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Os bancos e o novo artigo 285-B do Código de Processo Civil

22/08/2013 às 10:42
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O que o artigo 285-B do CPC fez foi somente o óbvio: obrigar o autor da ação a declinar o que pede, e por consequência pagar a quantia que entende por correta no mesmo tempo e modo contratado.

A recente Lei 12.810 de 2013 trouxe, junto a matérias de cunho fiscal, alteração no Código de Processo Civil que promete muita discussão no mercado de crédito e seus desdobramentos no Poder Judiciário.

Devo de início situar nossa opinião sobre a atuação dos bancos para evidenciar qual é o enfoque empregado na presente reflexão.

Os bancos têm uma função importantíssima na ordem econômica mundial. Em nosso país muitas vezes são pintados como vilões, mas, embora concorde que uma política de juros menos agressiva seria benéfica à sociedade como um todo, igualmente concordo que os aspectos econômicos e riscos historicamente enfrentados pelo nosso país não permitiam credibilidade suficiente para o incremento de crédito na medida em que todos gostariam, ou seja, de um lado há uma atividade bancária que visa o lucro – como todo empresário – e de outro condições econômicas historicamente instáveis que obstavam o avanço de políticas de baixa nas taxas de juros.

Nossa função, é precipuamente avaliar os aspectos legais quanto a introdução do artigo 285-B do Código de Processo Civil no ordenamento jurídico brasileiro.

O referido, dispositivo tem a seguinte redação: “Nos litígios que tenham por objeto obrigações decorrentes de empréstimos, financiamentos ou arrendamento mercantil, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso”, e o parágrafo único do referido dispositivo traz a seguinte redação: “O valor incontroverso deverá continuar a ser pago no tempo e modo contratados.”

Pois bem, estamos, portanto, a tratar de um novo procedimento exigido como requisito da petição inicial, e o próprio capítulo no qual inserido o enunciado prescritivo do artigo 285-B denuncia seu evidente viés de estabelecer critérios objetivos para processos que versem sobre “empréstimos”, “financiamentos ou arredamentos mercantis”. Devendo ainda o autor da demanda discriminar na petição inicial, os valores que pretende se opor e aqueles que entende por devido, estes devendo ser pagos na exata redação do parágrafo único.

O mercado bancário vive e precifica seus recursos de acordo com o índice de inadimplência. Embora avanços nos métodos de aferição de capacidade de pagamento e classificação do crédito e garantias sejam importantes ferramentas, são milhões de ações revisionais de contratos bancários que visam desconstituir obrigações assumidas.

Como ocorre em outros segmentos alguns clientes bancários tem razão de buscar guarida do Poder Judiciário, contudo outros tantos sem nenhum direito material buscam tão somente estancar o pagamento das parcelas celebradas, fazendo uso de ações temerárias que buscam sustar os pagamentos até decisão definitiva de mérito.

Vale dizer que os bancos ao não receber as parcelas daquele cliente que ingressou sem direito material com uma ação revisional, obrigatoriamente destina parte dos recursos ao chamando “provisionamento de devedores” – alguns bancos utilizam-se de outras nomenclaturas para designar o mesmo fim – que em resumo significa que o mercado precisa ser garantido sobre a inadimplência daquele recurso emprestado, uma vez que o banco administra recurso de outros clientes que lá deixam suas reservas. Evidentemente, que o crédito se torna mais caro para os demais clientes, uma vez que a instituição financeira precisa reservar valores que muito bem poderiam ser emprestados a outros clientes a um menor custo desde que os valores fossem devidamente solvidos.

O primeiro passo a ser observado é a consonância do novel artigo 285-B à sistemática jurídico-processual vigente.

O artigo 286 do Código de Processo Civil determina que o “pedido deve ser certo ou determinado”, sendo evidentemente expressa uma regra neste sentido. Existem exceções todas ligadas às impossibilidades de determinação do pedido no início da demanda, o que não parece ser o caso na reflexão que nos pretendemos.

O pedido em relação às ações revisionais são conduzidos por um contrato escrito, e assim, ainda que reste pendente um cotejo entre o alcance das previsões contratuais e as leis materiais de regência da relação jurídica o objeto de litígio está devidamente delimitado, bem como, as partes; logo o pedido deve ser certo.

Para que se respeite o princípio da substanciação que diz respeito ao lastro lógico e jurídico entre a causa de pedir e o pedido deveria o autor da ação revisional dizer quais os índices, taxas, formas de composição ou capitalização de juros que deseja afastar, traçando claramente qual é o valor correto, a seu ver, de seu desembolso para cumprir a obrigação contratual, e não há nenhuma ilegalidade nisso.

É evidente que para o convencimento sobre a “verossimilhança do alegado” exigência do artigo 273 do Código de Processo Civil o Magistrado precisa de dados concretos sobre qual seria ao ver daquele que busca a prestação jurisdicional o valor correto de suas prestações, para somente assim, e após uma avaliação entre alegações, provas previamente apresentadas e arcabouço legal invocado suspender o pagamento das parcelas.

O que o referido dispositivo (285-B) fez foi somente o óbvio, que é obrigar o autor da ação a declinar o que pede, e por consequência pagar a quantia que entende por correta no mesmo tempo e modo contratado.

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Tive a oportunidade de ler alguns respeitados jornalistas dizerem que seria uma forma de “obrigar o devedor a continuar a pagar as prestações até decisão final, mesmo que a instituição esteja errada”, uma leitura completamente equivocada do dispositivo, que apenas exige o pagamento da quantia tida por incontroversa, ou seja, aquela que o próprio devedor declinou como sendo devida.

Hoje se instaura um momento delicado, em que as leituras são cada vez mais rasas, fato que implica, quase sempre em um conhecimento deturpado que se assemelha a teorias nefastas da conspiração. Criou-se um estigma pelo mercado bancário – ou pelos ditos banqueiros – que turva uma reflexão apurada sobre problemas que afetam todo o mercado e a vida dos brasileiros.

Quando o Código de Defesa do Consumidor expressamente determinou sua aplicação nas relações bancárias acertou ao proteger o consumidor e dar nome às instituições que lhe deviam obediência, assim não criando um estado de exceção e sim de integração protegendo a hipossuficiente financeira e técnica, entretanto, há que se respeitar regras mínimas no âmbito processual, sob pena, de dar guarida ao ilícito contratual e criar uma instabilidade em todo o mercado.

Outro fator que deve ser observado é que existem em nosso país verdadeiras “quadrilhas de liminares” junto ao Poder Judiciário. É o caso vivido nos empréstimos consignados, que por necessitarem de percentual especifico de comprometimento de renda – situação que claramente protege o consumidor – são alvos de ações que visam suspender a exigência das parcelas, assim liberando a possibilidade de concessão de novos créditos; e após alcançarem os novos empréstimos estes clientes bancários desistem das ações, cadeia que fatalmente desembocará na inadimplência. São bilhões de prejuízos aos bancos e quem paga está conta é todo o mercado que continua a ver aplicadas taxas de juros altíssimas e incompatíveis com padrões mundiais.

O Superior Tribunal de Justiça já havia editado a Súmula 380 segundo a qual “A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor”; alinhada a Jurisprudência de vários Tribunais pelo país no sentido que na ação revisional deve comprovar-se minimamente a plausibilidade das alegações para suspensão ab initio da cobrança das parcelas vincendas ou dos efeitos de publicidade do inadimplemento.

Resumidamente não há como negar que o artigo 285-B ao contrário do que muitos dizem é um avanço para o consumidor de serviços bancários, uma vez que se este declinar na inicial – como, aliás, entendo ser mínima obrigação daquele demanda – e continuar a pagar a parte incontroversa, diminuirá e muito a possibilidade de negativa inicial por parte do Magistrado que avaliar seu pleito. Por outro lado, resguarda o direito dos bancos, que, de forma difusa, é também o direito do mercado que deles depende.

O processo deve buscar efetividade; a entrega rápida na prestação jurisdicional é o valor maior envolvido na instrumentalidade do processo na questão posta à reflexão; assim não resta dúvida de que delimitar obrigações processuais é salutar, especialmente quando em consonância à jurisprudência já consolidada, pois, evita que o Poder Judiciário tenha a função de legislador positivo assim resguardando a harmonia entre os poderes e a segurança jurídica.

A exigência de pagamento do valor incontroverso não fere o acesso à Justiça garantido como direito individual pela Constituição Federal, uma vez que o contrato firmado é oneroso e alegar que seria obrigatória a suspensão dos pagamentos seria igualmente ignorar o ato jurídico perfeito – na medida em que o cliente bancário aquiesceu com a tomada de crédito – e a vinculação do contrato entre as partes.

A única rusga que merece maior reflexão é o fato da referida lei 12.810 de Maio de 2013 é resultado da conversão da Medida Provisória 585 de 2012 em lei, e a Constituição Federal veda em seu artigo 62, I, “b”, a alteração do Código de Processo Civil por meio de Medida Provisória, tema que já suscita necessárias reflexões e sobre o qual partilharemos nosso pensamento em breve.

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Sobre o autor
Aílton Soares de Oliveira

Advogado. Especialista em Direito pelo PUC-SP. Sócio de GDO Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Aílton Soares. Os bancos e o novo artigo 285-B do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3704, 22 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24861. Acesso em: 23 abr. 2024.

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