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As microfinanças e sua oferta no Brasil

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04/02/2013 às 10:29

Resumo:


  • As microfinanças, principalmente por meio do microcrédito, são reconhecidas como ferramentas importantes na redução da pobreza em todo o mundo.

  • É necessário explorar novos mecanismos para aumentar o emprego de recursos do sistema financeiro nacional nas operações de microcrédito e ampliar a oferta de outros serviços de microfinanças.

  • Os bancos comunitários e os contratos de correspondente têm se destacado como alternativas interessantes para resolver a restrição na oferta de microfinanças, especialmente em comunidades de baixa renda.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4 Oferta de microfinanças

Como anteriormente afirmado, as microfinanças não se resumem ao microcrédito; elas envolvem a prestação de um espectro mais amplo de serviços de natureza financeira.

Sobre o assunto, pode-se argumentar que apenas um tipo de IMF, a cooperativa de crédito, encontra-se legalmente capacitada a oferecer, por conta própria, maior completude de operações da espécie.[39] Excetuando-se essas entidades, que são autorizadas a receber depósitos a vista e a prazo e a prover serviços de pagamentos via sistema financeiro[40], as demais, com destaque para as SCM e as OSCIP de microcrédito, podem apenas oferecer empréstimos.

É nesse ambiente que dois elementos têm ganhado evidência: as organizações chamadas bancos comunitários[41] e os contratos de prestação de serviço de correspondente no país, celebrados entre aqueles e as instituições financeiras, especialmente as interessadas em expandir-se territorialmente e dentro de uma clientela menos abastada.

4.1 Bancos Comunitários e Contratos de Correspondente

Algumas entidades sem fins lucrativos, com o objetivo de incrementar as atividades de cunho solidário realizadas na comunidade que atendem, têm-se dedicado à oferta de serviços de microcrédito, ao treinamento e ao desenvolvimento da capacidade profissional, administrativa e do empreendedorismo das pessoas do local e, de maneira bastante peculiar, ao fomento do consumo de bens produzidos e comercializados na região. Por meio da criação de sistemas de pagamentos alternativos, que fazem uso de papéis, vulgarmente chamados “moedas sociais”, destinados a circular no local e a servir de meio de troca por mercadorias e serviços fornecidos por empresários da região, as referidas entidades promovem importante estímulo ao desenvolvimento da economia local, mantendo ali os recursos financeiros que, antes, tendiam a serem utilizados fora da comunidade e criando alternativa à ausência de moeda oficial em volume suficiente para as transações econômicas do lugar. (CENTRO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL; BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. 2008, p. 26). As unidades administrativas dedicadas aos serviços de caráter financeiro nessas entidades têm sido chamados de bancos comunitários. (MENEZES, 2007, p. 50 et seq.).[42]

A administração dos bancos comunitários é usualmente empreendida pela própria comunidade, por meio dos órgãos gestores das entidades sem fins lucrativos, que desenvolvem parcerias com outros bancos comunitários[43] e com o Poder Público[44], por meio de convênios e acordos de suporte técnico. As decisões administrativas são, portanto, tomadas pelos membros da comunidade atendida, que determinam o conjunto de operações de caráter financeiro a ser oferecido à comunidade, as taxas de juros cobradas nos empréstimos, o montante destinado a cada mutuário, as formas de prestação de garantias, os mecanismos de acompanhamento e monitoração do pagamento dos empréstimos, as condições para renovação do mútuo, bem como a organização dos sistemas de moedas sociais, por intermédio da celebração de acordos com o comércio local para a aceitação das cédulas representativas de referidas moedas. (CENTRO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL; BANCO DO NORDESTE DO BRASIL, 2008, tópico 6.5, [s.p.]).[45]

A importância de a gestão dos bancos comunitários ser realizada por membros da própria comunidade atendida deve ser sublinhada, uma vez que, além de fortalecer a atuação política da comunidade, permite a superação ou substancial redução da assimetria de informação, que parece constituir um dos maiores obstáculos à concessão de crédito a indivíduos de baixa renda pelo setor bancário tradicional. Como mencionado em tópico anterior, em situações normais, o risco de inadimplência estimado por uma instituição financeira bancária em operações creditícias com pessoas de baixa renda é de tal forma elevado[46] que os custos de avaliar o perfil desse cliente, monitorar a utilização dos recursos, recolher o pagamento e, no caso de inadimplemento, promover a cobrança extrajudicial ou judicial – em conjunto, os custos de transação da operação –, de tão altos, tornam a operação de crédito proibitiva ou meramente desinteressante do ponto de vista do custo de oportunidade que tem a instituição financeira em relação a outras operações de maior volume com clientes de menor risco. (ZIMBALDI, 2005, p. 4; FACHINI, 2005, p. 31).[47]

Inobstante as qualidades apresentadas, essas entidades ou órgãos de entidades, conquanto sejam chamadas de “bancos” comunitários, não são instituições financeiras bancárias ou, sequer, instituições financeiras. Assim sendo, não se sujeitam à supervisão do BCB e às disposições da Lei 4.595, de 1964, não podendo, consequentemente, praticar atividades típicas de instituição financeira, sob pena de cometerem o crime tipificado no § 7º do art. 44 do mesmo diploma legal. Dentre outras, portanto, a eles é vedada a intermediação financeira, ou seja, a captação de recursos do público, por meio de depósitos, emissão pública de títulos ou outro meio, para destinação a empréstimos a outras pessoas. Também não têm acesso ao sistema de pagamentos,[48] não podendo efetuar transferências de fundos à ordem de seus “clientes”.

Por essas razões, os bancos comunitários não podem oferecer o conjunto completo de operações de microfinanças. Os óbices mencionados acima contrastam com o fato de serem essas entidades veículos bastante úteis para o fornecimento de microcrédito, à conta de sua proximidade com o público tomador e da metodologia que utilizam. Diante desse cenário, é mister investigar aspectos de um mecanismo contratual que vem permitindo a prestação de serviços acessórios à atividade bancária e pode atender à necessidade do público-alvo das microfinanças, seja por facilitar a canalização de recursos para operações de microcrédito, seja por permitir acesso a facilidades do Sistema Financeiro Nacional, ainda que de maneira limitada. Trata-se do contrato de correspondente no país, disciplinado pela Resolução CMN 3.954, de 24 de fevereiro de 2011.

Essencialmente, esse contrato visa a permitir que instituições integrantes do sistema financeiro nacional possam expandir sua presença no território nacional por meio da delegação a terceiros da prestação de determinados serviços, acessórios a sua atividade. Dessa forma, mediante avaliação de custo-benefício, pode a instituição interessada, em lugar de promover a abertura de uma dependência (agência ou posto de atendimento), contratar um estabelecimento comercial ou uma entidade sem fins lucrativos para realizar parte das atividades que aquela dependência realizaria.

Observando dados do sistema financeiro nacional (SOARES; MELO SOBRINHO, 2007, p. 128),[49] percebe-se que a alternativa representada pela contratação de correspondentes tem sido bastante atrativa para as instituições autorizadas pelo BCB. De 2001 a 2008, houve crescimento de 100% no número de correspondentes contratados por aquelas instituições. Não obstante, como já apontado, as IMF têm sido preteridas na escolha de grande parte das instituições financeiras, que preferem a contratação de grandes redes de supermercados, farmácias, lojas de departamentos, o que restringe seu acesso aos recursos e serviços existentes no Sistema Financeiro Nacional.

Como dito, a preferência exercida diz respeito, sobretudo, à apreciação dos benefícios dessa contratação, que será realizada em contraposição aos custos percebidos pela instituição interessada, neles incluídos, naturalmente, os custos de transação existentes nesse mercado, aspecto que será analisado no tópico seguinte.


Conclusão

O desenvolvimento das microfinanças, com uma metodologia própria e distinta da tradicionalmente utilizada pelos agentes do sistema financeiro, é de extrema importância para todas as sociedades em que as IMF apareceram e mostraram seu trabalho. A sistematização e a dedicação de muitas pessoas ao objetivo de prover acesso a recursos e a instrumentos financeiros aos menos favorecidos têm produzido novas técnicas e estruturas jurídicas que merecem o estudo daqueles comprometidos com a construção de uma sociedade melhor.

Ainda que não se possa atribuir às microfinanças e às instituições que a manipulam a responsabilidade pela superação da pobreza, das desigualdades sociais e demais mazelas que acompanham o subdesenvolvimento, é possível extrair, da observação e análise atentas das experiências bem-sucedidas, sua relevância ímpar para alcançar uma série de objetivos socialmente valiosos.

Como visto, muitos são os princípios fundamentais e objetivos elencados na Constituição da República para cuja concretização o sucesso de programas de microfinanças contribuem. Afinal, não somente em aspectos financeiros tendem as pessoas a evoluir, mas também em apoderamento de instituições, em organização política, enfim, em crescimento e fortalecimento de sua dignidade e cidadania. Nesse cenário, destaca-se a atuação dos bancos comunitários, pelas experiências de sucesso que deles têm sido relatadas e, principalmente, pela solução que têm buscado como alternativa para a carência de moeda oficial no interior da comunidade – a criação de “moedas sociais”; solução que serve também ao fomento da produção e do comércio no local e, em espectro mais amplo, presta sua contribuição ao necessário surgimento de economias locais robustas, voltadas para o atendimento das necessidades da região, como já há muito professava Celso Furtado.

Viu-se no tópico 3 que o arcabouço normativo voltado ao microcrédito no país é deveras substancial e que a soma de recursos direcionados do sistema bancário para essas operações é também relevante, embora aí não totalmente utilizada. À evidência, o sistema de apoio ao microcrédito pode ainda ser em muito ampliado, e aqui se pode identificar um campo para futura pesquisa acerca da melhoria dos sistemas de garantia de crédito (tais como os fundos de aval) ou mesmo de uma investigação que busque medir os reais benefícios dessas iniciativas, em comparação com seus custos para os cofres públicos, em franca perspectiva de análise econômica do direito.

Outro assunto que parece merecedor de ulteriores investigações é a sistemática de fornecimento de serviços financeiros por meio de correspondentes. Estudos voltados para a identificação e a superação de eventuais custos de transação na contratação de correspondentes poderiam fundamentar a mudança da política regulatória vigente, a fim de ampliar o fluxo dos recursos do sistema bancário para os tomadores de microcrédito e capacitar as IMF para oferecer a seus “clientes” uma gama mais completa de serviços de microfinanças.


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Sobre o autor
Danilo Takasaki Carvalho

Mestre em Direito (LSE, Reino Unido, 2011). Especialista em Contratos e Responsabilidade Civil (IDP, Brasil, 2009). Bacharel em Direito (USP, Brasil, 2004). Procurador do Banco Central do Brasil desde 2006.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Danilo Takasaki. As microfinanças e sua oferta no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3505, 4 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23593. Acesso em: 22 dez. 2024.

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