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Seletividade penal na Lei de Drogas - Lei n. 11.343/2006

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25/03/2014 às 16:03
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TRAFICANTE 

O tráfico de drogas encontra-se previsto no artigo 33, caput, e é caracterizado pelas seguintes condutas: importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Trata-se da modalidade do tipo misto alternativo, de modo que a prática de mais de uma conduta não implica concurso de crimes, mas um único crime.

Nas mesmas penas incorre quem importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, u consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas, segundo o parágrafo primeiro do artigo 33.

A lei equipara ao tráfico, em seu artigo 34, as condutas que consistem em fabricar, adquirir, utilizar, transportar, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Ainda aquele que, conforme o artigo 37 da mesma lei, colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à pratica de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e §1º, e 34, da Lei 11.343/2.006, também tem sua conduta equiparada à do traficante.

Salienta-se ainda que as condutas previstas nos artigos 35 e 36 também sofrerão os mesmos rigores penais destinados às condutas descritas no artigo 33, caput, e parágrafo primeiro, no art. 34 e no art. 37, ou seja, no caso de associação de duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e §1º, e 34, bem como de associação para a prática reiterada do crime definido no art. 36, e nas hipóteses de financiamento ou custeio da prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e §1º, e 34 da Lei de Drogas, não será permitida a concessão de fiança, sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória e ainda será vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

É importante lembrar ainda que também há restrição ao livramento condicional, que só será concedido após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico, conforme artigo 44 da Lei 11.343/2.006.

Deste modo, fica fácil observar que o legislador concedeu ao usuário de drogas o direito de não ser submetido à pena de prisão e ao traficante, além do aumento das penas, proibiu a concessão de benefícios que não são restringidos nem mesmo pela Lei n. 8.072/1.990, a qual trata dos crimes hediondos, como por exemplo, a possibilidade de sursis e de penas restritivas de direitos.

O tráfico ilícito previsto no art. 33, é o tipo legal fundamental para os efeitos da ocorrência do crime de tráfico, já que os demais o pressupõem, direta ou indiretamente. Trata-se de uma lei penal em branco heterogênea, já que a norma primária, por ser incompleta, remete à complementação a um preceito de grau inferior, o qual é encontrado em uma portaria da ANVISA, já que a lei não informa quais são exatamente as drogas por ela proibidas. Cabe ao Ministério da Saúde, por consequência, publicar periodicamente listas atualizadas sobre as substancias e produtos considerados drogas.

O art. 1º, parágrafo único da referida Lei, restringe-se em dizer que “para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. Desta forma, o conceito de drogas é antes de tudo um conceito jurídico.

De acordo com Antônio Escohotado (2008, p. 1188), antes de surgirem leis repressivas, a definição de droga geralmente admitida era grega. Phármakon era, então, uma substância que compreendia remédio e veneno; não uma coisa ou outra, mas ambas. Como disse Paracelso, “só a dose faz de algo veneno”. Por isso, quem busca objetividade, tratará, escreve Escohotado, de não misturar ética, direito e química.

Embora, seja decisivo ter sempre presente que qualquer droga possui um potencial veneno e um potencial remédio, e o fato de ser nociva ou benéfica em cada caso depende exclusivamente de: a) as condições de acesso ao produto e as pautas culturais de uso; b) a dose; c) a ocasião em que se usa; d) o grau de pureza da substância.

Por ser constituída de um conceito técnico-jurídico, só é droga o que a lei declara como tal. Sendo assim, mesmo que a substância cause uma dependência física ou psíquica, se ela não se encontra no rol das substancia legalmente proibidas, ela não será tratada como se droga fosse, como exemplo disso, o álcool. E também, ainda que faça parte das elencadas como substâncias definidas juridicamente como droga, não haverá crime sempre que o agente dispuser de autorização legal ou regulamentar para tanto, como ocorre com os remédios.

Afinal, o tráfico ilícito e equiparados pressupõem, necessariamente que a ação seja praticada “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, já que este é o elemento normativo do tipo.

Neste crime, o elemento subjetivo é o dolo, ou seja, há a necessidade de vontade do agente para que possa ser configurada a conduta ilícita.

2.1 - Das condutas previstas no artigo 33 da Lei nº 11.343/06 

Após tais conceituações, torna-se relevante expor a configuração de cada uma das condutas previstas no artigo 33.

Começando com a conduta de importar, que se trata de inserir a droga no pais, nas mais diversas maneiras possíveis. Tal ação consuma-se com a efetiva entrada da droga. A tentativa em tese, é permitida quando por circunstâncias alheias se impede a entrada da droga do pais.

Exportar é tirar a droga do pais para que esta entre em outros países, nas mais diversas formas possíveis. Consuma-se com a efetiva saída da droga do país. É possível a tentativa quando a droga não sai por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Já remeter, é enviar a substância por terceiros ou também via entrega pela empresa de correios, sempre ocorrendo a ação dentro do país. A sua consumação se retrata com a efetiva remessa. Também neste caso admite-se a tentativa quando ocorrem situações alheias à vontade do agente.

Por sua vez, preparar, como já se entende pelo próprio nome, significa o ato de misturar a substância para se chegar à droga. Como diz Damásio de Jesus (2009, p. 34), consuma-se a ação quando “o sujeito compõe o objeto material”. Admite-se a tentativa no crime instantâneo e não no permanente, quando se evita a preparação por fatos que saem da esfera do agente.

Já se tratando da conduta produzir, o entendimento é diverso, pois nesta não há mistura de substâncias, mas parte-se do ponto zero para que a droga passe a existir. Como expõe Gilberto Thums e Vilmar Velho Pachecho Filho (2004, p. 23), “produzir seria um ato de invenção ou descoberta”. Ocorre a consumação com a efetiva criação da droga, e em tese, a preparação permite tentativa.

A fabricação se traduz na fabricação em massa, com o uso de maquinários ou instrumentos próprios para a produção industrial. Consuma-se apenas com a efetiva produção em massa da droga. Neste caso também é permitida a tentativa no caso de circunstâncias alheias à vontade do agente.

Já se referindo à aquisição, esta ocorre quando a pessoa, mediante troca ou compra com dinheiro ou outro produto ou serviço, tem acesso à posse da substância. É importante destacar aqui que abrange o ato gratuito, não necessitando neste caso da onerosidade da ação. Sua consumação se dá com o recebimento da droga e, com a interrupção do mesmo por fatos alheios ao adquirente há a tentativa.

Vindo em contrário à aquisição, está a conduta de vender. Nesta, o agente realiza a entrega da substância mediante remuneração em dinheiro ou com outros bens ou serviços. Também nesta conduta está inserida a troca. Com o recebimento da remuneração, dos bens ou dos serviços se tem configurada a consumação. Também neste caso se permite a tentativa no caso de circunstancias alheias à vontade do agente.

É importante salientar ainda que não se confunde a venda com a exposição expor à venda, pois nesta conduta basta à vontade do agente de mostrar a droga com o intuito de mercancia. Esta conduta consuma-se com o ato de exposição e somente em especulação cerebrina há a possibilidade de tentativa.

Tratando da conduta oferecer, para que esta seja configurada, basta o ato de sugestão, de oferta para a aquisição do produto, mesmo que tal ato tenha natureza gratuita, já que é com o mero oferecimento “inocente” que se inicia a teia de captação dos usuários e possíveis dependentes. Tal conduta se consuma com o oferecimento, e não há que se falar neste caso em tentativa, já que se a interrupção se dá antes do oferecimento, a conduta fica na alçada da cogitação ou de atos preparatórios, à exemplo do oferecimento feito por escrito.

A conduta fornecer drogas, insinua o ato de entrega constante e habitual à terceira pessoa de drogas. Esta conduta pode ser ou não onerosa, conforme disposto no artigo 33 da Lei 11.343/2.006, ao prever a possibilidade do fornecimento da droga ainda que gratuitamente.

De acordo com Gilberto Thums e Vilmar Velho Pacheco Filho (2004, p. 25), representa “a ação de quem abastece, como se fosse uma fonte, isto quer dizer, que tem como intuito à entrega reiterada, continuada”.

Vale observar que a determinada conduta, quando despida do seu caráter econômico, como disposto no artigo 33 da Lei 11.343/2.006, não se acomoda na noção conceitual de tráfico de drogas e, portanto, não recebe o tratamento de conduta equiparada aos dos crimes hediondos. Quem pratica a conduta gratuita não trafica, mas dá sem qualquer contraprestação. Quanto à tentativa, como o fornecimento demanda entrega habitual, esta não será admitida.

Referindo-se da conduta entregar à consumo, esta pode ser entendida como o ato de fazer chegar a droga ao consumidor, e deve ser interpretada de maneira que seja uma conduta esporádica, já que, se fosse habitual, o núcleo do tipo se deslocaria para o fornecimento, e não mais à entrega. Sua consumação se dá com a chegada da droga ao consumidor. A tentativa neste caso, é permitida quando a droga não chega por fatos alheios que não passa pelo controle do agente.

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Nesta hipótese se enquadram os casos nos quais familiares entregam drogas para o consumo de reeducando. Existem decisões que tratam de politica criminal, que desclassificam a conduta para o tipo do consumo.

Na lição de Vicente Greco Filho (2011, p. 58), a conduta ter em depósito, tem o conteúdo físico de detenção com “um sentido de provisoriedade e mobilidade do depósito”. Por ser um crime permanente, neste caso não é admitida a tentativa, já que ao consumir a droga, mesmo que de maneira provisória o crime se consuma. No caso da pessoa já ter a intenção de ter em depósito antes de tê-la, não há que se referir à tentativa, mas mera cogitação.

Guardar tem o mesmo significado de detenção, contudo, em um sentido mais genérico. Conforme Damásio de Jesus (2009, p. 29), esta conduta pode ou não ser permanente, e sendo uma ou outra, o efeito prático é o mesmo, sendo irrelevante se a intenção de detenção de forma é provisória ou permanente. O que é indispensável para a configuração deste tipo penal, é a detenção, o contato com a droga e por isso, não se admite a tentativa, já que não havendo o contato, não se trata do núcleo do tipo guardar.

Já transportar é a conduta de deslocar-se com a substância. Não poderá ser utilizado como “meio de transporte” o corpo, já que neste caso se configura outro tipo, o de trazer consigo. Por se tratar de crime permanente, sua consumação se dá com o efetivo deslocamento. A doutrina entende inadmissível a tentativa.

No núcleo do tipo trazer consigo a pessoa tem a droga em seu poder físico. Conforme ensinamento de Gilberto Thums e Vilmar Velho Pacheco Filho (2004, p. 27), normalmente o trazer consigo implica em se colocar a droga “junto ao corpo, nas vestes, na bolsa, na mala, colada ao próprio corpo com fitas adesivas, às vezes até nas entranhas do corpo (vagina, ânus)”. Não há que se falar em tentativa.

Na conduta prescrever há a configuração do núcleo do tipo quando alguém recomenda ou receita a droga. O crime se consuma com o recebimento da receita escrita ou oral, e é admitida a tentativa.

Ao passo que na conduta de ministrar, que indica um ato de aplicação, de fazer alguém tomar via oral ou por inoculação via injeção. Para Thums e Pacheco Filho (2004, p. 28), para que se configure tal crime, é necessário que exista especial condição. Consuma-se com a aplicação ou inoculação da droga. A tentativa neste caso é improvável.

2.2    Tráfico Privilegiado

O art. 33, §3º, prevê uma nova figura típica, sem correspondente na lei anterior – tráfico privilegiado, qual seja, “oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos consumirem”.

Para a caracterização deste tipo penal, o de crime de tráfico privilegiado, são exigidos dois elementos subjetivos do tipo. O primeiro deles, é denominado de elemento subjetivo do positivo, e consiste no “para juntos consumirem”. O segundo, é o chamado de elemento subjetivo negativo, “sem objetivo de lucro”, logo, a intenção do agente é o consumo de drogas, e não a sua mercancia.

Ainda para sua caracterização, é importante observar que o oferecimento deve dar-se “eventualmente”, posto que a habitualidade caracteriza crime de tráfico.

A conduta típica “oferecer” indica que o crime é formal, consumando-se independentemente da ocorrência do resultado naturalístico, que seria a aceitação e consumo conjunto da droga.

Contudo, caso o agente, para oferecer a droga à pessoa de seu relacionamento, para juntos consumirem e inexistindo o objetivo de lucro, antes a tiver trazido consigo, para consumo pessoal, estaremos diante de concurso material de crimes, aplicando-se a pena cumulativamente.

Por tratar-se de crime de menor potencial ofensivo, tal conduta sujeita-se ao procedimento da Lei n. 9.099/95.

Causas de diminuição de pena

Quanto às causas de diminuição de pena, prevista no §4º do art. 33 da nova lei, preleciona Andreucci (2009, p. 124):

Para que o agente obtenha a redução de pena, deve satisfazer os seguintes requisitos:

a)             Ser primário;

b)             Possuir bons antecedentes;

c)              Não se dedicar às atividades criminosas;

d)             Não integrar organização criminosa.

É importante observar que as cláusulas negativas destacadas nas letras “c” e “d”, objetivam o favorecimento do agente. Caberá ao Ministério Público provar as referidas cláusulas, já que, com a ausência desta prova, a aplicação da diminuição será inafastável, porque satisfeitos os demais requisitos legais. Essa inafastabilidade, trata-se de novatio legis in mellius, de aplicação imediata aos processos em andamento e, ainda, de retroatividade obrigatória.

Desta forma, ensina o referido doutrinador (2009, p. 127):

Ressalta-se, entretanto, que a causa de diminuição não poderá incidir, nos processos em curso ou já julgados, sobre a pena de 03 a 15 anos fixada pelo art. 12 da Lei n. 6.368/76, mas sim sobre o novo montante de 05 a 15 anos. Assim, se o agente, no processo em curso, foi denunciado pela prática do art. 12 da Lei n. 6.368/76, não pode pretender a aplicação da causa de diminuição sobre a pena mínima de 03 anos, se satisfeitos os requisitos do §4º do art. 33. Nesse caso, se o juiz aplicar a nova causa de diminuição, deverá calculá-la tendo como base a pena mínima de 05 anos.

2.4    Classificação dos crimes           

Conforme todo exposto acima, pode-se concluir que os crimes de tráfico e afins consumam-se com a realização de quaisquer das ações típicas (adquirir, receber, ocultar, etc.). Nos casos em que o tipo prevê vários verbos, se num mesmo contexto o agente praticar várias ações, haverá delito único (guardou, adquiriu, etc.), por se tratar de crime de múltipla ação ou de conteúdo variado.

Como é a maioria dos tipos penais da Lei, nos crimes de múltipla ação, a tentativa é tecnicamente possível. Haverá tentativa sempre que o agente, tendo iniciado o cometimento de uma ação típica determinada (remeter, transportar, importar, etc.) não lograr consumá-la por circunstâncias alheias à sua vontade.

De acordo com Alexandre Bizzotto, Andrea de Brito Rodrigues e Paulo Queiroz (2010, p. 83), o único crime que não admite tentativa é prescrição culposa de droga (art. 38), visto que os crimes culposos são incompatíveis com a tentativa, instituto que diz respeito aos delitos dolosos, exclusivamente.

Quanto ao fato de o tráfico ser classificável como crime de mera conduta – ou formal, conforme alguns autores -, isso não constitui obstáculo à admissão da tentativa, pois como assinala Juarez Tavares (2009, p. 28):

[...] nos delitos chamados de mera atividade, é admissível a tentativa, que se produz no momento em que o agente dá inicio à ação, mas ainda não consegue conduzi-la de conformidade com a descrição típica. Por exemplo, no crime de violação de domicilio (art. 150), haverá tentativa quando o agente tenha já colocado um pé dentro da residência alheia, mas ainda sem haver transpostos integralmente a soleira de sua porta.

Por ser crime de perigo abstrato ou de mera conduta, tradicionalmente não tem sido admitida a utilização do principio da insignificância para as condutas hoje descritas no artigo 33 da Lei 11.343/2.006, haja vista não importar a quantidade de drogas para a provocação do perigo abstrato.

Em resumo, a consumação se dá com a prática de qualquer das condutas previstas da figura típica, independentemente de qualquer outro resultado. É importante salientar que, dentre os dezoito núcleos integrantes do art. 33, há aqueles que constituem crimes instantâneos (adquirir, vender, fornecer, etc..) e outras que constituem crimes permanentes (guardar, expor à venda, ter em depósito, etc..). É importante identificar de que tipo de crime se trata, já que a tentativa só será permitida no caso dos crimes instantâneos, e não nos permanentes.

Contudo, existe entendimento contrário à este, no sentido da inadmissibilidade da tentativa no crime de tráfico, independente de ser crime instantâneo ou permanente. Tal entendimento se explica em razão da multiplicidade de condutas incriminadoras (RT, 777/724 e 613/288).

Nesse sentido, o TJSC – JC, 61/279:

A jurisprudência e a doutrina predominantes não admitem a tentativa de tráfico de entorpecente. Evidenciado o começo de execução já se tem o crime por consumado. Isto porque o delito em questão constitui-se de ações múltiplas, bastando, para sua configuração, que a conduta do agente seja subsumida numa das ações expressas pelos verbos empregados no art. 13 da Lei n. 6.368/76, o que afasta a tentativa. Ademais, neste tipo de crime, o bem jurídico tutelado é a saúde pública, cujo objetivo da lei é evitar o dano para a saúde, que o uso das drogas causa, sendo prescindível, a ocorrência efetiva de dano, para a configuração do delito, o que afasta a admissibilidade do ‘conatus’.

O tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins é um crime equiparado a hediondo, conforme art. 2º da Lei n. 8.072/90. Crime equiparado a hediondo, hediondo é.

A Lei 11.343/06 não diz expressamente o que se pode entender por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Apesar de não usar nomen juris para a designação dos delitos de que se ocupa, considera-se como tráfico ilícito de droga, em sentido amplo, os crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34, 35, 36 e 37, os quais são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direito (art. 44).

Pode-se chegar à essa conclusão, após a leitura do Titulo IV (da repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas) e Capitulo II (dos crimes) e art. 44 da referida lei.

Nem tudo que é previsto nestes artigos é rigorosamente considerado tráfico de droga, o fato é que o que a lei equipara a tráfico, tráfico é, o que não quer dizer que essa equiparação seja conforme a Constituição Federal.

A legislação só não equiparou a hediondo os crimes dos arts. 28, e §1º (posse para cosumo), 33, §§2º e 3º (auxílio ao uso e uso compartilhado), 38 (prescrição culposa de droga) e 39 (conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de droga). Portanto, em regra ocorre a equiparação à hediondo; a não-equiparação é a exceção.

De acordo com Alexandre Bizzotto, Andrea de Brito Rodrigues e Paulo Queiroz (2010, p. 55):

[...] nem tudo que a lei equiparou ao tráfico, tráfico de droga é, logo, não era passível de equiparação a hediondo, sob pena de violação à Constituição Federal. Com efeito, parte dessa equiparação contravém a Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLIII, o qual dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Tal inciso fala especificamente de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, razão pela qual a Carta Magna deve ser interpretada restritivamente, de modo a afastar o pretendido caráter hediondo de todos os delitos que não sejam subsumíveis neste conceito estrito.

O tratamento que a lei dá para alguns casos, também é abusivo ao equipará-los, ao tráfico atos meramente preparatórios para o tráfico, violando o principio da proporcionalidade (proibição de excesso).

Por ser uma de suas possíveis formas, apesar de constituir um tipo penal autônomo, a única equiparação a crime hediondo compatível com a Constituição Federal, é o financiamento para o tráfico (art. 36).

Seja como for, nos crimes hediondos ou equiparados a hediondos, o livramento condicional é possível desde que o agente tenha cumprido mais de 2/3 da pena e não seja reincidente específico, isto é, reincidente em tráfico de droga ou outro crime hediondo à ele equiparado.

Com exceção da conduta prevista no art. 38 (prescrição culposa de droga), todos os crimes previstos na lei só são puníveis à titulo de dolo, isto é, quando o agente quer o resultado (dolo direto) ou assume o risco de produzi-lo (dolo eventual), à exemplo deste (dolo eventual) do sujeito que recebe, em condições suspeitas, expressiva quantia em pagamento para trazer uma mala para o Brasil cujo conteúdo não confere ou ignora, mas tendo fundada razão para saber que se trata de droga ilícita.

Para a configuração do dolo, é irrelevante que se objetive o lucro, bastando apenas que o agente pratique, voluntária e conscientemente, uma das ações típicas.

O elemento subjetivo é a vontade livremente dirigida a quaisquer das ações previstas no respectivo tipo. Conforme os ensinamentos de Nelson Hungria (1959, p. 155), sabendo o autor que se trata de droga e que procede sem autorização de quem de direito ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Havendo erro de tipo, não haverá dolo, pois faltarão seus elementos constitutivos: consciência e vontade de realizar os elementos do tipo. Sendo assim, a ação será atípica.

O tráfico é considerado tipo penal fundamental, já que todos os demais o pressupõem, direta ou indiretamente. Por este motivo, a configuração de alguns dos crimes previstos na lei pressupõe, a existência de crime anterior de tráfico, razão pela qual, se não restar caraterizado ou provado o delito principal, tampouco se poderá cogitar do crime acessório. Um exemplo disso é o financiamento para o tráfico, o qual requer prévia existência de tráfico e prova nesse sentido.

Nesse sentido, de acordo com o principio da subsidiariedade, em se consumando o tipo principal, haverá, como regra, crime único, e não concurso de crimes, exceto quando se tratar de ações claramente autônomas e distintas praticadas em contextos diversos.

Em regra, o crime de tráfico é considerado crime de perigo (abstrato) porque a lei presume, juris et de jure, que a produção, o comércio e o uso são nocivos à saúde, independentemente de prova em sentido contrário. Por se tratar de crime de perigo abstrato, é irrelevante que determinada droga ilícita seja incapaz de produzir, concretamente, danos à saúde do usuário ou de causar dependência, bastando o simples fato de figurar no rol das substâncias proibidas.

Nem mesmo prova no sentido contrário, de que a droga cause benefícios à saúde ou à vida de determinadas classe de usuários pode servir de pretexto à impunidade. Em resumo, a lei presume a lesividade da droga, independentemente de sê-lo concretamente.

Porém, existe uma exceção, a qual está prevista no art. 39 (conduzir embarcação ou aeronave sob o efeito de droga), por ser crime de perigo concreto, mesmo porque o bem jurídico protegido neste caso não é a saúde do agente, mas sim a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo e a incolumidade física das pessoas.

Sendo assim, são crimes de mera conduta, já que a lei não exige nenhum resultado naturalístico para a sua consumação, bastando o cometimento de uma das ações típicas descritas.

2.5    Das penas 

Diferentemente da lei anterior (Lei n. 6.368/76), a atual Lei n. 11.343/2.006, proíbe, expressa e terminantemente, quanto ao crime de tráfico e equiparados, a substituição da pena de prisão por pena restritiva de direito, além de considera-los inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, etc.

Sídio Rosa de Mesquita Júnior (2007, p. 78), entende, no entanto, que a lei não proíbe a substituição, mas a conversão, a cargo do juiz da execução:

[...] a Lei n. 11.343/2.006 não proíbe a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Por isso, ela só se volta ao juiz da Execução, não atingindo o Juiz criminal. Este, no momento da sentença, não encontrará obstáculo legal ao impor a norma de conteúdo material, isso em face do aspecto garantista da norma criminal.

Parece evidente, porém, que o legislador utilizou a expressão conversão no sentido de substituição.

Em se tratando do crime previsto no art. 33 (crime de tráfico), a vedação seria desnecessária, em virtude da severidade da pena mínima cominada, não fosse a possibilidade de aplicação de pena inferior a cinco aos de reclusão, conforme dispõe o §4º. Quanto aos crimes previstos nos arts. 34 e 37, equiparados ao tráfico, cuja pena mínima é de, respectivamente, três e dois anos de reclusão, não haveria em principio obstáculo à substituição, se a pena aplicada não exceder a quatro anos. (CP, art. 44, I).

No que diz respeito ao crime de tráfico de drogas (art. 33), a nova lei atribui tratamento mais rigoroso ao traficante, ocorrendo uma novatio in pejus, de maneira que a lei incide apenas em situações a partir de sua vigência.

Dá-se destaque para algumas figuras quanto ao rigor das novas penas, dentre elas:

Traficante – para ele, a pena é de reclusão de 5 a 15 anos, e a multa varia de 500 a 1.500 dias-multa. Todo aquele que trabalha fabricando ou transportando maquinários e aparatos para o tráfico, tem a pena de reclusão um pouco inferior, de 3 a 10 anos, mas a multa é mais gravosa, poia varia de 1.200 a 2.000 dias-multa.O legislador visa desestimular o aparelhamento do traficante sob o ponto de vista econômico. Outra conduta tipificada como tráfico, é a daquele que colabora com o traficante, cuja pena é um pouco inferior. Será de reclusão de 2 a 6 anos e, a multa um pouco reduzida, de 300 a 700 dias-multa.

 Incentivador – aquele que simplesmente oferece drogas, sem o intuito de lucro, para consumir com terceiro e que, na verdade, não é um traficante. A pena é de 6 meses a 1 ano e o pagamento de 700 a 1.500 dias-multa, tendo todos os benefícios da lei, já que não há qualquer conduta que configure tráfico na hipótese em questão.

Financiador – é a mais preocupante figura do tráfico em geral. É aquele tem que tem extraordinário poder econômico e custeia a logística do tráfico, chamando de grande traficante ou chefe do narcotráfico. Aqui a pena mínima é de 8 anos de reclusão, podendo chegar a 20 anos, e a multa varia de 1.500 a 4.000 dias-multa. O número de dias-multa poderá ser multiplicado por cinco, iniciando em um trinta avos do maior salário mínimo (art. 43, caput).

O artigo 12 da antiga lei de drogas (Lei n. 6.368/76) previa somente penas de reclusão de 3 a 15 anos e de multa de 50 a 360 dias-multa. A nova Lei 11.343/2.006, em seu artigo 33, impõe penas de 5 a 15 anos de reclusão e de multa de 500 a 1.500 dias-multa. É importante observar que a pena de multa pode ser aumentada em caso de concurso de crimes até o décuplo, o que significa um aumento substancial.

A lei em vigência foi extremamente severa com o agente que financiar ou custear a prática do crime de tráfico, de modo que pode ter sua pena de multa majorada até o décuplo.

Ela ainda foi mais rígida quando o tráfico envolver dois ou mais países. Entre Estados e Federações ou entre estes e o Distrito Federal; quando envolver ou visar atingir criança ou adolescente; quando o traficante prevalecer-se para tal, da função pública; quando no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância; quando a infração for praticada nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sede de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, beneficentes, de locais de trabalho coletivo e outros. Nessas hipóteses, a pena será aumentada de um sexto a dois terços.

Já em se tratando da discussão em relação à possibilidade ou não da substituição da pena de prisão aplicada em caso de condenação por crime de tráfico por pena restritiva de direitos está prejudicada, eis que, não bastasse a impossibilidade em face da quantidade de pena prevista, a nova lei literalmente proíbe a substituição.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOY, Gabriella Talmelli. Seletividade penal na Lei de Drogas - Lei n. 11.343/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3919, 25 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27071. Acesso em: 26 abr. 2024.

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