Resumo: A presente monografia propõe-se a relacionar a estigmatização do criminoso com o insucesso do objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, haja vista a diversidade de efeitos negativos da prisionização que dificultam o retorno do indivíduo à sociedade, impelindo-o a assumir a carreira delitiva. Para tanto, utilizou-se o conceito de rotulação oferecido pela Labeling Theory de Howard Becker, a fim de averiguar de que forma a prisão age sobre a visão que a sociedade tem do internado e a percepção que este tem de si mesmo. O objetivo maior deste trabalho é promover o debate multidisciplinar em torno da pena de prisão, utilizando conceitos da Sociologia e da Psicologia para enriquecer e atualizar as Ciências Jurídicas no estudo da criminalidade, de modo a dar subsídios à apresentação de propostas alternativas de execução penal e à prevenção da reincidência. A pesquisa foi conduzida a partir do método categórico-dedutivo, utilizando-se a abordagem fenomenológica, e valeu-se do método exploratório, tendo sido a coleta de dados feita por meio de pesquisa bibliográfica em Direito, Sociologia e Psicologia e na legislação nacional. Os dados coletados foram interpretados qualitativamente, relacionando-se o caráter estigmatizante da prisão com a reincidência e o fracasso da prevenção especial, a partir de sua análise subjetiva. Ao fim, concluiu-se que o abuso do cárcere enquanto pena privativa de liberdade é fator determinante para os altos índices de reincidência no País, sendo a prisionização um dos seus efeitos mais nefastos, porquanto “destreina” o apenado ao convívio em liberdade, agravando sua exclusão.
Palavras-chave: prisão, Labeling Theory, estigmatização, pena, ressocialização.
Sumário: Resumo. 1. Introdução. 2. Funções da pena no Estado Democrático de Direito. 2.1. Teorias absolutas ou retributivas da pena. 2.2. Teorias relativas ou preventivas da pena. 2.2.1. A prevenção geral. 2.2.2. A prevenção especial. 2.3. Teoria mista ou unificadora da pena. 3. História e evolução da pena de prisão. 3.1. A Antiguidade. 3.2. A Idade Média. 3.3. A Idade Moderna. 3.3.1. Causas da transformação da prisão-custódia em prisão-pena. 3.4. Os reformadores: Beccaria, Howard, Bentham. 3.4.1. Cesare Beccaria. 3.4.2. John Howard. 3.4.3. Jeremy Bentham. 4. A Labeling Theory ou Teoria da Rotulação. 4.1. Escorço histórico. 4.2. Outsiders. 4.3. O desvio. 4.4. Carreiras desviantes. 4.4.1. Subculturas desviantes. 4.5. As regras e sua imposição. 4.5.1. Criadores de regras. 4.5.2. Impositores de regras. 5. A recepção da Labeling Theory no Direito Penal. 6. Efeitos criminógenos da prisão. 6.1. A prisionização e seus efeitos. 7. Conclusão. Referências bibliográficas
1. INTRODUÇÃO
A história da humanidade é caracterizada, desde que passou a compor-se de grupos cada vez mais numerosos e perenes de homens em busca de segurança e de melhores condições de vida para o desenvolvimento da espécie, pela defesa da coesão e manutenção da integridade da comunidade. Os atos propensos a pôr em risco sua existência são punidos desde então, de diferentes formas ao longo do tempo.
Em princípio, a punição consistia em pura vingança ao mal praticado; era brutal e imediata, pois partia do próprio ofendido de forma privada, já que não existia uma estrutura punitiva organizada e complexa com tal atribuição. Posteriormente, à medida que a noção de Estado se desenvolveu paralelamente à evolução do próprio homem, o controle social foi sendo paulatinamente atribuído ao Poder Público - abstração responsável pelo bem-estar comum e pela defesa dos interesses sociais -, e as penas passaram a ter a função não só de retribuir o crime, mas de promover a “cura” do delinquente, para que este pudesse voltar a viver em sociedade sem violar o pacto social.
A partir do Iluminismo, com a retomada do antropocentrismo e a valorização do homem como indivíduo, surgiu a necessidade de se racionalizar e humanizar as penas infligidas aos delinquentes, a fim de que sua dignidade fosse preservada e de modo a dar-lhe a oportunidade de recuperar sua cidadania, voltando ao saudável convívio social. A pena de morte, as penas corporais e as infamantes – castigos comuns à época - passaram a ser duramente criticadas por eminentes pensadores da época, e a reforma do sistema punitivo tornou-se premente.
Nesse contexto, em fins do século XVI, o modelo prisional foi proposto como forma alternativa de punição, a partir da criação das primeiras workhouses na Inglaterra. Nelas, buscava-se a correção do delinquente por intermédio do trabalho penoso e da instrução religiosa, modelo que vigeu durante muito tempo. Posteriormente, outros modelos foram desenvolvidos, mas sempre fundamentados basicamente na privação da liberdade, no trabalho e na religião. No entanto, com o passar do tempo, as elevadas taxas de reincidência revelaram que a prisão não cumpre exatamente a função que dela se esperava; ao contrário, mostrou-se uma verdadeira “escola de criminosos”, porquanto favorece o surgimento de subculturas carcerárias de indivíduos que compartilham entre si experiências e conhecimentos sobre como cometer delitos sem ser capturado; dessa integração surgem facções criminosas e delinquentes profissionais, que adotam a carreira delitiva como meio de sobrevivência.
Para explicar a falência da pena de prisão, utilizamos a Labeling Theory - ou Teoria da Rotulação ou da Reação Social -, inaugurada pela publicação do livro Outsiders, do cientista social norte-americano Howard Becker no início dos anos 1960, o qual representou uma verdadeira revolução no conhecimento a respeito do que se entendia por “delinquência”. A transgressão passou a ser vista como desvio social, de modo que este seria resultante de um processo de rotulação que envolveria, além do comportamento dos indivíduos definidos como desviantes, aqueles que formulam as regras sociais e suas sanções, bem como os designados para fazê-las cumprir. Assim, a criminalidade passou a ser entendida como a reação social ao desvio, a partir de regras formuladas por uma parcela reduzida da sociedade que refletem seus próprios valores e interesses.
Com a recepção da Labeling Theory nas Ciências Criminais, surgiu uma nova corrente criminológica – a Criminologia Crítica -, segundo a qual a falência da pena de prisão e a incapacidade do sistema punitivo de promover a ressocialização dos delinquentes acabaram por retirar do Direito Penal vigente a legitimidade a ele atribuída de detentor do poder punitivo; admite, então, que o sistema penal é apenas um instrumento para a manutenção da estrutura vertical da sociedade, marginalizando as classes mais baixas, a fim de que as relações de poder se mantenham sempre em favor das classes de maior poder econômico, que são as responsáveis, afinal, por fazer as regras e definir a quem estas serão aplicadas.
É sob tais fundamentos que desenvolvemos nossa análise, procurando relacionar a estigmatização do criminoso no contexto prisional com o insucesso do objetivo ressocializador da pena, haja vista a diversidade de efeitos negativos, tanto de ordem sociológica quanto psicológica, relacionados ao cárcere, que levam o indivíduo a assumir a carreira delitiva. Dessa forma, o objetivo maior deste trabalho é promover o debate multidisciplinar em torno da pena de prisão, utilizando conceitos da Sociologia e da Psicologia para enriquecer e atualizar as Ciências Jurídicas no estudo da criminalidade, a fim de que sejam estudadas novas propostas viáveis para a execução penal e que cumpram o fim ressocializador da pena.
A pesquisa foi conduzida a partir do método categórico-dedutivo, utilizando-se a abordagem fenomenológica, e valeu-se do método exploratório, tendo sido a coleta de dados feita essencialmente por meio de levantamento bibliográfico nas searas do Direito Penal, da Execução Penal, da Criminologia, da Sociologia e da Psicologia, mormente em livros científicos das referidas disciplinas e na legislação nacional. Os dados coletados foram interpretados qualitativamente, relacionando-se o caráter estigmatizante da prisão com a reincidência, em especial as carreiras delitivas, a partir de sua análise subjetiva. A partir disso, após a comparação dos resultados obtidos na pesquisa bibliográfica com as hipóteses levantadas em nosso projeto monográfico, concluiu-se que o cárcere, ao invés de promover a função de reintegrar o egresso à sociedade, age como verdadeiro fator criminógeno sobre o reeducando, compelindo-o a assumir a identidade de “criminoso” e a reincidir na delinquência.
O trabalho foi desenvolvido em quatro partes: na primeira delas expomos as principais correntes relativas aos fins da pena, a partir de suas origens históricas; na segunda, traçamos as linhas gerais da história e evolução da pena de prisão; na terceira, abordamos a Labeling Theory e o problema da estigmatização; e, por fim, na quarta parte, demonstramos a incompatibilidade hoje existente entre a pena de prisão e o objetivo ressocializador pretendido pelo nosso Código Penal, em virtude de sua própria natureza excludente e desumanizadora.
2. FUNÇÕES DA PENA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Desde há muito na história da civilização humana a pena tem sido utilizada como forma de punição de determinadas condutas repudiadas pelo corpo social; no entanto, somente a partir do surgimento do conceito de Estado a pena passou a ter contornos mais definidos, porquanto está intimamente relacionada ao modelo socioeconômico e à forma de Estado em que se desenvolve.
Segundo Cezar Roberto BITENCOURT (2007, p. 80), a pena tem o condão de “facilitar e regulamentar a convivência dos homens em sociedade”, bem como de “proteger de eventuais lesões determinados bens jurídicos, assim considerados, em uma organização socioeconômica específica”; contudo, tais fins somente são percebidos indiretamente na sociedade. Os fins retributivo e preventivo são, tradicionalmente, os fins da pena por excelência, conforme se verá mais aprofundadamente nas seções seguintes, pois se relacionam mais diretamente com a culpabilidade de quem se pretende punir.
Não obstante existam hoje diversas teorias relativas à função da pena, por questões didáticas analisaremos neste trabalho tão-somente as funções clássicas de retribuição e prevenção, concluindo com a teoria mista ou unificadora, que é a mais difundida e aceita atualmente, inclusive no ordenamento jurídico brasileiro.
2.1. Teorias absolutas ou retributivas da pena
Para melhor compreendermos a ideia de pena em sentido absoluto, iniciaremos sua análise a partir da organização político-social que lhe deu origem - o Estado absolutista.
O absolutismo tem como principal característica a concentração da autoridade do Estado, do Direito, da moral e da religião na pessoa do príncipe, cujo poder era concedido, acreditava-se, diretamente por Deus. Assim, o soberano representava não somente o Estado, mas detinha em si todo o poder legal e de justiça. A concepção que então se tinha de pena era a de que constituía um castigo com o intuito de expiar um mal eventualmente cometido – o pecado -, visto que qualquer transgressão à autoridade do rei consistia, em última análise, numa desobediência ao próprio Deus.
Posteriormente, com o fortalecimento do comércio e a ascensão e consolidação da burguesia como classe dominante, a partir do mercantilismo, surgiu a necessidade de se fazer uma revisão da concepção que se tinha até então de Estado. Este passou a ser visto como expressão soberana da vontade do povo, tendo como fundamento a teoria do contrato social e da divisão dos poderes, cujos postulados foram construídos por expoentes do Iluminismo - movimento que tinha viés político-ideológico eminentemente liberal.
Dessa forma, o crime representava não mais um pecado contra a autoridade divina do soberano, mas uma perturbação da ordem jurídica que fora adotada consensualmente pelos homens no contrato social e firmada pelas leis; a pena deixou de ser expiação e passou a ter o caráter de retribuição pela perturbação à ordem jurídica, e cuja finalidade se refletia na necessidade de restaurar a ordem da interrupção causada pelo crime.
Segundo o pensamento retribucionista, à pena é atribuída a incumbência de realizar a Justiça, compensando a culpa do autor com a imposição de um mal, visto que “o fundamento da sanção estatal está no questionável livre-arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto” (BITENCOURT, 2007, p. 83), cabendo ao indivíduo manter-se fiel ao contrato social deixando de praticar atos que ponham em risco a integridade da sociedade.
2.2. Teorias relativas ou preventivas da pena
Muito embora a pena seja entendida, tanto nas teorias absolutas quanto nas relativas, como um “mal necessário”, para estas últimas a pena não visa a retribuir o crime cometido, mas sim a prevenir a sua prática tanto quanto possível. O autor do delito seria punido não pelo simples fato de ter delinquido, mas para que se abstivesse de cometer novos crimes.
Os estudiosos atribuem a formulação mais antiga das teorias preventivas a Sêneca, que afirmou: “nenhuma pessoa responsável castiga pelo pecado cometido, mas sim para que não volte a pecar” (HASSEMER, 1984 apud BITENCOURT, 2007, p. 89). Assim, a necessidade da pena não se fundamenta na ideia de realizar justiça, mas na função de inibir a prática de novos fatos delitivos.
A partir de Feuerbach, a doutrina da função preventiva da pena dividiu-se em duas correntes: a da prevenção geral e a da prevenção especial.
2.2.1. A prevenção geral
Feuerbach formulou a “teoria da coação psicológica”, uma das primeiras proposições jurídico-científicas fundamentadoras da prevenção geral, para sustentar a afirmação de que é através do Direito Penal que se pode solucionar o problema da criminalidade. Este objetivo é alcançado, por um lado, com a cominação penal, ou seja, com a ameaça da aplicação de uma pena às ações tipificadas pela lei como sendo injustas; e, por outro lado, com a aplicação efetiva da pena cominada, a fim de que seja demonstrada a clara disposição do Direito de cumprir a ameaça consubstanciada na lei.
Como bem observa BITENCOURT (2007, p. 90), “[...] Na concepção de Feuerbach, a pena é, efetivamente, uma ameaça da lei aos cidadãos para que se abstenham de cometer delitos; é, pois, uma ‘coação psicológica’ com a qual se pretende evitar o fenômeno delitivo”. Assim, pode-se dizer que a prevenção geral se baseia em duas ideias básicas: a da intimidação criada pela possibilidade de imposição de uma pena, e a ponderação do homem em posicionar-se racionalmente diante da ameaça cominada pela lei, deixando de delinquir.
No entanto, a crítica feita à tese da prevenção geral lembra que, não obstante a cominação da pena possa exercer alguma motivação no homem no sentido de abster-se de praticar crimes, não leva em consideração sua confiança em não ser descoberto ou mesmo se a motivação de agir de acordo com a lei é proveniente, de fato, do temor diante da ameaça da pena. Assim, conclui-se que nem sempre a ameaça de imposição de uma pena é suficiente para impedir o delinquente de realizar o ato delitivo.
Além disso, não se pode pretender solucionar definitivamente o problema da criminalidade por meio da intimidação desmedida, sob pena de instituir-se um Direto Penal do Terror. Contudo, o que se observa na atualidade é que está havendo um agravamento desproporcional das penas em nome de uma discutível prevenção geral (BITENCOURT, 2007, p. 92), em detrimento da justiça na aplicação da pena.
2.2.2. A prevenção especial
Assim como a prevenção geral, a teoria da prevenção especial procura evitar a prática do delito, mas, ao invés de utilizar-se da intimidação, se dirige especificamente ao delinquente em particular, para que este não venha a delinquir novamente.
As ideias que fundamentam a prevenção especial surgiram com a crise do Estado liberal, na transição para o capitalismo industrial. Nesse período, os avanços científicos e tecnológicos, associados ao desenvolvimento industrial, criaram as condições ideais para o crescimento demográfico desenfreado e o êxodo rural massivo, elementos que, aliados à insatisfação popular com as condições precárias de exploração do trabalho, representavam um perigo em potencial para a nova ordem estabelecida pelo capitalismo industrial.
Nesse contexto de insatisfação dos despossuídos, o interesse jurídico-penal deixou de ser a restauração da ordem jurídica ou a intimidação geral dos membros do corpo social e concentrou seus esforços na defesa da ordem social. Assim, “[...] O delito não é apenas a violação à ordem jurídica, mas, antes de tudo, um dano social, e o delinquente é um perigo social (um anormal) que põe em risco a nova ordem” (BITENCOURT, 2007, p. 93).
Segundo Von Liszt, maior expoente da doutrina preventivo-especial, a aplicação da pena deve obedecer a uma ideia de ressocialização e reeducação do delinquente, de intimidação dos que não necessitam ser ressocializados e de neutralização dos criminosos considerados incorrigíveis. Em síntese, sua tese pode ser representada por três palavras: correção, intimidação e inocuização. O fundamento desse pensamento é o de que haveria homens “bons”, ou seja, os considerados normais, que não representam nenhum perigo à sociedade, e homens “maus”, os anormais e perigosos, dos quais a sociedade deve prevenir-se por intermédio da aplicação de medidas ressocializadoras ou inocuizadoras, tendo em vista seus antecedentes no cometimento de atos contrários aos interesses sociais.
Cezar Roberto Bitencourt explica que, considerando que a prevenção especial não busca a intimidação do grupo social nem a retribuição do fato praticado, visando apenas aquele indivíduo que já delinquiu para que não volte a transgredir as normas penais, os defensores da teoria preventivo-especial preferem referir-se à sanção dos crimes como medida, e não pena:
[...] A pena, segundo dizem, implica a liberdade ou a capacidade racional do indivíduo, partindo de um conceito geral de igualdade. Já medida supõe que o delinquente é um sujeito perigoso ou diferente do sujeito normal, por isso, deve ser tratado de acordo com a sua periculosidade. Como o castigo e a intimidação não têm sentido, o que se pretende, portanto, é corrigir, ressocializar ou inocuizar. (BITENCOURT, 2007, p. 94)
Em suma, a teoria preventiva especial representou um grande avanço do ponto de vista político-criminal, pois a pena deixou de ser um mero castigo cruel para se tornar um instrumento de ressocialização do apenado, porquanto possibilita que ele volte a produzir em benefício da sociedade e recupere a cidadania perdida.
2.3. Teoria mista ou unificadora da pena
Dadas as insuficiências constatadas nas teorias monistas de retribuição e prevenção, surgiu na Alemanha, no início do século XX, uma teoria eclética que procurou agrupar em um conceito único os fins retributivos e preventivos da pena - a teoria mista ou unificadora -, partindo do pressuposto que a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são apenas aspectos distintos que compõem a pena.
Tal tese sustenta que a visão unidimensional da pena não abrange a complexidade dos fenômenos sociais que interessam ao Direito Penal, acarretando graves consequências para a segurança e os direitos fundamentais do homem, razão pela qual procura fundir o ideal de justo (retribuição) com o ideal de útil (prevenção) (YAROCHEWSKY, 2005, p. 180).
BITENCOURT (2007, p. 96) aduz que a teoria mista centraliza o fim do Direito Penal na ideia de prevenção, pois entende que a função do ordenamento jurídico é, antes de tudo, a defesa social, enquanto que o fim retributivo é aceito apenas como limitador, máximo e mínimo, da intervenção da pena como sanção jurídico-penal, seja pelos critérios de culpabilidade ou de proporcionalidade.
No entanto, esta teoria difere das anteriores no fundamento que confere à pena. Segundo seus postulados, sustenta que a sanção punitiva não deve fundamentar-se em nada a não ser o fato delituoso.
Com esta afirmação, afasta-se um dos princípios básicos da prevenção geral: a intimidação da pena, inibindo o resto da comunidade de praticar delitos. E, com o mesmo argumento, evita-se uma possível fundamentação preventivo-especial da pena, onde esta [...] tem como base aquilo que o delinquente “pode” vir a realizar se não receber o tratamento a tempo, e não o que já foi realizado, sendo um critério ofensivo à dignidade do homem ao reduzi-lo à categoria de doente biológico ou social. (BITENCOURT, 2007, p. 95)
Assim, esta tese tem o mérito de reunir em si o que há de mais coerente nas teorias retributivas e preventivas e, de certa forma, fazer com que estas compensem determinadas falhas entre si (a pena não é mero castigo ou ameaça e o homem deixa de ser visto como doente social), motivo pelo qual é a tese mais aceita atualmente, inclusive no Brasil, consubstanciada no art. 59 do Código Penal Brasileiro:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime [...]
Assim, nosso ordenamento jurídico aceita a retribuição como um dos fins da pena pela reprovação do crime, mas não deixa de considerar a prevenção um objetivo que deve ser alcançado pelo sistema sancionador, tanto em seu aspecto geral como no especial, ou seja, evitando a prática de crimes a partir da intimidação criada pela lei positivada bem como ressocializando aqueles que já cometeram delitos a fim de que não venham a delinquir novamente.