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Aspectos práticos da Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013

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Ainda se sobrepõe o direito ao sigilo de dados do suspeito de envolvimento com o crime organizado sobre o interesse da sociedade na apuração.

A sanção presidencial à Lei nº 12.850/13 trouxe um alento, ainda que tardio e tímido, para os órgãos encarregados do combate às organizações criminosas no Brasil. Tardio porque o projeto ficou sete anos no Congresso aguardando votação e porque vários países já adotam alguns dos mecanismos preconizados pela novel legislação há décadas. Tímido porque ainda se sobrepõe o direito ao sigilo de dados do cidadão suspeito de envolvimento com o crime organizado sobre o interesse da sociedade na apuração de crimes dessa natureza, conforme discutiremos adiante.

Apesar dessa timidez, a norma em comento define as organizações criminosas objetivamente e disciplina a forma de combate, em situações que anteriormente dependiam de interpretação subjetiva, tanto de órgãos administrativos em procedimentos próprios, da polícia judiciária na investigação criminal, como dos juízes que tinham que decidir sobre os casos concretos submetidos à apreciação do judiciário.

Importante avanço para garantia da legalidade da investigação pela polícia judiciária e a formação do conjunto probatório no processo é a definição das autoridades encarregadas da negociação com o delator, a saber: o Delegado de Polícia e o Ministério Público. Embora a melhor doutrina reconheça a designação de Autoridade Policial como função específica do Delegado de Polícia, interpretações equivocadas e até disputas institucionais atribuíram a meros agentes da autoridade as prerrogativas do Delegado de Polícia. Por ocasião da edição da Lei dos Juizados Criminais não faltaram àqueles, que em interpretação canhestra, usurparam as funções da Autoridade Policial atribuindo-a aos integrantes da polícia militar, cuja atribuição constitucional é a de polícia administrativa. As várias demandas jurídicas que surgiram em decorrência dessa usurpação, inclusive com atos editados por secretários de segurança, levaram a manifestação do Supremo Tribunal Federal a fim de trazer a luz àqueles que pretendiam flexibilizar o conceito de Autoridade Policial.

A definição objetiva de organização criminosa, a forma de investigação e de obtenção de prova, a delação premiada, a infiltração de agentes, bem como o acesso aos dados cadastrais irão proporcionar maior segurança jurídica e instrumentalização aos órgãos encarregados do combate ao crime organizado, embora algumas ações previstas possam trazer prejuízo se não forem melhores disciplinadas. A partir daí analisaremos item por item da lei, não somente sob o aspecto jurídico, mas, sobretudo, sob o aspecto prático na obtenção das provas, bem como na segurança dos agentes encarregados da investigação propriamente dita.


CAPÍTULO I

DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

No Capitulo I há a definição do que é organização criminosa no âmbito da nova lei, sobre os meios de investigação, abordando inclusive a territorialidade e a formalização de alguns atos. Assim sendo tipifica condutas e disciplina materialmente e formalmente procedimentos no combate ao crime organizado no país.

Art. 1º  Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1º  Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Não houve derrogação do Artigo 288 do Código Penal, que por si só denota a abrangência específica da nova lei, aplicável a crimes de natureza grave, com participação de 4 (quatro) ou mais pessoas, operados de forma organizada e integrada, com vínculo subjetivo para obtenção do fim criminoso almejado, com divisão de tarefas, ainda que informalmente e hierarquia de comando.

Entendemos que o vínculo subjetivo não é necessariamente em relação a toda operação criminosa em andamento, ou seja, seus participantes não necessitam ter o conhecimento de toda a cadeia criminosa engendrada para a prática delituosa, basta se ter a consciência que participa de conduta criminosa integrada com outros membros, ainda que desconhecidos, para obtenção do fim criminoso. Nesse aspecto é fato relevante que atualmente as organizações criminosas terceirizam algumas tarefas, principalmente para dificultar a investigação e a obtenção de provas. O exemplo típico são os sequestros organizados de pessoas com alto poder aquisitivo, onde são recrutadas quadrilhas para tarefas específicas, uma para o sequestro, outra para a guarda do sequestrado e outra para o recebimento do valor da extorsão.

Requisito essencial é que os crimes abrangidos pela novel lei devem ter penas superiores a 4 (quatro) anos, exceto se houver caráter transnacional na conduta criminosa, nesta última hipótese, a abrangência da lei não está adstrita ao quantum da pena, mas sim na circunstância da transposição de fronteiras nacionais.

§ 2º  Esta Lei se aplica também:

I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

II - às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.

A legislação especial também se aplica às organizações criminosas transnacionais ou integradas com organizações criminosas de outros países, ou ainda com organizações terroristas reconhecidas internacionalmente, em que o Brasil tenha se obrigado ao combate por tratado ou convenção.

As condutas tipificadas se estendem desde os atos preparatórios e de suporte, inclusive o financeiro, como também atos de execução iniciados ou consumados em território brasileiro. 

Art. 2º  Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

§ 1º  Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

A criação, o financiamento ou a participação a qualquer título, ainda que por interposta pessoa, que se constitua em atividade que integre esquema de organização criminosa está sujeita as penas dessa lei especifica.

O § 1º estende a incidência da lei a qualquer pessoa que atue de forma a embaraçar ou dificultar a investigação de organizações criminosas.

A aplicação das penalidades previstas nas condutas tipificadas é na forma de concurso material de crimes, portanto, sem prejuízo da aplicação das demais penas pelas condutas criminosas praticadas, conforme se depreende do expresso no artigo 2º:.

As qualificadoras para o aumento de pena estão previstas nos  parágrafos 2º, 3º e 4º do Artigo 2º:

§ 2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.

§ 3º  A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.

§ 4º  A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):

I - se há participação de criança ou adolescente;

II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;

III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;

IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;

V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.

A legislação também penaliza de maneira especial a participação de funcionário público, mormente se policial, em esquema de organização criminosa, tendo a lei atrelada à apuração pela Corregedoria de Polícia à participação, para acompanhamento da apuração, de membro do Ministério Público, acompanhamento este que não se confunde com direção a do procedimento instaurado:

§ 5º  Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.

§ 6º  A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena.

§ 7º  Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão.


CAPÍTULO II

DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA

Talvez o maior problema seja a disciplina da investigação, pois questões práticas terão que ser normatizadas com muito cuidado e aperfeiçoadas no decorrer dos anos, com as lições advindas da efetiva aplicação nos casos concretos.

Em relação aos meios de obtenção de prova a lei avança, na medida em que prevê, além dos meios usuais investigativos, a utilização das tecnologias, que surgiram nos últimos anos, e a união de forças dos órgãos e instituições das esferas federal, estadual e municipal, conforme disciplina o Artigo 3ª:

 Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:

 I – colaboração premiada;

 II – captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;

 III – ação controlada;

 IV – acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais;

 V – interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica;

 VI – afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica;

 VII – infiltração por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;

 VIII – cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.

Seção I

Da Colaboração Premiada

A delação premiada, disciplinada no Artigo 4º, embora de grande valia na obtenção de provas, poderá, se não for aplicada com muito critério, incorrer em graves injustiças e até o livramento de criminosos astuciosos.

Tendo em vista que a redação do Artigo 4º diz que o Juiz poderá, a requerimento das partes, conceder os benefícios da delação premiada, a dedução lógica que esses benefícios poderão ser requeridos não somente pelos interessados no desbaratamento da associação criminosa, mas também, s.m.j., pelo Defensor do agente criminoso que se disponha a colaborar. No entanto, levando-se em consideração o interesse da investigação pela polícia e das condições para a propositura da denúncia pelo representante do Ministério Público, cabe a estes, a principio, a iniciativa da proposta. Os critérios objetivos para a concessão dos benefícios da delação premiada estão nos incisos do referido artigo.

 Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

 I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

 II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

 III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

 IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

 V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Nos parágrafos do Artigo 4º temos alguns critérios subjetivos para a concessão dos benefícios da delação premiada, onde, na prática, poderão ocorrer problemas, conforme explanaremos na sequência.

 § 1° Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

O § 1º elenca para a concessão do benefício à análise da personalidade do delator, chamado de colaborador pelo legislador, além da natureza, as circunstâncias, gravidade e repercussão social do crime, bem como a eficácia da delação. Análises essas de cunho subjetivo e avaliadas pelo negociador, quer seja o Delegado de Polícia, somente na fase inquisitorial, quer seja o representante do Ministério Público. Em relação a essa composição sempre haverá o risco da preponderância do interesse na solução da investigação, no caso do Delegado de Polícia, ou do interesse do Promotor de Justiça da maior possibilidade de sucesso na condenação dos demais acusados, em detrimento da realização plena da justiça. Não esqueçamos que na meritocracia administrativa se leva em conta apenas os resultados obtidos nas estatísticas, que pertence à ciência da matemática, e não traduz a distribuição de justiça para as vítimas de crimes e em última estância para a paz na sociedade. Índices de esclarecimentos de crimes e de condenações são critérios adotados por órgãos e instituições, que nem sempre espelham o empenho de seus membros pela realização da justiça na sua plenitude.

Infelizmente o legislador olvidou de condicionar no parágrafo analisado a valoração do grau de participação do delator no fato criminoso para concessão do benefício. Assim sendo, eventualmente um agente criminoso com alto comprometimento no resultado danoso do crime poderá obter o benefício pela delação, sem pagar seu débito para com a sociedade, nesse caso, rechaçando o adágio que prega que “o crime não compensa”.  Há décadas a justiça dos Estados Unidos emprega o sistema de negociação criminal (Crime Plea Bargain), tanto assim, que várias séries de TV e filmes americanos têm como enredo injustiças cometidas nessas negociações. A instituição desse tipo de acordo entre acusado e o representante do persecutor estatal põe de lado a proteção do Estado garantidor de direitos e, como não poderia deixar de ser, prevalece o interesse na condenação do maior número de envolvidos no crime. A título de exemplo, podemos citar o filme CÓDIGO DE CONDUTA, onde o promotor para atingir o índice de 97% de condenação, propõe acordo com o principal autor de estupro seguido de duplo homicídio de mãe e filha dentro de uma residência, quando este se propõe a depor contra seu comparsa que não participou das mortes. Nessa ficção o algoz que matou mãe e filha, após o acordo de delação premiada, cumpre pena de dez anos, enquanto seu comparsa estuprador é executado por injeção letal. Ninguém se engane, pois não é a vida que imita a arte, e sim, a arte que retrata o cotidiano da vida em sociedade.  A vista de que o homem tem defeitos e virtudes semelhantes em qualquer lugar do planeta, o que já se sucede nos vários países que há muito se utilizam dessa negociação criminal, também ocorrerá no Brasil.

A avaliação da personalidade do delinquente já é difícil para o profissional da área médica, quanto mais para o operador do direito encarregado da negociação. Ademais, infelizmente, as circunstâncias, gravidade e repercussão do delito, dependem da dimensão que a mídia dá ao caso. Chacinas nas periferias das cidades são crimes gravíssimos, que quase já não despertam o interesse da mídia, devido à trivialidade das ocorrências nos bairros pobres, mas um atropelamento de uma pessoa com familiaridade com alguém da televisão, pode causar comoção nacional, em face da exploração do fato pela mídia televisiva. Não sejamos hipócritas em afirmar que todos os crimes praticados têm o mesmo empenho do poder público no esclarecimento, julgamento e aplicação efetiva da pena. Talvez assim seja na Suíça.

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 § 2° Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.

Quando a colaboração for de extrema relevância, o requerimento, do representante do Ministério Público, ou a representação, do Delegado de Polícia na fase inquisitorial, pela concessão de benefício da delação premiada poderá ocorrer em qualquer tempo. Na eventual discordância do Juiz da causa em relação ao requerido pelo Promotor de Justiça, aplica-se no que couber o Artigo 28 do Código de Processo Penal.

 § 3° O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional.

O § 3º possibilita, em relação ao delator, a suspensão do prazo para oferecimento da denúncia pelo Promotor de Justiça, bem como a suspensão do prazo prescricional da pena, até que haja a consolidação da colaboração requerida para o caso, ou seja, até que ocorra o efeito desejado na investigação ou obtenção de prova.

 § 4° Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:

 I – não for o líder da organização criminosa;

 II – for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.

Diz o § 4º que o Ministério Público poderá deixar de oferecer a denúncia em relação ao delator, desde que este não seja o líder da organização e seja o primeiro a prestar efetiva colaboração. Novamente o legislador olvidou de condicionar a valoração do grau de participação nos crimes cometidos. Observe-se que nessa hipótese, o criminoso delator se quer será processado. Portanto, o crime terá compensado.

 § 5° Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.

O § 5º trata da redução da pena ou progressão de regime, quando a delação por posterior à promulgação da sentença, inclusive a transitada em julgado, uma vez que a norma permite a progressão de regime, que só ocorre na execução da sentença. Evidentemente nessa hipótese a colaboração deve ser bastante relevante.

 § 6° O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

O § 6º estabelece a equidistância do Juiz em relação ao acordo de colaboração firmado em consonância com a necessária imparcialidade daquele que tem por ofício julgar a demanda das partes. No entanto, o parágrafo em questão não disciplina como se dará essa formalização do acordo de colaboração. Em qualquer negociação sempre haverá alguém que levará mais vantagem, embora teoricamente, o acordo de vontades estabeleça vantagens para ambas às partes. Entendemos ser necessária a criação de normas, elaboradas em conjunto, entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público, a fim de estabelecer a forma e os meios empregados para a efetivação do acordo de colaboração. A gravação em áudio e vídeo nos parece essenciais, até para eventual avaliação posterior da espontaneidade da colaboração por parte do delator, ou correição de eventual desvio de conduta por alguma das partes.

 § 7° Realizado o acordo na forma do § 6º, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.

Realizado o acordo, o § 7º estabelece a homologação deste, devidamente acompanhado das peças da investigação, declarações do colaborador e o respectivo termo de colaboração. Nessa fase o Juiz deverá avaliar a espontaneidade do delator, bem como o cumprimento dos requisitos formais e os legais, in casu os de ordem objetiva, pelo menos um dos previstos nos incisos I a V do artigo em comento.

 § 8° O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.

O § 8º trata da recusa da homologação da proposta que não atenda aos requisitos legais, s.m.j., os de ordem objetiva. No entanto, apesar do magistrado não participar da negociação, a hipótese de adequação da proposta de acordo ao caso concreto, infere que o Juiz pode avaliar os critérios subjetivos adotados pelos negociadores em relação ao benefício acordado.

 § 9° Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá ser ouvido, sempre acompanhado pelo seu defensor, pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações.

Homologado o acordo a oitiva do delator, quando necessária para o deslinde da investigação, deverá ser sempre na presença de seu defensor, conforme estabelece o § 9º.

 § 10. As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas auto incriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.

No § 10 há a previsão da retratação da proposta pelas partes, mas nesse caso as provas produzidas pelo delator não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor. O tempo e os casos concretos demonstrarão se esse expediente da retratação não favorecerá manobras da defesa do delator, a fim de alguma forma livrá-lo de um processo mais robustecido com as provas excluídas.

 § 11. A sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia.

O § 11 estabelece que os termos do acordo e de sua eficácia devem constar da sentença. A rigor a sentença sempre deve ser fundamentada, evidentemente o acordo homologado e sua eficácia não poderiam deixar de ser apreciado.

 § 12. Ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial.

O § 12 impõe ao beneficiado pelo perdão judicial ou não denunciado, o dever de depor em juízo, se requerido pelas partes, MP e Defensor, ou ainda pelo Juiz.

 § 13. Sempre que possível, o registro dos atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações.

O § 13 estabelece a forma do registro dos atos de colaboração. Embora a norma se refira à forma condicional “sempre que possível”, a gravação por meio audiovisual é a maneira que melhor provém à segurança jurídica para todas as partes envolvidas.

 § 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.

O § 14 nos parece inconstitucional, uma vez que ninguém é obrigado a produzir provas em seu desfavor e o silêncio do acusado é garantido no inciso LXIII do Art. 5º da C.F., com inspiração no Tratado Internacional denominado Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, que diz em seu art. 8º, inciso 2, alínea 'g':

"Art. 8º - Garantias judiciais:

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada". 

Embora a lei preveja benefícios para o delator, eventualmente a revelação de determinada prova que possa condenar o delator e o deixe a mercê do alvedrio do negociador o alcance do benefício a ser proposto, para a defesa pode ser extremamente prejudicial. Há de ser observar que os benefícios e sua abrangência sempre estarão sujeitos, em parte, a análise subjetiva do negociador, que eventualmente pode decidir que as provas fornecidas pelo delator “não compensam” um alcance maior dos benefícios possíveis. Nessa hipótese o prejuízo para a defesa do investigado ou do réu pode ser inestimável com a obrigatoriedade da renúncia total do silêncio, como prevê o parágrafo em comento.  Não se pode olvidar também que, eventualmente, mesmo com a colaboração do delator, as informações não conduzam as provas desejadas ao final da investigação.

 § 15. Em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor.

O § 15 apenas sacramenta o direito constitucional de defesa do investigado ou acusado.

 § 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.

O § 16 estabelece que nenhuma sentença será proferida, tendo como fundamento apenas as declarações do delator. Não podemos esquecer que no período negro da inquisição, a palavra de uma pessoa poderia condenar outra a tortura ou morte, estratagema muito utilizado para a defenestração de inimigos pessoais ou mesmo do regime de governo. Aliás, há quem diga que o “testemunho pessoal”, puro e simples, desprovido de comprovação é a prostituta das provas.

 Art. 5° São direitos do colaborador:

 I – usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;

 II – ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservadas;

 III – ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;

 IV – participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;

 V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;

 VI – cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

O Artigo 5º em seus incisos estabelece alguns direitos do delator, que na verdade, em se tratando de delação de organização criminosa, são garantias essenciais para dar o mínimo de garantia de vida para o delator. O grande problema será a implementação operacional dos incisos I e II. Em países onde se aplica a delação premiada há décadas, o governo “cria” uma nova identidade, profissão e sustenta por algum tempo o delator e sua família, compreendida esposa e filhos, se houver, até que este se estabilize na nova vida. Há inclusive agentes do governo com a função específica de acompanhar e resguardar a vida do delator e de sua família. No Brasil onde direitos constitucionais do cidadão, como saúde e educação de qualidade não são cumpridos pelo governo em razão de falta de recursos, além é claro da corrupção endêmica que corroem o orçamento público, nos parece que será mais uma regulamentação aplicada precariamente.

 Art. 6° O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter:

 I – o relato da colaboração e seus possíveis resultados;

 II – as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;

 III – a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;

 IV – as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;

 V – a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

O Artigo 6º disciplina a formalização escrita do acordo de delação. Em relação ao inciso I há de se observar que a redação deverá ser, precisa e delimitada em seus efeitos, pois, os possíveis resultados da delação, se condicionais à sua ocorrência, consubstanciará em norma penal aberta, uma vez que a inocorrência do resultado desejado poderá acarretar prejuízo para o delator, ou, contrário senso, livrar o agente criminoso de uma punição adequada a sua conduta, no fornecimento de informações de pouco ou nenhum valor para o desbaratamento da organização criminosa.

 Art. 7° O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.

 § 1° As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.

 § 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.

 § 3° O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso, assim que recebida a denúncia, observado o disposto no art. 5°.

O Artigo 7º impõe o sigilo sobre a identidade do delator e os termos do acordo, com a restrição dos agentes públicos que terão acesso às informações. No entanto, na prática os funcionários cartorários e colaboradores diretos das autoridades envolvidas no acordo com certeza terão acesso às informações, pelo que será necessário um controle eficiente sobre esses funcionários, a fim de se evitar o vazamento de informações, com prejuízo às investigações e ao processo, além de evidentemente colocar em risco a vida do delator.

Seção II

Da Ação Controlada

 Art. 8° Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

 § 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.

 § 2° A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada.

 § 3º Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações.

 § 4º Ao término da diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado acerca da ação controlada.

O Artigo 8º trata da ação controlada, que nada mais é do que o retardamento da ação da polícia ou de órgãos administrativos na execução de atos de ofício, tais como autuações administrativas, instauração de procedimentos ou mesmo da prisão em flagrante. No caso da prisão em flagrante o complicador é que nos termos do § 1º o Juiz competente para julgamento da causa deve ser previamente comunicado e, inclusive, poderá estabelecer limites bem como comunicará ao Ministério Público. Na prática essa condição é inviável, até porque a flagrância de crime não tem data nem hora marcada e as comarcas não dispõem de juízes de plantão 24 horas por dia. Há de se lembrar de que com a edição da lei que instituiu os juizados especiais se esperava o pronto atendimento, como ocorre nos países europeus, no entanto, em razão das dificuldades do judiciário, embora com prazo menor, as audiências decorrentes de infrações de menor potencial ofensivo demoram, em algumas comarcas, meses para ocorrerem. Será que nessas circunstâncias específicas os tribunais disponibilizarão juízes e funcionários em período integral para apreciação do retardamento das ações policiais que envolvam prisão em flagrante delito. Provavelmente o que ocorrerá na prática é a autorização judicial para o retardamento das ações policiais, inclusive flagrante, em casos onde haja a investigação em curso. No entanto, poderão ocorrer situações em que a polícia, no decorrer de suas atribuições cotidianas, se depare com ocorrência de flagrante delito de crime operado por organização criminosa, onde não havia investigação ou monitoração anterior, mas que o retardamento do flagrante poderia propiciar a prisão de lideranças ou outros criminosos envolvidos que não estejam presentes. O amadurecimento na aplicação da lei talvez traga solução para essas questões. Os demais parágrafos tratam do sigilo, acesso e restrição das informações aos agentes públicos diretamente envolvidos na ação controlada, bem como da formalização das informações, mas como expusemos no Artigo 7º, na prática funcionários auxiliares também terão acesso, que exigirá um controle rígido pelas autoridades do caso concreto, a fim de se evitar danos irreparáveis à investigação.

 Art. 9º Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime.

O Artigo 9º trata da ação controlada que envolva a transposição de fronteiras, com a cooperação das autoridades de outros países. O artigo analisado trata de exigência para se evitar conflitos diplomáticos, pois que o direito internacional não autoriza um Estado a agir ou intervir no território de outro. Nesses casos acreditamos que a operacionalização das ações de cunho policial deverão se dar com a Interpol, até porque em determinados Estados ou blocos de países como a União Europeia, as polícias possuem, em casos específicos, uma liberdade e abrangência maior para atuação no combate a crimes transnacionais operados por organizações criminosas. No Brasil a Polícia Federal é o órgão integrado à Interpol, que, aliás, nos termos do § 1º do Artigo 144 Constituição Federal tem por atribuição o combate às infrações com repercussão internacional:

Art. 144....................................................................................:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:"

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas,assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; (grifo nosso).

Evidentemente que nada impede que a Polícia Estadual aja em conjunto com a Polícia Federal em se tratando de investigação de organização criminosa de um Estado membro, cujas ações sejam desencadeadas ou tenham repercussão interestadual ou internacional. O único óbice são disputas entre órgãos ou instituições envolvidas nas apurações, daí porque acreditamos salutar a edição de norma para regular as atuações conjuntas dos diversos órgãos e instituições envolvidos no combate ao crime organizado.

Seção III

Da Infiltração de Agentes

 Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia, ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.

A verdade é que a infiltração de agentes para o desbaratamento de quadrilhas sempre foi um recurso utilizado pelas polícias de todo o mundo, no entanto, no Brasil não havia uma norma legal para disciplinar esse tipo de atividade investigativa. Em face dessa falta de normatização, até marginais já foram utilizados para o “levantamento” de informações. Há quem diga que no episódio conhecido como “Castelinho”, teria sido utilizado desse tipo de infiltração. Verdade ou não, o fato é que a normatização da infiltração de agentes é primordial para a garantia da realização da justiça na forma da lei, pois em hipótese alguma “os fins justificam os meios”, como pregam alguns que se utilizam de artifícios ilegais supostamente em prol da sociedade. Toda tirania começa com a desculpa que se faz necessário o afastamento das normas vigentes para se “defender” a sociedade de inimigos, cuja “legislação fraca” não permite uma ação dentro do ordenamento legal. A lei fraca ou ineficaz deve ser derrogada na forma prevista na constituição, jamais com infrações dos agentes públicos ou leniência judicial a fim legitimar a conduta ilegal.

O Artigo 10 disciplina que a infiltração de agentes se dará a pedido do Delegado de Polícia, através de representação, ou a requerimento do Ministério Público, sendo que no caso de requerimento com o inquérito policial em curso, deverá haver manifestação técnica do Delegado de Polícia, que s.m.j., deverá explanar em relatório circunstanciado, se há condições e recursos para a realização da infiltração, o número de agentes necessários, tanto para a infiltração, como o efetivo de apoio necessário, sempre se levando em consideração a possibilidade da descoberta do agente infiltrado, as condições técnicas necessárias para a obtenção e formalização das provas, como gravações de conversas, interceptações telefônicas e telemáticas, etc. Enfim, a manifestação do Delegado de Polícia deve ser técnica e minuciosa dentro do que se espera do profissional com conhecimento específico para esse tipo de investigação e, eventualmente, apontar a falta de requisito legal para a realização da infiltração requerida. Entendemos que a simples manifestação lacônica não se aplica ao espírito da norma em comento, uma vez que esta servirá de subsídio para a decisão do juiz, que deverá ser devidamente fundamentada e com o sigilo necessário ao êxito da investigação e segurança do agente infiltrado.

 § 1º Na hipótese de representação do delegado de polícia, o juiz competente, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público.

O § 1º estabelece que no caso da representação do Delegado de Polícia, o Ministério Público será ouvido, antes da decisão do Juiz competente, que deve decidir conforme seu livre convencimento.

 § 2º Será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1º e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.

A infiltração só é admissível em caso de indícios de infração cometida por organização criminosa, definida nos termos do Artigo 1º e, se não houver outros meios de produzir a prova requerida para o caso. A redação do § 2º demonstra que não é admissível a banalização desse recurso.

 § 3º A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade.

O § 3º estabelece que o prazo da autorização para a infiltração é de até seis meses, no entanto permite a renovação do prazo, desde que comprovada sua necessidade.  Essa brecha para renovações pode ser perigosa. Evidente o perigo de um agente permanecer por muito tempo infiltrado. O risco envolvido é muito grande para sua segurança, como também para seu estado psicológico. Estamos tratando com seres humanos e não com máquinas. Há um limite para tudo, e nesse caso específico, o prazo pode se estender por anos. O caso clássico são os inquéritos policiais com prazo de apuração de trinta dias renováveis com autorização judicial, sempre ouvido o MP. Quantas dessas apurações não se estendem por anos para depois serem arquivadas.

 § 4º Findo o prazo previsto no § 3º, o relatório circunstanciado será apresentado ao juiz competente, que imediatamente cientificará o Ministério Público.

Após o término do prazo judicial para a infiltração, o Delegado de Polícia deverá elaborar relatório circunstanciado dos fatos apurados endereçado ao Juiz competente, que dará ciência ao Ministério Público.

 § 5º No curso do inquérito policial, o delegado de polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração.

O § 5º estabelece o necessário controle no curso do IP, pelo Delegado, ou a qualquer tempo pelo MP, do necessário controle sobre a atividade de infiltração.

 Art. 11. O requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes conterão a demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração.

O Artigo 11 estabelece que o requerimento do MP, ou a representação do Delegado de Polícia deverá detalhar a necessidade da infiltração, o objetivo pretendido e as pessoas a serem investigadas.

 Art. 12. O pedido de infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado.

O Artigo 12 trata do sigilo na distribuição do pedido de infiltração, de forma a resguardar a operação e o agente que será infiltrado.

 § 1º As informações quanto à necessidade da operação de infiltração serão dirigidas diretamente ao juiz competente, que decidirá no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após manifestação do Ministério Público na hipótese de representação do delegado de polícia, devendo-se adotar as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado.

O § 1º estabelece o prazo de 24 horas para apreciação do pedido e não oferece dificuldade na sua interpretação. No entanto, dificilmente esse prazo será cumprido por razões já expostas na análise do Artigo 8º.

 § 2º Os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a preservação da identidade do agente.

O § 2º trata dos autos com as informações da operação de infiltração, que acompanharão a denuncio do MP, quando então a defesa poderá ter acesso, assegurada à preservação da identidade do agente. Provavelmente surgirão questionamentos da defesa em relação à identificação do agente infiltrado, como surgiram no passado em relação à identidade da testemunha protegida. No entanto, a preservação da identidade do agente infiltrado é de rigor para a segurança da vida deste e não importa em qualquer prejuízo para a defesa, uma vez que seu papel é contestar a acusação e as provas carreadas.

 § 3º Havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegado de polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.

O § 3º diz respeito à sustação da operação, em caso de risco iminente ao agente infiltrado, quer seja por requisição do MP ou pelo Delegado de Polícia, nesse último caso com a devida ciência imediata ao MP e ao Juiz competente. Evidentemente, que nessa circunstância o Delegado de Polícia deve agir imediatamente para posteriormente cumprir as formalidades legais, uma vez que está em risco a vida do agente infiltrado.

 Art. 13. O agente que não guardar, na sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.

 Parágrafo único. Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.

O Artigo 13 estabelece a proporcionalidade da atuação do agente infiltrado nas condutas que tenha que praticar durante o período de infiltração na organização criminosa. O fato de estar infiltrado não pode servir de carta branca para a prática de conduta criminosa, no entanto, o fato é que, eventualmente terá que participar de infrações penais, quer seja para ganhar confiança dos investigados, quer para resguardar sua vida, uma vez que se descoberto o risco de morte será iminente. Não raras vezes os agentes que investigam o tráfico de entorpecente são obrigados a participar do consumo de drogas para ganhar a confiança dos investigados. Razão pela qual entendemos que o período de infiltração não deve se prolongar no tempo, até para a garantia da saúde física e psicológica do agente. A prática eventual de crime pelo agente infiltrado, que este não tenha como evitar para resguardar sua identidade e, em consequência, sua integridade física não será punível, desde quenão se possa exigir conduta diversa, conforme estabelece o parágrafo único. As excludentes poderão ocorrer em várias situações como a coação moral irresistível (excludente de culpabilidade), estado de necessidade para salvaguardar sua vida (excludente de ilicitude), ou seja, sempre que não se possa exigir conduta diversa nas condições em que se encontrava o agente na ocasião da prática da conduta criminal.

 Art. 14. São direitos do agente:

 I – recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;

 II – ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9º da Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas;

 III – ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário;

 IV – não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito.

O Artigo 14 prescreve os direitos do agente em relação à infiltração, como o de recusar ou cessar a atuação, ter sua identidade preservada e inclusive a alteração de seus dados e registro civil conforme dispõe a Lei nº 9.807/99 que regula o programa de proteção a testemunha.

Seção IV

Do Acesso a Registros, Dados Cadastrais,

Documentos e Informações

  Art. 15. O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.

Embora com redação mais explícita do que a do § 2º do Artigo 2º da Lei nº 12.830/13, que trata da requisição de informações e dados que digam respeito à investigação conduzida pelo Delegado de Polícia, o acesso aos dados cadastrais, independentemente de autorização judicial, previsto no Artigo 15 nos parece tímido, até porque o banco de dados do SERASA é acessado por qualquer associado, com CNPJ que pague a taxa de consulta. Faltou uma previsão importantíssima qual seja o acesso, em tempo real, sobre a utilização de cartões de créditos e movimentação financeira. Não estamos falando de acesso a valores movimentados, mas sobre as informações referentes à localização e a forma da operação financeira realizada. Esse tipo de dado não somente seria de valor inestimável na investigação e prisão de integrantes de organizações criminosas, quer na prática de crimes como sequestro, como também no monitoramente da movimentação física de investigados, com antecipação até de eventual fuga.

 Art. 16. As empresas de transporte possibilitarão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, acesso direto e permanente do juiz, do Ministério Público ou do delegado de polícia aos bancos de dados de reservas e registro de viagens.

 Art. 17. As concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, à disposição das autoridades mencionadas no art. 15, registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais.

Os Artigos 16 e 17 são redundantes e tratam do acesso aos bancos de dados cadastrais das empresas de transportes, concessionárias de telefonia, que devem ser disponibilizados pelo prazo de cinco anos. O acesso previsto independe de autorização judicial e deve ser de maneira direta e permanente. Portanto, se prevê a colaboração direta dessas empresas com as autoridades integradas na investigação.

Seção V

Dos Crimes Ocorridos na Investigação e na Obtenção da Prova

 Art. 18. Revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem sua prévia autorização por escrito:

 Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

 Art. 19. Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas:

 Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

 Art. 20. Descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a ação controlada e a infiltração de agentes:

 Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

 Art. 21. Recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo:

 Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

 Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem, de forma indevida, se apossa, propala, divulga, ou faz uso dos dados cadastrais de que trata esta Lei.

Os Artigos 18, 19, 20 e 21 tratam da tipificação de condutas decorrentes revelação indevida da identidade de colaborador, da desobediência ou obstrução da investigação e obtenção da prova.

Há de se destacar o Artigo 18, não somente pela falha grave em não se penalizar a revelação da identidade do agente infiltrado, mas tão somente a do delator, como a pena pífia para uma conduta que na prática pode implicar na sentença de morte para a pessoa exposta. As penas previstas são insignificantes, pois na verdade, em face do quantum previsto, ninguém será preso pelas condutas tipificadas.

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Sobre o autor
Juvenal Marques Ferreira Filho

Bacharel em Direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos - turma de 86. Sócio proprietário do escritório de advocacia MF - Marques Ferreira. Ex-Sargento da Polícia Militar e Delegado de Polícia aposentado. Estudioso da Segurança Pública, onde militou por 40 anos, tem diversos arigos sobre o tema publicados nos sites da rede mundial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Aspectos práticos da Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3736, 23 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25355. Acesso em: 14 dez. 2024.

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