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A solução do conflito entre princípios pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: a técnica da proporcionalidade

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22/02/2013 às 17:43
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A PONDERAÇÃO É UMA RESPOSTA ADEQUADA AO PROBLEMA DO CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS?

Evidenciar-se-ia, então, uma mudança em termos de compreensão do Supremo Tribunal Federal sobre a questão da supremacia do interesse público. Todavia, os julgados existentes ainda revelariam que o dogma persiste; o que se teria admitido seria apenas a relativização através da técnica de ponderação da supremacia do interesse público em algumas situações especiais, mas com um caminho aberto para revisão dessa compreensão (BARACHO JÚNIOR, 2004:520). Cattoni de Oliveira, entretanto, apresenta uma outra leitura desse quadro:

O que eu discordo, em princípio, é quanto à afirmação de parte da doutrina atual segundo a qual, recentemente, o STF estaria relativizando o “princípio da supremacia do interesse público”, ao ponderar, usando como critério a proporcionalidade, interesse público (estatal) e interesse privado. Não penso assim. Há uma tendência jurisprudencial a se relativizar, isto sim, a distinção entre questões políticas e questões jurídicas, com conseqüências para a compreensão da separação de poderes, para o papel do STF, para a práxis e para a metódica constitucionais. Por exemplo, ao considerar que, no exercício do controle concentrado, o STF exerce “tarefas não somente jurídicas mas políticas”, ele é “legislador negativo”, mas também “legislador positivo”, ainda que excepcional, em prol de um “interesse público ou social maior” (2006:12).

A partir da crítica acima, deve ser posta uma questão: mesmo se o STF levasse a sério a ponderação – o que foi demonstrado que não ocorre, conforme a técnica desenvolvida por Alexy – poder-se-ia considerar essa uma resposta adequada ao paradigma procedimental do Estado Democrático de Direito?

Cattoni de Oliveira (2004:535), pautando-se no pensamento de Habermas (1998:327-333), apresentará uma resposta negativa à questão. Como problemas que pesem contra a sua utilização podem ser levantados os seguintes: (1) ao se admitir uma compreensão dos princípios jurídicos como mandamentos de otimização, aplicáveis de maneira gradual, Alexy emprega uma operacionalização própria dos valores: isso faria, então, com que os princípios perdessem a sua natureza deontológica, transformando o código binário do Direito em um código gradual;34 (2) como conseqüência desse raciocínio, o Direito passaria a indicar o que é preferível, ao invés de o que é devido;35 (3) o Direito – como pretensão de universalidade sobre a correção de uma ação – então, não mais pode ser considerado como um “trunfo”,36 como quer Dworkin, nas discussões políticas que envolvam o bem-estar de uma parcela da sociedade; desnatura-se, portanto, a tese de Rawls (2003:199; 1996:171) sobre a prevalência do justo sobre o bem; (4) além disso, a tese de Alexy nega a diferenciação entre discursos de justificação e discursos de aplicação, transformando a atividade judiciária em um poder constituinte permanente; e, por fim, (5) olvida-se da racionalidade comunicativa, uma vez que todo o raciocínio é pautado a partir de uma racionalidade instrumental, deixando a aplicação jurídica a cargo de um raciocínio de adequação de meios a fins, ficando para segundo plano a questão da legitimidade da decisão jurídica; exatamente por isso o raciocínio sobre a ponderação acaba por cair em um decisionismo de cunho irracionalista, isto é, ausência de uma racionalidade comunicativa (HABERMAS, 1998:332).37

Essas críticas servem para fomentar a discussão e sinalizam a necessidade de uma compreensão do Direito à luz do paradigma procedimental do Estado Democrático de Direito. Por isso, a proposta habermasiana desponta como a mais adequada. Mas as razões de tal opção transbordam os limites do presente artigo, devendo ser exploradas em outro estudo.


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Notas

1 Torna-se muito comum a afirmação de uma mudança hermenêutica no Direito brasileiro, ver, por exemplo, os trabalhos de Streck (2003) e Barroso e Barcelos (2004), que vêm desenvolvendo diversas pesquisas sobre o que seria essa “nova interpretação” assumida pelo Supremo Tribunal Federal em seus julgados.

2 “Na Suprema Corte Americana é possível identificar nitidamente alguns períodos nos quais houve a consolidação de determinados princípios de interpretação constitucional, como o período de prevalência do devido processo substantivo, entre 1905 e 1937, o período da Corte de Warren, a partir de 1954, até 1969, que foi um período fortemente interventivo em relação às leis estaduais. Ou, ainda, a suprema Corte da Década de 1990, que é uma Suprema Corte fortemente preocupada com o princípio federativo e, por outro lado, abandona, em certa medida, os direitos fundamentais como principal foco de sua atuação, possibilitando que os Estados tenham maior liberdade de atuação legislativa em questões que importam em restrição ao exercício de tais direitos” (BARACHO JÚNIOR, 2004:511).

3 Nesse sentido, encontra-se a lição de Bandeira de Melo (2003:60): “Trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo da sobrevivência e asseguramento deste último”. Todavia, nota-se que essa afirmação parte, ainda, de uma compreensão paradigmática do Direito que se olvida do atual paradigma procedimental do Estado Democrático de Direito. Como será explorado, no quarto capítulo, Habermas (1998) busca reconstruir os princípios do Estado de Direito e da Democracia para lançar uma compreensão não mais dicotômica da relação público/privado, mas, ao invés disso, eqüiprimordial. Para o filósofo alemão: “Os cidadãos só podem fazer um uso adequado de sua autonomia pública quando são independentes o bastante, em razão de uma autonomia privada que esteja equanimemente assegurada; mas também no fato de que só poderão chegar a uma regulamentação capaz de gerar consenso, se fizerem uso adequado de sua autonomia política enquanto cidadãos” (HABERMAS, 2002:294).

4 Como lembra Ávila (2005:176): “Axioma (usado, originalmente, como sinônimo de postulado) denota uma proposição cuja veracidade é aceita por todos, dado que não é nem possível nem necessário prová-la. Por isso mesmo, são os axiomas aplicáveis exclusivamente por meio da lógica, e deduzidos sem a intervenção de pontos de vista materiais”.

5 Como lembra Souza Júnior (2004:89), a figura de Rui Barbosa foi determinante para o desenvolvimento do debate sobre as questões políticas, pois “[p]ropunha um diálogo franco entre os grandes poderes do Estado, estipulados em textos formais, de um lado, e, de outro, os direitos individuais, taxativamente assegurados. A interpretação judicial desempenha, neste diálogo, a missão de mediação com o objetivo de evitar as possíveis colisões. Se os poderes exercidos extrapolam o círculo de competências, ou se direitos individuais são feridos, a intervenção judicial é legítima. Se se quer debater a existência constitucional de uma faculdade administrativa ou legislativa, também o judiciário será o assunto”.

6 Lembra Baracho Júnior (2004:514-515): “ Nesta [ADI], o Supremo Tribunal Federal interpretou o art. 100 de uma maneira que contraria os próprios anais da Assembléia Nacional Constituinte. O Constituinte pretendeu retirar os créditos de natura alimentícia desta forma de execução, qual seja, a execução através de precatórios. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, afirmou que a única especificidade que decore do art. 100 da Constituição é a possibilidade dos créditos de natureza alimentícia terem prioridade em relação a outros créditos contra a fazenda pública. Assim, os créditos alimentícios terão sempre prioridade na ordem de pagamento em relação a outros créditos”.

7 Sistema Istituzionale del diritto amministrativo ilaliano, 1960, p. 197, apud Bandeira de Melo (2003:57).

8 Segundo Salles (2003:59), Kenneth J. Arrow “demonstrou [seu teorema] no começo da década de 60. Arrow tomou hipoteticamente três indivíduos com poder para tomar uma decisão e, considerando que cada um deles tem uma ordem de preferências diferentes, demonstrou, matematicamente, que o cruzamento dessas preferências individuais pode levar a decisões inteiramentes aleatórias, dependendo de fatores estruturais do processo decisório”.

9 Aragão (2005:7) alerta para o risco de que supostos “interesses públicos” sejam utilizados pelo Estado como forma de justificar restrições aos direitos fundamentais. Cita, para tanto, dois precedentes norte-americanos: no primeiro, Dennis vs. United States, esse dogma possibilitou restrições à liberdade de manifestação de idéias que fossem consideradas esquerdistas; no outro, Korematsu vs. United States, permitiu que cidadãos norte-americanos de origem japonesa ficassem confinados em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.

10 Ver HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990; HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Taurus, 1987. 2 v. (Tomo I: Racionalidad de la acción y racionalización social; Tomo II: Crítica de la razón funcionalista); e FERREIRA, Rodrigo Mendes. Individualização e Socialização em Jürgen Habermas: um estudo sobre a formação discursiva da vontade. São Paulo: Annablume, 2000.

11 “De fato, se no Estado Liberal o público correspondia ao Estado e o privado a uma sociedade civil regida pelo mercado, considerada como o locus em que indivíduos perseguiam egoisticamente seus interesses particulares, robustece-se agora um terceiro setor, que é público, mas não estatal. Ele é composto por ONG’s, associações de moradores, entidades de classe e outros movimentos sociais, que atuam em prol de interesses da coletividade, e agem aglutinando e canalizando para o sistema político demandas importantes, muitas vezes negligenciadas pelas instâncias representativas tradicionais” (SARMENTO, 2005:48).

12 “[...] Cuanto mayor es el grado de la no satisfacción o de afectación de un principio, tanto mayor tiene que ser la importancia de la satisfacción del otro”.

13 A popularidade do método da ponderação adquire cada dia mais destaque nos julgamento proferidos pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF). Tanto assim, que Barroso e Barcelos (2004:471) e Baracho Júnior (2004:520) defendem que sua adoção representa uma mudança no curso da interpretação levada a cabo pelo tribunal, equivalendo à adoção de uma Nova Hermenêutica na Jurisprudência do STF. O precedente representado pelo HC n. 82.424/RS mostra-se como exemplo de uma aplicação prática da teoria de Alexy. Isso porque o caso ganhou notoriedade por examinar um suposto conflito entre os princípios da liberdade de expressão e da dignidade da pessoa humana, envolvendo a acusação de prática de racismo durante a publicação de livros anti-semitas. As bases da ponderação foram bem explicitadas através dos votos dos Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio.

14 Cabe destacar, desde já, que, diferentemente de Alexy, Dworkin desenvolve sua teoria levando em conta o giro hermenêutico empreendido por Heidegger e Gadamer, sendo que o último irá adotar uma postura de ruptura com as posições objetivistas de Schleiermacher e Dilthey, radicalizando a experiência hermenêutica e se apoiando principalmente no modo de ser do Dasein (do ser-aí) heideggeriano. Desta forma, a Hermenêutica Filosófica entende que “a compreensão humana se orienta a partir de uma pré-compreensão que emerge da eventual situação existencial e que demarca o enquadramento temático e o limite de validade de cada tentativa de interpretação” (GRONDIN, 1999:159). Os reflexos da percepção de tal “consciência histórica” podem ser sentidos no pensamento de Dworkin, como lembra Carvalho Netto: “Para ele, a unicidade e a irrepetibilidade que caracterizam todos os eventos históricos, ou seja, também qualquer caso concreto sobre o qual se pretenda tutela jurisdicional, exigem do juiz hercúleo esforço no sentido de encontrar no ordenamento considerado em sua inteireza a única decisão correta para este caso específico irrepetível por definição” (1999:475).

15 Importante lembrar a colocação de Cattoni de Oliveira (2001:77-78) no sentido de que, para Alexy (2001:17-18), a racionalidade de um discurso prático pode ser mantida se forem satisfeitas as condições expressas por um sistema de regras ou procedimentos.

16 Aqui é preciso lembrar, que Alexy toma como referência de norma o conceito “semântico” de norma (GALUPPO, 1999:135-136) presente já em Kelsen (1999), de modo que compreende que a norma é o significado extraído de um enunciado.

17 Nesse sentido, ver Hart (1994:321-325) em resposta a distinção dworkiana entre princípios e regras.

18 “Para Josef Esser, princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado. Mais do que uma distinção baseada no grau de abstração da prescrição normativa, a diferença entre os princípios e as regras seria uma distinção qualitativa. O critério distintivo dos princípios em relação às regras seria, portanto, a função de fundamento normativo para a tomada de decisão” (ÁVILA, 2004:27).

19 Muitos autores atribuem a Alexy a originalidade da distinção entre regras e princípios; todavia, esses se olvidam do importante ensaio publicado por Dworkin, Model of Rules, originalmente, na Chicago Law Review nº. 35 (1967-1968), sendo, depois, republicado como o capítulo 2 da obra Levando os Direitos a Sério (com tradução para o português pela Editora Martins Fontes, em 2002). Todavia, importante lembrar, mais uma vez, que a distinção dworkiana se pauta pelo prisma lógico-argumentativo, e não por critéiros estruturais – ou morfológicos –. Reconhecendo isso, tem-se Sarmento (2000:44).

20 “No caso das colisões entre princípios, portanto, não há como se falar em um princípio que sempre tenha precedência em relação a outro. [...] É por isso que não se pode falar que um princípio P1 sempre prevalecerá sobre o princípio P2 – (P1 P P2) –, devendo-se sempre falar em prevalência do princípio P1 sobre o princípio P2 diante das condições C – (P1 P P2) C” (AFONSO DA SILVA, 2005:35).

21 Isso pode ser percebido no julgamento do HC n. 82.424/RS. Como já comentado, o STF identificou um conflito envolvendo os princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade de expressão. Em momento algum, afirmou-se que a dignidade da pessoa humana (ou mais exatamente, não discriminação) seria hierarquicamente superior à liberdade de expressão. Assim, um ou outro princípio pode ser ponderado através de sua aplicação gradual no caso sub judice. Assim, como bem reconhece o Min. Marco Aurélio em seu voto, “as colisões entre princípio [sob essa ótica] somente podem ser superadas se algum tipo de restrição ou de sacrifício formem impostos a um ou os dois lados. Enquanto o conflito entre regras resolve-se na dimensão da validade, [...] o choque de princípios encontra solução na dimensão do valor, a partir do critério da ‘ponderação’, que possibilita um meio-termo entre a vinculação e a flexibilidade dos direitos”.

22 “[...] principios son normas que ordenan que se realice algo en la mayor medida posible, en relación con las posibilidades jurídicas y fácticas. Los principios son, por consiguiente, mandatos de optimización que se caracterizan por que pueden ser cumplidos en diversos grados y porque la medida ordenada de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades fácticas, sino también de las posibilidades jurídicas. […] En cambio, las reglas son normas que exigen un cumplimiento pleno y, en esa medida, pueden siempre ser sólo o cumplidas o incumplidas. Si una regla es válida, entonces es obligatorio hacer precisamente lo que ordena, ni más ni menos. Las reglas contienen por ello determinaciones en el campo de lo posible fáctica y jurídicamente”.

23 Afonso da Silva (2002:25) alerta que, devido à influência das traduções espanholas das obras de Alexy, tornou-se comum referir-se aos princípios como “mandados de otimização”. Todavia, trata-se de utilização imprópria, preferindo esse autor o termo mandamentos de otimização.

24 “Con la ayuda de conceptos de valor clasificatorios se puede decir que algo tiene un valor positivo, negativo o neutral; con la ayuda de conceptos de valor comparativos, que a un objeto que hay que valorar le corresponde un valor o el mismo valor que a otro objeto y, con la ayuda de conceptos de valor métricos, que algo tiene un valor de determinada magnitud”.

25 “La diferencia entre principios y valores se reduce así a un punto. Lo que en el modelo de los valores es prima facie lo mejor es, en el modelo de los principios, prima facie debido; y lo que en el modelo de los valores es definitivamente lo mejor es, en el modelo de los principios, definitivamente debido” (ALEXY, 1997:147).

26 Apenas para demarcar a dissonância, adianta-se que tese alexyana é refutada tanto por Dworkin quanto por Habermas, que defendem a impossibilidade de equiparar princípios a valores, sob pena de desnaturar a própria lógica de aplicação normativa. Ambos os autores ainda lançarão mão não de uma diferenciação morfológica entre princípios e regras, preferindo o que se pode considerar como uma distinção em razão da natureza lógico-argumentativa.

27 Afonso da Silva (2002:24-27) sustenta que seria errônea a referência à técnica da ponderação como “princípio da proporcionalidade”. Segundo o autor, “[o] chamado princípio da proporcionalidade não pode ser considerado um princípio, pelo menos não com base na classificação de Alexy, pois não tem como produzir efeitos em variadas medidas, já que é aplicado de forma constante, sem variações”. Dessa forma, tratar-se-ia de uma regra de ponderação, aplicável por meio da subsunção, bem como suas sub-regras. Ávila (2005) refere-se a um dever de proporcionalidade, termo considerado correto por Afonso da Silva, mas pouco adequado, já que a idéia de dever remete apenas ao gênero norma jurídica, sem explicitar sua espécie – princípios ou regras. Também não se deve confundir proporcionalidade com racionalidade, como lembra Afonso da Silva (2002:28). Muitos juristas tratam como se fossem termos sinônimos, como se proporcionalidade fosse o termo adotado pelos autores de tradição germânica, ao passo que a razoabilidade tivesse sua difusão na tradição do common law. Segundo o constitucionalista, a diferenciação se dá não pela origem, mas pela estrutura. “A regra da proporcionalidade no controle das leis restritivas de direitos fundamentais surgiu por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e não é uma simples pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional alemã, tem ela uma estrutura racionalmente definida, com subelementos independentes – a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito –, que são aplicados em uma ordem pré-definida e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a diferencia, claramente, da mera exigência de razoabilidade” (AFFONSO DA SILVA, 2002:30). É, por isso, que esse autor afirma que o STF apenas consegue exercer sua função nos limites da razoabilidade, pouco ou nada compreendendo sobre a dimensão da proporcionalidade. O órgão judicante, então, apenas mencionaria as sub-regras da proporcionalidade, sem, contudo, analisá-las perante o caso específico que tem a sua frente.

28 “[...] el agregado del nivel de los principios conduce sólo condicionadamente a una vinculación en el sentido de una determinación estricta del resultado. También después de la eliminación de las lagunas de apertura a nivel de las reglas quedan las lagunas de indeterminación del nivel de los principios. Sin embargo, de aquí no podrían inferirse un argumento a favor del modelo de la regla e en contra del modelo regla/principio, tampoco si ésta fuera la última palabra. Lo que hasta ahora se ha descrito, el nivel de la regla y el de los principios, no proporciona un cuadro completo del sistema jurídico. Ni los principios ni las reglas regulan por sí mismos su aplicación. Si se quiere obtener un modelo completo, hay que agregar al costado pasivo uno activo, referido al procedimiento, de la aplicación de las reglas y los principios. Por lo tanto, los niveles de las reglas y los principios tienen que ser completados con un tercer nivel. En un sistema orientado por el concepto de la razón práctica, este tercer nivel puede ser sólo al de un procedimiento que asegura la racionalidad” (ALEXY, 1997b:173, grifos nossos).

29 Sobre isso, um maior detalhamento pode ser obtido pela leitura do capítulo 3 da obra ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.

30 Em consonância com essa afirmação, tem-se Souza Cruz (2004:164-165), que observa que Alexy irá divergir da Corte Constitucional alemã, uma vez que essa exige a relativização de todos os direitos fundamentais, inclusive o da dignidade humana (ALEXY, 1997:108-109). Assim, a adoção pelo paradigma procedimental sustenta uma proteção aos direitos fundamentais por um aspecto dialógico do discurso e conforme a racionalidade do método de ponderação.

31 “Se simplesmente as enunciarmos, independentemente de qualquer ordem, pode-se ter a impressão de que tanto faz, por exemplo, se a necessidade do ato estatal é, no caso concreto, questionada antes ou depois da análise da adequação ou da proporcionalidade em sentido estrito. Não é o caso. A análise da adequação precede a da necessidade, que, por sua vez, precede a da proporcionalidade em sentido estrito” (AFONSO DA SILVA, 2002:34).

32 “A impressão que muitas vezes se tem, quando se mencionam as três sub-regras da proporcionalidade, é que o juiz deve sempre proceder à análise de todas elas, quando do controle do ato considerado abusivo. Não é correto, contudo, esse pensamento. É justamente na relação de subsidiariedade acima mencionada que reside a razão de ser da divisão em sub-regras” (AFONSO DA SILVA, 2002:34).

33 Afonso da Silva (2002:39-40) destaca que, durante o julgamento da ADC n. 9-6, deixou-se de proceder à identificação de medidas alternativas para a crise brasileira de energia, mesmo havendo outras soluções que foram apresentadas e discutidas pelos meios de comunicação na época. Logo, ficou prejudicada a aplicação da proporcionalidade neste caso específico.

34 “O Direito, ao contrário do que defende uma jurisprudência dos valores, possui um código binário, e não um código gradual: que normas possam refletir valores, no sentido de que a justificação jurídico-normativa envolve questões não só acerca de o que é justo para todos (morais), mas também acerca de o que é bom, no todo e a longo prazo para nós (éticas), não que dizer que elas sejam ou devam ser tratadas como valores [...]” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:88-89, grifos no original).

35 “[...] normas – quer como princípios, quer como regras – visam ao que é devido, são enunciados deontológicos: à luz de normas, posso decidir qual é a ação ordenada. Já valores visam ao que é bom, ao que é melhor; condicionados a uma determinada cultura, são enunciados teleológicos: uma ação orientada por valores é preferível. Ao contrário das normas, valores não são aplicados mais priorizados” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:90). Em outro texto, lembra o mesmo autor: “[...] ou nós estamos diante de uma conduta ilícita, abusiva, criminosa, ou então, do exercício regular, e não abusivo, de um direito. Tertium non datur! Como é que uma conduta pode ser considerada, ao mesmo tempo, como lícita (o exercício de um direito à liberdade de expressão) e como ilícita (crime de racismo, que viola a dignidade humana), sem quebrar o caráter deontológico, normativo, do Direito? Como se houvesse uma conduta meio lícita, meio ilícita?” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006:6-7, grifos no original); é por isso mesmo que: “Esse entendimento judicial, que pressupõe a possibilidade de aplicação gradual, numa maior ou menor medida, de normas, ao confundi-las com valores, nega exatamente o caráter obrigatório do Direito. Tratar a Constituição como uma ordem concreta de valores é pretender justificar a tese segundo a qual compete ao Poder Judiciário definir o que pode ser discutido e expresso como digno de valores, pois haveria democracia, nesse ponto de vista, sob o pressuposto de que todos os membros de uma sociedade política compartilham, ou tenham de compartilhar, de um modo comunitarista, os mesmos supostos axiológicos, uma mesma concepção de vida e de mundo. Ou, o que também é incorreto, que os interesses majoritários de uns devem prevalecer, de forma utilitarista, sobre os interesses minoritários de outros, quebrando assim, o princípio do reconhecimento recíproco de igual direitos de liberdade a todos” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006:7, grifo no original).

36 “[...] um direito não pode ser compreendido como um bem, mas como algo que é devido e não como algo que seja meramente atrativo. Bens e interesses, assim como valores, podem ter negociada a sua ‘aplicação’, são algo que se pode ou não optar, já que se estará tratando de preferências otimizáveis. Já direito não. Tão logo os direitos sejam compreendidos como bens e valores, eles terão que competir no mesmo nível que esses pela prioridade no caso individual. Essa é uma das razões pelas quais, lembra Habermas, Ronald Dworkin haver concebido os direitos como ‘trunfos’ que podem ser usados nos discursos jurídicos contra os argumentos de políticas” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:90-91).

37 Nesse sentido, Cattoni de Oliveira (2006:5) denuncia que, no caso do HC 82.424-2 (Relator Min. Maurício Correia), o raciocínio de ponderação, que se supunha atingir uma solução objetiva para o caso concreto, acaba por atingir resultados contrários nos votos dos Min. Gilmar Mendes e Marco Aurélio ao buscar solucionar a suposta colisão entre dignidade humana e liberdade de expressão, tomados como valores. 


ABSTRACT: The following article intent rebuilt the argumentative base of the STF’s precedents in order to demonstrate that the public interest cannot assume supremacy over the private one. In Brazilian law, this understanding is a result of the use of the Robert Alexy’s technique of “balancing” between principles. In the end, concludes such technique is not appropriate to a Constitutional Estate.

KEYWORDS: Public and private interests; adjudication and conflict between principles; legitimacy of adjudication.

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Sobre o autor
Flávio Quinaud Pedron

Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Professor do Mestrado da Faculdade Guanambi (Bahia). Professor Adjunto no curso de Direito do IBMEC/MG. Professor Adjunto da PUC-Minas (graduação e pós-graduação). Advogado em Belo Horizonte (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDRON, Flávio Quinaud. A solução do conflito entre princípios pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: a técnica da proporcionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3523, 22 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23801. Acesso em: 26 abr. 2024.

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