3. – Principais implicações da EC nº 72 na jornada de trabalho
3. 1. Horas extras – controle da jornada
Ao lado da limitação da jornada em oito horas diárias ou quarenta e quatro horas semanais estendida pela EC nº 72 em favor das domésticas, deduz-se, obviamente, que todo e qualquer labor excedente ou sua permanência à disposição do empregador será tido como labor extraordinário, merecendo remuneração, no mínimo, 50% superior às horas normais e reflexos (Art. 59, CLT e Art. 7º, XVI, CF e Súmulas 45, 63 e 172, TST).
Consequência lógica, igualmente, vem a ser o maior ônus ao empregador, caso, na execução do trabalho doméstico, existam horas extras[31].
Todavia, saber qual a melhor maneira de se aferir a existência ou não de tais horas extras, vem a ser um dos desafios trazidos pela inovação constitucional.
Muitas são as sugestões para se adotar o livro de ponto[32]. De outro lado, tal práxis não é obrigatória, já que o Art. 74, § 2º, da CLT, impõe tal dever apenas ao empregador que tenha mais de dez empregados, algo difícil de encontrar nos lares brasileiros.
De outro lado, caso o empregador decida não adotar qualquer forma de registrar o horário de trabalho da doméstica, o que estaria fazendo com amparo legal (Art. 74, §2º, CLT), o alerta surge quanto à possibilidade, de, numa demanda judicial, ser deferido ao empregado doméstico a inversão do ônus da prova. Assim, pode ser maior a dificuldade do empregador provar os horários de entrada, saída e intervalos da eventual reclamante, podendo-se prevalecer a alegação trazida pela obreira.
Feito esse alerta, merece outro. Caso se adote o livro de ponto, mesmo que seja uma simples folha de caderno, aquelas anotações uniformes, repetidas, em que horário de entrada, saída, pausa para descanso e alimentação e retorno sejam exatamente iguais, um dia após o outro, podem perder seu valor. Ou seja, não serviriam como meio de prova. Estaria fragilizado o instrumento de controle em análise.
Assim é a inteligência do inciso III, da Súmula 338 do TST:
JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA.
I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário.
II – [...]
III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir.
Deste modo, note-se que a dificuldade de se controlar a jornada de trabalho da empregada doméstica continua nos casos em que o empregador pouco permanece em sua residência. Ou seja, pode acontecer que nem esteja em casa no momento de chegada ou de saída da empregada. Não saberia dizer se seriam verdadeiras as anotações de entrada, saída ou pausa para descanso.
Assim, um dos desafios impostos às famílias brasileiras, agora, será o de controlar, à distância, a efetiva jornada de trabalho de suas empregadas, para evitar o pagamento injusto de horas extras. Ressalta-se que não se pretende fazer aqui da dificuldade de se aferir a quantidade de trabalho prestado para se cogitar de negativa de direitos aos domésticos. Pelo contrário, exerce-se o raciocínio jurídico para melhor solução do desafio em comento.
Uma outra sugestão, além do livro de ponto ou quadro de horário, vem de Uberlândia[33]. Lá, o empresário Juliano Soares desenvolveu um sistema de controle de entrada, saída e intervalo que pode ser acessado por computador, tablet ou smartphone com acesso à internet. O contador e sócio dele, Cleuber Pereira Rocha, afirmou que, “o sistema proporciona uma segurança maior para ambas as partes e mantém o registro por anos”. Com um mês de funcionamento, o serviço já contava com 1,2 mil clientes.
Uma das clientes relata que começou a usar o serviço e disse que o sistema é fácil de usar. “Deixo o computador ligado em casa e a empregada entra com o número de matrícula e senha ao chegar ao trabalho, no almoço e ao sair.”
Outra opção de controle é o relógio eletrônico de ponto. O aparelho tem leitor de código de barras, impressora e teclado numérico e crachás para até dez funcionários. Todavia, o custo de aquisição gira em torno de R$ 1.000,00 (mil reais), podendo ocorrer despesas adicionais de manutenção e assistência técnica, o que significa mais ônus ao empregador.
Ademais, a instalação de câmeras também seria uma ideia de controle, desde que os arquivos de mídia fossem armazenados. O custo é alto, mas pode ser que a classe média suporte[34].
Registra-se que a orientação predominante, inclusive dada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que já disponibilizou uma cartilha com “Perguntas e Respostas” sobre o trabalhador doméstico[35], não seria a de controlar a jornada do trabalhador doméstico, tal como a jornada de trabalhadores em empresas comuns, mas sugere que a jornada seja estabelecida em contrato de trabalho firmado pelas duas partes. Se em algum dia ocorrer a sobrejornada, anotar a parte e ao final de cada mês somar as horas extras efetuadas naquele mês.
Recomenda ainda que o controle das eventuais horas extras seja efetuado pela própria empregadora, em conjunto com a trabalhadora doméstica, de forma manual, com o livro de ponto ou quadro de horário onde a trabalhadora doméstica assinalaria diariamente o horário que efetivamente iniciasse os trabalhos e os encerrasse.
Por essas razões, há que se analisar com cautela, em cada caso, se a implantação de um livro de ponto será, de fato, a melhor alternativa.
Por fim, de acordo com o art. 59 da CLT, as horas extras devem ser limitadas a duas por dia, salvo necessidade imperiosa ou força maior (art. 61 da CLT).
3. 2. Acordo de compensação
O chamado "banco de horas", disposto no art. 59, §2º., CLT, vem a ser uma forma de compensação de horas de trabalho a mais com reduções correspondentes ou folgas, dentro de um determinado espaço de tempo que pode ser mensal ou até anual.
Pelo regime compensatório do banco de horas, o trabalhador é convocado para trabalhar em jornada extraordinária num determinado período, e estas horas suplementares que foram laboradas são compensadas em outro período, quando o empregado deixa de trabalhar o número de horas correspondente ao das horas extras (1 x 1).
No rigor da lei, esse regime dependeria de autorização prevista em norma coletiva. Todavia, o entendimento dominante da jurisprudência e doutrina é o de que enquanto não houver a vigência de convenção coletiva de trabalho referente aos empregados domésticos, que autoriza esse sistema de compensação, pode ser utilizada a compensação mediante acordo individual escrito (acordo direto e expresso entre as partes), mas apenas para a semana de trabalho.
Recentemente[36], o Ministro do TST, Maurício Godinho Delgado, abordou o caso de cuidadores de idosos e doentes que trabalham em tal regime, em ambiente familiar, e ponderou que, tendo em vista o advento da Emenda Constitucional 72/2013, não seria possível aplicar o rigor formalístico da Súmula 444 do TST (que exige instrumento coletivo para a fixação da jornada de 12x36) no caso de cuidadores de doentes ou idosos da família, podendo nessa hipótese haver apenas o acordo bilateral escrito entre as partes.
Portanto, comunga-se do entendimento que a tendência jurisprudencial vem a ser de aceitação do banco de horas às domésticas, mesmo sem participação de sindicato, mas via acordo bilateral escrito entre as partes.
3. 3. Intervalos Intrajornada e Interjornada
Outro aspecto a se considerar vem a ser o intervalo para almoço e descanso bem como o intervalo entre uma jornada e outra, agora assegurados à categoria.
O intervalo intrajornada vem a ser a pausa obrigatória para descanso e alimentação do empregado dentro de sua jornada, que não é computada como hora de trabalho (Art. 71, CLT). Assim, durante a jornada de trabalho, o empregado terá direito a paralisar suas atividades para recompor suas energias e também para sua alimentação.
Se a jornada for de duração inferior a quatro horas, não há obrigatoriedade de intervalo; se for de duração superior a quatro horas até seis horas, o intervalo obrigatório é de 15 (quinze) minutos; e se a jornada for de duração superior a seis horas, o intervalo mínimo obrigatório será com uma hora de duração.
Na prática, a verdade é que o hábito das domésticas sempre foi o de não fazer essa pausa formal e integral para o almoço e descanso. Não raro, a justificativa apresentada pelos empregados domésticos seria a de chegar uma hora mais tarde ou sair uma hora mais cedo e abrir mão do horário de almoço.
Entretanto, caso isso ocorra, criar-se-á a necessidade de pagamento de hora extra. Ou melhor, aquela justificativa, não deve ser aceita pelos empregadores, porque inconsistente com as novas regras. Mesmo se o empregado fizer uma declaração por escrito com esse pedido, não será válida, pois se trata de direito indisponível.
Eis a recomendação do Ministério do Trabalho e Emprego, em sua Cartilha do Trabalhador Doméstico:
[...] 8 - Como estabelecer o descanso intrajornada para repouso e alimentação do trabalhador doméstico? Resposta: Por analogia ao previsto na CLT, enquanto não vier regulamentação específica, o descanso intrajornada deve ser de, no mínimo, uma hora e, no máximo, duas horas. Vale lembrar que, embora as normas de descanso não estejam previstas na Constituição, o inciso XXII do art. 7º garante de forma imediata ao trabalhador doméstico o acesso às normas de segurança e saúde no trabalho, como é o caso das normas que preveem o intervalo[37].
Observe-se ainda, que por entendimento pacificado da Justiça de Trabalho, a concessão de intervalo menor do que 1h dá direito à empregada ao recebimento de 1h completa, como extra. Entenda-se, pois, que a concessão de intervalos fracionados ou menores do que 1h, dá direito ao recebimento do intervalo total, ou seja, se o intervalo for de 15min, será considerado como devida 1h completa em favor da empregada.
Portanto, a real fruição, e de forma integral, desse intervalo implica em grande desafio a ser cumprido pela classe obreira e de igual exigência a ser administrada pela classe empregadora, até porque, na maioria das casas, é curtíssimo o intervalo para o almoço[38].
Mais ainda, o teto desse período destinado ao repouso e alimentação, qual seja duas horas, vem gerando outras dificuldades. Em situações, por exemplo, de babás, em que o empregador concede quatro horas de intervalo, para coincidir com o horário da escola da criança, ele não estaria cumprindo a legislação. Ilustrando: a babá entra às 8h., sai às 13h. Gozaria o intervalo por quatro horas, retornando às 17h., e trabalharia até as 20h., dormindo no emprego. Será que ela conseguiria desenvolver outras atividades sociais, educacionais, de lazer? Dificilmente o faria. Porém, sabendo ser uma constante no dia a dia, trata-se de questão a receber melhor regulamentação, pois, do contrário a famigerada e propagada emancipação e equiparação das domésticas residiria no plano puramente teórico-legal.
Neste sentido, no caso em geral das domésticas que devem retornar para o pernoite na casa, há que se respeitar o intervalo de 11 horas entre uma jornada e outra (Art. 66, CLT). Ou seja, entre um dia e outro, mesmo àquelas que dormem no endereço de trabalho (como, por exemplo, babás), o cuidado por parte do empregador deverá ser ainda maior. Para evitar a necessidade de pagamento de horas extras, o ideal é observar a jornada máxima permitida por dia e não solicitar serviços após o fim do período laboral. Se a empregada doméstica for solicitada a prestar serviços após a jornada (ex. servir jantar), o empregador, ao final do mês, deverá remunerar as horas excedentes.
Veja-se a recomendação do Ministério do Trabalho e Emprego:
[...] 11 - Como ficará a situação das empregadas, dos caseiros e de outros trabalhadores domésticos que moram ou pelo menos dormem durante a semana no local de trabalho e estão à disposição do empregador?
Resposta: No caso desses trabalhadores que moram ou dormem no local de trabalho, o importante será sempre poder aferir se estão de fato submetidos aos limites da jornada diária e semanal, não sendo demandados para qualquer tipo de trabalho após o encerramento da jornada que poderá tão somente ser acrescida, excepcionalmente, de até duas (2) horas extras. Como recomendação aos empregadores, é relevante que evitem fazer qualquer tipo de solicitação que venha a retirar o trabalhador doméstico de seu descanso[39].
Vale dizer que, desde que não haja exigência de trabalho após a jornada normal, não haverá horas extras. Caso haja a possibilidade ou o hábito de chamar o empregado a qualquer momento, fora da jornada normal, para execução de tarefas, corre-se o risco de caracterização das chamadas horas de sobreaviso ou de prontidão, com aplicação analógica do art. 244, §§ 2º e 3º, da CLT, com o pagamento do referido sobretempo às razões de 1/3 do salário-hora normal ou de 2/3 do salário-hora normal, respectivamente, ou mesmo de horas extras noturnas.
Ilustra-se ainda com a hipótese da babá acordar no meio da noite para trocar a frauda do neném, seria considerado sobreaviso? A melhor indicativa aponta que não se trata de sobreaviso, mas de hora extra noturna. Ou seja, se a empregada acorda no meio da noite quando deveria estar usufruindo do seu intervalo para repouso (sono), estas horas devem ser consideradas como extras. Havendo o cartão de ponto, dever-se-ía anotar no mesmo o horário de início e fim deste eventual serviço noturno.
Quanto à hipótese de acompanhamento em viagens, de igual forma, se se entender ‘tempo à disposição’ do empregador, naturalmente se extrapolaria a jornada normal de trabalho em viagens longas, superiores a 8 horas no dia. Assim, incidiria o dever de remunerar as horas suplementares. Deste modo, recomenda-se ao empregador evitar esse tipo de exigência, já que seriam grandes as chances de ser entendido como “tempo à disposição” todo o tempo da viagem, gerando aí horas extras.
Perceba-se, pois que a limitação da jornada de trabalho da doméstica exige do empregador muita cautela na exigência dos serviços, de modo a evitar um impacto em seu orçamento, recomendando-se, sempre, uma boa tratativa e diálogo com esse profissional de extrema confiança, o doméstico, para se atingir benefícios mútuos e se evitar demissões em massa, no calor das inquietações trazidas pela inovação legal.