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O poder de intervenção do Estado no setor privado

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Descreve-se a origem do Estado regulador, com o processo de reforma administrativa que culminou com a criação das agências reguladoras.

INTRODUÇÃO

No decorrer da história moderna, o papel desempenhado pelos Estados no domínio econômico variou consideravelmente, passando do mais completo abstencionismo (liberalismo) a exagerada intervenção (welfare state).

No período do liberalismo, desenvolveu-se o modelo econômico baseado na livre iniciativa, na livre concorrência e na regulação privada, onde o Estado se limitava a garantir as condições necessárias para o funcionamento do mercado. Esse excesso de neutralidade, aliado a acontecimentos de ordem histórica como as duas grandes guerras mundiais e a crise econômica de 1929, redundou na derrocada do sistema liberal clássico, na segunda década do século XX, e no surgimento do Estado do Bem-estar Social.

O Estado Social, modelo político-econômico, que vigorou por boa parte do século XX, foi concebido com a finalidade de corrigir os desequilíbrios gerados pelo modelo liberal. Nesse modelo estatal o Poder Público abandona a postura de mero coadjuvante e assume diretamente diversos papéis no processo de desenvolvimento econômico, assumindo a responsabilidade pela execução de inúmeros serviços.

Ocorre que justamente por estar sobrecarregado com infindáveis atribuições, o Estado torna-se incapaz de desempenhar satisfatoriamente o seu papel na vida econômica e social e acaba mergulhando em uma crise profunda. Como reação, busca reduzir as suas estruturas de intervenção na ordem econômica e devolve para a iniciativa privada a execução de boa parte das atividades que, embora tenha tomado para si, historicamente foram desenvolvidas pelos particulares. Em síntese, o antigo Estado-produtor cede espaço para o atual Estado-regulador.

É nesse contexto que surgem as agências reguladoras. Neste novo cenário, em que predomina a atividade reguladora. O Estado brasileiro busca inspiração no modelo norte-americano e vem, paralelamente ao processo de desestatização, criando, por meio de lei, autarquias especiais incumbidas da função de disciplinar, normativamente, quer a atividade econômica propriamente dita, em setores estratégicos definidos pela Constituição e pela Lei, quer o serviço público, quando prestado em regime de concessão, permissão ou autorização.

A instituição das agências reguladoras no ordenamento jurídico brasileiro teve por premissa a criação de uma entidade jurídica técnica, especializada em determinado setor e independente de poderes políticos, caracterizada pelo vínculo existente com os Ministérios supervisores, integrantes da Administração Pública, que gozem de uma elevada autonomia e poderes específicos.

Assim, será feito um estudo acerca da evolução do papel intervencionista do Estado, enfatizando as peculiaridades do Estado brasileiro. Faremos algumas considerações sobre o Estado regulador, bem como uma análise do processo de reforma administrativa que culminou com a criação das agências reguladoras.


1. Abordagem Histórica

Durante a Idade Moderna, nos tempos do Absolutismo, não eram reconhecidas as funções sociais do Estado. A sociedade moderna era dividida em classe dominante e classe trabalhadora, estruturada em uma ordem hierárquica que implicava na desigualdade entre os indivíduos, condicionada a uma diferenciação pelo nascimento.

O Estado Absolutista defendia a concentração do poder em uma pessoa, geralmente um Monarca, que exercia esse poder de maneira exclusiva e independente. O Soberano estava acima dos outros órgãos, quando existiam, ou concentrava todo o poder em si mesmo. Sua vontade era a lei, a que obedeciam todos os cidadãos. Ele também não podia ser submetido aos tribunais, pois os seus atos estavam acima de qualquer ordenamento jurídico.

A doutrina Mercantilista era a orientadora do Estado Absoluto, e se caracterizava por ser um conjunto de práticas econômicas desenvolvidas pelos Estados, entre elas a acumulação de metais preciosos, como ouro e prata, a alta cobrança de impostos, conjuntamente com o avanço das exportações e a restrição das importações, para obtenção de uma balança comercial favorável[1].

A partir dessa orientação, o Estado passou a ter um papel intervencionista na economia, implantando políticas econômicas protecionistas, com o objetivo de favorecer as atividades internas em face da concorrência estrangeira, contribuindo também para a criação dos monopólios estatais.

Essa situação despertou nos homens a insatisfação com as políticas adotadas pelos Estados e os incentivou a lutarem pelos seus direitos contra a intervenção do Estado na vida dos particulares em favor da economia nacional.

Despontaram como defensores da liberdade econômica e contra os ideais mercantilistas François Quesnay, Adam Smith, David Ricardo, entre outros. Buscavam liberdade para que os indivíduos pudessem agir sem a interferência do Estado. Surge como expressão dos liberalistas a máxima laissez-faire, laissez passer (deixem fazer, deixem passar), mostrando que o mercado deve funcionar sem interferência[2].

No ano de 1776 é publicado o livro A Riqueza das Nações, de Adam Smith, que traz uma investigação sobre a natureza e a causa das riquezas das nações, além de analisar as sociedades comerciais e os problemas na repartição do trabalho, na distribuição de renda e no acúmulo de capital[3]. Defendia Smith que o Estado só deveria atuar na economia quando a iniciativa privada não tivesse interesse em desenvolver a atividade, ou quando fosse impossível a prestação do serviço em regime concorrencial, sendo inevitável o monopólio estatal[4].

Neste mesmo ano acontece a Revolução Americana contra a política mercantilista da Inglaterra, que buscava acumular cada vez mais riquezas através da exploração das colônias, pela aplicação de medidas protecionistas. A Revolução acaba culminando na Declaração de Independência assinada em 4 de Julho.

O crescimento da atividade comercial, a expansão do capitalismo e da economia e a exploração de metais preciosos pelo mercantilismo proporcionaram um ambiente favorável para eclosão da revolução liberal, onde a burguesia, uma nova classe social, ganhava mais força e fazia frente à nobreza, que estava desprestigiada e descapitalizada.

Com as mudanças políticas e sociais que se processavam, a burguesia, em um momento ascendente, passa a ser uma classe dominante, e os seus reclamos por igualdade servem de base para o nascimento da ideologia liberal, criada pelo Iluminismo.

A Revolução Francesa de 1789, apontada como a maior conquista do liberalismo, traduziu a vitória da burguesia sobre a nobreza, e proporcionou a criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e veio a figurar como a base da renovação estatal, propondo mudanças econômicas, políticas, sociais e filosóficas[5].

Consolidaram-se as idéias de que todos deveriam subordinar-se à lei, pois todos são iguais perante ela, e que o Estado deveria ficar de fora da iniciativa privada, sem interferir na economia, e incentivar a livre concorrência. Todos estes fatores contribuíram para o fortalecimento da burguesia, grande beneficiada com o novo modelo estatal.

Os ideais liberais serviram, portanto, para rejeitar os preceitos que conduziam os sistemas de governo da época, como o corporativismo, o feudalismo, o poder divino dos reis e o absolutismo, e incluíram o reconhecimento dos direitos individuais civis, a exemplo do direito à vida, à liberdade, à propriedade. Além disso, o liberalismo foi a primeira ideologia a reconhecer a economia como ciência, defendendo a livre concorrência, a lei da oferta e da procura, a economia de mercado e o trabalho.

O fim do Estado Absolutista é a primeira grande conquista do Liberalismo para o Direito, pois as idéias liberais serão, posteriormente, incorporadas nas constituições dos séculos XVIII e XIX, consagrando a defesa dos direitos à liberdade e à cidadania, e a atuação do Estado na limitação do poder econômico, para defesa da economia de mercado.

Como característica do Estado Liberal podemos notar que o mesmo era mínimo, não intervinha na economia, para confirmar a liberdade do mercado, estimulando o funcionamento livre da economia, sem a interferência estatal. O Estado era responsável por desenvolver atividades referentes à segurança, justiça e a prestação de serviços ditos essenciais. No dizer de Maria D’Assunção Menezello[6]:

No século XIX acreditava-se que o Estado deveria abster-se de intervir no mercado, cuidando apenas dos direitos consagrados à pessoa humana distribuindo a justiça, preservando a propriedade e a ordem pública. Não havia, àquele tempo, a interferência direta do Estado na economia – ou no direito -, porque ambos seguiam diferentes caminhos, certos de que o Estado Liberal deveria afastar-se de qualquer intervencionismo.

No entanto, observamos que o mercado era controlado pelos detentores de capital, os burgueses, controladores do poder, que, na luta pela liberdade, impunham à classe trabalhadora novas desigualdades sociais. Apesar da criação de institutos jurídicos, como o princípio da legalidade, propriedade privada, liberdade contratual, separação de poderes, voto censitário, todos com o objetivo de assegurar a liberdade dos indivíduos contra as práticas abusivas do Estado, o modelo liberal passa a não ter capacidade de responder aos apelos sociais.

O Capitalismo, sistema econômico no qual os proprietários dos meios de produção permitem que os seus produtos sejam comercializados em mercado, geralmente de natureza monetária, veio a se estabelecer como sistema predominante no desenvolvimento dos Estados Liberais e ocasionou a Revolução Industrial, causando um impacto no processo produtivo através das mudanças tecnológicas.

A agricultura foi superada, o trabalho humano substituído pelas máquinas, que intensificaram o processo de produção e fizeram surgir o fenômeno da produção em massa, mudando a relação entre o capital e o trabalho. Essas alterações acabaram tornando os conflitos sociais inevitáveis, pois os detentores de capital impunham aos trabalhadores a miséria, com péssimas condições de trabalho e baixas remunerações, já que a oferta de mão-de-obra era maior que a necessária para a produção industrial.

O Estado não tinha como proteger a classe trabalhadora das novas desigualdades sociais criadas pelo rápido crescimento econômico. Verificou-se, então, o aumento da injustiça social. Indignados com esta situação, os trabalhadores começaram a se associar para exigir melhores condições de trabalho.

Em face disto, surgiram os movimentos socialistas, que propunham a apropriação dos meios de produção pela coletividade e a abolição da propriedade privada, como forma de reduzir as desigualdades sociais e ter uma distribuição de renda eqüitativa. Neste sentido, preleciona D’Assunção Menezello[7]:

em decorrência dos movimentos sociais resultantes do desenvolvimento industrial, começa a ser incorporada ao Estado outra tarefa: zelar pelas relações contratuais, para que fossem minimizadas as desigualdades entre as partes contratantes. Assim, torna-se visível a intervenção do Estado, resultando na ação política de tentar equilibrar as forças sociais.

Não mais era exigido que o Estado se abstivesse em atuar na economia, agora a sua intervenção se tornava necessária, em face da crise social que ocorria, para que fosse garantido um mínimo de direitos aos trabalhadores. Nos ensinos de Paulo Motta[8],

Da simbiose da Revolução Industrial com a Revolução Francesa surgiria o mais extraordinário período de desenvolvimento da espécie humana, o que somente seria possível com a eliminação, nunca total, das diferenças entre os seres humanos, agora não mais escravos, vassalos, proletários, mas sim Cidadãos, ou seja, Titulares de direitos subjetivos.

Assim, o modelo de mercado e Estado Liberal entra em crise e passa a dar lugar ao Estado Social, ou do Bem-Estar Social, ou Welfare-State, ou ainda Intervencionista, um tipo de Estado que promove a proteção social e organiza a economia. Este atua como um agente regulamentador de toda a atividade social, política e econômica de um país, garantindo a prestação de serviços públicos e a proteção de sua população.

Este novo modelo de Estado surgiu no final do século XIX na Europa, mas desenvolveu-se após a crise de 1929, que gerou uma Grande Depressão econômica, finda somente após a Segunda Guerra Mundial, com o fim dos governos totalitários da Europa Ocidental.

O Estado Social passa a adotar medidas e práticas intervencionistas necessárias para o desenvolvimento econômico e social, atendendo ao pedido assistencial da população, que esperava por uma intervenção estatal que lhes garantisse condições mínimas de sustentabilidade. Desta forma, o Estado busca maneiras de balancear as desigualdades, tentando colocar os cidadãos que se encontravam em miséria em uma situação onde possam ter o mínimo para sobreviver. Esta é a sua principal diferença em relação ao Estado Mercantilista, pois a interferência deste último tinha fins unicamente econômicos.

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Apesar do avanço legal trazido por leis, como a Constituição Alemã de 1919, que consagrava direitos sociais relativos ao trabalho, à cultura, à educação e reorganizava o Estado em função da sociedade, para todos os cidadãos, o Estado continua a praticar o deixem fazer, deixem passar, ideal inserido nas relações econômicas pelos Liberais.

O Estado se torna empresário e investe na criação de várias empresas públicas[9]. Assim, temos a origem das indústrias, empresas públicas e sociedades de economia mista, estas formadas com a junção do capital público e privado. O Estado também passa a investir grandes quantias para o desenvolvimento e modernização nos diversos setores que atua. Desta forma, além de cuidar da ordem social, que exige a aplicação de recursos, o Estado tem que desembolsar mais ainda para concretizar a sua atuação empresária, como nos ensina Menezello[10],

verifica-se que começaram a surgir também movimentos nacionalistas que desembocaram na criação de várias empresas estatais monopolistas voltadas para a prestação de serviços públicos considerados essenciais para a coletividade. Com isso, intensificou-se o intervencionismo do Estado na economia, que permaneceu atuante até a década de 90.

As medidas adotadas pelo Estado do Bem-Estar Social na ordem socioeconômica provocaram melhorias na condição de vida da população, o aumento da expectativa média de vida, e concessões de benefícios, tais como previdência, direitos trabalhistas, assistência social, educação, saneamento, oferecidos a todos indistintamente. Assim, o novo modelo estatal implicou numa imensa transformação estrutural, buscando-se alcançar os ideais de justiça, igualdade e liberdade, objetivo este não atingido com o modelo Liberal[11].

O Estado Intervencionista teve que desembolsar ainda mais dinheiro para executar diretamente as atividades sociais e econômicas que se propôs. Com o decorrer do tempo, o desempenho dessas atividades se tornou inviável, pois o Estado não tinha mais recursos para manter os projetos de satisfação da coletividade e estava sobrecarregado de responsabilidades[12].

O modelo de atuação estatal não conseguiu acompanhar as evoluções sociais por diversos fatores, entre eles: a multiplicação da população; a falta de manutenção do padrão de eficiência dos serviços prestados diretamente, sem o recebimento da devida contrapartida; o crescimento desmedido do aparelho estatal, através da criação das empresas, esgotando a capacidade de investimento, e ocasionando a deterioração do serviço público; e, por fim, o crescimento das dívidas externas e internas[13].

Todas as estruturas deste modelo estatal mostraram-se inúteis, o que acarreta o seu esgotamento. Associadas a isto, observamos também o crescimento da corrupção e a má gestão da coisa pública, facilitadas pela burocratização e pelo crescimento da máquina estatal. Além dos excessivos gastos com o exercício direto das atividades, o Estado ainda arcava com o escoamento do dinheiro público, de forma criminosa, para as contas dos agentes públicos[14]. Desta forma, podemos verificar o surgimento de uma nova modalidade de atuação estatal na economia, o Neoliberalismo, que implicou no nascimento do Estado Regulador.

O crescimento das atribuições estatais, entre outros fatores, levou ao esgotamento da capacidade estatal de investir no setor público, gerando um fenômeno denominado pela doutrina de “crise fiscal”. Assim, constatou-se o aumento das despesas públicas e o acúmulo de dívidas, que deixaram o Estado incapaz de custear as despesas essenciais, tornando-o insolvente.

A “crise fiscal” do Estado Social representou a deterioração dos serviços públicos e de sua estrutura, já que o Estado não conseguia investir ou mantê-la[15]. Assim, o pensamento liberal voltou a ser discutido e tido como o fundamento capaz de alterar este paradigma estatal.

Esse cenário mostrou-se ideal para a disseminação dos ideais neoliberais. O Estado deveria reduzir a sua atuação direta no campo econômico, diminuir suas obrigações, e permitir que o setor privado participasse da economia, e por reflexo, investir na revitalização de diversos setores. Para isto, o novo modelo de atuação estatal usaria da competência normativa que lhe é inerente para disciplinar o modo de agir dos particulares.

A doutrina econômica do Neoliberalismo passou a ser seguida a partir de 1980, com o ideal de defender a liberdade absoluta nas relações de mercado e a restrição da intervenção estatal na economia, que só deveria ocorrer em alguns setores de maneira diminuta.

O Neoliberalismo proporcionou ao Estado a diminuição da sua atuação direta e concretizou a globalização da economia. Podemos observar a integração econômica, social e cultural dos países com a unificação dos mercados, e o encurtamento das distâncias, através do desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação, ou seja, o mercado econômico se internacionalizou e proporcionou maior agilidade nas relações econômicas, proporcionando estabilidade monetária, contenção de orçamento e concessões[16].

No entanto, assim como no século XIX, o afastamento do Estado abriu margem para novos problemas econômicos e sociais. A desigualdade social aumenta cada vez mais, assim como a desigualdade econômica entre os países ricos e os ditos “emergentes”. O capital, mais uma vez, é detido na mão de poucos, em detrimento da maioria.

Nos últimos meses vem sendo noticiada no mundo inteiro uma nova crise econômica mundial. O Estado neoliberal, com seu modelo de livre mercado, também vem demonstrando que não é o modelo econômico a ser seguido definitivamente, e apresenta atualmente sintomas de colapso. A não intervenção do Estado na economia tornou-a vulnerável, como também às relações entre particulares, o que acarretou uma crise de confiança no mercado mundial.

Surge, novamente, a necessidade de intervenção estatal no setor econômico, e decisões estão sendo adotadas nesse sentido pelos chefes de governo de muitos países. Na Europa, bancos estão sendo nacionalizados, nos Estados Unidos, empréstimos são concedidos pelo Estado aos particulares, no Brasil o governo injeta dinheiro no mercado e isenta o Imposto sobre Operações Financeiras nas relações com os estrangeiros, para facilitar a compra de moedas, e o mundo percebe que o Estado não pode deixar a economia a mercê do setor privado. Agora não basta apenas a sua intervenção indireta, este tem a responsabilidade e o dever de balizar as relações econômicas, protegendo-as de crises como a ocorrida na atualidade.


2. Intervenção do Estado Brasileiro na Atividade Privada

Durante a época colonial, vigorava no Brasil o mercantilismo. Portugal explorava as riquezas de nosso território, incluindo madeira, pedras preciosas e agricultura, como forma de proteção da sua economia. Ao contrário do ocorrido nos Estados Unidos, nenhuma reação contrária foi capaz de mudar esse sistema, por isso após a independência do Brasil, durante o Império, as práticas mercantilistas ainda eram adotadas.

Após a proclamação da República, o Brasil passou a adotar práticas liberais. No início do século XX até o final da década de 20 era o período das Repúblicas Oligárquicas no Brasil, que sustentavam a política do café-com-leite, com o predomínio das idéias liberais[17].

Em 1930, acompanhando a quebra da bolsa de Nova York de 1929, a política do café-com-leite entra em crise e culmina na Revolução de 30, onde em um golpe de Estado, Getúlio Vargas assume o governo do país, e implementa inúmeras alterações de ordem social e econômica.

Assim, a partir da Era Vargas o Estado passa a adotar medidas intervencionistas no plano econômico, buscando o desenvolvimento do país, com investimentos oriundos do poder estatal, aplicados na produção e circulação de bens, assemelhando-se ao modelo do Estado Social. Este sistema permaneceu até a década de 90[18].

As primeiras manifestações do Estado-empresário brasileiro se deram na década de 40, com a finalidade de suprir as deficiências do mercado interno, extremamente abalado pela segunda guerra mundial, pois a produção industrial nacional era incipiente e dependente das importações.

Com a intenção de substituir a política de importações, o Brasil deu o primeiro passo para a industrialização. Por ter uma iniciativa privada frágil, esse processo foi impulsionado pelo Estado, que ditava o ritmo e os setores beneficiados pelas políticas públicas de desenvolvimento. Na década de 40 observamos a criação das primeiras grandes empresas estatais, a exemplo, da Companhia Siderúrgica Nacional, da Fábrica Nacional de Motores, da Companhia vale do Rio Doce e da Companhia Hidrelétrica do São Francisco.

Na década de 50 o Estado-empresário continua a crescer embora em um ritmo mais lento, mas esse período ficou marcado por ser um curto período de redemocratização do país. Surgiram apenas duas estatais de peso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE, que posteriormente passou a ser conhecido por BNDES, e a Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás.

Nas décadas de 60/70 temos o avanço e o agigantamento das empresas estatais, principalmente após o golpe militar de 1964, sendo criadas mais de 300 estatais, a exemplo da Eletrobrás, Nucleobrás, Siderbrás, etc, sendo apontado em 1981 a existência no âmbito federal de 530 pessoas jurídicas de caráter econômico[19].

No entanto, seguindo a tendência mundial, o Estado Brasileiro enxergou a necessidade de redefinir seu papel de atuação na economia e passou a diminuir sua intervenção direta, como também a incentivar a iniciativa privada a participar da economia, adotando medidas para regulá-la.

As idéias globalizantes surgidas no final do século XX proporcionaram uma mudança na economia mundial, que necessitava de um dinamismo no capitalismo para alcançar e facilitar a relação com o mercado de outros países. A situação financeira dos Estados exigia mudanças, tanto na forma de prestação dos serviços públicos, como na titularidade.

Com o objetivo de alcançar os ideais neoliberais e modificar a estrutura estatal, o governo de Fernando Collor iniciou o Programa Nacional de Desestatização (PND), criado pela Lei Federal nº 8.031/90, posteriormente revogada pela Lei Federal nº 9.491/97, que tem como objetivos fundamentais, expostos em seu art. 1º[20]:

I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;

II - contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida;

III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada;

IV - contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;

V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;

VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa.

Desta forma, o Programa Nacional de Desestatização (PND) vem enquadrar-se na tendência mundial de globalização e busca retirar o Estado da exploração direta da atividade econômica, utilizando-se das privatizações, descentralizando diversas atividades, estimulando o investimento privado com a desburocratização de sua estrutura, redefinindo a área de atuação estatal, reestruturando o setor público, para contribuir com o fortalecimento do mercado e diminuir a dívida pública.

O setor público encontrava-se sobrecarregado, os recursos, escassos, as empresas públicas ineficientes e mal geridas, com baixo nível de produtividade. Evidenciava-se a necessidade de privatização para que o processo de crescimento econômico pudesse ser retomado e a estabilidade financeira do setor mantida, com o objetivo de reduzir o déficit público, incentivar a competição e o desenvolvimento do mercado.

Para alcançar este fim, diversos programas de privatização foram instituídos e envolveram concessões ao setor privado e a venda de empresas públicas pertencentes aos governos federal, estadual e municipal, que caracterizaram a transferência e a descentralização da execução dos serviços públicos. Desta forma, o papel do Estado muda de produtor dos bens e serviços para o de regulador, papel este desenvolvido pelas agências reguladoras.

Assim, o Estado começa a atuar indiretamente na economia, desenvolvendo funções de fiscalização, regulação e planejamento, atuando de forma direta apenas em situações excepcionais, como disposto no caput do Art. 173[21] da Constituição Federal de 1988:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Nos ensina os professores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[22] que:

A atuação indireta do Estado na economia se dá de diversas formas, visando, em linhas gerais, a corrigir as distorções que se verificam quando os agentes econômicos podem atuar de modo totalmente livre (merecendo destaque a coibição à formação de oligopólios, de cartéis, à prática de dumping – venda de produtos por preços inferiores aos custos -, enfim, a vedação a qualquer prática contrária à livre concorrência).

Portanto, o Processo de Desestatização Brasileiro tinha como objetivos a reorganização da postura do Estado na economia, a diminuição da dívida pública nacional por meio da alienação das suas empresas e a concessão de serviços ao setor privado, com o intuito de reduzir os gastos e investimentos no setor e aumentar as receitas tributárias, para assim, equilibrar as contas públicas.

A Constituição de 1988, com a previsão dos direitos e garantias fundamentais e a ampliação das atribuições sociais, havia sobrecarregado ainda mais o modelo de Estado empresário. A crise estatal levou várias empresas públicas à falência e ineficiência de suas estruturas. Para o Estado ficou muito pesado manter essas atividades, pois suas contas encontravam-se instáveis pela necessidade de investimentos constantes, que levaram à estagnação e prestação precária dos serviços.

Assim, verificou-se que o modelo estatal intervencionista impedia o crescimento econômico e social do país e que era necessário a redução das suas atribuições, devendo elaborar uma política de redefinição do seu papel. A idéia da participação mínima do Estado na economia, advinda do movimento neoliberal iniciado na década de 80, propôs a livre movimentação de capital por todos os países, a quebra das barreiras comerciais, e a extinção das restrições aos investimentos estrangeiros. Alexandrino e Paulo[23], asseveram que,

a nova orientação econômica do Estado brasileiro, iniciada na década de 90, repousa na tese central de que o Estado é muito menos eficiente do que o setor privado quando desenvolve diretamente atividades econômicas em sentido amplo, abrangendo a prestação de serviços públicos propriamente ditos, a prestação de serviços de natureza puramente econômica e a exploração de atividades industriais e comerciais. Vale dizer, entende-se que o Estado não é eficiente quando produz, diretamente, bens ou utilidades.

Estes argumentos, somados à situação do Brasil, e à atuação dos governantes acompanhando a tendência mundial de globalização, levaram a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND), que exigiu reformas constitucionais e legais capazes de modificar a atuação do Estado. Como afirma Maria D’Assunção Menezello[24],

Para atender à lógica da transformação que o denominado Estado Neoliberal exige, houve a necessidade de realizar mudanças no texto constitucional a fim de adequar esse programa de liberação dos diversos setores da economia, que antes pertenciam exclusivamente ao Estado e que, por alteração na Lei Maior, puderam ser entregues à execução da iniciativa privada.

O processo de privatização e concessão dos serviços públicos foi impulsionado pela globalização e teve a capacidade de aplicar ao Estado brasileiro uma nova forma de atuação estatal no setor econômico onde este interviria de maneira mínima, exercendo funções reguladoras na economia.

Com a finalidade de colaborar com a reforma administrativa do Estado brasileiro, o Governo de Fernando Henrique Cardoso determinou a elaboração do "Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado", que definiu objetivos e estabeleceu diretrizes para a reforma, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e para a descentralização, reorganizando as estruturas da administração com ênfase na qualidade e na produtividade do serviço público. O "Plano Diretor" serviu de base para as propostas de Emenda Constitucional que o Poder Executivo apresentou ao Congresso Nacional para as reformas nas áreas administrativa e previdenciária.

A reforma do Estado brasileiro ocorreu com a inserção no nosso ordenamento jurídico das Emendas Constitucionais nº 5, 6, 8 e 9 de 1995, que trouxeram mudanças estruturais muito importantes, como a extinção de determinadas restrições de capital estrangeiro, a flexibilização dos monopólios estatais, servindo de base para a criação de algumas agências reguladoras, como também a criação de leis que autorizaram a privatização de determinados setores[25].

Estas Emendas tinham como objetivo reformar a administração e preparar o Estado para atuar no mundo globalizado, e limitar as áreas de atuação em setores que exijam o uso de suas funções próprias, formando um “Estado Mínimo”.

A Emenda Constitucional nº 5, com a sua alteração, possibilitou aos Estados-membros explorar diretamente ou conceder à iniciativa privada os serviços locais de gás canalizado, que antes só poderiam ser exercidos por empresas de controle acionário estatal.

A extinção da restrição ao capital estrangeiro foi inserida na ordem econômica com a Emenda de nº 6, que revogou o Art. 171 da CF/88, que previa a empresa brasileira de capital nacional e todos os seus benefícios, como também trouxe a permissão para a pesquisa e lavra dos recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica por concessionárias.

As Emendas de nº 8 e 9 foram um marco da atuação estatal pela regulação, pois permitiram as concessões para a iniciativa privada no setor de telecomunicações e possibilitaram à união contratar com empresas públicas ou privadas a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos, a refinação do petróleo, e a importação e exportação dos produtos e derivados do petróleo. Criaram também os entes reguladores e fiscalizadores da telefonia e das atividades petrolíferas, possibilitando que o Estado mediasse as atividades do setor privado, estruturado através das agências reguladoras, passando a ser reconhecido como um Estado Regulador.

A admissão das privatizações entre todas as medidas tomadas para reformar a atividade estatal foi a que proporcionou a consolidação da redução da interferência estatal na ordem econômica, pois a partir dela a administração pôde transferir as suas obrigações para a iniciativa privada, utilizando-se de institutos como a concessão, permissão e autorização.

Outra medida constitucional que inseriu mudanças importantes na atuação estatal foi a Emenda nº 19/98, que trouxe modificações legais imprescindíveis para a modernização do Estado Brasileiro. Como exemplo, temos a estabilidade dos servidores, a gestão gerencial da administração, a participação dos usuários na administração, e a previsão de convênios, que dinamizaram assim a prestação dos serviços públicos, como também, a introdução do Princípio da Eficiência, importante avanço para a atuação da Administração Pública. Como pode ser observado, a Emenda nº 19/98 instrumentalizou as mudanças necessárias à remoção de obstáculos que a Constituição trazia à implantação plena dos postulados da Administração Gerencial. Por todos esses motivos, a referida Emenda Constitucional ficou conhecida como a Reforma Administrativa[26].

Os principais objetivos das reformas constitucionais do aparelho estatal foram: a busca por descarregar o Estado, descentralizando o exercício de atividades para a iniciativa privada, limitando a atuação estatal em áreas determinadas, onde sua presença era indispensável para gerar benefícios à sociedade; a adoção de uma política gerencial para habilitar a participação dos usuários; e a criação das agências reguladoras para normatizar os serviços concedidos.

Verificamos a importância das reformas da atuação estatal na economia e como as agências reguladoras vieram a ter um papel importante com esta alteração, pois passaram a deter o poder de regular as atividades econômicas produzidas pelos particulares, como também se tornaram um meio de intervenção indireta do Estado na economia, com funções de fiscalização, incentivo e planejamento, com base no artigo 174[27] da Carta Magna, que assim expressa:

Art. 174: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Assim, observamos que este dispositivo constitucional fundamenta a existência das agências reguladoras, como também guia a posição do Estado na condução da economia, devendo este agir como um agente normativo e regulador dos entes regulados, seguindo os preceitos deixados pelo poder constituinte através dos princípios constitucionais.

Possibilitaram o desenvolvimento da atividade estatal as reformas constitucionais mencionadas e as alterações no ordenamento jurídico nacional, com elas o Programa Nacional de Desestatização (PND) desenvolveu-se. Os princípios constitucionais marcaram, deste modo, a consagração do modelo de organização econômica de mercado, da propriedade privada, da liberdade de iniciativa e da livre concorrência.

O processo de desestatização retirou do Estado o dever de executar os serviços, sua função passou a ser de regulador e fiscalizador, devendo planejar a atuação das empresas concessionárias, mas sem prestar diretamente o serviço, e assim desempenhar as suas funções próprias sem nenhum entrave. Neste contexto, surgem as agências reguladoras, como personagens fundamentais do novo modelo estatal.

Os variados programas de privatizações realizados nas diversas esferas de governo, os programas de parcerias do setor público e privado, levaram à conclusão de como é importante o Estado privilegiar a participação da sociedade, para que os bens e serviços possam ser alcançados por todos, e que melhor é o Estado que trabalha em função da sociedade.

Assim, o Estado abandona a posição de monopolista para tornar-se um instrumento da sociedade, trabalha para ela, e deve buscar formas de tornar a prestação dos serviços mais barata e eficiente.

Nesse contexto as agências passam a regular o setor privado, ditando normas para os entes privados, que atuam na economia em substituição à administração. Os setores público e privado passam a se relacionar intimamente, e o Estado tem a competência de regular os mercados nacionais, garantindo a prestação dos serviços com eficiência e qualidade, e os particulares devem prestar os serviços seguindo os princípios constitucionais, os mandamentos legais, as normas dos agentes reguladores e o interesse da população.

Com o intuito de promover a regulação no país, foram criadas as seguintes agências reguladoras no âmbito federal: a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, pela Lei 9.472, de 1997; a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, pela Lei 9.427/96; a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, pela Lei 9.478/97; a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, pela Lei 9.782/99; a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, pela Lei 9.961/00; a Agência Nacional de Águas – ANA, pela Lei 9.984/00; a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, ambas criadas pela Lei 10.233/01; a Agência Nacional do Cinema – ANCINE, criada pela Medida Provisória 2.228-1 de 2001; a Agência Nacional da Aviação Civil – ANAC, criada pela Lei 11.182 de 2005.

No âmbito estadual também podemos observar a criação de agências reguladoras, a exemplo do Ceará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que preferiram instituir um único ente regulador para atuar em diversas áreas, ou o exemplo da Paraíba e São Paulo, onde foi verificado o estabelecimento de agências especializadas, a imitar o sistema federal, onde cada setor concedido tem um ente regulador próprio.

Apesar de todas as medidas neoliberais adotadas, o Estado Brasileiro, principalmente levando-se em conta os atuais governos, continua adotando práticas características do Estado Social, apresentando um misto entre esse sistema e o neoliberalismo. Conforme explica Menezello[28],

Atualmente, vivenciamos uma dinâmica a cada dia em que o Estado controla os setores-chaves ou estratégicos (...), e abstém-se na prestação do serviço para ser presente na regulação e na fiscalização da operação dessas atividades.

Assim como o Estado do Bem Estar Social, os últimos mandatos do Presidente Lula privilegiaram medidas de cunho social, através da criação de programas como o “Fome Zero” e o “Bolsa Família”. Isto, no entanto, não significa que o mesmo abandonou as práticas neoliberais, do contrário, em 2005 foi criada a Agência Nacional da Aviação Civil – ANAC, atuando no setor privado em substituição à administração direta.

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Sobre o autor
Márcio Roberto Montenegro Batista Júnior

Advogado. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (2008). Especialista em Direito Civil e Direto Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia da Paraíba em parceria com a Faculdade Maurício de Nassau (2013).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA JÚNIOR, Márcio Roberto Montenegro. O poder de intervenção do Estado no setor privado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3881, 15 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26662. Acesso em: 21 nov. 2024.

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