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A execução da pena como função jurisdicional e indelegável do Estado

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26/07/2013 às 10:16
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6. A OMISSÃO DO BRASIL PARA COM AS REGRAS MÍNIMAS DA ONU PARA TRATAMENTO DOS PRISIONEIROS

As Regras Mínimas da ONU para Tratamento dos Reclusos são fundamentais para a correta execução penal no País. Tais regras foram adotadas no Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra (Suíça), em 1955, aprovadas pelo Conselho Econômico e Social da ONU, por meio da Resolução 663, de 31 de julho de 1957, a qual foi aditada pela Resolução 2076, de 13 de maio de 1977.

Em 25 de maio de 1984, por meio da Resolução 47/1984, o Conselho Econômico e Social aprovou 13 procedimentos para a efetiva aplicação das Regras Mínimas acima citadas. Cujo objetivo visava estabelecer princípios e regras de uma boa organização penitenciária, primando pelo adequado tratamento dos prisioneiros. Tendo como pressuposto básico fundamental o que está consignado no art. 06 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz textualmente: “Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei”.

Esse documento da ONU sobre as prisões, do qual o Brasil é signatário, embasou substancialmente a LEP de 1984, que, não se tem dúvida é uma lei bastante avançada, mas pouco cumprida nos estabelecimentos penais Brasil afora.

Não é necessário conhecer pessoalmente, para se ter uma noção da lamentável situação do Sistema Penitenciário brasileiro, basta que se observe o Relatório da CPI do Sistema Carcerário de 2009, disponível em http://www.camara.gov.br, para se comprovar que tanto as Regras Mínimas da ONU como a LEP são explicitamente violadas em todo o Território nacional.

O cumprimento dessas Regras Mínimas sempre foi bastante questionado, tanto é verdade que em 1971 a Assembleia Geral das Nações Unidos, chamou a atenção dos Estados signatários para o cumprimento de todos os seus dispositivos, para isso adotou resolução especial criando procedimentos para regulamentar tal cumprimento. Dos treze pontos procedimentais adotados pela ONU, visando ao efetivo cumprimento das Regras Mínimas, pelos países membros da ONU, destacamos aqui os seguintes:

Procedimento 1 - Todos os Estados cujas normas de proteção a todas as pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou prisão não estiverem à altura das Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, adotarão essas regras mínimas.

Comentário: A Assembléia Geral, em sua Resolução 2.858 (XXVI), de 20 de dezembro de 1971, chamou a atenção dos Estados membros para as Regras Mínimas e recomendou que eles as aplicassem na administração das instituições penais e correcionais e que considerassem favoravelmente a possibilidade de incorporá-las em sua legislação nacional. É possível que alguns Estados tenham normas mais avançadas que as Regras e, portanto, não se pede aos mesmos que as adotem. Quando os Estados considerarem que as Regras necessitam ser harmonizadas com seus sistemas jurídicos e adaptadas à sua cultura, devem ressaltar a intenção e não a letra fria das Regras.

Procedimento 2 - Adaptadas, se necessário, às leis e à cultura existentes, mas sem distanciar-se do seu espírito e do seu objetivo, as Regras Mínimas serão incorporadas à legislação nacional e demais regulamentos.

Comentário: Este procedimento ressalta a necessidade de se incorporar as Regras Mínimas à legislação e aos regulamentos nacionais, com o que se abrange também alguns aspectos do procedimento 1.

Procedimento 3 - As Regras Mínimas serão postas à disposição de todas as pessoas interessadas, em particular dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e do pessoal penitenciário, a fim de permitir sua aplicação e execução dentro do sistema de justiça penal.

Comentário: Este procedimento lembra que as Regras Mínimas, assim como as leis e os regulamentos nacionais relativos à sua aplicação, devem ser colocados à disposição de todas as pessoas que participem na sua aplicação, em especial dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e do pessoal penitenciário. É possível que a aplicação das Regras exija, ademais, que o organismo administrativo central encarregado dos aspectos correcionais organize cursos de capacitação. [...].

As Regras Mínimas da ONU, de acordo com o Procedimento nº 03 transcrito, deveriam ser distribuídas a todas as pessoas interessadas, em particular aos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e do pessoal penitenciário, a fim de permitir sua aplicação e execução no sistema de justiça criminal.

No Brasil a maioria esmagadora dos juízes da execução penal e dos promotores de justiça não conhecem integralmente as Regras Mínimas da ONU sobre Tratamento de Reclusos, tampouco o pessoal penitenciário, uma prova inequívoca do descaso com que o Estado brasileiro trata tão importante questão.

Por fim, é importante destacar que as Regras Mínimas da ONU, ora em debate, recomendam uma atenção especial para com o pessoal penitenciário, senão vejamos o disposto no art. 46, item 3 do texto principal do documento internacional, verbis:

Art. 46. Do pessoal penitenciário:

Item 3. Para lograr tais fins, será necessário que os membros trabalhem com exclusividade como funcionários penitenciários profissionais, tenham a condição de funcionários públicos e, portanto, a segurança de que a estabilidade em seu emprego dependerá unicamente da sua boa conduta, da eficácia do seu trabalho e de sua aptidão física.

A remuneração do pessoal deverá ser adequada, a fim de se obter e conservar os serviços de homens e mulheres capazes. Determinar-se-á os benefícios da carreira e as condições do serviço tendo em conta o caráter penoso de suas funções. (Regras Mínimas da ONU para Tratamento de Reclusos).


7. A IMPRESCINDIBILIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS PARA A ADEQUADA EXECUÇÃO DA PENA

7.1. A relevância dos princípios

A Constituição da República de 1988, incluiu em seu texto essencialmente analítico, uma sucessão de princípios caracteristicamente penais. Uma parte está explicitamente alocada no seu teor, outra se deduz no âmbito das normas constitucionais implícitas.

Enfatize-se ainda, que esses princípios são indispensáveis na regular execução da pena. Aquidemonstrar-se-á a imprescindibilidade de alguns deles, como o da dignidade da pessoa humana, o da pessoalidade, o da individualização da pena e o da proporcionalidade. Todavia, isso não significa dizer que se esteja imprimindo menor valor aos que no momento não serão tratados.

A violação aos princípios constitucionais é inaceitável em qualquer circunstância, muito mais ainda quando se trata da liberdade de seres humanos. Nesse raciocínio é importante atentar para o que diz Celso Antônio Bandeira de Melo (1994):

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comando. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão de princípio atingido, porque representa a ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corresão de sua estrutura mestra. [...](MELO, 1994, p.)

7.2. Princípio da dignidade da pessoa humana

A garantia da dignidade da pessoa humana está consagrada expressamente, no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988. Recorremos à obra de Flademir Jerônimo Belinati Martins (2006), para demonstrar a importância que a Carta Mágnaimprimiu ao principio da dignidade da pessoa humana, são do autor as assertivas:

Foi nesse contexto de instauração de um Estado Democrático de Direito, em franca reação ao período autoritário que então findava, que se desenvolveram os trabalhos constitucionais, culminando na promulgação da Constituição de 1988. Uma Constituição cuja pretensão não se resume a apenas restaurar o Estado de Direito, mas ‘reencantar o mundo’, voltando-se contra o positivismo na busca de um fundamento ético para ordem jurídica e contra o privativismo na busca da efetividade do amplo sistema de direitos assegurado. E quando cotejada com as Constituições anteriores não deixa de ser uma ruptura paradigmática a solução adotada pelo constituinte na formulação do principio de dignidade da pessoa humana. A Constituição brasileira de 1988 avançou significativamente rumo à normatividade do principio quando transformou a dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem jurídica, declarando-o, em seu art. 1°, inciso III, com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a qual se constitui em Estado Democrático de Direito [...]. (MARTINS, 2006, p. 50).

Na ótica de Alexandre de Moraes, destaca-se, dentre os princípios fundamentais, também o da dignidade da pessoa humana, que concede unidade e garantias fundamentais, sendo inerentes às personalidades humanas. O autor assim se manifesta:

Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral, inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto, jurídico deve assegurar de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações aos exercícios dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, 2008, p. 21-22).

Ainda sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, é importante mencionar a síntese do dizer do jurista Edilson Pereira de Farias, cujo pensamento fundamenta-se em Karl Larenz e em sua santidade o Papa João Paulo II, assim é exposto:

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre um relevante papel na arquitetura constitucional: ele constitui a fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais. Aquele princípio é o valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais. Dessarte, o extenso rol de direitos e garantias consagrados pelo título II da Constituição Federal de 1988 traduz uma especificação e densificação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Em suma os direitos fundamentais são uma primeira e importante concretização desse último princípio, quer se trate dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), dos direitos sociais (arts. 14 a 17). Ademias, aquele princípio funcionaria ainda como uma cláusula “aberta” no sentido de respaldar o surgimento de “direitos novos” não expressos na Constituição de 1988, mas nela implícitos, seja em decorrência do regime e princípios por ela adotados, ou em virtude de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, reforçando, assim, o disposto no art. 5º, § 2º. Estreitamente relacionado com essa função, pode-se mencionar a dignidade da pessoa humana como critério interpretativo do inteiro ordenamento constitucional [...]. (FARIAS, 2008, p. 63-64).

É visível tratar-se de atributo que todo e qualquer cidadão possui independentemente de qualquer condição, seja relacionada à nacionalidade, sexo, religião, posição social, raça ou cultura. Considerada assim, a dignidade da pessoa humana como o nosso valor constitucional extraordinário, como sendo o núcleo axiológico da carta constitucional, em torno do qual gravitam os direitos fundamentais da pessoa natural.

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7.3. Princípio da Humanidade

Como reconhece Zaffaroni (1982), este princípio, é essencialmente, o reconhecimento do prisioneiro condenado como ser humano. Neste sentido Luizi (2002), registra que o grande movimento de ideias, conhecido como o Iluminismo, que dominou os Séculos XVII e XVIII, consagrou o princípio da humanidade no Direito Penal moderno. O autor diz ainda que, segundo os defensores do Iluminismo, a transformação do Estado parte de duas ideias fundamentais, quais sejam, a afirmação da existência de direitos inerentes a condição humana, e a elaboração jurídica do Estado, como se originária de um contrato, no qual em constituindo-se o Estado, os direitos humanos estariam suficientemente garantidos e respeitados.

Assegura esse autor, que daí, seria o direito penal vinculado a leis prévias e certas, limitadas ao mínimo estritamente necessário, sem o estabelecimento de penas degradantes.

Nessa linha de raciocínio, conforme Luizi (2002), constata-se que o respeito aos direitos humanos, encontra-se consignado em todas as constituições do Século XIX, aliás ainda antes, como em 1787, na Constituição da Filadélfia, ratificada mais tarde em 1791, já proibia penas degradantes. O que posteriormente foi seguido por organismos internacionais soberanos, como a Declaração dos Direitos do Homem, aprovada na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em seu art. 5º, que assegura que “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.

Nessa mesma ordem de harmonia, também se destacam a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que no inciso II do art. 5º, disciplina que ninguém será submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. De forma que, não somente nesses documentos citados, mas em vários outros a nível internacional, oriundos de organizações e países com quem o Brasil tem relações de reciprocidade, têm adotado posturas semelhantes.

7.4. Princípios da Pessoalidade e da Individualização da Pena

A Constituição Federal de 1988, no art. 5º, XLV, assegura textualmente, que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, pois, a pena não pode se aplicar a pessoa estranha à prática tipificada como crime, independentemente do grau de parentesco que tal pessoa possa ter com outra. Mas é importante atentar para o que defende Luisi (2002), quando expõe sobre o assunto em tela, inclusive, parafraseando J. Frederico Marques, que a pena pode causar danos e sofrimentos, muitas vezes irreparáveis a terceiros. Complementa tal entendimento referindo-se a G. Batablini (1973), que cita o caso da esposa, que, por ver condenado e preso o seu marido e chefe de família, e, não tendo conseguido emprego, viu-se obrigada a prostituir-se para garantir a subsistência própria e dos filhos.

Ilustrando melhor sobre a pessoalidade, o estudioso Luiz Luisi, acrescenta o seguinte entendimento sobre este princípio:

É princípio pacífico do direito penal das nações civilizadas que a pena pode atingir apenas o sentenciado. Praticamente em todas as nossas Constituições está disposto que nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. [...] Ao contrário do ocorrido no direito pré-beccariano a pena não pode se estender a pessoas estranhas ao delito, ainda que vinculadas ao condenado por laços de parentesco. [...] Para obviar casos iguais e similares ao aludido mais legislações vem prevendo a criação de instituições aptas a prestar assistência à família do sentenciado, e mesmo das vítimas do delito. Na Itália, o chamado ordenamento penitenciário torna obrigatória a assistência a (sic) família do sentenciado. Entre nós a Lei nº 7210 de 11.07.1984 (Lei de Execução Penal) prevê em seu artigo 22, XVI incumbir ao serviço social “orientar e amparar, quando necessário, à família do internado e da vítima. E no artigo 29, parágrafo 1º letra “b”ordena que o produto da remuneração do trabalho do preso deverá atender, dentre outros objetivos, “a assistência a (sic) família”. (LUISI, 2002, p. 51 – 52).

A Constituição Federal, no seu inciso XLVI, do art. 5º, prevê taxativamente que a “lei regulará a individualização da pena”. Por individualização da pena se deve entender o processo para, segundo a límpida e notória frase de Nelson Hungria (1978) retribuir o mal concreto do crime, com o mal concreto da pena, na concreta personalidade do criminoso.

Compatível com o dispositivo constitucional mencionado, está o disposto na art. 59, do Código Penal: “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime...” e aí segue as regras, constantes dos seus incisos, segundo as quais, cada condenado terá a reprimenda certa e específica para a prevenção e repressão do delito praticado, sendo que o processo de execução ficará atrelado, subordinado ao princípio da individualização da pena.

O processo de individualização da pena se desenvolve em três momentos complementares, quais sejam, o legislativo, o judicial e o executório ou administrativo, e se materializa conforme as próprias palavras do autor acima mencionado, assim:

Na primeira etapa através da lei, - que fixa para cada tipo penal uma ou mais penas proporcionais a importância do bem tutelado e a gravidade da ofensa. Não se trata de pena e quantitativos certos e fixos. Também prevê as espécies de pena e muitas vezes as prevê de forma alternativa, e mesmo, em outras ocasiões, dispõe a sua aplicação cumulada. Em outros textos normativos viabiliza as substituições da pena, geralmente as mais graves por espécies mais atenuadas. Todavia a lei penal não se limita as (sic) previsões normativas mencionadas mas, também, fixa regras que vão permitir as ulteriores individualizações. Assim ao estabelecer as regras que o juiz deve obedecer para chegar, em cada caso, considerando suas peculiaridades, a fixação da pena definitiva e concreta. Como é, ainda, na lei que se hão de encontrar as diretrizes balizadoras da execução as (sic) sanções penais. O segundo momento é a individualização judiciária. [...] o juiz vai fixar qual das penas é aplicável, se previstas alternativamente, e acertar o seu quantitativo entre o máximo e o mínimo fixado para o tipo realizado, e inclusive determinar o modo de sua execução. [...] na individualização judiciária da sanção penal estamos frente a uma “discricionariedade juridicamente vinculada”. O Juiz está preso aos parâmetros que a lei estabelece. Dentro deles o Juiz pode fazer as suas opções, para chegar a uma aplicação justa da lei penal, atento as exigências da espécie concreta, isto é, as suas singularidades, as suas nuanças objetivas e principalmente a pessoa a que a sanção se destina. Todavia é forçoso reconhecer estar habitualmente presente nesta atividade do julgador um coeficiente criador, e mesmo irracional, em que, inclusive inconscientemente, se projetam a personalidade e as concepções da vida e do mundo do Juiz. [...]. Aplicada a sanção penal pela individualização judiciária, a mesma vai ser efetivamente concretizada com sua execução. (LUISI, 2002, p. 52 - 55).

Neste sentido, Barros (2000), traz à discussão, como parte integrante de uma exposição da jurisprudência, em determinado tempo, da mais alta corte de justiça do país, o STF, sobre o princípioda proporcionalidade, um breve comentário sobre o princípio da individualização da pena, combinado com o da proporcionalidadecitado.Salienta-se que tal discussão, é uma síntese, ou seja, é a mínima parte do que a obra em referência presenteia aos leitores, haja vista, que, apenas pretende-se iniciar o debate de forma preliminar, portanto, longe de esgotar a discussão que, por certo, ainda levará bastante tempo para sua plena difusão, principalmente se levar em consideração, que o STF já dispõe de diversas outras decisões, enfatizando o principio da proporcionalidade com enfoque para a individualização da pena.

Suzana de Toledo Barros, na obra que tem como título: Princípio da Proporcionalidade e Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais, comentando sobre decisão do STF acerca da individualização da pena, diz:

Dentro dessa concepção o Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF, julgou Habeas Corpus, em questão suscitada sobre o conflito entre o art. 2.º, § 1.º, da Lei 8.072/90 (lei dos crimes hediondos), que impõe cumprimento integral da pena sob regime fechado, e o art. 5.º, XLVI, consagrados do direito à individualização da pena. O Supremo, por maioria dos votos, entendeu que a imposição do regime fechado para cumprimento integral de certas penas não servirá de alegação para sacrificar o Magno Princípio que prevê a individualização da pena (Decisão publicada no DJU de 18/06/93). É fácil concluir, que examinando sob o prisma da Proporcionalidade, levada a efeito sobre essa restrição tecnicamente considerada, está a demonstrar que o legislador utilizou-se de mecanismo inadequado, ou no mínimo desnecessário, para agravar a pena de condenados pela prática de crimes hediondos, objetivo inequívoco da lei, resultando indiscutivelmente em afronto ao Princípio da individualização da pena, que exige possibilidade de ponderação sobre o regime de cumprimento da pena pelo condenado.

A solução encontrada pelo STF, não se mostrou hábil ou mais adequada ao fim desejado, conforme observou o Ministro-Relator do Habeas Corpus em questão, Marco Aurélio, vencido em seu voto: Pois bem, a lei em comento impede a evolução no cumprimento da pena, mas prevê, em flagrante descompasso, benefício maior, que é o livramento condicional. Descabe a passagem do regime fechado para o semi-aberto, continuando o incurso nas sanções legais a cumprir a pena no mesmo regime. No entanto, assiste-lhe o direito de ver examinada a possibilidade de voltar à sociedade, tão logo transcorrido quantitativo superior a dois terços da pena. (BARROS, 2000, p. 175-178).

A autora da obra citada, afirma que, ao STF seria possível examinar a constitucionalidade do dispositivo legal sub examineem face do Princípio da Proporcionalidade, mesmo entendendo que o núcleo essencial da garantia da individualização da pena se mantivera intacto com a edição da Lei nº 8.072/90.

7.5. Posição atual do STF acerca da individualização da pena nos crimes hediondos

Passados 13 anos do julgamento do HC82.959/SP, que teve decisãopublicada no DJU de 18/06/93 que negou progressão de regime, sob alegação de óbice do § 1º do art. 2º da lei 8.072/90, o STF volta a se deparar, em 23 de fevereiro de 2006, com o mesmo assunto em sua pauta, agora através do HC 82.959 – SP, cuja relatoria, novamente ficara a cargo do ministro Marco Aurélio, sendo agora voto vencedor. O remédio constitucional foi impetrado no STF, já que o STJ negara, em sede também de HC, a soltura de réu acusado de crimes de estupro e atentado violento ao pudor, sob o fundamento de que:

A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, nas suas formas qualificadas ou simples, ou seja, mesmo que deles não resulte lesão corporal grave ou morte, e ainda que praticados mediante violência presumida, são considerados hediondos, devendo as suas respectivas penas serem cumpridas em regime integralmente fechado, por aplicação do disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. E na linha do pensamento do Supremo Tribunal Federal, consolidou, majoritariamente, o entendimento de que a Lei 9.455/97, que admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, não revogou o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, que prevê o regime fechado integral para os chamados hediondos. [...] (STF-HC 82.959/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio. Ac. p. 2. DJ 01.09.2006).

Em sessão plenária, sob a presidência do Ministro Nelson Jobim, o STF decidiu, por maioria de votos, declarar incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, exatamente nos termos do voto do Relator, Ministro Marco Aurélio, vencidos naquela ocasião, os ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Melo e o presidente, Nelson Jobim. São do ministro Marco Aurélio, Relator do HC, as observações:

A progressividade do regime está umbilicalmente ligada a própria pena, no que acenando ao condenado com dias melhores incentiva-o à correção de rumo e, portanto, a empreender um comportamento penitenciário voltado à ordem, ao mérito e a uma futura inserção no meio social. O que se pode esperar de alguém que, antecipadamente, sabe da irrelevância dos próprios atos e reações durante o período no qual ficará longe do meio social familiar e da vida normal que tem direito um ser humano; que ingressa em uma penitenciária com a tarja da despersonalização? Sob este enfoque digo que a principal razão de ser da progressividade no cumprimento da pena não é em si a minimização desta, ou o benefício indevido, porque contrário ao que inicialmente sentenciado, daquele que acabou perdendo o bem maior que é a liberdade. Está,isto sim, no interesse da preservação do ambiente social, da sociedade, que, dia-menos-dia receberá de volta aquele que inobservou a norma penal e, com isso, deu margem à movimentação do aparelho punitivo do Estado. A ele não interessa o retorno de um cidadão, que enclausurou, embrutecido muito embora o tenha mandado para detrás das grades com o fito, dentre outros, de recuperá-lo, objetivando uma vida comum em seu próprio meio, o que o tempo vem demonstrando, a mais não poder, ser uma quase utopia. Por sinal a Lei nº 8.072/90 ganha, no particular, contornos contraditórios. A um só tempo dispõe sobre o cumprimento da pena no regime fechado, afastando a progressividade, e viabiliza o livramento condicional, ou seja, o retorno do condenado à vida gregária (sic) antes mesmo do integral cumprimento da pena e sem que tenha progredido no regime. É que pelo artigo 5º da Lei 8.072/90, foi introduzido no artigo 83 do Código Penal preceito assegurando aos condenados por crimes hediondos, pela prática de tortura ou terrorismo e pelo tráfico ilícito de entorpecentes, a possibilidade de alcançarem a liberdade condicional, desde que não sejam reincidentes em crimes de natureza – inciso V. Pois bem, a Lei em comento impede a evolução no cumprimento da pena e prevê, em flagrante descompasso, benefício maior, que é o livramento condicional. Descabe a passagem do regime fechado para o semi-aberto, continuando-o incurso nas sanções legais a cumprir a pena no mesmo regime. No entanto, assiste-lhe o direito de ver examinada a possibilidade de voltar à sociedade, tão logo transcorrido quantitativo superior a dois terços da pena. (STF-HC 82.959/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio. Ac. p. 4-5. DJ 01.09.2006).

Observa-se que o Ministro Marco Aurélio, em parte da exposição do seu Relatório, destaca o mesmo argumento utilizado há 13 anos (em relação à data do julgamento), quando teve seu voto vencido naquela discussão em 1993, que viu o STF validar o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, agora tornada inconstitucional por via de controle incidental de constitucionalidade.

O ministro chamou a atenção para o que denominou de contornos contraditórios da lei,já que garantia o livramento condicional, mas impedia a progressão de regime, o que inviabilizaria de certa forma a individualização da pena. É importante para melhor entendimento sobre a individualização, transcrever outra parte da exposição e fundamentação do voto do ministro Marco Aurélio, haja vista, o conteúdo de cunho social, trazido pelo eminente magistrado:

[...] Diz-se que a pena é individualizada porque o Estado-Juiz, ao fixá-lo, está compelido, por norma cogente, a observar as circunstâncias judiciais, ou seja, os fatos objetivos e subjetivos que se fizerem presentes à época do procedimento criminalmente condenável. Ela o é não em relação ao crime considerado abstratamente, ou seja, ao tipo definido em lei, mas por força das circunstâncias reinantes à época da prática. Daí cogitar o artigo 59 do Código Penal que o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, não só as penas aplicáveis dentre as cominadas (inciso I), como também o quantitativo (inciso II), o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade – e, portanto, provisório, já que passível de modificação até mesmo para adotar-se regime mais rigoroso (inciso III) – e a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie da pena, se cabível. Dizer-se que o regime de progressão no cumprimento da pena não está compreendido no grande todo que é a individualização preconizada e garantida constitucionalmente é olvidar o instituto, relegando a plano secundário a justificativa socialmente aceitável que o recomendou ao legislador de 1984. É fechar os olhos ao preceito que o junge a condições pessoais do próprio réu, dentre as quais exsurgem o grau de culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, alfim, (sic) os próprios fatores subjetivos que desaguaram na prática delituosa. Em duas passagens, o Código Penal vincula a fixação do regime às circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, fazendo-o no § 3º do artigo 33 e no inciso II do próprio artigo 59, ao que tudo indica, receou-se, quando da edição da Lei nº 8.072/90, que poderia faltar aos integrantes do aparelho judiciário, aos juízes, aos tribunais, o zelo indispensável à definição do regime e sua progressividade e, aí, alijou-se do crivo mais abalizado que pode haver tal procedimento. [...] Dessarte, tenho como inconstitucional o preceito do § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, no que dispõe que a pena imposta pela prática de qualquer dos crimes nela mencionados será cumprida, integralmente, no regime fechado. (STF-HC 82.959/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio. Ac. p. 5-6. DJ 01.09.2006).

Corroborando com tal entendimento destaca-se decisão plenária do Pretório Excelso, que, em 16 de dezembro 2009, aprovou a Súmula Vinculante nº 26, com o seguinte texto:

Para efeito de progressão de regime de cumprimento de pena, por crime hediondo ou equiparado, praticado antes de 29 de março de 2007, o juiz da execução, ante a inconstitucionalidade do artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 8.072/90, aplicará o artigo 112 da Lei de Execuções Penais, na redação original, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do benefício podendo determinar para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. (DOU de 23/12/2009, p. 1).

Essa súmula vem para confirmar o que já havia sido defendido pelo ministro Marco Aurélio, do STF, tanto em julgados em que figurou com voto vencido, como nos que figurou com voto vencedor. O argumento dele, de que, “ao ser condenado todos os apenados deverão ter os mesmos tratamentos para o cumprimento da pena a ser imposta”, é o que vai garantir ao preso, como ele mesmo afirma, o seu retorno gradativo ao convívio social, até atingir a liberdade condicional e finalmente alcançar a extinção da punibilidade.

Entretanto, ele votou contra a parte final da redação da Proposta de súmula vinculante nº 30 que originou o verbete vinculante em referência, alegando que o STF estaria avocando a função legislativa do Congresso Nacional, no que diz respeito ao exame criminológico. Como havia sido editada a Lei 10.792/2003 que extirpou o exame referenciado, e mesmo havendo projeto de lei em tramitação no legislativo visando trazer devolta o exame criminológico, o Supremo não poderia ter incluído-o na súmula vinculante 26, porque assim estaria legislando, isto é, extrapolando suas funções constitucionais.

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Sobre o autor
Jacinto Teles Coutinho

Especialista em Direito Público pelo CEUT. Habilitado em Direito Penal pela UESPI. Graduado em Direito pela FAETE. Aprovado no V Exame Nacional da OAB. Agente PenitenciárioConselheiro Penitenciário do Piauí (2005-2013). Ex: vereador, assessor jurídico da Prefeitura de Teresina, presidente da CDH da Câmara Municipal de Teresina, diretor jurídico da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis-COBRAPOL, do SINPOLJUSPI, e coordenador do Fórum Nacional de Assuntos Penitenciários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Jacinto Teles. A execução da pena como função jurisdicional e indelegável do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3677, 26 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25020. Acesso em: 24 nov. 2024.

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