4. Considerações finais
O presente texto buscou apenas parcialmente examinar as inovações do projeto de novo Código de Processo Civil, em especial aquelas relacionadas com o processo eletrônico, sobre a atmosfera processual do trabalho.
O texto do projeto é extenso e projeta a (re)formulação de muitos institutos processuais.
Caso essa inovação venha a ser concretizada, muitos haverão de se debruçar sobre o NCPC, e muitas devem ser as reflexões acerca de uma alteração legislativa dessa envergadura, a compreensão de sua ideologia, de seus princípios, de seus institutos.
Quanto ao Processo do Trabalho, de genética incompleta, a identificação dos possíveis diálogos entre o processo comum (não somente o CPC) e suas normas é tema desafiador e permanente, como também o é a própria compreensão desse novo universo tecnológico na forma de distribuir a tutela jurisdicional.
Procurei, ainda que de forma sucinta, expor algumas tendências dessa nova cultura que surge com a galopante introdução de tecnologias da informação no panorama do processo.
Ainda que compreenda, como tantos, que essas inovações trazem muitas vantagens, alimento uma constante preocupação no sentido de que a justiça, enquanto valor, é a resultante de uma experiência humana e, como tal, merece fluir, longe dos riscos de uma automação valorativa de suas expressões.
Por isso, julgo oportuna, como desfecho desta narrativa, a advertência de Tom Chatfield: “se quisermos conviver com a tecnologia da melhor forma possível, precisamos reconhecer que o que importa, acima de tudo, não são os dispositivos individuais que utilizamos, mas as experiências humanas que eles são capazes de criar” (2012, p. 27).
5. Referências bibliográficas
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito judiciário do trabalho. São Paulo: LTr, 1995.
BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas. ‘Processo eletrônico na Justiça do Trabalho’. In: CHAVES, L. A. Curso de Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2ª. ed., 2012.
CHATFIELD, Tom. Como viver na era digital. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
CHAVES, Luciano Athayde. Trabalho, tecnologia e ação sindical. São Paulo: Annablume, 2006.
__________. Curso de Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2ª. ed., 2012.
__________. ‘Ferramentas eletrônicas na execução trabalhista’. In CHAVES, L. A. Curso de Processo do Trabalho. São Paulo, 2ª. ed., 2012.
FRIEDMAN, Thomas L. O mundo é plano: uma breve história do século XXI. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
MARQUES, Claudia Lima. ‘O diálogo das fontes como método da nova teoria geral do direito: um tributo a Erik Jayme’. In _________ (coord.) Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 17-66.
RIGAUX, François. A lei dos juízes. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Notas
[1] Classifica Friedman de 1.0 o processo de globalização levado a efeito entre o período das grandes navegações (a partir do séc. XV) até o início do séc. XIX. A segunda fase desse processo histórico (Globalização 2.0) corresponde, grosso modo, ao grande período correspondente à Revolução Industrial, e que se projeta através do pós-guerra até o final do séc. XX. Neste último período, a integração global foi nomeadamente marcada pela queda dos custos do transporte e, em seguida, pela queda nos custos da comunicação.
[2] Essa tendência de miniaturização das tecnologias de gerenciamento de mídias foi percebida por Tom Chatfield, notadamente pelo fato de que os atuais aparelhos celulares são, em realidade, potentes processadores multimídia portáteis. Nas suas palavras: “os telefones com conexão à internet cada vez mais facilmente encontrados em nossos bolsos são mais poderosos do que a maioria dos computadores de dez anos atrás” (Como viver na era digital. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 11).
[3] Eis a redação do art. 1º da Lei n. 9.800/99: “É permitida às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar, para a prática de atos processuais que dependam de petição escrita”.
[4] O avanço no desenvolvimento de ferramentas de transmissão de dados no âmbito processual trouxe, ao lado desses benefícios, outros problemas. Facilitado o envio de petições pelo meio eletrônico, mas para juntada de forma física, muitos criticam a abuso desse meio, na medida em que se transfere para o Estado-Juiz, sem a aparência da urgência ou da necessidade, o ônus para imprimir os documentos enviados.
[5] Assim está redigido o dispositivo legal: “Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”. (grifei)
[6] Sobre esse específico tema das ferramentas eletrônicas aplicadas ao processo, desenvolvi um estudo específico (cf. ‘Ferramentas eletrônicas na execução trabalhista’. In CHAVES, L. A. Curso de Processo do Trabalho. São Paulo, 2ª. ed., 2012, p. 1058-1109).
[7] Sobre a influência da Constituição Federal sobre o terreno processual, cf., dentre outras obras: MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: aspectos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011; DANTAS, Ivo. Novo processo constitucional brasileiro. Curitiba: Juruá, 2010; HOFFMAN, Paulo. Duração razoável do processo. São Paulo: Quatier Latin, 2006; HOMMERDING, Adalberto Narciso. Valores, processo e sentença. São Paulo: LTr, 2003; MARINONI, Teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006; NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004; NOJIRI, Sergio. Interpretação judicial do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Os direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva dinâmica. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 155, p. 21, 2008; PORTO, Sérgio Gilberto. Lições fundamentais no processo civil: o conteúdo processual da Constituição Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.
[8] Explorei esse tema do diálogo das fontes processuais, dentre outros, nos seguintes textos: A recente reforma no processo comum, reflexos no direito judiciário do trabalho. São Paulo: LTr, 3ª. ed., 2007 (a 1ª. edição é de 2006); ‘Interpretação, aplicação e integração do direito processual do trabalho’. In: CHAVES, L. A. Curso de processo do trabalho. São Paulo: LTR, 2ª. ed. 2012. Creio que se trata do primeiro esforço no sentido de desenvolver a Teoria do Diálogo das Fontes, como método inerente à Teoria Geral do Direito, no campo do Direito Processual do Trabalho, em ordem a preservar a sua teleologia e a sua capacidade de manter a eficácia desse subsistema especializado diante dos novos paradigmas processuais que vêm se apresentando nas últimas duas décadas.
[9] A esse respeito, parece-me bem mais avançada a metodologia ora em pauta na práxis jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, como estampa o seguinte aresto: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA ELETRÔNICA. SISTEMA BACEN-JUD. ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS PARA A LOCALIZAÇÃO DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. ARTIGO 11, DA LEI 6.830/80. ARTIGO 185-A, DO CTN. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INOVAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI 11.382/2006. ARTIGOS 655, I, E 655-A, DO CPC. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DAS LEIS. TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES. APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI DE ÍNDOLE PROCESSUAL. 1. A utilização do Sistema BACEN-JUD, no período posterior à vacatio legis da Lei 11.382/2006 (21.01.2007), prescinde do exaurimento de diligências extrajudiciais, por parte do exeqüente, a fim de se autorizar o bloqueio eletrônico de depósitos ou aplicações financeiras [...] 2. A execução judicial para a cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias é regida pela Lei 6.830/80 e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. 3. A Lei 6.830/80, em seu artigo 9º, determina que, em garantia da execução, o executado poderá, entre outros, nomear bens à penhora, observada a ordem prevista no artigo 11, na qual o "dinheiro" exsurge com primazia. 4. Por seu turno, o artigo 655, do CPC, em sua redação primitiva, dispunha que incumbia ao devedor, ao fazer a nomeação de bens, observar a ordem de penhora, cujo inciso I fazia referência genérica a "dinheiro". 5. Entrementes, em 06 de dezembro de 2006, sobreveio a Lei 11.382, que alterou o artigo 655 e inseriu o artigo 655-A ao Código de Processo Civil, verbis: [...] 6. Deveras, antes da vigência da Lei 11.382/2006, encontravam-se consolidados, no Superior Tribunal de Justiça, os entendimentos jurisprudenciais no sentido da relativização da ordem legal de penhora prevista nos artigos 11, da Lei de Execução Fiscal, e 655, do CPC [...] 7. A introdução do artigo 185-A no Código Tributário Nacional, promovida pela Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005, corroborou a tese da necessidade de exaurimento das diligências conducentes à localização de bens passíveis de penhora antes da decretação da indisponibilidade de bens e direitos do devedor executado, verbis: [...] 8. Nada obstante, a partir da vigência da Lei 11.382/2006, os depósitos e as aplicações em instituições financeiras passaram a ser considerados bens preferenciais na ordem da penhora, equiparando-se a dinheiro em espécie (artigo 655, I, do CPC), tornando-se prescindível o exaurimento de diligências extrajudiciais a fim de se autorizar a penhora on line (artigo 655-A, do CPC). 9. A antinomia aparente entre o artigo 185-A, do CTN (que cuida da decretação de indisponibilidade de bens e direitos do devedor executado) e os artigos 655 e 655-A, do CPC (penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira) é superada com a aplicação da Teoria pós-moderna do Dialógo das Fontes, idealizada pelo alemão Erik Jayme e aplicada, no Brasil, pela primeira vez, por Cláudia Lima Marques, a fim de preservar a coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil. 10. Com efeito, consoante a Teoria do Diálogo das Fontes, as normas gerais mais benéficas supervenientes preferem à norma especial (concebida para conferir tratamento privilegiado a determinada categoria), a fim de preservar a coerência do sistema normativo. 11. Deveras, a ratio essendi do artigo 185-A, do CTN, é erigir hipótese de privilégio do crédito tributário, não se revelando coerente "colocar o credor privado em situação melhor que o credor público, principalmente no que diz respeito à cobrança do crédito tributário, que deriva do dever fundamental de pagar tributos (artigos 145 e seguintes da Constituição Federal de 1988)" (REsp 1.074.228/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07.10.2008, DJe 05.11.2008). 12. Assim, a interpretação sistemática dos artigos 185-A, do CTN, com os artigos 11, da Lei 6.830/80 e 655 e 655-A, do CPC, autoriza a penhora eletrônica de depósitos ou aplicações financeiras independentemente do exaurimento de diligências extrajudiciais por parte do exeqüente. 13. À luz da regra de direito intertemporal que preconiza a aplicação imediata da lei nova de índole processual, infere-se a existência de dois regimes normativos no que concerne à penhora eletrônica de dinheiro em depósito ou aplicação financeira: (i) período anterior à égide da Lei 11.382, de 6 de dezembro de 2006 (que obedeceu a vacatio legis de 45 dias após a publicação), no qual a utilização do Sistema BACEN-JUD pressupunha a demonstração de que o exeqüente não lograra êxito em suas tentativas de obter as informações sobre o executado e seus bens; e (ii) período posterior à vacatio legis da Lei 11.382/2006 (21.01.2007), a partir do qual se revela prescindível o exaurimento de diligências extrajudiciais a fim de se autorizar a penhora eletrônica de depósitos ou aplicações financeiras. [...] 19. Recurso especial fazendário provido, declarando-se a legalidade da ordem judicial que importou no bloqueio liminar dos depósitos e aplicações financeiras constantes das contas bancárias dos executados. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (REsp 1184765/PA, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJ-e 03/12/2010).
[10] A CLT não se refere expressamente ao CPC, tampouco o de 1939, no art. 769, embora vá a se referir ao CPC m vigor em outras passagens, cuja redação foi modificada por sobre o texto original. Foi o que sucedeu com os arts. 836 (ação rescisória) e 882 (ordem preferencial de penhora), por exemplo.
[11] Daí a oportuna advertência feita por Cláudio Brandão sobre uma possível dependência dos Magistrados em relação aos técnicos de informática, “vício que já se identifica atualmente”, segundo afirma. E prossegue: “apesar de serem detentores do conhecimento, indispensável ao desenvolvimento dos grandes sistemas informatizados e até mesmo para pensar e elaborar novas soluções ao natural processo de aprimoramento da tecnologia, devem [os técnicos] atuar nos limites especificamente técnicos e, por isso mesmo, jungidos às diretrizes gerenciais adotadas pelos Tribunais; devem ser coadjuvantes, e não atores principais desse processo. O risco, portanto, existe, mas deve se mensurado” (BRANDÃO, 2012, p. 786).