A efetivação dos direitos fundamentais de segunda geração pelo poder judiciário

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05/02/2014 às 06:40
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2 Funções institucionais dos Poderes da União. Mecanismos que asseguram a independência e harmonia constitucional na dificultosa tarefa de prover os direitos sociais.

Antes de adentrar à exposição das competências específicas dos Poderes Executivo e Legislativo, órgãos que em conjunto, de forma direta e indiretamente, tornam-se responsáveis pela efetivação das políticas e serviços públicos que assegurem à prestabilidade dos direitos sociais instituídos pelo constituinte originário, cabe destacar os fundamentos que asseguram o desenvolvimento harmônico e conjugado dos Poderes da União, que juntos asseguram a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Segundo o artigo 2° da Constituição Federal de 1988, “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Em breve síntese, ao Poder Legislativo cabe à função de criar normas gerais e abstratas observando a necessidade e evolução da sociedade, transformando todo essa mutação em leis que regulam o comportamento social.

Ao Poder Executivo cabe à materialização e execução destas normas aos casos concretos, sendo responsável pelo gerenciamento e resultado dos efeitos que estas normas produzirem.

Por fim, ao Poder Judiciário, cabe a função de dirimir e dizer o direito aos conflitos oriundos da relação entre os indivíduos na sociedade e a aplicação e controle constitucional das normas produzidas.

Neste entendimento, cada Poder instituído pelo constituinte originário é responsável pela administração do Estado Democrático de Direito dentro de suas competências funcionais expressas na Carta Magna, de forma a equilibrar e distribuir de forma equânime e mútua o gerenciamento da máquina pública na busca pela ordem e bem comum, idealizando neste contexto, o princípio da separação dos poderes.

Cabe destacar que cada Poder da União realiza suas funções típicas expressas no texto constitucional e também funções atípicas, caracterizadas como sendo aquelas assemelhadas às funções típicas de outros Poderes, porém, realizadas em âmbito interno, previstas na Constituição que asseguram a existência e viabilidade das suas funções institucionais, não ensejando neste caso, violação às normas constitucionais que apregoam as competências de cada poder.

Como exemplo, tem-se a elaboração pelo chefe do executivo de decretos e medidas provisórias com força de lei, o julgamento pelo legislativo nos crimes de responsabilidade e a administração de recursos, bens e pessoal pelo próprio poder judiciário.

Para implementação das políticas e serviços públicos que assegurem a prestabilidade dos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988, cabe ao Estado a previsão orçamentária elaborada para execução anual, aplicando este orçamento aos programas e serviços públicos contidos nas normas programáticas dos direitos sociais.

É impossível atender de maneira eficaz e satisfatória as necessidades de toda uma coletividade, mas, ainda assim, é dever permanente do Estado buscar, incessantemente, formas que diminuam a lesão aos diretos fundamentais e a perene implantação de programas que permitam a promoção humana aos desfavorecidos economicamente.

De maneira simples e objetiva, por meio de um intrincado mecanismo disposto no capítulo que trata das finanças públicas na Constituição federal de 1988, o Poder Executivo elabora o plano orçamentário e, como exemplo à Teoria de Freios e Contrapesos comentada anteriormente, remete-o à apreciação do Poder Legislativo, viabilizando neste processo a previsão de execução e acesso aos direitos fundamentais sociais.

 Segundo nos explica SCAFF (2010, p. 138),

[...] o sistema está previsto para funcionar tal como um funil, de forma a estabelecer primeiramente as grandes diretrizes dos gastos e investimentos, afim de que, ano a ano, elas possam ser melhor delimitadas e implementadas, de conformidade com as receitas que foram obtidas, e com o melhor detalhamento dos projetos a serem desenvolvidos.

Grande parte do capital distribuído pelas leis orçamentárias é arrecadado por meio da formulação de tributos e impostos a toda coletividade, sendo estes, instituídos por todos os entes federativos do Estado Republicano no limite das disposições constitucionais, revertendo assim, a arrecadação nos setores como educação, saúde, previdência social, bem como outros serviços públicos criados no intuito de atender as peculiaridades sociais de cada ente federado, ainda que de forma insuficiente, mas sempre permanente, visando ao desenvolvimento social e a promoção humana.

Conclui-se que os gastos necessários para implantação e manutenção dos serviços e programas sociais que possibilitam o acesso aos direitos sociais devem ser previstos nas leis orçamentárias e, caso estes não atendam às necessidades da sociedade e dos indivíduos em si, são passíveis de serem exigidos forçosamente por meio da intervenção do Poder Judiciário.

Considerando o princípio da separação dos poderes, cláusula pétrea prevista no artigo 60, §4°, III, da Constituição Federal, não se pode interpretá-lo como conteúdo que induz a separação rígida e intransponível dos poderes instituídos e de suas funções.

Como mencionado, o legislador definiu a harmonia institucional como algo a ser respeitada e constantemente buscada entre os Poderes da União, de forma a evitar que arbítrios, desmandos e omissões sejam cometidos, prejudicando a regular e plena vontade política geral do bem comum.

Desta forma, o ordenamento jurídico brasileiro adota a Teoria dos Freios e Contrapesos, teoria esta compilada da doutrina Americana que busca garantir o equilíbrio e a harmonia prevista no artigo 2° da Constituição Federal de 1988, ou seja, por meio de controles recíprocos e interferências legítimas expressas no próprio texto constitucional o constituinte originário determinou independência dos poderes da Federação, mas os colocou em sintonia para que haja um equilíbrio no desenvolvimento do Estado Democrático de Direito.

Ensina SILVA (2011, p. 110), que:

Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados.

Para ilustrar a presente questão, há previsão da elaboração de leis ordinárias e complementares pelo Poder Legislativo que, necessariamente, devem passar pela sanção ou veto do chefe do Poder Executivo e, acaso estas sejam aprovadas com conteúdo violador à Constituição Federal, são alvos do controle de constitucionalidade realizado pelo Poder Judiciário.

Ressalta PAULO e ALEXANDRINO (2012, p. 432) que “o que tradicionalmente se denomina “separação de poderes” representa a distribuição de certas funções aos diferentes Poderes do Estado, ou seja, a divisão das funções estatais.”

 Portanto, diante do princípio da separação dos poderes e das disposições constitucionais expressas no texto constitucional, cada Poder possui a função específica de realizar determinadas funções, porém, várias das diversas funções ficam condicionadas à determinadas intervenções para aprovação ou participação de outro Poder, assegurando mútuo controle e um funcionamento harmonioso da administração pública


3 O Poder Judiciário e a constitucionalidade de sua intervenção na efetivação das políticas públicas sob a ótica da Cláusula da Reserva do Possível.

O Poder Judiciário exerce função primordial à manutenção da ordem no Estado Democrático de Direito, investido de jurisdição, possui a competência fundamental de dizer o direito aos casos abstratos e concretos, em caráter definitivo, o que caracteriza no ordenamento o sistema da unicidade de jurisdição, permitindo a todos aqueles que se sintam ameaçados ou já tenham sido violados em seus direitos por leis ou atos do poder público, o acesso as devidas ações para conhecimento e julgamento visando a reparação da lesão, pois conforme conteúdo do artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição federal de 1988, a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou possível ameaça a direito, revelando-se neste teor o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

 Cabe destacar que o Poder Judiciário é estruturado em diversos órgãos jurisdicionais, o que assegura a possibilidade recursal, ou seja, as partes do processo podem requerer nova apreciação ao órgão imediatamente superior ao juízo sentenciante, com fito de reapreciar a decisão prolatada pelo juízo monocrático ou colegiado, o que caracteriza o princípio do duplo grau de jurisdição.

Neste breve relato, no ordenamento jurídico pátrio tem-se como instância máxima a decidir os litígios concretos e abstratos, segundo as regras processuais e constitucionais, o Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela guarda da Constituição federal de 1988, dentre outras competências constitucionais conforme preleciona o artigo 102, caput, do texto normativo.

Como explicado, a prestação dos direitos sociais ou doutrinariamente chamados de segunda dimensão, dependem de efetiva atenção e programação orçamentária pelo Poder Executivo em comunhão com o Poder Legislativo, considerando que o Poder Constituinte Originário criou um independente e harmônico equilíbrio entre os Poderes da União no sentido de reciprocidade no controle das competências típicas de cada Poder, visando à boa e segura administração do Estado Democrático de Direito, assegurando, assim, o contínuo e perene cumprimento das normas constitucionais.

Porém, toda esta harmonia se desfaz quando se faz necessária a intervenção do Poder Judiciário, por meio de mecanismos instituídos pelo próprio legislador, no sentido de forçar a prestabilidade de um direito social omitido ou negado pelo poder público, quer seja pela insuficiência de recursos orçamentários, quer seja por não conter previsão de gastos ao direito específico ou por outros diversos motivos que impossibilitaria a prestabilidade dos direitos sociais a coletividade hipossuficiente, colocando-os em situações de risco e vulnerabilidade, ferindo princípios da garantia do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana.

A doutrina majoritária defende que,

[...] o postulado constitucional (implícito) da garantia do mínimo existencial não permite que o Estado negue – nem mesmo sob a invocação da insuficiência de recursos financeiros – o direito a prestações sociais mínimas, capazes de assegurar, à pessoa, condições adequadas de existência digna, com acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas estatais viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. (PAULO; ALEXANDRINO, 2012, p. 254).

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Sabe-se da imensa necessidade social de promoção do ser humano no Brasil que, muitas vezes, se encontra em condições deploráveis e indignas de sobrevivência. Toda negativa do Poder Público no sentido da impossibilidade de se prestar direitos sociais, deve estar revestida de justa e comprovada insuficiência de recursos financeiros que impossibilite a satisfação do direito requerido, lembrando que, em face desta negativa temos direitos de um indivíduo ou de uma coletividade muitas vezes indisponíveis, tamanha seriedade e cuidado em abster-se do não cumprimento das disposições constitucionais.

É pacífico no Supremo Tribunal Federal, o que se demonstra em diversos dos seus julgados, que o caráter programático das normas constitucionais de segunda dimensão não autoriza o Poder Público a invocar, de forma irresponsável e injustificada, a cláusula da reserva do possível, exonerando-se do cumprimento de suas funções institucionais causando lesões muitas delas irreversíveis aos usuários.

Tal assunto possui tamanha relevância que, em diversos julgamentos realizados pela Excelsa Corte Constitucional, determina-se o bloqueio de verbas do ente federado ou do órgão público envolvido, a fim de que se satisfaçam os direitos sociais fundamentais aos indivíduos hipossuficientes. A intervenção do Poder Judiciário torna-se justa pelo elevado conteúdo constitucional do assunto em comento, razão esta que se transcreve o julgado do Ministro Celso de Mello, em um dos vários processos envolvendo a efetivação dos direitos sociais dispostos na Constituição Federal,

[...] é certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário a atribuição de formular e de implementar políticas públicas, pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se a Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político - jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, compromentendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como procedente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. (PAULO; ALEXANDRINO, 2012, P. 257).

Neste entendimento, o voto do relator no Recurso Extraordinário de número 634.643 AGR/RJ, foi no seguinte sentido,

[...] ademais, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que é permitido ao Poder Judiciário, em situações excepcionais, determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação ao princípio da separação de poderes. Nesse sentido, v.g., RE 417.408 - AgR, rel. Min. Dias Toffoli; RE 665.764-AgR, rel. Min. Cármen Lúcia; RE 559.646-AgR, rel. Min. Ellen Gracie; RE 557.086-AgR, rel. Min. Eros Grau; AI 589.398-AgR, rel. Min. Dias Toffoli; AI 708.667-AgR, rel. Min. Dias Toffoli.

Considerando que esta interferência do Poder Judiciário na efetivação dos direitos sociais é função atípica, porém, não prevista na Constituição Federal de 1988, como as demais funções atípicas realizadas pelos Poderes da União, parte da doutrina diverge no sentido de que viola o princípio da separação dos poderes a intervenção do Judiciário na concretização dos direitos sociais negados na esfera administrativa, “transformando o Poder Judiciário em verdadeiros ordenadores de despesas públicas, o que dificulta o planejamento governamental, exercido pelo Executivo e pelo Legislativo” (SCAFF, 2010, p. 135), tornando-se, ainda neste sentido, legisladores positivos ao realizar um papel não previsto na Constituição Federal de 1988.

Segundo SCAFF:

Implementar políticas públicas requer um planejamento mais acurado e uma análise financeira detalhada sobre a receita disponível e em especial sobre os gastos públicos a serem realizados – inclusive indicando o grupo socioeconômico das pessoas que devem ser beneficiadas por elas. Isto é de suma importância sob pena de existirem erros graves na implementação dessas políticas, seja por (a) obter recursos de quem tem capacidade contributiva reduzida, e não deve ser alvo de maior tributação; seja por (b) destinar estes recursos a quem deles pode prescindir, acarretando uma verdadeira “captura” dos benefícios sociais por uma camada da sociedade que deles pode prescindir, e deixando de lado os verdadeiros destinatários daquelas políticas.

Julgar que uma única pessoa tem direito à saúde, conforme prescrito na Constituição, e determinar que o Estado despenda vários milhões em seu tratamento não implementa este direito social, mas apenas o atribui a uma única pessoa, ou grupo de pessoas, que teve acesso àquele magistrado e àquela decisão. O exercício de um direito social que gera benefícios apenas a um indivíduo ou a um pequeno grupo certamente não foi aplicado de forma adequada. É confundir o sentido do que é um direito social, tratando-o como um direito que possa ser fruído de forma individual ou coletiva, e não pelo conjunto dos cidadãos que dele necessitem.  (2010, p.137).

Expostos os argumentos contrários, por outro lado, temos que considerar a atuação legítima do Poder Judiciário, considerando que a questão encontra respaldo e unicidade de entendimento no Supremo Tribunal Federal.

Resta considerar que as normas constitucionais possuem imperatividade resguardada pelos princípios da força normativa e o da máxima efetividade, que asseguram a efetividade plena e máxima das normas positivadas na Constituição Federal de 1988, devendo, os órgãos judiciais, responsáveis pela preservação da norma, realizarem a vontade do legislador pátrio e o conteúdo jurídico expresso, assegurando a materialização dos direitos sociais caso estes não sejam satisfeitos pelas vias ordinárias.

Já há tempos se averbou que o Estado possui limitada capacidade financeira para efetivar de forma satisfatória o conteúdo dos direitos sociais, de forma que, esta incapacidade orçamentária, constitui limite principal à efetivação dos direitos postulados na Constituição Federal de 1988, pois,

[...] ainda que melhore significamente a situação brasileira em matéria de recursos disponíveis para a obediência aos preceitos fundamentais da nossa Constituição, é difícil imaginar o dia em que estes recursos se mostrarão suficientes, já que a perspectiva é a de que as despesas a fazer aumentem, e em muito, daqui em diante. Aconteça o que acontecer, o fato é que os recursos empregáveis para a salvaguarda dos direitos fundamentais são, hoje em dia, inferiores ao necessário. Por outro lado, é difícil imaginar alguma demanda, mesmo que de um vasto grupo, cujo custo seja alto a ponto de torná-la inatendível pelos órgãos públicos. (ZANITELLI, 2010, p. 190)..

O princípio da Reserva do Financeiramente possível ou da cláusula da reserva do possível impõe limites à plena prestabilidade dos direitos sociais, devendo verificar a invocação do mesmo segundo o binômio razoabilidade e possibilidade.

A razoabilidade diz respeito à real necessidade do indivíduo ao direito requerido perante o Estado, pois, não há que se defender a prestabilidade dos direitos sociais às classes economicamente providas, que possuem condições suficientes para sua manutenção sem a necessária intervenção do Estado neste sentido, pois, possuímos escassos recursos financeiros e materiais para salvaguardar as classes sociais à beira da pobreza e indignidade, prestar direitos sociais à aqueles que destes não dependem acarretaria em privação ainda maior aos hipossuficientes cuja norma foi destinada.

Analisando a complementação do binômio, temos a possibilidade, que diz respeito às condições financeiras e recursos materiais disponíveis para utilização do órgão púbico incumbido de prestar o direito requerido, pois, como já mencionado é impossível atender de forma suficiente as necessidades, ainda que básicas e emergenciais, da crescente população carecedora dos direitos sociais.

A cláusula da reserva do possível é ponto bastante discutido na doutrina pátria. Há quem defenda o limite da prestabilidade dos direitos sociais coincidindo com a disponibilidade dos recursos financeiros do órgão incumbido de prestá-lo, por exemplo, (PAULO; ALEXANDRINO, 2012, p.257):

[...] a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômica - financeira da pessoa estatal, desta não de poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

Também de acordo com a doutrina da reserva do possível, temos uma visão garantista segundo a qual, os direitos sociais não podem ser rebaixados à limitação orçamentária, devendo os mesmos serem supridos a qualquer custo, por exemplo, (KREL, 2002, p. 32 apud ZANITELLI, 2010, p.189):

A resposta coerente na base da principiologia da Carta de 1988 seria: tratar todos! E se os recursos não são suficientes, deve se retirá-los de outras áreas (transporte, fomento econômico, serviço de dívida) onde sua aplicação não está tão intimamente ligada aos direitos mais essenciais do homem: sua vida, integridade física e saúde. Um relativismo nessa área pode levar a “ponderações” perigosas e anti-humanistas do tipo “por que gastar dinheiro com doentes incuráveis ou terminas”, etc.

Por fim, temos uma última classe que defende que a clausula da reserva do possível deve constituir um óbice a algumas situações relacionadas aos direitos fundamentais, mas não de todas, ou seja, aquelas levadas ao conhecimento do Poder Judiciário justificariam por si só a urgência na adoção de medidas que assegurem um mínimo existencial e a intervenção do mesmo no sentido de forçar a prestação social ora negado pelo Poder Executivo.

Assim, nos fundamenta TORRES (1999, p. 179 apud ZANITELLE, 2010, p. 189):

O mínimo existencial, como condição da liberdade, postula ainda prestações positivas de natureza assistencial ou, como define a doutrina germânica, cria a pretensão jurídica à assistência social (rechtsanspruch auf offentliche Fursorge). [...] Caracterizada a necessidade a prestação estatal é obrigatória, resistente à crise financeira e inconfundível com os incentivos.

Diante da controversa discussão acerca da plausibilidade da cláusula do financeiramente possível, entende-se que deve haver por parte dos agentes estatais e pelo Estado, justificativa sensata e plenamente demonstrável da insuficiência orçamentária que enseja a impossibilidade da prestação dos direitos sociais em contenda administrativa, sob pena de restar caracterizado a gestão temerária dos recursos públicos e violação dos princípios dispostos no artigo 37 da Constituição Federal, os quais a Administração pública deve estrito cumprimento.

Caso a questão seja levada ao conhecimento do Poder Judiciário, o que justificaria tal motivo pela importância e necessidade do direito negado restaria afastada a cláusula da reserva do possível, elevando e preservando, assim, o conteúdo dos direitos sociais dispostos na Constituição Federal de 1988, determinando então, a prestabilidade do direito em favor da pessoa ou dos cidadãos que deles necessitem, sob pena se assim não agir, aniquilar os direitos constitucionais que não podem ser condicionados às reservas orçamentárias quando, da negativa, resultar violação aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial.

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Sobre o autor
Rubens Alves Pimenta Júnior

Graduando do curso de Direito do Centro Universitário do Triângulo. Estagiário Jurídico. Aprovado no XI Exame da Ordem dos Advogados do Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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