade da dívida, uma vez que não há a alteração do lapso prescricional, mas apenas do marco inicial.

A prescrição é um instituto criado justamente para punir a inércia do titular da pretensão que não a exerceu no tempo devido. Porém, só flui a partir do momento que o titular adquire seu direito de reivindicar.

Remarque-se que o redirecionamento pressupõe a prática de atos pelos sócios-gerentes, administradores ou controladores que extrapolam os poderes que lhe foram conferidos ou ferem a lei, os quais, de qualquer sorte, na maior parte, não são detectados de imediato pelos órgãos fiscais.

Neste ponto, insta esclarecer que a atividade da autoridade fazendária na constituição do crédito tributário limita-se a verificar a ocorrência do fato gerador, a individualizar o sujeito devedor, a definir as alíquotas e estabelecer o valor devido, acrescendo as multas e juros, quando for o caso.

Não se enquadra, em regra, nas tarefas da referida autoridade, a apuração de ilícitos civis, comerciais ou fiscais. Melhor explicando, a fiscalização tributária não se baseia na má-fé do contribuinte, na perspectiva de que esteja praticando atos ilícitos com o fito de ludibriar o Fisco. De fato, o fundamento é, justamente, inverso, no sentido de que o sujeito passivo da obrigação tributária age com boa-fé. Tanto isso é verdade que a maior parte dos créditos fiscais é constituída por homologação, onde os sujeitos passivos declararam os tributos devidos, sujeitando-se a posterior ratificação da autoridade fazendária, modalidade já analisada nos tópicos anteriores.

Portanto, não há como exigir do Fisco o prévio conhecimento da irregularidade da empresa em razão de atos praticados pelo seu administrador, especialmente as que, por sua essência, só podem ser constatadas no desenrolar do processo na fase judicial.   

Deveras, aqui se enquadra o caso de dissolução irregular da sociedade que não possui patrimônio suficiente para honrar seus débitos, inclusive e principalmente, os fiscais, pois não houve o encerramento oficial e regular da empresa, com a necessária baixa junto aos órgãos competentes e pagamento dos tributos devidos.

Assim, em muitos casos, o redirecionamento da execução judicial para a pessoa dos sócios administradores só é possível a partir do momento em que a Fazenda toma conhecimento da lesão, da irregularidade perpetrada pelo gestor e, isso, às vezes, só pode ser verificável após anos de buscas infrutíferas por bens da empresa para satisfação do crédito, ou seja, após o exaurimento de todas as tentativas previstas em lei.

Nestas condições, ou seja, enquanto obscura a irregularidade ou o ato ilegal do administrador, não há de se falar em prescrição a pretensão ao redirecionamento, uma vez que esta ainda inexistia. Portanto, não se pode extinguir aquilo que não existe, não se tem. Com efeito, não se permite o redirecionamento no curso da execução antes de se exaurir os bens da empresa e comprovar a justa causa (ato praticado com excesso de poder, infração à lei ou dissolução irregular da sociedade).

Neste sentido, mesmo que seja admitida a existência da pretensão em relação ao sócio-gerente, passa-se a fluir a prescrição no momento em que a mesma, pode ser exercida pelo credor, consagrando assim o princípio da exercibilidade da pretensão. Nessa esteira, salienta Pontes de Miranda (apud JOSE TONILO, 2006, p.123):

Princípio da exercibilidade da pretensão – Há outras espécies em que o exercício e não o nascimento da pretensão, depende da vontade do credor. Rege o princípio da exercibilidade da pretensão: se depende, não do nascimento da pretensão , mas só o exercício (pretensão que só se pode exercer depois, ou após um fato ou ato), é da exercibilidade que se conta o prazo. Como, de regra, exercibilidade e pretensão nascem juntas, nada obsta a que se anuncie o princípio da coincidência do começo do prazo com o nascimento da pretensão.

Ressalte-se que não há que se falar em exercibilidade, pois, a Fazenda tem que, primeiramente, esgotar todos os meios para localizar a empresa devedora dissolvida irregularmente, para depois, por meio de medida judicial, autorizar o redirecionamento da execução fiscal, sendo retirada da exeqüente a exercibilidade da pretensão.         

 Nessa linha, é a inteligência do art. 202 do Código Civil que dispõe que interrompida a prescrição, esta só começa a correr a partir da data do ultimo ato do processo para a interromper.     

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Sobre o autor
Pablo Enrique Carneiro Baldivieso

Possui graduação em DIREITO pela Universidade Católica do Salvador (2005). É Mestre em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília (2014).Pós-graduado latu sensu em direito Público; Pós Graduado latu sensu em Direito Tributário. Atualmente é Juiz Federal Titular do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, 27ª Vara Federal de Pernambuco; É professor de direito constitucional - UNYANA e professor de direito processual civil da Faculdade Arnaldo Horácio Ferreira. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo, Tributário e Constitucional.Foi Juiz de Direito no Estado da Bahia, Ex-Procurador da Fazenda Nacional, tendo exercido a função de Procurador Seccional em Barreiras-Ba, foi Analista Judiciário do Tribunal de Justiça da Bahia e foi advogado militante.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BALDIVIESO, Pablo Enrique Carneiro. Teoria da actio nata na execução fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3488, 18 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23486. Acesso em: 25 abr. 2024.

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