Resumo: O presente artigo busca analisar os chamados princípios instrumentais, os quais passam a ganhar espaço cada vez maior no estudo da ciência jurídica constitucional contemporânea, sobretudo quando se percebe o movimento atual de constitucionalização do direito e supremacia da Constituição, exigindo-se do intérprete e aplicador a necessária técnica de buscar o ideal sentido das normas constitucionais, robustecendo sua força normativa e harmonizando seus preceitos.
Palavras-chave: princípios instrumentais; metanormas; postulados normativos; hermenêutica constitucional.
Sumário: 1. Introdução – 2. Distinção entre Regras, Princípios Materiais e Princípios Instrumentais – 2.1. Normas-regras x Normas-princípios – 2.2. Princípios Instrumentais ou Postulados Normativos – 3. Análise dos Princípios Instrumentais – 3.1. Princípio da Unidade da Constituição – 3.2. Princípio do Efeito Integrador – 3.3. Princípio da Máxima Efetividade – 3.4. Princípio da Justeza ou Conformidade Funcional – 3.5. Princípio da Concordância Prática ou Harmonização – 3.6. Princípio da Força Normativa – 3.7. Princípio da Interpretação Conforme à Constituição – 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A interpretação constitucional moderna surgiu como resposta a várias décadas de descaso com o texto constitucional. Nos últimos anos, houve uma ascensão científica e política da Constituição, materializada na elaboração de uma densa teoria constitucional e uma jurisprudência voltada para a efetivação das suas normas. A moderna interpretação constitucional é fundamentada na utilização de princípios balizadores para solucionar as antinomias do texto da Carta Magna.
Nos dias atuais, a nova ordem jurídica exige a interpretação das normas à luz do arcabouço constitucional, sobretudo em virtude do fenômeno da constitucionalização do direito. Daí se extrai que toda interpretação jurídica é, antes de tudo, uma interpretação constitucional. Nesse sentido, surgem os princípios instrumentais. De fato, não é necessário tão somente aplicar as normas para solucionar determinado conflito no caso concreto entre bens constitucionalmente protegidos, mais que isso, é preciso que dessa aplicação se confira, também, maior eficácia e aplicabilidade a todas as normas constitucionais.
Interpretar e aplicar as normas constitucionais significa compreender, investigar o conteúdo semântico dos enunciados línguísticos que formam o texto constitucional. Todavia, em se tratando de hermeneutica constitucional, sabemos que a interpretação e aplicação das normas da Lei Maior tendem a acarretar maior impacto sobre todo o resto do direito positivo, já que é a Constituição a norma suprema e fonte de legitimidade de toda a ordem jurídica. Logo, os valores alinhados dentro de uma perspectiva extraída da atividade interpretativa constitucional, por óbvio, tendem a revestir-se de complexidade e projeção muito mais apurada.
Para dar coesão a todo o sistema jurídico, não é suficiente, pois, a simples aplicação da norma constitucional desprovida de uma procupação anterior de robustecer a força normativa constitucional e harmonizar os preceitos que dela se extraem. Desse modo, a atividade destinada a descobrir o sentido de uma Constituição, que proclama valores a serem protegidos, assume destacada importância para as relações sociais e para a definição do mais variados ramos do direito. É dentro desse contexto que ganha demasiado valor a análise dos princípios instrumentais.
2. DISTINÇÃO ENTRE REGRAS, PRINCÍPIOS MATERIAIS E PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS
2.1. Normas-regras x Normas-princípios:
Antes de adentrarmos propriamente no estudo dos princípios instrumentais, faz-se necessário, inicialmente, analisar a distinção entre princípios materiais, princípios instrumentais e regras. Sabemos que, hoje em dia, a doutrina moderna confere aos princípios atual eficácia normativa. Quer dizer, os princípios deixam de ser apenas um ideal valorativo para a produção das normas e, hoje, passam a ser própria norma jurídica, ao lado das demais regras, encartando valores que passaram a integrar o direito positivo (princípios explícitos e implícitos). Inaugura-se, então, um fenômeno marcante que vem alterar completamente as fontes do direito: a inclusão dos princípios como norma jurídica. Os princípios surgiram especialmente para tentar dar uma noção de direito positivo a valores ético-morais imprescindíveis e que poderiam oferecer anteparos a leis ou textos constitucionais eventualmente discriminatórios e ofensivos à vida humana. Assim, agora temos: (i) normas-regra; (ii) normas-princípios. Hoje, coloca-se a norma como um gênero, tendo as regras e os princípios como suas espécies.
Os princípios são normas mais amplas, servindo de orientação genérica para um conjunto maior de situações, enquanto as regras são normas mais restritas, específicas a regular casos pontuais. Exatamente por isso, as regras exigem o seu total cumprimento, não se admitindo o cumprimento em parte. Ou se cumpre uma norma-regra, ou se descumpre, não há subjetividade. Já os princípios devem ser cumpridos da maior maneira possível, mas não dá para esgotar o cumprimento de um princípio, porque ele se amolda como direcionamento para várias situações, não se esgota em casos previamente estabelecidos. Por outro lado, havendo conflito entre regras, uma revogará a outra, as duas não coexistirão, não há como duas regras de mesma hierarquia e especificidade disporem sobre o mesmo objeto. Já com relação aos princípios, como estes são mandamentos genéricos de otimização, pode um entrar na esfera do outro, sendo possível o choque entre princípios, porque coexistem perfeitamente no sistema, não há revogação de um pelo outro ou delimitação do campo de atuação, daí porque o conflito entre princípios não se resolve com revogação, mas com a técnica da ponderação de interesses, o que inovou a ciência jurídica hodierna.
Nesse ponto, importa destacar que, pela técnica da ponderação, reconhece-se que há dois ou mais princípios colidindo no tratamento de determinada matéria, adotando-se um deles no caso específico. Não se trata, portanto, de equilibrar o sistema principiológico, determinando a demarcação das suas esferas de proteção para que não haja conflitos. Não se pode imaginar que a ponderação de interesses seria a técnica que busca equacionar eventuais colisões entre princípios, evitando que tais choques ocorram através da demarcação dos respectivos âmbitos de proteção, de modo a evitar que normas principiológicas distintas incidam concomitantemente sobre a mesma hipótese fática. A prevalecer tal raciocínio, estaria-se negando a efetiva existência de conflitos entre princípios, preconizando-se mera aparência de conflito. A ponderação de interesses, de fato, não delimita o âmbito de atuação dos princípios, mas reconhece que dois ou mais princípios são aplicáveis a determinada situação, buscando-se retirar, no caso concreto, a colisão por meio da ponderação de interesses.
Logo, a ponderação de interesses não evita a colisão entre princípios, mas apenas resolve esse conflito no caso concreto, de forma pontual, sendo incapaz de equilibrar o sistema para resolver definitivamente conflitos entre princípios. Será perfeitamente possível, aliás, adotar soluções diversas em outros casos, pois a técnica de ponderação de interesses é a retirada pontual do conflito no caso concreto, e não uma regra escalonada abstrata de prevalência de princípios, ou ainda, regra de delimitação genérica dos campos de atuação de cada princípio para evitar choques entre eles. Os princípios se aplicam a um conjunto de situações jurídicas, diferente as regras que regulam situações pontuais, daí porque é natural a existência de conflito entre princípios. Se até mesmo as normas-regra conflitam entre si, quanto mais as normas-princípios. A diferença é que no primeiro caso extirpa-se por meio dos institutos da revogação e eliminação de antinomias, de modo que uma só regra seja aplicável para cada situação jurídica, mas no caso dos princípios isso não existe, sendo solucionado somente com a técnica de ponderação.
O que importa é observar que, na verdade, as regras são os chamados “mandamentos de definição”, ou seja, normas que determinam que algo seja cumprido na medida exata de suas prescrições. As regras obedecem a lógica do “tudo ou nada”, o que significa que não há como ponderar uma regra. Trata-se de mandamento objetivo, com normas imediatamente descritivas de comportamentos devidos. A regra, portanto, ou se aplica toda ou não se aplica, sendo para elas utilizada a técnica de subsunção. Por sua vez, os princípios são os chamados “mandamentos de otimização”, ou seja, normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. O peso do princípio é um peso relativo, pois depende das circunstâncias do caso concreto, inclusive das condições subjetivas dos envolvidos. Os princípios obedecem a lógica subjetiva do “mais ou menos”, ao contrário da lógica objetiva do “tudo ou nada” nas regras. Em suma: as regras são descritivas, os princípios são prescritivos; as regras são aplicáveis na lógica do “tudo ou nada”, os princípios são aplicáveis “na maior medida possível”; as regras se subsumem na exata medida; os princípios se ponderam para serem aplicados na maior medida possível” de sua prescrição.
Vale ressaltar que o fato do princípio ter aplicação subjetiva e servir para regular inúmeras situações, não faz com que deixe de ter aplicação direta e imediata, porque é norma jurídica tanto quanto as regras. Assim, tanto as regras como os princípios aplicam-se direta e imediatamente às situações jurídicas, a diferença é que o primeiro de forma descritiva (mandamento de definição) e o segundo também de forma prescritiva (mandamento de otimização), mas ambos com aplicação direta. Aliás, hoje é perfeitamente possível tão somente um princípio servir de solução para resolver determinado caso concreto. Portanto, é indubitável, hoje, que normas-regra e normas-princípio possuem aplicação direta e imediata. E mais, atualmente, tem se sustentado que havendo confronto entre princípios e regras jurídicas, os primeiros devem prevalecer em razão de sua maior relevância sistêmica e axiológica. De fato, com a evolução para o paradigma pós-positivista, defende-se que os princípios passam a servir de fontes de observência obrigatória, sobretudo quando determinada norma lhe é contrária.
Aliás, o STF já reconheceu que a afronta a um princípio viola o ordenamento jurídico de forma mais gravosa do que a violação de uma lei. Isso é óbvio, porque se um princípio se aplica a um conjunto de situações jurídicas, logo, a afronta a um princípio repercute mais gravemente no ordenamento jurídico do que a afronta a uma regra. Na verdade, são os princípios, como mandamentos de otimização, que possuem a chamada força normo-genética, isto é, a força criadora de outras normas. Quem tem essa força criadora de outras normas são os princípios, aplicando-se a um conjunto de situações jurídicas. Os princípios é que servem como fonte para que outras normas sejam criadas (força normo-genética), como as regras. A regra nada mais é do que uma ponderação de princípios. Assim, hoje em dia, embora gozando de mesma hierarquia e eficácia normativa os princípios e as regras, tem-se observado um fenômeno no sentido de que havendo conflito entre norma-regra e norma-princípio, esta última tende a prevalecer.
Contudo, dizer que a afronta a um princípio é pior que a afronta a uma norma, ou ainda, que no conflito entre uma regra e um princípio deve prevalecer o último, não significa dizer que a norma-princípio é hierarquicamente superior à norma-regra, porque ambas são normas jurídicas. Quer dizer, seja regra ou princípio, são reconhecidas para as duas igual eficácia normativa. Por isso mesmo é que, a rigor, embora no conflito entre princípio e regra deva prevalecer o primeiro, estaria equivocado dizer que o princípio necessariamente deveria prevalecer. De fato, é comum dizer simplesmente que se uma regra conflita com um princípio então sempre é o princípio que prevalece. Não é assim. Depende. Se for um conflito, por exemplo, de uma regra constitucional com um princípio infraconstitucional, prevalece a regra. Portanto, não necessariamente o princípio prevalece sobre a regra na eliminação de antinomias, justamente porque não há hierarquia entre as duas espécies normativas. E como se sabe, normas de mesma hierarquia não se sobrepõem, logo, um princípio não é superior às demais regras de mesma hierarquia, a não ser que um seja constitucional e o outro seja infraconstitucional, nesse caso haverá prevalência de um sobre o outro pelo critério da hierarquia, e não pelo fato de normas-princípio serem superiores às normas-regra, porque de fato não o são, pois as duas são espécies normativas.
Assim, seja norma principiológica, seja norma-regra, não há que se falar em superioridade normativa do princípio em relação a uma norma-regra, logo, em eventual conflito entre ambas não necessariamente os princípios sempre prevalecerão de forma obrigaória, porque não são superiores às demais regras jurídicas de mesma hierarquia. Contudo, considerando que os princípios guardam maior relevância sistêmica no ordenamento, na hipótese de haver um conflito entre uma norma-regra contrária a uma norma-princípio, nesse caso, agora, podemos dizer que deve sempre prevalecer esta última, porque conforme já decidiu o STF, a afronta a uma norma-princípio viola o ordenamento jurídico de forma mais gravosa do que a violação de uma norma-regra, o que não indica, contudo, que esta seja hierarquicamente superiora àquela. Em suma, norma-regra e norma-princípio possuem o mesmo valor normativo, mas havendo conflito prevalece o princípio, quando em mesma hierarquia da norma-regra.
Por fim, vale ressaltar que a doutrina contemporânea já discute tanto a aplicação do modelo “tudo ou nada” aos princípios como a possibilidade das regras serem ponderadas. Isso porque determinados princípios, como a dignidade da pessoa humana, dentre outros, apresentam um núcleo de sentido ao qual se atribui natureza de regra, aplicável biunivocamente. Por outro lado, há situações em que uma regra, perfeitamente válida em abstrato, poderá gerar uma inconstitucionalidade ao incidir em determinado ambiente, ou ainda, há hipóteses em que a adoção de um comportamento descrito pela regra violará gravemente o próprio fim que ela busca alcançar. Quer dizer, no que se refere à uma norma-regra, a dificuldade para o aplicador do direito pode estar na circunstância de se deparar com uma situação em que um fato real se encaixa perfeitamente no que impõe uma lei, contudo, os resultados da sua incidência se mostrarem inadequados.
Isso explica, inclusive, o que hoje vem se chamando de teoria do impacto desproporcional. O art. 5°, caput, da CF/88, estabelece que todos são iguais perante a lei. Trata-se do princípio da isonomia ou igualdade, no seu plano formal. Ocorre que, mesmo que se criem leis tentando estabelecer regras neutras, respeitado o princípio da isonomia, é possível que, na prática, estas causem impacto desproporcional a determinado grupo de pessoas. Nesse caso, é possível que se constatem violações ao princípio da igualdade quando os efeitos práticos de determinadas leis, de caráter aparentemente neutro, causem um dano excessivo, ainda que não intencional, aos integrantes de determinados grupos vulneráveis, caso em que, para tais hipóteses, descabe sua aplicação no caso concreto. Logo, se por um lado já vislumbramos princípios aplicáveis na integralidade (sistemática “tudo ou nada”), também visualizamos regras sendo ponderadas para serem consideradas não aplicáveis em determinado no caso concreto (sistemática “mais ou menos”).
2.2. Princípios Instrumentais ou Postulados Normativos
Com a inclusão dos princípios como espécies normativas, daí surgindo a técnica de ponderação, verificamos que passou a existir certa dose de subjetividade, pois, como vimos, enquanto a subsunção é objetiva, a ponderação é subjetiva. Nesse sentido, o que se decide em um caso pode ser o oposto do decidido em outro caso análogo com a utilização do mesmo princípio. Alguns, por isso, combatem a ponderação, ao falar que a utilização da ponderação pode conduzir a um subjetivismo judicial e o intérprete, com a ponderação, poderia chegar ao resultado que quiser. Era necessário, nesse sentido, o desenvolvimento de premissas que conferissem certa direção na aplicação dessa técnica. Por outro lado, não bastasse a certa subjetividade inerente à ponderação e utilização dos princípios como normas jurídicas, há de se lembrar, também, que a nova ordem constitucional exige a interpretação das leis à luz da Constituição (substituição do legicentrismo juspositivista e do império da lei pela supremacia e centralidade constitucional), em virtude do fenômeno da constitucionalização do direito, a partir de onde se extrai que toda interpretação jurídica é primeiramente uma interpretação constitucional, o que se chama de filtragem constitucional, isto é, a norma deve passar a lei no filtro da Constituição para extrair dela o seu sentido mais correto.
Dentro desse contexto, para que a interpretação inicialmente seja realizada conforme os pressupostos de supremacia constitucional, é que temos os chamados Princípios Instrumentais, também chamados de Postulados Normativos, Princípios Interpretativos, ou ainda, de Metanormas. Se, por um lado, abriu-se maior possibilidade ao judiciário para a interpretação das regras e princípios aplicáveis no caso concreto, sobretudo por meio da revolucionária técnica de ponderação de interesses, por ouro lado, foi imposição do próprio modelo atual o desenvolvimento de princípios interpretativos. Os Princípios Instrumentais não se confundem com os chamados Princípios Materiais (normas-princípio). Os princípios instrumentais são aqueles que servirão na interpretação dos princípios materiais. Nesse ponto, cabe destacar uma distinção da doutrina segundo a qual o sistema jurídico, partindo do plano da abstração para a concretude, seria formado por três níveis distintos: (i) argumentação jurídica (plano teórico); (ii) princípios (mandamentos de otimização); (iii) regras (mandamentos de definição).
O primeiro nível, a argumentação jurídica, não se aplica diretamente na resolução de um caso concreto, mas inspira a aplicação dos princípios e regras, os dois níveis seguintes. Esses princípios que se fala aqui, são exatamente os chamados princípios materiais (normas-princípios), aqueles que, como vimos, agora são considerados normas jurídicas ao lado das regras, aplicáveis tanto quanto estas na resolução de um caso concreto. Embora os princípios materiais também possam ser utilizados para interpretar, são eminentemente valorativos e se aplicam de forma direta, inclusive individualmente no caso concreto. Podemos dizer, a grosso modo, que a aplicação das regras encontra seu nascedouro nos princípios materiais, cuja aplicação, por sua vez, vai buscar sua origem no plano da argumentação jurídica. Já os princípios instrumentais (postulados normativos ou metanormas), inserem-se exatamente no mesmo nível da argumentação jurídica, justamente porque também não possuem aplicação imediata, mas inspiram a aplicação das regras e dos princípios materiais, sobretudo destes últimos. É que, embora a aplicação dos princípios materiais seja direta e imediata na solução de determinada situação jurídica, podendo inclusive serem aplicados de forma isolada independente de norma-regra, não se trata de aplicação objetiva como ocorre nas regras (“tudo ou nada”, subsunção), mas pressupõe aplicação subjetiva na análise do caso concreto (“na maior medida do possível”, ponderação).
Então, a questão é: se os princípios gozam de mesma hierarquia, como se deve fazer a ponderação entre eles no caso concreto? Quer dizer, considerando que, por um lado, a ponderação das normas-princípio (princípios materiais) possui certa valoração subjetiva e, por outro lado, todas elas possuem mesma hierarquai e eficácia normativa, existiriam premissas a serem observadas na sua aplicação, já que a interpretação deve passar necessariamente pela filtragem constitucional? A resposta é encontrada exatamente nos princípios instrumentais. Em suma, portanto, usamos os princípios instrumentais, postulados normativos ou matanormas, para bem aplicar os princípios materiais e, também, as regras. Por isso é que os princípios materiais não se confundem com princípios instrumentais. Enquanto aqueles trazem consigo valores (influem na produção das regras) e são espécies normativas (tem aplicação direta e imediata na solução do caso concreto), os pricípios instrumentais, por sua vez, não trazem valores (não possuem força normo-genética) e não são espécie de normas jurídicas, mas atuam antes, no plano da argumentação jurídica, servindo como instrumentos para a interpretação e aplicação dos princípios materiais e das regras.
Os postulados normativos ou princípios instrumentais seriam, então, como uma terceira espécie de norma jurídica. Nesse caso, enquanto os princípios materiais são as normas-princípios, espécies do gênero norma jurídica, ao lado das normas-regras, ambas aplicáveis imediata e diretamente na resolução jurídica de casos concretos, os postulados normativos seriam normas de segundo grau, que apenas estabelecem a estrutura de aplicação de outras normas. Quer dizer, normas-regra e normas-princípios seriam as chamadas normas jurídicas de 1° grau, porque possuem aplicação direta e imediata, já os postulados normativos seriam as normas jurídicas de 2° grau, de aplicação mediata e indireta, justamente porque não se destinam a resolver diretamente o caso concreto, ao contrário, direciona-se a inspirar e dar conformidade e estrutura às normas que se destinam a resolvê-lo, estas sim, chamadas normas de 1° grau, que são os princípios materiais (normas-princípios) e as regras (normas-regras). Situados no nível da argumentação jurídica, os princípios instrumentais não estabelecem diretamente um dever de adotar determinadas condutas (regras) e nem de promover um estado ideal de coisas como um mandamento de otimização (princípios), mas sim, prescrevem um dever de segundo grau, consistente em estabelecer a estrutura de aplicação e prescrever modos de raciocínio e argumentação em relação a outras normas, para que se realize uma aplicação de normas e princípios sempre à luz da Constituição, detro de uma interpretação primeiramente constitucional.