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A alteração da titularidade dos cartórios extrajudiciais e a responsabilidade trabalhista:

sucessão, solidariedade ou subsidiariedade

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21/02/2014 às 10:16
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Os serviços notariais e registrais possuem regime jurídico próprio, diverso daquele aplicado à empresa, sendo a responsabilidade trabalhista do titular da serventia (tabelião ou registrador), pois a serventia não tem personalidade jurídica.

Resumo: O presente trabalho visa a analisar a responsabilidade trabalhista do sucessor da delegação do serviço notarial e registral. Tal questão mostra-se pertinente, uma vez que o instituto da sucessão trabalhista opera-se, em suma, quando há substituição do empregador, com mudança na propriedade da empresa ou alteração na sua estrutura jurídica, ainda que haja ruptura na continuidade da atividade empresarial. Os serviços notariais e registrais, no entanto, possuem regime jurídico próprio, diverso daquele aplicado à empresa, sendo a responsabilidade trabalhista do titular da serventia (tabelião ou registrador), tendo em mente que a serventia não tem personalidade jurídica. Ocorre que, atualmente, o instituto justrabalhista é interpretado extensivamente, abarcando novas situações. Desse modo, ante as peculiaridades desse serviço público delegado, prestado em caráter privado, sendo o delegatário nomeado pelo Poder Público, após aprovação em concurso público, cabe trazer à baila questões como se há ruptura da cadeia sucessória entre a extinção da delegação a um e a nomeação de outro, nesse sentido não se caracterizando a sucessão, ou se há elementos suficientes para caracterizá-la, bem como se o sucessor responde pelos débitos quando não há continuidade da prestação de serviços e, ainda, se a extinção da delegação desincumbe totalmente o sucedido. Isso a partir do entendimento mais recente do Tribunal Superior do Trabalho.

Palavras-chave: Titularidade. Cartórios Extrajudiciais. Alteração. Responsabilidade Trabalhista

Sumário: Introdução. 1cartórios extrajudiciais. 1.1Natureza Jurídica: serviço público delegado. 2RESPONSABILIDADE TRABALHISTA NA SUCESSÃO DE EMPREGADORES. 3A ALTERAÇÃO DA TITULARIDADE DOS CARTÓRIOS EXTRAJUDICIAIS E A RESPONSABILIDADE TRABALHISTA: SUCESSÃO, SOLIDARIEDADE OU SUBSIDIARIEDADE?. Conclusão. Referências


Introdução

Os serviços notariais e registrais apresentam muitas peculiaridades dentro do ordenamento jurídico brasileiro e vêm sendo homogeneizados em todos os Estados-membros, com regulamentação e fiscalização da atividade, o que se verificou a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 que disciplinou os serviços, indicando os parâmetros a serem seguidos, tais como a necessidade de concurso público para ingresso na atividade, o que retirou o caráter hereditário outrora existente nos cartórios.

Diante disso, veio a lume a controvérsia no tocante à responsabilidade pelos débitos trabalhistas quando há mudança na titularidade da serventia extrajudicial, tema pouco abordado doutrinariamente, mas divergente na jurisprudência pátria, cuja problemática se procura enfrentar no presente trabalho.

Com o fito de alcançar-se conclusões acerca do tema, procurou-se trabalhar, primeiramente, a atividade no ordenamento jurídico pátrio, abordando-se seu aspecto de serviço público delegado ao Notário ou Registrador.

Ademais, procurou-se definir o instituto da sucessão trabalhista, ante sua nova caracterização, sendo concebida de maneira mais abrangente culminando com a análise da aplicabilidade de tal instituto quando há mudança do titular da atividade notarial e registral, abordando-se a necessidade de continuidade da prestação de serviço pelo obreiro, bem como a possibilidade de responsabilidade solidária ou subsidiária entre sucessor e sucedido, não se buscando esgotar o tema, e sim encontrar possibilidades de atrelar o instituto justrabalhista à atividade, dadas as suas especificidades, mantendo-se em consonância com o sistema jurídico, mas observando-se o mais recente entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho no que tange ao tema.


1.cartórios extrajudiciais

Os Cartórios Extrajudiciais, tecnicamente denominados serviços notariais e de registros são concebidos no ordenamento jurídico brasileiro como de organização técnica e administrativa destinados a garantir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos, consoante dispõe o art. 1º da Lei nº 8.935/1994, norma que regulamentou o art. 236 da Constituição Federal[1].

O referido dispositivo constitucional enfrentou com abordagem inédita a matéria relativa a esses serviços que, conforme ensina Silva (2010, p. 895) a tradição e o ordenamento jurídico nacional sempre chamaram de serventias do foro extrajudicial (denominação corroborada, inclusive, pelo parágrafo 3º do artigo em comento[2]), definindo contornos à atividade.

Esses serviços, comumente designados pelo termo “cartório”, compreendem os Tabelionatos de notas, de protestos de títulos e de contratos marítimos, bem como os Ofícios de Registros de Imóveis, de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas, e ainda, de distribuição[3], este, quando houver mais de um tabelionato de protestos na comarca. 

1.1.Natureza Jurídica: serviço público delegado

Conforme o art. 236, caput, da Constituição Federal, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação obrigatória do Poder Público a particular. Desse dispositivo, é possível extrair-se a natureza dos serviços que têm caráter público.

No que tange a serviço público, Celso Antônio Bandeira de Mello (apud SILVA, 2010, p. 896) distingue aqueles prestados pelas serventias extrajudiciais, que afirma serem de ordem jurídica ou formal, tendo característica de ofício ou de função pública, daqueles dispostos no art. 21, XI e XII da CF[4], que assevera serem de ordem material, fruíveis diretamente pelos administrados.

O exercício dessa atividade, no entanto, dá-se em caráter privado, realizado por um particular, aprovado em concurso público (pode ser notário ou tabelião[5], caso assuma espécie de tabelionato, e oficial de registro ou registrador, caso assuma a titularidade de espécie de ofício de registros, os quais já foram especificados)[6], e, em razão disso, o titular da serventia organiza-a como se estivesse exercendo uma atividade empresária no que tange aos bens materiais e à contratação de empregados, estando, no entanto, sujeitos à fiscalização, punição e coordenação técnica dos serviços pelo Poder Judiciário[7], o qual realiza função atípica, eis que não se trata de atividade inerente a sua natureza jurisdicional (LENZA, 2009, p. 338), mediante correições, isto é, a verificação da observância dos preceitos legais na consecução dos serviços, que podem ser ordinárias ou extraordinárias. Estas poderão ocorrer a qualquer tempo, inclusive motivadas pela reclamação dos usuários dos serviços; aquela deve ocorrer anualmente (ARRUDA, 2008, p. 06).

Assim dispõe o art. 20 da lei 8.935/94[8]. Saliente-se que o contrato de trabalho é celebrado entre o trabalhador e o notário ou registrador, pois a serventia não possui personalidade jurídica, sendo somente organismo montado para o desempenho das atribuições dos notários e registradores.

A delegação do serviço notarial e registral possui regime especial, uma vez que se exige concurso público para o preenchimento das vagas, diversamente do que ocorre com outros serviços públicos, não há contrato administrativo entre Poder delegante e o delegatário da atividade. Regra geral, a delegação é realizada por contrato administrativo, o qual tem como antecedente a licitação – sendo esta o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse – salvo nos casos de dispensa, inexigibilidade ou vedação expressamente previstas em lei (MEIRELLES, 2010, p. 281). 

Além disso, o ingresso na atividade dá-se mediante provimento originário, não havendo vínculo anterior com o Poder Público, e a investidura na delegação ocorre com a posse perante o Poder Judiciário que, mediante ato administrativo, delega o serviço, sendo que os livros existentes na serventia pertencem ao Estado e ficam sob a responsabilidade do novo titular que deve organizar a serventia para prestar o serviço de forma eficiente.

Com a extinção da delegação, o antigo titular deixa de organizar e administrar a serventia, extinguindo-se seu vínculo de prestador de serviço público com o Estado, não podendo transferir a titularidade para outrem, conforme sua vontade, ficando o cartório vago, devendo o Poder Judiciário designar substituto para responder interinamente pelos serviços, pois não há assunção imediata de novo titular que, após realização de concurso público e ato administrativo de posse, assumirá o cartório, sem qualquer vínculo com o seu antecessor.


2.RESPONSABILIDADE TRABALHISTA NA SUCESSÃO DE EMPREGADORES

O instituto da sucessão trabalhista está regulado nos arts. 10[9] e 448[10] da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, dispositivos que possuem o escopo de proteger o empregado de qualquer alteração que ocorra com o empregador e venha a afetar o contrato de trabalho, prejudicando o trabalhador. Essa proteção à parte hipossuficiente da relação empregatícia, qual seja o obreiro, é um dos princípios norteadores do direito trabalhista, quiçá o cardeal desse ramo jurídico especializado, por influir em toda a sua estrutura jurídica, independendo de quem seja o empregador, do que se denota sua despersonalização.

Com a ocorrência da sucessão trabalhista, o empregador sucessor substitui o anterior, dando continuidade à empresa e mantendo hígidos os contratos de trabalho. No entanto, mister analisar-se se o sucedido fica isento de responsabilidade em relação às obrigações trabalhistas que contraiu ou se é cabível a sua responsabilização solidária ou subsidiária.

Primeiramente, impende ressaltar-se que eventual contrato realizado estipulando a responsabilidade do sucedido pelos débitos trabalhistas não produzem efeitos em relação aos empregados. Nesse sentido, Arruda (2008, p. 100) diz que “pode haver cláusula que preveja a responsabilidade do alienante, mas será ineficaz perante o empregado”. Segundo Garcia (2012, p. 307), as normas dos art. 10 e 448 são de ordem pública, não sendo, portanto, afastadas por estipulação contratual. O que pode ocorrer, entretanto, é ação regressiva do sucessor em face do sucedido, pleiteando indenização pelos débitos trabalhistas que adimpliu em dissonância com o contratado pelas partes. Ocorre que, tal lide dá-se na órbita civil, jamais trabalhista, eis que, uma vez caracterizada a sucessão, a responsabilidade pelos débitos resultantes dos contratos de trabalho é do sucessor, e, caso reste responsabilização ao sucedido, será a priori solidária ou subsidiária.

Sena (2000, p. 289) afirma que “hoje a preocupação dos aplicadores do Direito não reside apenas em fraudes tendentes à irresponsabilidade (art. 9º, da CLT), mas, especialmente, em situações normativas excludentes de responsabilidades”. Na sucessão, o sucessor responde pelos débitos trabalhistas não adimplidos pelo sucedido, ainda que o empregado não tenha prestado serviços à sucessora, consoante a nova visão do instituto, havendo responsabilidade solidária em caso de sucessão fraudulenta (GARCIA, 2012, p 307), em que ambos contribuem para a fraude e, portanto, respondem pelos débitos advindos dos contratos de trabalho.

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No entanto, a jurisprudência tem ampliado as possibilidades de responsabilização do sucedido, para além dos casos fraudulentos, entendendo que mesmo não havendo fraude, sendo comprometidas as garantias empresariais deferidas aos contratos de trabalho, incidiria a responsabilidade da empresa sucedida, sendo, entretanto, subsidiária (DELGADO, 2012, p. 428). Extrai-se desse ensinamento que modificações ou transferências empresariais que afetem os contratos de trabalho provocam a responsabilização subsidiária da sucedida, em caso de insuficiência de recursos da sucessora.

Entretanto, defendendo a responsabilização subsidiária do sucessor, Fonseca leciona:

“A solução já dissemos, a lei nos fornece: não podendo conferir a responsabilidade solidária, que exigiria previsão legal, que a incumbência, na generalidade dos casos, seja da empresa sucedida, a qual beneficiou-se diretamente dos serviços do empregado. Contudo, em proteção a este, na hipótese de não ter a sucedida idoneidade financeira responde o sucessor, subsidiariamente”. FONSECA, Rodrigo Dias apud SENA (2000, p. 280)

No que tange à responsabilidade solidária do sucessor e do sucedido, Martins (2011, p. 213), em consonância com entendimento majoritário da doutrina, afirma que não existe no instituto justrabalhista, por falta de previsão legal, conforme art. 265 do Código Civil[11], previsão, por sua vez, existente no caso de cisão de empresas, consoante disposto no art. 233 da lei nº 6.404/1976[12].

Em sentido contrário, leciona Garcia (2012, p. 308) que a solidariedade embasa-se, ainda, com o advento do Código Civil de 2002 que, em seu art. 1.146 dispõe que “o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento”.

No mesmo sentido, Meireles (MEIRELES, Edilton apud SENA, 2000, pág. 282) afirma que há previsão legal de responsabilidade solidária, pois, “ao se estabelecer que a mudança da propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afeta os contratos de trabalho dos respectivos empregados (art. 448 da CLT), quer a lei consignar, data venia, apenas que o sucessor deve assumir todas as obrigações decorrentes dos vínculos empregatícios mantidos até então, em proteção aos direitos dos empregados, não significando isso a isenção do sucedido pelos débitos constituídos até então. O sucedido continuaria responsável pela satisfação de seus débitos, constituídos até a data da sucessão”.

Assim, entende-se cabível a responsabilidade solidária na sucessão trabalhista pelos débitos contraídos antes de sua ocorrência, mormente ante a generalidade e imprecisão dos dispositivos celetistas que tratam da matéria, pois não deve um instituto jurídico ser utilizado de forma fraudulenta, o que ocorreria comumente em caso de irresponsabilidade do sucedido.


3 .A alteração da titularidade dos cartórios extrajudiciais e a responsabilidade trabalhista: sucessão, solidariedade e subsidiariedade

Os artigos 10 e 448 da CLT são interpretados atualmente de maneira extensiva e abrangente, alcançando o instituto justrabalhista as mais variadas situações de alteração na estrutura jurídica da empresa, desde que possam afetar os contratos de trabalho.

No entanto, os princípios, normas e institutos do direito do trabalho não podem ser isoladamente interpretados e precisam estar em consonância com todo o ordenamento jurídico pátrio, conforme leciona Delgado (p. 201):

“É óbvio que não se pode valer do princípio especial justrabalhista para comprometer o caráter lógico-sistemático da ordem jurídica, elidindo-se o patamar de cientificidade a que se deve submeter todo processo de interpretação de qualquer norma jurídica.”

Isso porque, em que pese a divisão do direito em disciplinas jurídicas, seu estudo deve ser efetivado sob uma visão panorâmica, sendo necessário apreciar essas disciplinas no seu conjunto unitário, pois elas representam e refletem um fenômeno jurídico unitário que precisa ser examinado (REALE, 2002, p. 06).

Ocorre que, partindo-se de uma ideia unificadora de sistema, tentava-se englobar todos os institutos de certa parte do direito numa única descrição, mesmo à custa de distorcer algum aspecto ou instituto jurídico que não se encaixasse nesse sistema (LOSANO, 2007, p. 10). No entanto, as disciplinas e seus institutos possuem características próprias que devem ser observadas quando da sua aplicação a fatos concretos, sob pena de serem criadas verdadeiras aberrações jurídicas que se adequam a novas situações, inobservando suas peculiaridades.

Desse modo, ao verificar a possibilidade de aplicar-se o instituto da sucessão trabalhista quando há mudança na titularidade dos cartórios extrajudiciais, deve-se fazer uma abordagem singular para uma realidade jurídica igualmente singular, qual seja a dos cartórios extrajudiciais (ARRUDA, 2008, p. 04).

Assim, Martins (2011, p. 213) leciona que “há sucessão do atual titular do cartório notarial ou registral em relação ao anterior se passa a exercer suas atividades no mesmo imóvel, com os mesmos móveis, arquivos, utilizando as anteriores firmas dos clientes”. De fato, tal entendimento coaduna-se sobremaneira com o instituto sucessório e com essa atividade, uma vez que tem o novo notário ou oficial de registro a possibilidade de optar pela transferência do estabelecimento pelo anterior responsável pela serventia, após a assunção da função, estando presente a autonomia da vontade existente nos contratos empresariais em que há sucessão de empresas, o que não ocorre tão-somente com a aprovação no concurso e, posterior posse, mediante ato administrativo.

Conforme já verificado, segundo a nova interpretação da sucessão trabalhista, não é necessário haver a continuidade do contrato de trabalho para a caracterização do instituto, sendo que o sucessor ao entabular o negócio jurídico empresarial deverá estar ciente das responsabilidades trabalhistas. No entanto, em se tratando das serventias extrajudiciais, não parece ser razoável que o novo delegado, recém aprovado em concurso público, empossado por ato administrativo, em relação direta com o Poder Público, seja responsável pelos débitos trabalhistas do titular anterior do cartório, o qual não adimpliu tais verbas antes da extinção da delegação.

Aplicando-se, analogicamente, entendimento afeto às concessões de serviço público à delegação da atividade notarial e de registro, verifica-se que a Orientação Jurisprudencial nº 225 da Seção de Dissídios individuais 1 (SDI-1) do TST firma disciplina que, havendo contrato de concessão em que uma empresa outorga a outra bens de sua propriedade, a segunda concessionária, na condição de sucessora responde pelos direitos decorrentes do contrato de trabalho, caso este tenha sido rescindido após a concessão, sem prejuízo da responsabilidade subsidiária da concessionária sucedida pelos débitos contraídos até a concessão, além disso, caso não haja continuidade da relação de trabalho após a concessão, a responsabilidade é inteiramente da primeira concessionária.

Nesse caso, somente haverá sucessão trabalhista com a continuidade da relação empregatícia à nova concessionária, sendo que há transferência de bens entre as empresas. No caso dos cartórios não há relação direta entre os titulares. Por outro lado, quanto à responsabilidade da sucedida, é possível pensar na solidariedade em caso de inadimplência de verbas trabalhistas quando do término da delegação, o que, inclusive, visa a desestimular o inadimplemento.

Nessa senda, tratando especificamente da alteração da titularidade dos serviços notariais ou registrais, o Tribunal Superior do Trabalho é unânime no que tange à irresponsabilização trabalhista do delegatário sucessor quando não há continuidade na relação laboral, isto é, quando não há efetiva prestação de serviços ao sucessor, uma vez que esta se realiza entre empregado e notário ou registrador pessoa física, consoante se verifica das decisões que seguem, as quais refletem o reiterado entendimento da Corte:

“TITULARIDADE DE CARTÓRIO. CONFIGURA SUCESSÃO TRABALHISTA DESDE QUE HAJA CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO LABORAL

    Os cartórios extrajudiciais, destinados à exploração de uma serventia, não possuem personalidade jurídica, a teor do que dispõe o caput artigo 236 da Constituição Federal. Nesse caso, a qualidade de empregador é assumida pelo próprio titular do Serviço Registral, que, no exercício de delegação estatal, é quem contrata, assalaria e dirige a prestação laboral, equiparando-se, assim, à figura do empregador, para fins trabalhistas. Nesse contexto, configura-se a sucessão trabalhista desde que haja continuidade da prestação de serviços para o novo titular do Cartório (Recurso de Revista n° TST-AIRR-320-82.2012.5.12.0030,Relatora KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA, DJ 18/09/2013).”

A decisão acima demostra que o Tribunal Superior do Trabalho entende ser a continuidade da relação laboral, ou seja a efetiva prestação de serviços pelo empregado ao novo delegatário indispensável à caracterização da sucessão trabalhista, uma vez que é o próprio titular do serviço o empregador, uma vez que a serventia não possui personalidade jurídica.

Ademais, a decisão que abaixo se transcreve, além de julgar indispensável a prestação de serviços ao novo titular da serventia, assevera que não há negócio jurídico entre sucessor e sucedido na delegação dos serviços, como na sucessão empresarial, na qual há assunção do ativo e passivo trabalhista, ficando o novo titular responsável pessoalmente por todos os atos praticados durante o exercício de sua delegação, mas não ocorre sucessão, como na legislação trabalhista.

Cumpre ressaltar que há uma quebra na cadeia sucessória quando há extinção da delegação a um titular, a qual é retomada pelo Estado que realiza o concurso público para proceder à nova delegação.

“PROCESSO Nº TST-AIRR-199000-70.2008.5.01.0511, Relator JOÃO PEDRO SILVESTRIN, DJ 13/11/2013) AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - CARTÓRIO - INEXISTÊNCIA DE SUCESSÃO TRABALHISTA - AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO SUCESSOR

(...)

Tornando-se incontroverso nos autos que o empregado jamais prestou serviços ao novo titular que foi investido no cargo, mas apenas ao anterior, deve ser tida como não configurada a sucessão reconhecida em face do posterior.

Com efeito, não se pode responsabilizar o novo titular como se se tratasse de uma empresa, porque aqui se trata de delegação do Poder Público, não se aplicando as normas estatuídas nos artigos 10 e 448, da CLT, até mesmo porque um cartório não tem sequer pessoa jurídica ou bens de sua propriedade.

O que diferencia o "cartório" de uma "empresa", como empregador comum, é a "forma de sucessão"; nas segundas, o sucessor assume o ativo e o passivo trabalhista, em razão de haver entre os proprietários, o antigo e o novo, "um negócio jurídico", criador de direitos e obrigações recíprocas, que pressupõe a transferência de titularidade da empresa e de todos os elementos que a integram; entretanto, o mesmo fenômeno não ocorre nos primeiros, visto que os novos titulares são nomeados para o cargo através de concurso público; não há alienação ou cessão de empresa, nem de capital social entre os titulares, mas mera delegação do Estado.

O tabelião anterior fica responsável pessoalmente por todos os atos praticados durante o exercício de sua delegação, mas não ocorre sucessão, como na legislação trabalhista.

O novo titular do cartório não responde pelas obrigações legais anteriores à sua nomeação, constituindo a causa para tanto na qualificação do delegatário notarial e registral; quem nele vislumbra um "agente público", enquadra-o na amplitude do § 6º do art. 37 da Constituição Federal; entendemos, entretanto, que o melhor posicionamento é que o art. 236 da Constituição estabeleceu um especial regime privado de prestação dos serviços notariais e de registros.

Concluímos, assim, que com a exigência de concurso público feita pelo art. 236 da Constituição Federal, o titular que ingressa na atividade cartorária oficial assume a delegação, e não o patrimônio do antigo empregador e, como nenhum crédito lhe é transferido, não dele ele ser responsabilizado por débitos anteriores, por receber , a concessão de forma originária, inexistindo qualquer transação contratual entre o titular anterior e o novo ou a transferência de patrimônio.

Despicienda, portanto, a discussão sobre a configuração ou não de sucessão trabalhista, na troca do titular da serventia notarial, quando demonstrada a ausência de prestação de trabalho para o novo titular.

Para o oficial de cartório não vale a teoria do risco administrativo, mas, sim, a do risco profissional; nem vale confundir a fiscalização judiciária, nos aspectos técnico e disciplinar, com subordinação e dependência hierárquica.

Ressalte-se que, quando o antigo titular deixa o cargo, o Estado retoma a delegação da atividade e, apenas posteriormente, quando outro é nomeado para assumir a titularidade do cartório, retoma-se a delegação. Configura-se aqui, nessa situação, uma "quebra na cadeia sucessória" em virtude da ocorrência de concurso público.

(...)”

Desse modo, não havendo continuidade da relação de trabalho na serventia após a delegação, cumpre a cada titular de cartório responsabilizar-se pelas respectivas contratações. Tal situação possibilita-se, contrariamente ao que ocorre nas relações jurídico-empresariais, à medida que o empresário que adquire a unidade econômico-jurídica e substitui o antigo proprietário, quando o faz, por contrato privado, presente a autonomia da vontade das partes existente no contrato empresarial, está ciente de todos os débitos da empregadora. Consabido que no direito do trabalho o elemento volitivo é mitigado, a fim de alcançar-se igualdade jurídica, não se podendo, entretanto, fugir das peculiaridades de cada caso, assim como nos cartórios extrajudiciais, cuja assunção dá-se por ato administrativo, devendo a sucessão ser concebida atentando-se às suas especificidades.

Assim, sabe-se que essa contratação não ocorre na alteração da titularidade dos cartórios extrajudiciais, pois não há transferência de um direito entre o antigo e o novo titular, e sim, aquisição originária de um direito, pois há investidura em concurso público.

Nesse sentido, o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul editou a Resolução número 110/94, determinando que os contratos de trabalho mantidos pelo titular da serventia são considerados extintos com a extinção da delegação, devendo ser quitadas as obrigações trabalhistas e previdenciárias decorrentes dos contratos de trabalho. Tal norma administrativa interna do TJ/RS foi editada visando a evitar que a permanência dos trabalhadores prestando serviços para o cartório fosse entendida como sucessão trabalhista, figurando o Estado como empregador.

Diante desse entendimento, percebe-se que com a vacância, o Estado retoma a delegação e somente após a aprovação no concurso público outro é nomeado para assumir a titularidade da serventia, havendo ruptura no contrato entre vacância e assunção de novo titular. Isso não se coaduna com a ideia do instituto sucessório em que há imediata transferência de direitos e obrigações entre o antigo empregador e seu sucessor.

Assim, sendo a delegação dos serviços notariais e registrais realizada mediante ato administrativo, sem haver transferência imediata de direitos e obrigações entre o antigo e novo titular da serventia, entende-se cristalino que não havendo continuidade na prestação dos serviços pelo empregado ao novo titular, isto é, efetivo labor, não há que se falar em sucessão trabalhista. 

Esse entendimento consubstancia-se em uma análise sistemática do instituto sucessório, uma vez que embora haja afetação dos contratos de trabalho, a delegação desses serviços é especial, pois são prestados privativamente, mas entre a extinção da delegação, a nomeação do substituto no período de vacância e a delegação ao novo titular, há intervenção do Poder Público e, com isso, clara ruptura da relação trabalhista, sendo evidente que a despersonalização do empregador, importante base a caracterizar a sucessão do direito do trabalho, inobserva-se no caso.

Garcia (2012, p. 334) advoga que a mudança de titularidade do cartório não se verifica propriamente aquisição, cessão, transação comercial ou civil ou mesmo transferência de titularidade da empresa ou de atividade econômica organizada, há necessariamente a nomeação do aprovado no concurso público pelo Estado, desconhecendo a situação da serventia cuja titularidade assumirá, podendo escolher livremente seus empregados.

Considera-se temerário o entendimento jurisprudencial no sentido de caracterizar o instituto sucessório, em qualquer caso, pois se presume a transferência do complexo de bens quando da mudança da titularidade dos serviços notariais e registrais, equiparando-os com os negócios jurídico-empresariais, a saber, o contrato de trespasse, no qual há transferência do estabelecimento empresarial. Isso porque, o novo delegado pode utilizar-se de outra mobília e outro imóvel para o funcionamento da serventia, além de alterar o nome empresarial, recebendo somente o acervo necessário à prestação do serviço público que são os livros de escrituração. Dessa forma, visto que não é sempre que ocorre a transferência da unidade econômico-jurídica, deve tal situação ser observada casuisticamente, sendo argumento determinante para a aplicação da sucessão trabalhista in casu.

Em que pese o novo delegado aprovado no concurso público tenha ciência de que a atividade é exercida em caráter privado e o regime de contratação dos prepostos é o celetista, não há apuração dos débitos anteriormente à posse e à assunção da delegação como ocorre com as relações empresariais, uma vez que ocorrendo a sucessão empresarial os débitos anteriores à transferência são contabilizados, o que gera a responsabilidade pelas dívidas decorrentes do exercício da empresa.

Na caracterização e conceituação do instituto sucessório, o vínculo causal entre as partes se forma num momento inicial por vontade dos envolvidos (DELGADO, 2012, p. 293), mas os efeitos muitas vezes decorrem da vontade da lei e não das partes, o que se denota da cláusula de não responsabilização que não produz efeitos em relação aos obreiros, havendo responsabilidade do sucessor, ainda que estipulado o contrário em contrato privado entre esse e o sucedido. Em regra, há aquisição derivada de direitos, através de uma sub-rogação de faculdades, o que não ocorre, todavia, na mudança de titularidade das serventias extrajudiciais, pois com a aprovação no concurso público realizado pelo Poder Judiciário, há aquisição originária de direitos, não existindo em um primeiro momento transferência de direitos, pois o Estado com a extinção da delegação retoma a titularidade dos serviços, nomeando substituto e, após, delegando os serviços a novo titular.

Entende-se, assim, que em havendo extinção do contrato de trabalho e havendo uma quebra da cadeia sucessória em decorrência do concurso público, não há que se falar em sucessão trabalhista e responsabilidade pelos débitos contraídos anteriormente a sua assunção da função, o que se estende aos empregados que não prestarem efetivo serviço ao novo titular.

Contrariamente, caso haja continuidade da prestação de serviços pelo trabalhador ao atual notário ou registrador, uma vez que continuam o objeto e as finalidades dos serviços e, ao optar pela continuidade da prestação laboral pelos prepostos, assume os ônus dos contratos empregatícios, aceitando-se a aplicação do instituto da sucessão trabalhista, sem que haja ofensa ao ordenamento jurídico, protegendo-se os interesses dos obreiros, qual seja o objetivo principal do direito trabalhista.

Igualmente, caso a dispensa do empregado pelo novo titular da serventia assim que assumir o respectivo serviço seja apta a caracterizar a sucessão trabalhista, com a consequente responsabilização do novo delegatário, tal situação propiciaria à inadimplência do antigo titular, ante a possibilidade de afastar-se da atividade, sem proceder ao pagamento de eventuais débitos trabalhistas, não restando qualquer ônus a si e tão-somente ao seu sucessor na serventia. Com isso, depreende-se que, caso não cumpra as obrigações trabalhistas que contraiu relativas aos prepostos que contratou não deve o antigo titular exonerar-se de tais débitos, ficando estes a cargo do novo titular que oportunamente, após aprovação em concurso público, assumirá a serventia. 

A sucessão trabalhista produz efeitos em relação ao antigo titular, bem como ao novo empregador. No ramo jurídico-empresarial, opera-se a imediata transferência dos contratos trabalhistas ao novo titular. Podem, no entanto, sucessor e sucedido estabelecerem cláusula de não-responsabilização do sucedido pelas verbas trabalhistas, o que, embora não tenha relevância em relação aos empregados, dadas as normas jurídicas imperativas que criam e regulam o instituto sucessório (DELGADO, 2012, p. 427), possibilitam a ação de regresso em face do sucedido, a fim de ressarcir os gastos com os contratos empregatícios anteriores à transferência.

No que tange aos serviços notariais e de registro, não sendo realizado contrato de trespasse ou qualquer operação societária, inexiste a previsibilidade dessa clausula de não responsabilização e, com a aplicação do instituto sucessório ao caso sem que haja responsabilidade solidária ou subsidiária, ficará o novo titular da serventia com a responsabilidade plena pelos débitos trabalhistas.

No caso dos cartórios, o fundamento para a responsabilidade solidária vai para além da garantia do contrato de trabalho, e sim impede a irresponsabilidade do antecessor pelos empregados que contratou, desvinculando-se quando da extinção da delegação, deixando os débitos a cargo do novo titular, aprovado em concurso público, o qual não teria qualquer opção, haja vista não haver contrato entre ambos, o que estimularia o inadimplemento das verbas trabalhistas.

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FERREIRA, Renata Hellwig. A alteração da titularidade dos cartórios extrajudiciais e a responsabilidade trabalhista:: sucessão, solidariedade ou subsidiariedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3887, 21 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26755. Acesso em: 25 abr. 2024.

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