5. A RECEPÇÃO DA LABELING THEORY NO DIREITO PENAL
A partir dos estudos de renomados sociólogos de tradição interacionista e fenomenológica, a Labeling Theory passou a ser aplicada ao estudo do Direito Penal pela Criminologia Crítica – nova corrente criminológica que propõe a mudança de seu objeto de estudo, em oposição às escolas tradicionais.
Na criminologia tradicional, mormente a positivista e a liberal clássica, o crime é fruto de condições patológicas do delinquente, o qual possui características inerentes que o levam a cometer o ato delituoso; assim, a criminologia positivista atribui uma perspectiva etiológica à criminalidade, reconhecendo-a como realidade preexistente à sua criminalização e assumindo como certos os valores do contexto social em que é analisada.
A Criminologia Crítica, em contraposição às antigas escolas criminológicas e influenciada pelas teorias da reação social – a Labeling Theory -, operou uma verdadeira mudança de paradigma no estudo do crime, pois defende que não se pode compreender o fenômeno da criminalidade sem analisar o sistema penal, desde as normas abstratas até as instâncias oficiais de imposição da norma (polícia, juízes, instituições penitenciárias), porquanto a aplicação do status social de delinquente pressupõe a atividade desse sistema.
O salto qualitativo que separa a nova da velha criminologia consiste, portanto, principalmente, na superação do paradigma etiológico, que era o paradigma fundamental de uma ciência entendida, naturalisticamente, como teoria das causas da criminalidade. A superação deste paradigma comporta, também, a superação de suas implicações ideológicas: a concepção do desvio e da criminalidade como realidade ontológica preexistente à reação social e institucional e a aceitação acrítica das definições legais como princípio de individualização daquela pretendida realidade ontológica [...]. (BARATTA, 2002, p. 160-161)
Na perspectiva da Criminologia Crítica a criminalidade se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos, mediante um processo de dupla seleção: a seleção dos bens juridicamente protegidos e dos comportamentos ofensivos a estes e a seleção dos indivíduos estigmatizados entre aqueles que realizam infrações a normas penalmente sancionadas. Essa seleção, por sua vez, cabe à classe dominante, que lança mão de seu prestígio social e do poder econômico para atender a seus próprios interesses em detrimento das classes menos favorecidas, que passam a ser marginalizadas e, consequentemente, criminalizadas.
Um dos aspectos apontados por essa escola concernente à necessidade de rever os antigos conceitos arraigados em nosso sistema penal é o relativo aos “crimes de colarinho branco” e a chamada “cifra negra”. Segundo Alessandro Baratta, fundamentando-se nas pesquisas do sociólogo Edwin Sutherland, os crimes de colarinho branco – aqueles cometidos por pessoas de alta posição social – são um fenômeno característico das sociedades de capitalismo avançado que tem crescido sobremaneira nas últimas décadas, mas que não tem tido a devida resposta penal.
BARATTA (2002, p. 103) explica que esses crimes representam nas estatísticas criminais uma parcela muito inferior ao que realmente são na realidade, devido a fatores de natureza social (prestígio dos autores e ausência de estereótipo), de natureza jurídico-formal (a competência de comissões especiais, ao lado da competência de órgãos ordinários, para certas formas de infrações) ou mesmo de natureza econômica (possibilidade de recorrer a bons advogados e de exercer pressões sobre os denunciantes), que acabam por distorcer as estatísticas oficiais, originando a chamada “cifra negra”. Como consequência, atribui-se a criminalidade às classes sociais mais baixas e, portanto, a fatores pessoais e sociais correlacionados com a pobreza, originando uma justiça penal seletiva, que pune os pobres e beneficia os ricos.
Estas conotações da criminalidade incidem não só sobre os estereótipos da criminalidade, os quais, como investigações recentes têm demonstrado, influenciam e orientam a ação dos órgãos oficiais, tornando-a, desse modo, socialmente “seletiva”, mas também sobre a definição corrente de criminalidade, que o homem da rua, ignorante das estatísticas criminais, compartilha. Realmente, esta definição de criminalidade, e as correspondentes reações não institucionais por ela condicionadas (a reação da opinião pública e o alarme social), estão ligadas ao caráter estigmatizante que a criminalidade leva, normalmente, consigo, que é escassíssimo no caso da criminalidade de colarinho branco. Isto é devido, seja à sua limitada perseguição e à relativamente escassa incidência social das sanções correspondentes, especialmente daquelas exclusivamente econômicas, seja ao prestígio social de que gozam os autores das infrações. (BARATTA, 2002, p. 103)
BARATTA (2002, p. 106) chama atenção ao fato de que, se observarmos a seleção da população criminosa, considerando a interação e as relações de poder entre os grupos sociais, reencontraremos “os mesmos mecanismos de interação, de antagonismo e de poder que dão conta, em uma dada estrutura social, da desigual distribuição de bens e de oportunidade entre os indivíduos”, o que explicaria o fato de que a população carcerária nos países capitalistas é constituída, em sua grande maioria, por pessoas das classes de menor poder econômico, da classe obreira. Assim, a criminalidade nada mais é que um “bem negativo”, análogo aos bens positivos - como o patrimônio, a renda e o prestígio social -, sujeito aos mesmos mecanismos de distribuição, e “distribuído desigualmente conforme a hierarquia dos interesses fixada no sistema sócio-econômico e conforme a desigualdade social entre os indivíduos” (BARATTA, 2002, p. 161).
Diante de tais razões, a Criminologia Crítica nega que o fim ressocializador da pena possa ser alcançado numa sociedade capitalista, pois entende que a prisão funciona tão-somente como instrumento de controle da classe operária e de manutenção das desigualdades sociais; o sistema penal permite a estrutura vertical da sociedade marginalizando as classes mais baixas, a fim de que as relações de poder se mantenham sempre em favor das classes de maior poder econômico, que são as responsáveis, afinal, por fazer as regras e definir a quem estas serão aplicadas. Assim, conduz-se o delinquente a um progressivo processo de marginalização e criminalização, que dificulta seu retorno ao seio social, fazendo com que reincida e, finalmente, adote a carreira delitiva.
Embora defenda a superação do paradigma etiológico em favor de uma perspectiva sócio-econômica como explicação da criminalidade, Baratta reconhece que a Labeling Theory é uma teoria de médio alcance, que não abrange todo o complexo fenômeno que é o crime. Dessa forma, acredita que ambas as teses se complementam, visto que cada uma delas aborda o tema de pontos de vista diferentes.
Bitencourt, comentando as proposições de Baratta para a reforma do sistema penal, entende que sua contribuição ao Direito Penal é inegável e irreversível, porém discorda da ideia de que a criminalidade explica-se somente pela luta de classes:
A proposição de Baratta oferece algumas dificuldades teóricas e práticas, na medida em que não se pode afirmar que toda delinquência das classes inferiores seja uma resposta às condições de vida que o sistema capitalista impõe; existem outros aspectos individuais no ato delitivo que não podem dissolver-se numa explicação estrutural. Embora o político esteja presente em todos os atos do indivíduo e em todos os fenômenos sociais, isso não quer dizer que as outras facetas do homem e da vida social devam ser absorvidas pelo problema do poder e da luta de classes. (BITENCOURT, 2007, p. 120)
Esse é, também, o nosso posicionamento a respeito do tema, pois atribuir a criminalidade à luta de classes parece-nos conclusão por demais simplista, já que existem outros fatores que contribuem para a ocorrência do fenômeno criminal. Por tal motivo, não se pode prescindir da perspectiva etiológica, já que esta busca as causas do crime interiores ao homem, enquanto a teoria da reação social busca explicá-lo em suas causas exteriores.
6. EFEITOS CRIMINÓGENOS DA PRISÃO
A partir das lições oferecidas pela Labeling Theory acima comentadas, podemos concluir que a prisão possui peculiaridades que exercem sobre o preso diversos efeitos de ordem sociológica e psicológica, em decorrência da relação de opressão com a equipe dirigente, da arquitetura carcerária, da repressão sexual e incontáveis outras razões, as quais contribuem, de uma maneira ou de outra, para a progressiva degradação do interno e, por conseguinte, o fracasso de sua recuperação.
Muito embora exista uma vasta lista de efeitos criminógenos da prisão, nos limitaremos aqui a tratar da prisionização, que é, de fato, o efeito mais nefasto e que traz as piores consequências aos internos, além de que guarda forte relação com a estigmatização, tema central de nosso trabalho.
6.1. A prisionização e seus efeitos
Alguns tratam da prisionização como uma espécie de “aculturação” do encarcerado (SÁ, 2010, p. 112); outros, como GOFFMAN (2008, p. 23), preferem referir-se a ela como “desculturamento” ou “destreinamento”, haja vista ser um processo mais limitado que a aculturação ou a dessocialização. O fato é que o conceito de prisionização trata da adaptação do interno aos hábitos, usos e costumes da prisão, ou seja, à cultura carcerária, levando-o a substituir, pouco a pouco, a cultura da sociedade em que vivia livre pela cultura da instituição total na qual passou a viver.
Esse processo tem como resultado a mortificação do eu do internado (GOFFMAN, 2008, p. 24), pois é submetido a humilhações tais que o conceito que tinha de si próprio se modifica:
O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si mesmo que se tornou possível por algumas disposições sociais estáveis no seu mundo doméstico. Ao entrar, é imediatamente despido do apoio dado por tais disposições. Na linguagem exata de algumas de nossas mais antigas instituições totais, começa uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado. Começa a passar por algumas mudanças radiais em sua carreira moral, uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a seu respeito e a respeito dos outros que são significativos para ele. (GOFFMAN, 2008, p. 24)
Uma das primeiras mutilações do eu é a perda de alguns papéis sociais do internado em razão das barreiras que a instituição total impõe para separá-lo do mundo externo. A separação constante do mundo mais amplo faz com que o preso deixe de manter as antigas ligações que tinha com sua família, seu trabalho, seu círculo de amizades e até mesmo seus hobbies, fazendo com que ocorra o despojamento de alguns papéis que o identificavam e constituíam sua personalidade.
Assim, o isolamento e a opressão não permitem que o preso seja pai, marido ou trabalhador; quanto menos sua personalidade se destacar da dos outros internos, e quanto maior o distanciamento do mundo externo, melhor para a manutenção da homogeneidade e da ordem na instituição.
Ainda que o interno possa restabelecer determinados papéis se e quando solto, algumas dessas perdas são irrecuperáveis, como o tempo não empregado no progresso educacional ou profissional, da educação dos filhos, no namoro etc., e são dolorosamente sentidas por ele. Outras têm até mesmo repercussão jurídica semelhante à da morte civil: “os presos podem enfrentar, não apenas uma perda temporária dos direitos de dispor do dinheiro e assinar cheques, opor-se a processos de divórcio ou adoção, e votar, mas ainda podem ter alguns desses direitos permanentemente negados” (GOFFMAN, 2008, p. 25).
Um aspecto determinante para a supressão da identidade do interno nas instituições totais é o processo de admissão ao qual é submetido. Nele, o preso é despojado de todos os seus bens, inclusive os de uso pessoal, os quais são acondicionados e armazenados até sua liberação, ou entregues à família. Em seguida, sofre um processo de padronização quase que industrial: em regra, recebe um número de identificação, um conjunto de roupas idênticas às dos outros presos e é conduzido à cela que ocupará, provavelmente, pelo resto de sua estada, sem qualquer direito de escolha.
Todos nós depositamos em nossos pertences algum sentimento e atribuímos-lhes valor, porquanto representam parte de nós e, de certa forma, nos identificam. Assim, a perda do direito de propriedade do preso, por si só, leva consigo boa parte de sua identidade. A maior perda, no entanto, é imaterial:
O processo de admissão pode ser caracterizado como uma despedida e um começo, e o ponto médio do processo pode ser marcado pela nudez. Evidentemente, o fato de sair exige uma perda de propriedade, o que é importante porque as pessoas atribuem sentimentos do eu àquilo que possuem. Talvez a mais significativa dessas posses não seja física, pois é o nosso nome; qualquer que seja a maneira de ser chamado, a perda de nosso nome é uma grande mutilação do eu. (GOFFMAN, 2008, p. 27)
Dessa forma, a maior perda sofrida pelo internado é possivelmente a do nome, pois a forma como somos chamados é, mais que tudo, o que nos distingue dos outros. Essa progressiva homogeneização, inclusive na denominação, atinge a psique do preso e acarreta profundas mudanças em seu autoconceito, pois é despojado de seu livre-arbítrio e de sua personalidade e passa a ser propriedade da instituição.
Uma forma regularmente utilizada nas prisões para atingir esse efeito é a distribuição de bens de uso pessoal substitutos aos dos presos, como roupas, escovas de dente e pentes. Além de serem nitidamente identificados como sendo propriedade da instituição, são regularmente recolhidos e substituídos, a fim de evitar o sentimento de pertença aos usuários desses bens. Além disso, são usualmente produtos de baixa qualidade e muitas vezes desajustados às necessidades dos presos, como roupas frouxas, rasgadas ou insuficientes para proteger o corpo do frio, por exemplo.
Outro modo de degradação do eu nas prisões é a desfiguração pessoal do preso. A apresentação pessoal constitui importante elemento de identificação do indivíduo, pois é através dela que exprimimos boa parte de nossa personalidade e provocamos as primeiras impressões nas outras pessoas. Ao ingressar na prisão, o internado deixa de exercer controle sobre sua aparência; perde o acesso aos produtos cosméticos que utilizava, às suas roupas e, por conseguinte, é forçado a abrir mão de seu estilo. A desfiguração pessoal acarreta a perda do conjunto de identidade, pois o internado não se reconhece na aparência que lhe é atribuída pela instituição.
Outra característica das prisões responsável pela degradação do eu do internado são as frequentes indignidades físicas e o tratamento humilhante a que é submetido. A posição de constante submissão do preso dá-lhe a sensação de que não exerce poder sobre si próprio, de que não dirige sua vida. É obrigado a tratar seus superiores sempre por “senhor” ou alguma outra forma respeitosa e nitidamente hierárquica de tratamento; caso não demonstre respeito pela equipe dirigente, é severamente castigado e rebaixado. Mais que isso, é comum que o preso seja forçado a assumir um papel na prisão com o qual não se identifica, que não corresponde às suas crenças e valores, como o de dedo-duro ou de capataz de outros presos.
Qualquer que seja a forma ou a fonte dessas diferentes indignidades, o indivíduo precisa participar de atividade cujas consequências simbólicas são incompatíveis com sua concepção do eu. Um exemplo mais difuso desse tipo de mortificação ocorre quando é obrigado a executar uma rotina diária de vida que considera estranha a ele – aceitar um papel com o qual não se identifica. Nas prisões, a negação de oportunidades para relações heterossexuais pode provocar o medo de perda da masculinidade. (GOFFMAN, 2008, p. 31)
Goffman refere-se a outro conceito para explicar a mortificação do eu do internado, a partir de situações a que este é exposto que violam sua identidade: o de exposição contaminadora.
O primeiro exemplo que oferece de exposição contaminadora é a exposição moral do preso no processo de admissão. Ao entrar, é criado um dossiê do internado contendo fatos passados (normalmente desabonadores), suas posições sociais e o histórico de seu comportamento, cujas informações ficam à disposição da equipe dirigente. O poder de coação da instituição aumenta consideravelmente quando tem a posse de tais informações, pois pode complementá-las ao seu alvedrio e utilizá-las contra o preso.
Outro tipo de exposição muito comum é ao próprio ambiente infecto das prisões de uma forma geral. As instalações são usualmente precárias e malcuidadas, e os presos são obrigados a usar utensílios desgastados e anti-higiênicos, com sujeira acumulada e propícios à proliferação de doenças. O preparo das refeições muitas vezes não observa aos padrões mínimos de higiene, sendo comum encontrar cabelos e insetos nos alimentos. Nas celas, a situação não é muito diferente; os presos dormem amontoados uns sobre os outros, muitas vezes no chão, devido à superlotação, e a satisfação das necessidades fisiológicas é feita de maneira precária e degradante. Essas condições, no entanto, são justificadas pela premissa do senso comum de que o preso não merece conforto, pois está ali para pagar pelo mal que cometeu, revelando um nítido agravamento desproporcional do caráter retributivo da pena.
As revistas periódicas somam-se ao rol de exposições morais sofridas pelo preso. Não bastasse ser despojado de seus bens ao entrar na instituição, o interno sofre frequentes revistas em seu corpo e sua cela, sob o argumento de que pode estar escondendo objetos que permitiriam uma possível fuga ou outras atividades ilícitas dentro da prisão. A constante invasão da privacidade do preso viola sua dignidade e, por conseguinte, aprofunda a desintegração do seu eu.
No momento da admissão, os bens de uma pessoa são retirados e indicados por um funcionário que os enumera e prepara para armazenamento. O internado pode ser revistado até o ponto [...] de um exame retal. Posteriormente, durante sua estada, pode ser obrigado a sofrer exames em sua pessoa e em seu dormitório, seja de forma rotineira, seja quando há algum problema. Em todos esses casos, tanto o examinador quanto o exame penetram a intimidade do indivíduo e violam o território de seu eu. (GOFFMAN, 2008, p. 35)
A mistura de grupos étnicos, etários e raciais nas celas também pode causar desconfortos no interno, pois é possível que ele considere determinada companhia indesejável. Pode acontecer, por exemplo, de o preso não compartilhar da religião ou da opção sexual de seu companheiro de cela, o que pode vir a ocasionar inclusive agressões e até a morte dos desafetos. A constituição forçada de grupos heterogêneos como os citados, principalmente por razões ideológicas, agrava a dessocialização do preso, pois a tendência natural do ser humano é de reunir-se em grupos que compartilham afinidades, e não o contrário. Além disso, o problema de superlotação das prisões é outro fator que contribui para a supressão da personalidade do internado, pois o espaço pessoal é tão reduzido que a intimidade simplesmente inexiste, favorecendo a promiscuidade e, consequentemente, provocando distúrbios psicológicos de ordem sexual.
Por fim, a leitura pública das correspondências completa o ciclo de exposição contaminadora, pois além de revelar a intimidade do preso, o sujeita à zombaria por parte dos outros internados e até mesmo da equipe dirigente. O mesmo acontece com as visitações, porquanto têm caráter público; sendo assim, a família do preso é exposta e a conversa entre visitante e internado limita-se a assuntos corriqueiros e de pouco valor, visto que há sempre um guarda vigiando-os, a fim de evitar que determinados objetos e/ou informações sejam trocados entre um e outro. Com a visita íntima não é diferente, pois em prisões superlotadas ou nas que não há cela específica para este tipo de visita, a namorada ou esposa do preso submete-se às provocações dos outros internados, eliminando qualquer possibilidade de efetiva intimidade.
Tudo o que foi dito até aqui contribui para a degradação do eu do preso e para seu “destreinamento” à vida em sociedade, dificultando sua ressocialização. Os obstáculos enfrentados pelo egresso, quando retorna ao seio social, acabam por induzi-lo a querer voltar à prisão, que se tornou o único ambiente ao qual se sente adaptado. Segundo GOFFMAN (2008, p. 69), “a liberação tende a ocorrer exatamente quando o internado finalmente aprendeu a manejar ‘os fios’ no mundo interno, e conseguiu privilégios que descobriu, dolorosamente, que são muito importantes”. Assim, “pode descobrir que a liberação significa passar do topo de um pequeno mundo para o ponto mais baixo de um mundo grande”.
Essa angústia da modificação de status é provocada pela desculturação do ex-preso promovida pela prisão, que não consegue adquirir os hábitos exigidos na sociedade mais ampla, bem como pelo estigma negativo que o identifica, o de criminoso. A rotulação do indivíduo, além de provocar-lhe inúmeras dificuldades à sua ressocialização – como candidatar-se a um emprego ou na busca de um lugar para viver -, muitas vezes preenche o vazio de personalidade deixado pela instituição total da prisão; assim, o indivíduo aceita o estigma e passa a identificar-se com o rótulo que lhe foi conferido, tornando-se um desviante contumaz e assumindo a carreira delitiva.
Além disso, a prisão favorece o surgimento das temidas organizações criminosas, que nada mais são que subculturas desviantes forjadas no interior dos presídios a partir do compartilhamento de experiências e ideais entre os internos, os quais passam a pertencer a um novo grupo social com regras próprias, paralelamente à sociedade formal opressora que os marginalizou a partir da imposição de regras não aceitas universalmente.