Como se sabe, os oficiais de cartório, embora na condição de particulares, exercem função pública por delegação e prestam serviço de interesse público, sujeitando-se aos ônus dessa atribuição. Cuidando-se de entes responsáveis por atividade pública, devem, pois, obedecer aos ditames do ordenamento jurídico, vinculados que estão ao princípio da legalidade.
Contudo, a União e suas autarquias e fundações públicas federais, não raro, enfrentam dificuldades na obtenção de certidões junto a cartórios extrajudiciais que resistem ao dever de fornecê-las de forma gratuita, o que acaba redundando, invariavelmente, na adoção de medidas judiciais, tais como a impetração de mandados de segurança.
De fato, o tema em questão suscita ampla divergência, estando atualmente pendente de julgamento no bojo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 194, proposta em 09 de outubro de 2009 pelo então Presidente da República contra atos de titulares de cartórios que se recusam a fornecer certidões gratuitas à União, bem como contra decisões judiciais que determinam o pagamento prévio pelos serviços notariais. Referida ADPF, em curso no Supremo Tribunal Federal, visa, pois, à declaração da validade da legislação federal que obriga os cartórios extrajudiciais a fornecerem certidões gratuitas à União, com base no Decreto-lei nº 1.537, de 13 de abril de 1977. Segundo a petição inicial, a negativa de fornecimento gratuito implicaria ofensa aos preceitos fundamentais contidos nos artigos 1º, 5º, inciso II, 22, inciso XXV, 37, caput, e 236, § 2º, todos da Constituição da República.
No tocante ao citado § 2º do artigo 236 – um dos preceitos fundamentais apontados como violados na peça inaugural da ADPF nº 194 –, que submete à legislação federal a fixação de normas gerais sobre a cobrança dos emolumentos devidos aos serviços notariais e de registro, cabe destacar que o disposto constitucional foi regulamentado pela Lei nº 8.935/94 (“Lei dos Cartórios”), a qual deixa explícito o dever dos oficiais de registro público de atenderem às requisições e solicitações administrativas para defesa em juízo das pessoas jurídicas de direito público. Confira-se a dicção do art. 30, inciso III, do referido diploma legal:
“Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:
(...)
III - atender prioritariamente as requisições de papéis, documentos, informações ou providências que lhes forem solicitadas pelas autoridades judiciárias ou administrativas para a defesa das pessoas jurídicas de direito público em juízo;”
Especificamente no que diz respeito ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), os agentes públicos incumbidos do exercício das funções administrativas inerentes a essa autarquia federal, no exercício de seu mister, comumente necessitam requisitar informações e certidões aos cartórios e serventias extrajudiciais, a fim de obterem dados relativos a segurados e autores de processos administrativos e judiciais ou acerca de bens de propriedade do próprio INSS. São exemplos de informações requisitadas pela autarquia previdenciária, dentre outros, certidões atestando a titularidade de imóveis rurais e/ou urbanos, registros de transferência de propriedade e dados como estado civil, filiação e profissão constantes nos assentamentos de registro civil.
Desse modo, o não-atendimento, de forma prioritária e sem custos, de requisições de informações e certidões formuladas pelo INSS – como dito, autarquia federal e, portanto, pessoa jurídica de direito público –, por parte de titulares de cartórios extrajudiciais, implica descumprimento dos deveres estabelecidos na legislação que regulamenta sua atividade e, via de consequência, contrariedade ao preceito contido no artigo 236, § 2º, da Constituição da República.
Não bastasse isso, a Lei nº 8.620/93, em seu artigo 14, outorga à autarquia previdenciária o poder de requisitar informações de qualquer órgão da Administração Pública relativo à defesa de seus interesses em juízo, verbis:
“Art. 14. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) poderá requisitar a qualquer órgão ou entidade da administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como das demais entidades sob seu controle, elementos de fato e de direito relativo às alegações e ao pedido do autor de ação proposta contra a Previdência Social, bem como promover diligências para localização de devedores e apuração de bens penhoráveis, que serão atendidas prioritariamente e sob regime de urgência.”
Da leitura do dispositivo supra verifica-se, claramente, que, ao conferir poder de requisição ao INSS, a lei não o condiciona a qualquer pagamento. De fato, seria um contrassenso afirmar que o dispositivo confere poder de requisição mas não prevê isenção, uma vez que requisição condicionada a pagamento não é outra coisa senão aquisição de produto ou serviço. Caso o legislador quisesse condicionar o recebimento das informações ao pagamento de contraprestação, teria mencionado “requerer”, e nunca “requisitar”.
A propósito, calha lembrar que ao Ministério Público também foi reconhecido o poder de requisitar informações (LC nº 75/93, artigo 8º, inciso II), e não se cogita de cobrança de custas ou emolumentos quando é o órgão ministerial quem as requisita.
Importa considerar ainda, a título elucidativo, que o artigo 125-A, caput, da Lei nº 8.213/91, incluído pela Lei nº 11.941/2009, dispõe que “Compete ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS realizar, por meio dos seus próprios agentes, quando designados, todos os atos e procedimentos necessários à verificação do atendimento das obrigações não tributárias impostas pela legislação previdenciária e à imposição da multa por seu eventual descumprimento”.
Esse poder-dever de fiscalização atribuído explicitamente ao INSS no que concerne ao atendimento das obrigações não tributárias impostas pela legislação previdenciária faz-se sentir, por exemplo, em relação à obrigatoriedade, prevista no artigo 68 da Lei nº 8.212/91, de os Titulares de Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais comunicarem ao INSS, até o dia 10 de cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior. Trata-se, sem dúvida, de poder de polícia conferido expressamente pela lei ao INSS, para cuja execução, no entanto, faz-se imperiosa a garantia de requisição das certidões cartorárias independentemente do pagamento de taxas e emolumentos, sob pena de ser dado aos próprios titulares de cartórios frustarem o exercício do poder de polícia por parte da Administração.
Nessa perspectiva, aguarda-se que, por ocasião do julgamento da ADPF nº 194, seja declarada a desconformidade com o Texto Constitucional da interpretação conferida pelas autoridades signatárias dos atos contrários aos preceitos fundamentais apontados naquela ação, assegurando-se, por conseguinte, a isenção de pagamento de emolumentos cartoriais quando da requisição de informações pelos órgãos e entidades públicas federais.