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A necessidade de prova pericial com médicos especialistas nas ações previdenciárias por incapacidade

21/12/2013 às 06:07
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Onde há cadastro de médicos especialistas, um deles deve ser nomeado para perícia judicial previdenciária, evitando-se que o segurado seja examinado por um profissional generalista.

Muito se questiona em demandas judiciais, se as perícias médicas dos benefícios previdenciários relacionados à incapacidade devem ser realizadas, obrigatoriamente, por especialista e, ainda, qual a validade da perícia realizada por médico não especialista.

Trata-se de um assunto polêmico na matéria previdenciária, cujo posicionamento jurisprudencial vem sendo diverso.

Oportuno ressaltar que embora o juiz não esteja adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, como dispõe o artigo 436 do Código de Processo Civil, a perícia judicial é de enorme relevância aos processos de benefícios por incapacidade, inclusive, ela é tida por muitos como a rainha das provas, pois se baseia em conhecimentos técnicos e científicos para chegar a suas conclusões.

O médico perito ao ser nomeado para o caso deve cumprir o seu ofício fielmente, e se ater aos questionamentos formulados pelas partes e juízo, esclarecendo os pontos divergentes para a solução da lide.

Entretanto, o que muito se discute no direito previdenciário é: o médico perito precisa ser especialista ao caso particularizado para poder atuar no processo?

Segundo a própria entidade de fiscalização da profissão de médico, o Conselho Regional de Medicina (CRM) entende que o profissional está legalmente habilitado a realizar perícias independentemente de ser especialista, veja a ementa do Processo-Consulta CFM nº. 1.034/2003 – Parecer CFM nº. 17/2004:

Os Conselhos Regionais de Medicina não exigem que um médico seja especialista para trabalhar em qualquer ramo da Medicina, podendo exercê-la em sua plenitude nas mais diversas áreas, desde que se responsabilize por seus atos e, segundo a nova Resolução CFM nº. 1.701/03, não as propague ou anuncie sem realmente estar registrado como especialista.

Em outro Parecer dado pelo nº. 0981/97 – CRM/PR, protocolado sob o nº. 2656/97 – Consulta 034/97-AJ, o parecista Wadir Rúpollo assim completou:

[...]

Do exposto pode-se concluir que, tendo o médico seu diploma reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura devidamente registrado no Conselho de Medicina sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade, lhe é facultado o exercício da medicina em seu senso pleno, devendo observar e cumprir o Código de Ética Médica em vigor.

Portanto, desde que o médico se julgue com a competência necessária, ele pode agir como perito, assumindo a total responsabilidade sobre suas afirmações e declarações.

Em casos paradigmáticos, o Tribunal Regional Federal da 3º Região, também se manifestou pelo completo descabimento da realização de nova perícia por especialista, observe:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL. EXCEÇÃO SUSPEIÇÃO PERITO. REALIZAÇÃO NOVA PERÍCIA. INCABÍVEL.

- O exame médico foi realizado por médico perito de confiança do juízo, especialista em otorrinolaringologia. Trata-se, antes de qualquer especialização, de médico capacitado para realização de perícia médica judicial, sendo descabida a nomeação de médico especialista para cada sintoma descrito pela parte.

- O laudo encontra-se bem fundamentado, tendo o perito descrito todos os exames apresentados e respondido, com pertinência, a todos os quesitos. Havendo coincidência de quesitos das partes, não há porque respondê-los duas vezes, bastando fazer remissão à questão já respondida.

- Cabe ao magistrado apreciar livremente a prova apresentada, atendendo aos fatos e circunstancias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes.

- Agravo de instrumento a que se nega provimento. (Processo AI 200803000433983 AI – Agravo de Instrumento – 353769, Relatora Juíza Therezinha Cazerta, TRF3, Oitava Turma, Julgado em 01.09.2009).   

Note-se, ainda, a parte mais relevante da manifestação judicial do Juiz Federal Convocado Hong Kou Hen, da 9ª Turma do TRF da 3ª região, que assim motivou seu posicionamento:

[...].

No que tange à ausência de formação em especialidade médica, também não prevalece o inconformismo da agravante.

Em situações análogas já decidi que para o trabalho de perícia médica judicial, basta que o expert seja médico devidamente habilitado, e inscrito no respectivo conselho profissional, isto porque, a legislação que regulamenta a profissão de médico não exige a previa freqüência a residência médica ou curso de especialização como condição para o profissional atue em determinada área da medicina.

Assim, em respeito ao Principio da Legalidade, revela-se abusivo e ilegal restringir a atuação profissional do médico, incluindo a elaboração de laudos periciais, àqueles que detenham especialidade em determinada área.

Ora, se eventualmente frutífera a tese da agravante, a exigência de especialidade também seria aplicável em relação aos advogados e demais profissionais, cujas legislações de regulamentação nada dispõem neste sentido, restringindo-se por exemplo, as ações previdenciárias aos advogados com título de especialista em direito previdenciário, as ações penais aos criminalistas, as tributárias aos tributaristas, etc...Hipóteses estas, que se revelariam incompatíveis com o nosso atual ordenamento jurídico.

Assim, sem delongas, em face da flagrante improcedência do pleito da agravante, NEGO PROVIMENTO ao presente recurso. (Agravo de Instrumento nº. 2009.03.00.041553-5/SP, TRF 3ª região, Nona Turma).

Da mesma maneira também vem se posicionando a maioria dos Juízes Federais de primeira instância, onde entendem que não se pode exigir do médico perito a comprovação da especialidade, salvo contrário teria que determinar das demais áreas profissionais a referida exigência.

Todavia, apesar das decisões acima aludidas terem sido proferidas por cultos integrantes da Magistratura Paulista, cujas decisões estão primorosamente fundamentadas, entende-se não ser a mais acertada.

Para os atuantes do direito que priorizam pela correta aplicação da lei, a perícia judicial por médico não especialista somente é justificável na hipótese de não ter peritos cadastrados na subseção, para não inviabilizar o acesso a justiça.

A respeito disso dispõe o artigo 145 do Código de Processo Civil:

Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, seguindo disposto no artigo 421.

§ 1º. Os peritos serão escolhidos entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente, respeitado o disposto no Cap. VI, seção VII, deste Código.

§ 2º. Os peritos comprovarão sua especialidade na matéria sobre que deverão opinar, mediante certidão do órgão profissional em que estiverem inscritos. (grifei e sublinhei).

Conforme se depreende da leitura do artigo legal mencionado, em que pese ser o juiz o destinatário da prova, detendo poderes inclusive para nomear o perito, este não deve olvidar de que a prova tem a finalidade de esclarecer questões técnicas e científicas, sendo necessária a comprovação da especialidade do expert na matéria em discussão, conforme determinação do § 2º.

Assim conclui-se que o perito nomeado deve possuir conhecimento específico acerca da matéria tratada nos autos, sob pena de implicar em cerceamento de defesa.

A respeito dessa exigência alguns Tribunais também estão se posicionando a favor, em especial, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região que decidiu que médico especialista é imprescindível em perícia de benefícios por incapacidade.

As decisões abaixo transcritas deixam claro que a não realização de perícia por médico especialista é a exceção, e não a regra, como vem acontecendo rotineiramente nos processos de auxílio-doença e/ou aposentadoria por invalidez, nota-se[1]:

Agravo. Perícia. Médico Especialista. Artigo 145, 2º e 3º, do CPC. Considerando o disposto no artigo 145, 2º, do CPC, e tendo a autora referido problemas de natureza ortopédica, mostra-se necessária a realização da perícia, preferencialmente, por médico especialista em ortopedia/traumatologia,

[...].

Como se vê, tendo o autor referido problemas de natureza ortopédica, mostra-se necessária a realização da perícia, preferencialmente, por médico especialista em ortopedia/traumatologia, podendo o Juiz, na ausência de profissionais qualificados, indicar outros peritos.

No caso dos autos, o Agravante demonstra a existência de peritos cadastrados na área de ortopedia e traumatologia na própria Comarca, não se justificando a nomeação de perito especialista em área diversa da patologia da requerente. Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento. (Agravo Instrumento nº. 0002446-41.2011.404.0000/SC, TRF4, Relator Des. Federal Celso Kipper). (grifo nosso).

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA, APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-ACIDENTE. PERÍCIA INTEGRADA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. LEGALIDADE. PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE OUTRA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA. 1. É admitida a flexibilização da prova pericial pela regra inserta no § 2º do art. 421, do CPC. 2. Ausente comprovação de prejuízo, a realização da audiência de instrução e julgamento juntamente com a perícia médica (integrada), atende aos princípios do contraditório e ampla defesa. 3. No caso houve cerceamento de defesa, pois a perícia judicial não foi realizada por médicos especialistas nas doenças da parte autora, restando dúvida acerca de sua incapacidade laborativa diante do conjunto probatório. (TRF4, AC 5002963-44.2010.404.7000, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJ 2/09/2011). (grifo nosso).

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE. INSUFICIÊNCIA DE PROVA. NECESSIDADE DE LAUDO REALIZADO POR MÉDICO ESPECIALISTA. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. 1. Nas ações em que se objetiva o benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial. 2. Se os males que o segurado alega que lhe afligem, entre outros, são de natureza traumatológica, é imprescindível a realização de perícia por médico especialista, sob pena de cerceamento de defesa, não suprindo a exigência produção de laudos por médicos não especializados. 3. Ao juízo de primeiro grau é conferida a direção do processo com prestação jurisdicional célere, justa e eficaz. No duplo grau de jurisdição cabe aos julgadores, se for o caso, verificar se a instrução processual assegurou, de fato, a ampla defesa e o tratamento equânime aos jurisdicionados. 4. A sentença deve ser anulada, com retorno dos autos ao juízo a quo, visando-se a reabrir a instrução processual para realização de nova perícia médica, prejudicado o exame do apelo. (Processo nº. 200770990051763, Relator Fernando Quadros da Silva, TRF4, Julgado em 15.03.2010). (grifo nosso).

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Esse posicionamento, portanto, nada mais representa do que exigir uma prestação jurisdicional justa e apropriada ao caso do segurado, pois o que se tem visto no cotidiano são laudos periciais contraditórios, desprovidos de informações técnicas que possam contribuir para a elucidação da lide.

Não são raras as vezes em que o segurado se depara com laudos periciais cujas conclusões são conflitantes com o entendimento do médico especialista assistente que o acompanha desde o inicio de sua doença, e que atesta mediante comprovação de exames de imagem que está totalmente incapacitado para o trabalho.

Nota-se, que não se defende a ideia de que o atestado emitido pelo médico assistente precisa ser obrigatoriamente seguido pelo médico perito, e que o fato de não acatar o mesmo implicará em infração ética, entretanto, não há como negar que tendo àquele o título de especialista presume-se um acréscimo direcionado e específico de conhecimento em determinada área da ciência médica.

Como explicou o Conselho Federal de Medicina por meio da Resolução nº. 1.851/2008, tais médicos possuem funcionalidades distintas, veja:

1. o médico assistente é o profissional que acompanha o paciente em sua doença e evolução e, quando necessário, emite o devido atestado ou relatório médicos e, a princípio, existem condicionantes a limitar a sua conduta quando o paciente necessita buscar benefícios, em especial previdenciários;

2. o médico perito é o profissional incumbido, por lei, de avaliar  condição laborativa do examinado, para fins de enquadramento na situação laborativa do examinado, para fins de enquadramento na situação legal pertinente, sendo que o motivo mais freqüente é a habilitação a um benefício por incapacidade. (Apud, BARROS JUNIOR. 2010, p.60). 

Por conseguinte, convém registrar que alguns juízes entendem que o laudo pericial não realizado por médico especialista pode implicar em insuficiência de prova, observe:

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE. INSUFICIÊNCIA DE PROVA. NECESSIDADE DE LAUDO REALIZADO POR MÉDICO ESPECIALISTA. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. 1. Nas ações em que se objetiva o benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial. 2. Se os males que o segurado alega que lhe afligem, entre outros, são de natureza traumatológica, é imprescindível a realização de perícia por médico especialista, sob pena de cerceamento de defesa, não suprindo a exigência produção de laudos por médicos não especializados. 3. Ao juízo de primeiro grau é conferida a direção do processo com prestação jurisdicional célere, justa e eficaz. No duplo grau de jurisdição cabe aos julgadores, se for o caso, verificar se a instrução processual assegurou, de fato, a ampla defesa e o tratamento equânime aos jurisdicionados. 4. A sentença deve ser anulada, com retorno dos autos ao juízo a quo, visando-se a reabrir a instrução processual para realização de nova perícia médica, prejudicado o exame do apelo. (Processo nº. 200770990051763, Relator Fernando Quadros da Silva, TRF4, Julgado em 15.03.2010). (grifo nosso).

Por derradeiro, é importante salientar que, em momento algum se duvida da capacidade técnica dos médicos peritos judiciais, o que se defende é que havendo o cadastro de médicos especialistas na subseção ao caso particularizado do segurado, deve este ser nomeado para uma aplicação justa e apropriada da lei.  

Portanto, o tema ora abordado ainda é polêmico na disciplina do direito previdenciário, apresentando posições jurídicas antagônicas explanadas.


Bibliografia:

BARROS JÚNIOR, Edmilson de Almeida. Direito previdenciário médico: benefícios por incapacidade laborativa e aposentadoria especial. São Paulo: Atlas, 2010, 229 p.

BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.

GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira. Benefício por incapacidade e perícia médica: manual prático. Curitiba: Juruá, 2012. 270p.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003.


Notas

[1] Neste sentido segue também: A TNU em Processo nº. 2008.72.51.00.1862-7 – Relª. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva – DJ 05.11.2010 – TNU; e o TRF1 – AC 29037 GO 2005.01.99.029037-9.

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Sobre a autora
Denaíne de Assis Fontolan

Advogada atuante no direito previdenciário. Especialista em Direito Previdenciário pela Escola Superior de Advocacia – Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo; Pós graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina – UEL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTOLAN, Denaíne Assis. A necessidade de prova pericial com médicos especialistas nas ações previdenciárias por incapacidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3825, 21 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26206. Acesso em: 16 abr. 2024.

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