1.- Introdução
O presente estudo sobre a Desconsideração da Personalidade Jurídica, além de passar, rapidamente, pelos conceitos de personalidade, distinção das personalidades das pessoas jurídicas e naturais, seus requisitos e tipos, entre outros, tem como foco a análise do referido instituto à luz das decisões emanadas pelo Superior Tribunal de Justiça, que tem como sua função primeira a uniformização da interpretação de toda a legislação federal brasileira.
Neste contexto, o que se objetiva trazer para o presente trabalho, de forma resumida, é aliar ao lado acadêmico do tema o seu rico aspecto prático, mediante a análise de alguns dos posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça.
2.- Da Personalidade
Antes de entrarmos no tema da Desconsideração da Personalidade Jurídica, necessário se faz trazermos para o presente trabalho o conceito sobre a personalidade.
O artigo 1°, do Código Civil Brasileiro diz:
“Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.”
Nas palavras de Pontes de Miranda (1970, Parágrafo 47):
“O ser pessoa é fato jurídico: com o nascimento, o ser humano entra no mundo jurídico, como elemento de suporte fático em que o nascer é o núcleo. Esse fato jurídico tem a sua irradiação de eficácia. A civilização contemporânea assegurou aos que nela nasceram o serem pessoas e ter o fato jurídico do nascimento efeitos da mais alta significação. Outros direitos, porém, surgem de outros fatos jurídicos em cujos suportes fáticos a pessoa se introduziu e em tais direitos ela se faz sujeito de direito. A personalidade é a possibilidade de se encaixar em suportes fáticos, que, pela incidência das regras jurídicas, se tornem fatos jurídicos; portanto, a possibilidade de ser sujeito de direito.” (grifo nosso)
E continua:
“Pessoa é o titular do direito, o sujeito de direito. Personalidade é a capacidade de ser titular de direitos, pretensões, ações e exceções e também de ser sujeito (passivo) de deveres, obrigações, ações e exceções. Capacidade de direito e personalidade são o mesmo.” (grifo nosso) (1970, Parágrafo 48)
Nas palavras de Maria Helena Diniz (2008, p. 33):
“... a essa aptidão, oriunda da personalidade para adquirir direitos e assumir deveres na vida civil, dá-se o nome de capacidade gozo ou de direito. A capacidade de direito não pode ser recusada ao indivíduo, sob pena de se negar sua qualidade de pessoa, despindo-o dos atributos da personalidade.”
3.- Da Pessoa Jurídica e a sua distinção em relação à Pessoa Física
Porém, não é somente o ser humano que tem a aptidão para ser titular de direitos e deveres, ou seja, ter personalidade, “... tais entidades, para se não confundirem com as pessoas-homens, dá-se o nome de pessoas jurídicas, ou morais, ou fictícias, ou fingidas. Em verdade, de modo nenhum se fingem: a personalidade jurídica é atribuída pelo direito; é o sistema jurídico que determina quais são os entes que se têm por pessoas. Nem sempre todos os homens foram pessoas, no sentido jurídico: os escravos não eram pessoas; e sistemas jurídicos houve que não reputavam pessoas as mulheres. Foi a evolução social que impôs o princípio da personalidade de todos os entes humanos. Por outro lado, para que haja pessoa jurídica, no sentido de pessoa que não é ente humano (pessoa natural, pessoa física), é sempre preciso que haja elemento humano, que sirva de dado fático,...” (grifo nosso) (Miranda, 1970, parágrafo 48)
O artigo 44 do Código Civil de 2002 diz quem são as pessoas jurídicas de direito privado:
“I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações; IV – as organizações; e V – os partidos políticos.”
Sobre o referido artigo o Enunciado n° 144 do Conselho da Justiça Federal, traz:
“Art. 44: A relação das pessoas jurídicas de direito privado constante do art. 44, incs. I a V, do Código Civil não é exaustiva.”
Nesse contexto, outras pessoas que são dotadas de personalidade jurídica de direito privado: a empresa pública, sociedade de economia mista e o consórcio público.
Assim, “O nascimento da pessoa física e a atribuição da personalidade jurídica são, pois, suportes fáticos, sobre que incidiu regra jurídica, tornando-se fatos jurídicos. Portanto, aquela possibilidade lógica de ser sujeito de direito também entra no mundo jurídico e se torna possibilidade jurídica.” (grifo nosso) (Miranda, 1970, Parágrafo 81)
Maria Helena Diniz (2008, p, 81) traz o conceito de Pessoa Jurídica:
“A pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios que visa à obtenção de certas finalidades, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações.”
O artigo 20 do Código Civil de 1916 afirmava que “As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.”
Para Pontes de Miranda (1970, parágrafo 83): “Não se trata, a, rigor, de regra jurídica. Apenas, tautologicamente se enuncia que as pessoas jurídicas têm capacidade de direito, que as pessoas jurídicas são pessoas. Além disso, as pessoas jurídicas, ainda que tratem com os seus membros, se a lei e o ato constitutivo não lhes veda tais negócios jurídicos, ficam como pessoas diante das pessoas dos seus membros. Aquele que lhe compra, ou vende alguma coisa, ainda que assine por ela, como seu representante ou órgão, não faz contrato consigo mesmo.” (grifo nosso), o que fundamenta a ausência de dispositivo similar no Código Civil de 2002.
Desta forma, fica claro que a Pessoa Jurídica detentora de personalidade, ou seja, com aptidão para ser titular de direitos e deveres, é pessoa distinta daquelas pessoas (humanas ou não) que são seus membros.
Feita essa distinção, passamos ao tema da desconsideração da personalidade jurídica, propriamente dita.
4.- Breve Histórico e Conceito da Desconsideração da Personalidade Jurídica
Para um melhor entendimento do tema proposto, trago para o presente trabalho transcrição do breve histórico do surgimento do referido instituto, extraído do REsp n° 1.141.447 – SP, onde foi relator o Ministro Sidnei Beneti:
“O instituto surgiu na jurisprudência do Direito Anglo-americano e possui data certa de nascimento em 1909, na decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos, US - Bank of United States v. Deveaux (Acórdão redigido pelo legendário juiz JOHN MARSHALL, presidente da Corte (seguindo o sistema de que, se o Presidente da Corte Suprema compõe a maioria, é ele, geralmente, designado Relator – o que nada tem que ver com o sistema brasileiro de sorteio prévio de Relator, bem podendo ocorrer, no sistema da US Supreme Court, que o condutor das idéias tenha sido outro Juiz, que não o redator do julgamento)..
Segue-se, do outro lado do Atlântico, mas ainda no Common Law, em 1867, no Reino Unido, a decisão Salomon v. Salomon & Co (Relator Lord MACNAUGHTEN, voto vencedor de Lord HALISBURY.). Observação certeira de eminente doutrinador assinala que a doutrina da desconsideração é produto típico do método indutivo, que nutre o Common Law (MARÇAL JUSTEN FILHO, "Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro”, S. Paulo, Revista dos Tribunais, 1987, p. 9), ou seja: provém de sentido contrário ao resultante do método dedutivo do “Civil Law”, fundado no silogismo, em que se parte de uma norma ou princípio para depois se chegar ao caso, pois, pelo método indutivo, examinam-se os julgamentos de casos semelhantes e deles se extrai a norma ou princípio de regência. O instituto transmigra para o “Civil Law” por intermédio das obras de MAURICE WORMSER, PIERO VERRUCOLI e ROLF SERICK (este último adaptando definitivamente ao instituto ao “Civil Law”).
(...)
No Brasil, o instituto foi formalmente apresentado no âmbito do Direito Comercial, em memorável Aula Magna de RUBENS REQUIÃO (RUBENS REQUIÃO, “Abuso de direito e Fraude através da Personalidade Jurídica”, em Rev. Trib., São Paulo, vol. 477, jul. 1975, p. 12-27).”
A partir daí se consolidou a tese da Desconsideração da Personalidade Jurídica na doutrina e jurisprudência brasileira, que acabou por influenciar nosso legislador que fez constar tal instituto no texto legal.
Nesse momento, necessário se faz trazer algumas conceituações acerca do estudo em questão:
“A desconsideração da personalidade jurídica pode ser entendida como a superação temporária da autonomia patrimonial da pessoa jurídica com o intuito de, mediante a constrição do patrimônio de seus sócios ou administradores, possibilitar o adimplemento de dívidas assumidas pela sociedade.” (REsp n° 970.635, Relatora Ministra Nancy Andrighi)
“A desconsideração da personalidade jurídica pode ser entendida como o afastamento episódico da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, com o intuito de, mediante a constrição do patrimônio de seus sócios ou administradores, possibilitar o adimplemento de dívidas assumidas pela sociedade.” (REsp. n° 948.117, Relatora Ministra Nancy Adrighi)
“Pode-se conceituar desconsideração da pessoa jurídica como instituto pelo qual se ignora a existência da pessoa jurídica para responsabilizar seus integrantes pelas conseqüências de relações jurídicas que a envolvam. É o contrário da noção de separação da personalidade da pessoa jurídica da personalidade das pessoas físicas que a integram, de modo que significa verdadeira anulação do princípio secular “societas distat a singulis”.
Desconsiderar significa não conhecer, isto é, operação lógico-psíquica de bloqueio de algo existente na realidade objetiva, de modo a impedir que ingresse na mente no momento do conhecimento – isolamento de parte do real no objeto cognoscível, ou, em poucas palavras, fingir que não existe.
Curioso o mecanismo da desconsideração da pessoa jurídica. É um sutil mecanismo jurídico de contra-ficção, ou de desficção, pois, mediante ficção jurídica, nulifica-se, finge-se não existente uma ficção jurídica anterior, que é a própria pessoa jurídica.” (Aspectos Polêmicos e Atuais sobre os Terceiros no Processo Civil, Org. Fredie Didier Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier, ed. Revista dos Tribunais – tirado do REsp. n° 1.141.447, Relator Ministro Sidnei Benetti)
A Desconsideração da Personalidade Jurídica é aplicada em diversos ramos do direito, como por exemplo, no Direito Tributário, Direito do Trabalho e o Direito Ambiental, porém, vamos restringir o presente estudo ao Direito Civil e Direito do Consumidor.
O Código do Consumidor, Lei n° 8078 de 11 de setembro de 1990, expressamente adota o tema em estudo no “caput” do seu artigo 28, o qual transcrevemos:
“O Juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatuto ou contrato social. A desconsideração também será efetiva quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.” (grifo nosso)
O Código Civil de 1916 não trazia dispositivo sobre o tema, já o Código Civil de 2002 trouxe inserido em seu texto o instituto em estudo, conforme se pode verificar pelo “caput” do artigo 50, que passamos a transcrever:
“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” (grifo nosso)
Assim, não há dúvidas que no Brasil, atualmente, vigora a desconsideração da personalidade jurídica, com respaldo na doutrina, jurisprudência e na lei, onde se adotou, como principais teorias, para a incidência de seus pressupostos, a Teoria Maior e a Teoria Menor, as quais passamos a apresentar.
5.- Da Teoria Maior
A regra geral adotada pelo nosso ordenamento jurídico, no tocante à desconsideração da personalidade jurídica, é aquela que consta do artigo 50, do Código Civil de 2002, supra transcrito, chamada de Teoria Maior da Desconsideração.
Para a Teoria Maior da Desconsideração não basta que a Pessoa Jurídica esteja insolvente e, portanto, impossibilitada financeiramente de cumprir com suas obrigações perante seus credores.
Para que se configure a Desconsideração da Personalidade Jurídica, com fundamento na Teoria em tela, ao lado da demonstração da insolvência da Pessoa Jurídica, deverá figurar adicionalmente ou o elemento subjetivo (desvio de finalidade) ou o elemento objetivo (confusão patrimonial).
“Assim, verificado o desvio de finalidade, caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, teria lugar a Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração, ao passo que, caracterizada a confusão patrimonial, evidenciada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios, aplicável seria a Teoria Maior Objetiva da Desconsideração.” (grifo nosso) (STJ - REsp. n° 970.635 – SP – Terceira Turma – Relatoria Ministra Nancy Andrighi, VU., julg. 10/11/2009.)
Exatamente com fundamento na Teoria Maior é que o Acórdão supra mencionado acabou por afastar a desconsideração da personalidade jurídica anteriormente aplicada, conforme transcrição do mesmo:
“Na presente hipótese, os motivos que deram ensejo à desconsideração da personalidade jurídica determinada pelo TJ/SP foram a aparente insolvência da recorrente e o fato de ela não mais exercer suas atividades no endereço em que estava sediada. Contudo, não demonstrada a confusão patrimonial nem o desvio de finalidade, não merece prosperar o entendimento adotado no acórdão, sendo de rigor, portanto, o afastamento da desconsideração da personalidade jurídica da recorrente.” (grifo nosso).
No mesmo sentido é o enunciado 146 do Conselho da Justiça Federal:
“Art. 50: Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrimonial)” (grifo nosso)
6.- Da Teoria Menor
A Teoria Menor é a exceção da regra geral anteriormente explanada chamada de Teoria Maior da Desconsideração.
Essa excepcionalidade é verificada no nosso ordenamento jurídico, a exemplo do Direito Consumerista e o Ambiental, pois o legislador entendeu que nesses casos o direito a ser tutelado merece tratamento especial, não incidindo, portanto, a regra geral, ditada pelo Código Civil.
Como já dito o presente estudo se focará nos temas constantes do Direito Civil e do Consumidor, assim, no caso passemos às análises da Teoria Menor aplicada no Código de Defesa do Consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor traz no parágrafo 5°, do seu artigo 28:
“Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”
Perceba-se que o dispositivo legal supra traz como possibilidade para a desconsideração da personalidade jurídica o simples “obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”.
A aplicação da Teoria Menor não é unânime no Superior Tribunal de Justiça, no âmbito da legislação consumerista, mas tem se mostrado o entendimento majoritário.
Temos como principais pontos que fundamentam a não aplicação da referida teoria:
a) o desafio da personalidade distinta da Pessoa Jurídica e de seus sócios só deve ser aplicado restritivamente;
b) conforme base histórica, a Desconsideração da Personalidade Jurídica tem fundamento na manipulação da autonomia das pessoas jurídicas, ou seja, na realização de fraude contra credores e por isso, não existindo tal requisito, a mesma não deve ser aplicada;
c) o “caput” do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, atendendo ao histórico que deu ensejo ao instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, traz os casos em que deverá ser aplicado tal instituto, tendo como pano de fundo o seu abuso ou manipulação com o intuito de fraudar credores;
d) em que pese a existência do parágrafo 5°, do artigo 28, em estudo, a vigência do mesmo se deu por conta de um erro do veto presidencial, já que tal veto acabou por atingir o parágrafo 1°, do referido artigo, quando seu objetivo seria o próprio parágrafo 5°, o que se depreende dos motivos que justificaram o referido veto; e
e) analisando o inteiro teor do artigo 28, em tela, conjuntamente com seus parágrafos, conforme a melhor técnica de redação legislativa, os parágrafos devem ser lidos de forma a serem subordinados aos limites do seu “caput”, assim, os parágrafos não tem autonomia.
Já, para aqueles que entendem que deve prevalecer a Teoria Menor na aplicação do Direito do Consumidor, os principais fundamentos são os seguintes:
a) a Constituição Federal determina tratamento diferenciado, em benefício do consumidor, conforme se verifica pelo inciso XXXII, do artigo 5° e do inciso V, do artigo 170, portanto, o parágrafo 5°, do artigo 28, da Lei n° 8.078/90, dá efetividade às referidas determinações constitucionais;
b) em que pese, não se tenha a melhor técnica redacional legislativa para o parágrafo 5° em relação ao seu “caput”, do artigo 28 em tela, o mesmo é iniciado com a expressão “Também poderá...”, de forma que, mesmo não ocorrendo as hipóteses elencados pelo “caput” do referido artigo, pode ser aplicada a Desconsideração da Personalidade Jurídica nos casos em que a personalidade jurídica constituir obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos dos consumidores; e
c) que tal autonomia entre o parágrafo 5° e o “caput” do artigo 28, faz com que o possa ser aplicado o instituto em estudo pela ocorrência das hipóteses do “caput” ou pelas do parágrafo em tela, criando-se nova hipótese legal para o caso, visto que se assim não fosse, se estaria retirando toda a eficácia da norma contida no referido parágrafo, o que “não se compadece com o nosso sistema de direito positivado, no qual a lei vale por aquilo que está escrito. Daí presumir-se que o legislador não insere no texto palavras inúteis.” (Conforme voto do Ministro Castro Filho, no REsp n° 279.273-SP , pag, 83).
Os argumentos supra foram tirados do Julgamento do Recurso Especial n° 279.273 – SP, do Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, vencidos os Ministros Ari Pargendler (Relator) e Ministro Carlos Alberto Menezes Direito e vencedores a Ministra Nancy Andrighi (que lavrou o Acórdão), Ministro Castro Filho e o Ministro Antônio Pádua Ribeiro, julgado em 04 de dezembro de 2004, cuja integra do V. Acórdão não integrará o referido trabalho, pois conta com 86 laudas, mas que se recomenta a leitura frente às lições que podem ser tiradas do mesmo.
Mesmo assim, apresenta-se parte da ementa do supra mencionado Acórdão:
“Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração.
Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º.
(...)
- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).
- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.
- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
- Recursos especiais não conhecidos.” (grifo nosso)
O Enunciado 51 do Conselho da Justiça Federal, traz o seguinte:
“Art. 50: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.”