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A desconsideração da personalidade jurídica:

aspectos práticos conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

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05/09/2013 às 12:37
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7.- Da Desconsideração da Personalidade Jurídica e o Reconhecimento de Grupo Econômico

A criação de Grupos Econômicos, ou seja, diversas empresas que atuam em conjunto e que tem como sócios as mesmas pessoas, é prática comum no meio empresarial.

Porém, muitas vezes fica clara a existência de confusão patrimonial na administração dessas empresas, o que tem se mostrado condição suficiente para que, com a Desconsideração da Personalidade Jurídica, com foco na teoria maior, uma empresa responda por dívidas de outras.

Neste sentido:

“RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. PROCESSO CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECONHECIMENTO DE GRUPO ECONÔMICO. REVISÃO DOS FATOS AUTORIZADORES. SÚMULA N° 7/STJ. NULIDADE POR FALTA DE CITAÇÃO AFASTADA. EFETIVO PREJUÍZO PARA A DEFESA NÃO VERIFICADO. OFENSA À COISA JULGADA INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. SÚMULA N° 98/STJ.

1. Reconhecido o grupo econômico e verificada confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para responder por dívidas de outra, inclusive em cumprimento de sentença, sem ofensa à coisa julgada. Rever a conclusão no caso dos autos é inviável por incidir a Súmula n° 7/STJ.” (grifo nosso) (STJ, REsp n° 1.253.383 - MT, Terceira Turma, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, V.U., julg. 12/06/2012).

Para alguns, ainda, a formação de grupo de empresas acaba se justificando mais como um artifício para impedir ou dificultar o cumprimento de suas dívidas, configurando-se, na prática, a formação de grupo econômico com finalidade ilícita, já que seu objetivo principal é livrar o patrimônio das demais empresas ou sócios ameaçados por débitos.

Neste sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SÚMULA 284/STF. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS DA CF. INVIABILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF. ATUAÇÃO DO MAGISTRADO. LEGALIDADE. GRUPO ECONÔMICO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182 DO STJ. RAZÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DA DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF.

...

3. Da análise dos autos, o Tribunal de origem reconheceu que o magistrado não agiu de ofício, e que era legítima a desconsideração da personalidade jurídica, visto os indícios de grupo econômico com finalidade ilícita. A revisão do entendimento firmado demandaria reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ.” (grifo nosso) (STJ, AgRg no Agravo em REsp n° 244.325 - SC, Segunda Turma, Relator Ministro Humberto Martins, V.U., julg. 07/02/2013).


8.- Desconsideração da Personalidade Jurídica na Modalidade Inversa

Com a Desconsideração da Personalidade Jurídica aquelas pessoas que perpetravam fraudes em nome da sociedade, transferindo o patrimônio da empresa para a sua pessoa, por exemplo, tentando se valer do manto da personalidade distinta, acabaram por não ver mais uma opção nessa prática.

Porém, muitos inverteram referido processo, com o mesmo ânimo, ocultar seus bens de terceiros, só que desta vez, esvaziavam seu próprio patrimônio, transferindo-o para o ente societário, também tentando se valer da distinção das referidas personalidades.

Para o processo de se desconsiderar a personalidade jurídica, com a finalidade de buscar patrimônio na sociedade, por conta de obrigações pessoais do sócio, se dá o nome de Desconsideração da Personalidade Jurídica Inversa.

Saliente-se que apesar da operação se dar de forma inversa, o seu fundamento legal continua sendo amparado nos termos do artigo 50, do Código Civil de 2002.

Nesse sentido:

“Conquanto a consequência de sua aplicação seja inversa, sua razão de ser é a mesma da desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita: combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. Em sua forma inversa, mostra-se como um instrumento hábil para combater a prática de transferência de bens para a pessoa jurídica sobre o qual o devedor detém controle, evitando com isso a excussão de seu patrimônio pessoal.

A interpretação literal do art. 50 do CC/02, de que esse preceito de lei somente serviria para atingir bens dos sócios em razão de dívidas da sociedade e não o inverso, não deve prevalecer. Há de se realizar uma exegese teleológica, finalística desse dispositivo, perquirindo os reais objetivos vislumbrados pelo legislador.

Assim procedendo, verifica-se que a finalidade maior da disregard doctrine , contida no referido preceito legal, é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. A utilização indevida da personalidade jurídica da empresa pode, outrossim, compreender tanto a hipótese de o sócio esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica para fraudar terceiros, quanto no caso de ele esvaziar o seu patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integralizar na pessoa jurídica, ou seja, transferir seus bens ao ente societário, de modo a ocultá-los de terceiros.”(grifo nosso) (STJ, REsp n° 948.117 – MS, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, V.U., julg. 22/06/2010).

E mais a frente o Acórdão supra ensina que a Desconsideração da Personalidade Jurídica na modalidade Inversa não pode ser aplicada para responsabilizar a empresa por dívidas de sócio com participação mínima naquele patrimônio social:

“... não se pode olvidar que o sentido operativo da teoria da desconsideração está intimamente ligado com o fomento à atividade econômica, porquanto o ente societário representa importante gerador de riquezas sociais e empregos. Se por um lado a distinção entre a responsabilidade da sociedade e de seus integrantes serve de estímulo à criação de novas empresas, por outro visa também preservar a pessoa jurídica e a manutenção de seu fim social, que seria fadada ao insucesso se fosse permitido, descriteriosamente, responsabilizá-la por dívidas de qualquer sócio, ainda que titular de uma parcela ínfima de quotas sociais. Por óbvio, somente em situações excepcionais em que o sócio controlador se vale da pessoa jurídica para ocultar bens pessoais em prejuízo de terceiros é que se deve admitir a desconsideração inversa.(negrito nosso)

Assim, se manifestou o Conselho da Justiça Federal, sobre o tema, conforme seu enunciado n° 283:

“Art. 50: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.”


9.- Da Diferença entre a Desconsideração da Personalidade Jurídica e a Responsabilidade do Sócio Devido ao Contrato Societário ou Estatuto Social

O foco do presente trabalho está na Desconsideração da Personalidade Jurídica, porém, é importante distingui-la da responsabilidade do Sócio, em relação, aos atos que pratica em nome da sociedade.

Para não se estender no tema, sem deixar de aprecia-lo, mesmo que sucintamente, apresentamos o quanto segue:

“A responsabilidade decorrente da desconsideração da pessoa jurídica, apresse-se em salientar, nada tem que ver com a responsabilidade comercial ou civil do sócio, conseqüente à modalidade societária de que participe, ou de negócios jurídicos que, em função dos negócios da personalidade jurídica, pratique, como a dada de aval, fiança ou conferência de bens. Diante da existência de uma sociedade comercial, surgem algumas ordens de responsabilidade civil e comercial, como: 1o) Responsabilidade societária externa, de origem societária, comprometendo: a) Responsabilidade quanto ao patrimônio afetado à sociedade, determinada pela espécie societária; b) Responsabilidade subsidiária por atos de gestão societária (o fato da gestão); 2º) Responsabilidade extra-societária: a) Solidariedade com a sociedade (ato ilícito comum); b) Responsabilidade contratual solidária: fiança, aval, caução). Essas modalidades de responsabilidade são imediatamente decorrentes da participação em pessoa jurídica. São responsabilidade direta, decorrente, por exemplo, da condição de sócio a arriscar patrimônio, ou de gerente ou diretor pelos atos de administração. No caso da responsabilidade decorrente da desconsideração da pessoa jurídica, trata-se de responsabilidade subsidiária, a exemplo do que ocorria com as sociedades em nome coletivo do Código Comercial de 1850 (É onde se chega, inferindo-se da exposição de TERESA CRISTINA G. PANTOJA (ob. cit., p. 91).” (STJ – REsp n° 1.141.447 – SP, Terceira Turma, Relator Ministro Sidnei Benetti, V.U., Julg. 08 /02/2011) (grifo nosso)

No mesmo sentido:

“Não há como confundir a ação de responsabilidade dos sócios e administradores da sociedade falida (art. 6º do Decreto-lei n.º 7.661/45 e art. 82 da Lei n.º 11.101/05) com a desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Na primeira, não há um sujeito oculto, ao contrário, é plenamente identificável e evidente, e sua ação infringe seus próprios deveres de sócio/administrador, ao passo que na segunda, supera-se a personalidade jurídica sob cujo manto se escondia a pessoa oculta, exatamente para evidenciá-la como verdadeira beneficiária dos atos fraudulentos. Ou seja, a ação de responsabilização societária, em regra, é medida que visa ao ressarcimento da sociedade por atos próprios dos sócios/administradores, ao passo que a desconsideração visa ao ressarcimento de credores por atos da sociedade, em benefício da pessoa oculta.” (grifo nosso) (STJ – REsp n° 1.180.191 – RJ, Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, V.U., julg. 05/04/2011)

E para não deixar dúvidas o enunciado 229, do Conselho da Justiça Federal é claro:

“Art. 1.080: A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia patrimonial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta.”


10.- Com a Desconsideração da Personalidade Jurídica a Responsabilidade não está Limitada às Quotas Sociais

Foi alvo de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça controvérsia onde se discutiu se a responsabilidade do sócio, após levantada a personalidade jurídica da autônoma da empresa, estaria limitada à suas quotas sociais, sendo que a questão restou negativa, conforme fundamentos que passamos a transcrever:

“Isso porque, a partir da desconsideração da personalidade jurídica, a execução segue em direção aos bens dos sócios, tal qual previsto expressamente pela parte final do próprio art. 50 do Código Civil, in verbis: "(...) pode o Juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica".(grifo)

Como se vê, não há, no referido dispositivo, qualquer restrição acerca da execução, contra os sócios, ser limitada às suas respectivas quotas sociais. E nessa hipótese, essa exegese amolda-se ao vetusto brocardo latino "ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet", ou seja, onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo.

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E mais, o art. 591 do Código de Processo Civil é claro ao estabelecer que os devedores respondem com todos os bens presentes e futuros no cumprimento de suas obrigações. É, pois, sua redação, in verbis: "Art. 591. O devedor responde, para cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei."

De qualquer sorte, admitir que a execução esteja limitada às quotas sociais revelar-se-ia temerária e indevida desestabilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que vem há tempos conquistando espaço e sendo moldado às características de nosso ordenamento jurídico.” (grifo nosso) (STJ – REsp n° 1.169.175 – DF, Terceira Turma, Relator Ministro Massami Uyeda, VU., 17/02/2011)


11.- Desnecessário o ajuizamento de Ação Autônoma para requerer a Desconsideração da Personalidade Jurídica

O Superior Tribunal de Justiça tem decidido, reiteradamente, ser possível a determinação de Desconsideração da Personalidade Jurídica nos próprios autos, conforme se pode verificar de parte da Ementa que transcrevemos a seguir:

Esta Corte Superior tem decidido pela possibilidade da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica nos próprios autos da ação de execução, sendo desnecessária a propositura de ação autônoma (RMS nº 16.274/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ de 2.8.2004; AgRg no REsp nº 798.095/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, DJ de 1.8.2006; REsp nº 767.021/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ de 12.9.2005).” (grifo nosso) (STJ – REsp n° 331.478 – RJ, Quarta Turma, Relator Ministro Jorge Scartezzini, V.U., 24/10/2006)

No mesmo sentido, destaca-se da ementa abaixo:

“5. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos da falência, nos termos da jurisprudência sedimentada do STJ.” (grifo nosso) (STJ – REsp n° 1.180.191 – RJ, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, V.U., julg. 05/04/2011)


12.- Da Inesgotabilidade ou da Perpetualidade do prazo para requerer a Desconsideração da Personalidade Jurídica

Há quem alegue que a Desconsideração da Personalidade Jurídica se assemelhe às Ações Revocatória Falencial ou à Ação Pauliana, o que já foi rechaçado pelo Superior Tribunal de Justiça.

O Tribunal se manifestou no sentido de que, seja por conta de suas justificativas, seja por conta de suas consequências, já que a Revocatória visa o reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico suspeito, e a Pauliana a invalidação de ato praticado em fraude contra credores, sendo, ambas, interditos restituitórios, que visam devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, não há que se falar em semelhanças com o instituto em estudo.

Por sua vez, a Desconsideração da Personalidade Jurídica, “... consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica - rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade.” (grifo nosso) (STJ – REsp n° 1.180.191 – RJ, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, V.U., julg. 05/04/2011). (grifo nosso)

Assim, conclui o Acórdão supra mencionado, conforme se verifica do destaque de sua ementa:

“3. Com efeito, descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos decadenciais para o ajuizamento das ações revocatória falencial e pauliana.

4. Relativamente aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento.” (grifo nosso)

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Sobre o autor
Gilberto Andrade de Jesus

Advogado com 14 anos de atuação em consultivo e contencioso cível.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Gilberto Andrade. A desconsideração da personalidade jurídica:: aspectos práticos conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3718, 5 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25224. Acesso em: 25 abr. 2024.

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