INTRODUÇÃO
Com o advento da Lei n. 11.343/2.006 – Nova Lei de Drogas – surgiu uma grande discussão quanto à tipificação do agente ser usuário ou traficante. Essa discussão se deu por conta do §2º do artigo 28 da referida lei, que elenca os critérios que deverão ser utilizados pelo magistrado para tipificar a conduta praticada pelo sujeito.
A doutrina e a jurisprudência têm se posicionado para suprir o erro cometido pela lei, quando esta elencou critérios subjetivos para tal caracterização, de modo que deu margem para que ocorresse uma seletividade por conta tanto do policial na abordagem do agente, quanto pelo magistrado ao decidir o caso.
Um dos principais critérios elencados que causaram essa repercussão é a falta de quantificação da substância apreendida, acompanhado pela análise das circunstancias sociais e pessoais do agente. Estes critérios foram considerados pela doutrina como sendo subjetivos, dando possibilidade para a aplicação da seletividade.
A presente monografia busca demonstrar como essa seletividade ocorre, conceituando todas as circunstâncias expostas pela lei e o momento em que ela é propensa a acontecer.
No primeiro capítulo foi feito um breve estudo a respeito do crime de uso, tipificado no artigo 28 da Lei n. 11.343/2.006, diferenciando a conduta prevista na lei atual com a lei revogada (6.368/76). Foi demonstrado que as condutas elencadas na lei anterior, eram apenas três, enquanto que na lei vigente são cinco. Outra diferença entre estas leis é que a pena para o agente que for condenado pelo crime de uso, não poderá mais ser privativa de liberdade, senão apenas restritiva de direitos, havendo assim uma novatio legis in mellius.
No segundo capítulo, o qual trata do crime de tráfico de drogas, foi feito um estudo conceituando cada conduta prevista no artigo 33, as causas de diminuição de pena e a classificação do crime.
Já no terceiro capítulo, foi demonstrado quais são os parâmetros - previstos no parágrafo 2º do artigo 28 - que o juiz deve considerar para diferenciar o usuário do traficante.
No quarto capítulo foi feito um estudo sobre a teoria do labbeling approach ou “etiquetamento” e como ela é aplicada quando se trata dos crimes de drogas.
O quinto e último capitulo buscou demonstrar o quão seletivo é o direito penal brasileiro quanto aos parâmetros são só utilizados pelo magistrado, como também no momento da abordagem policial.
I. USUÁRIO
A legislação de drogas era composta das Leis 6.368?76 e 10.409?2.002. A intenção desta última era substituir a lei anterior, mas por conta de seu projeto possuir incontáveis vícios de inconstitucionalidade e deficiências técnicas, sua parte penal foi completamente vetada, tendo sido aprovada apenas a sua parte processual. Dessa forma, a parte penal continuava sendo a de 1.976 e a parte processual de 2.006.
Para acabar com essa situação, foi criada a Nova Lei de Drogas – 11.343?2.006, a qual está em vigor e que por meio de seu artigo 75 revogou expressamente ambos os diplomas legais, dando tratamento diferenciado ao usuário em relação ao que era dado pelas leis anteriores.
A lei 6.368/76 previa no seu art. 16, pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa para quem portava droga para uso próprio. Já a lei 11.343-2.006 em seu art. 28, I, II e III, passou a prever pena de: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviço à comunidade, medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
O uso de drogas está disciplinado no artigo 28, da Lei 11.343/2.006, que considera usuário aquele que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Refletindo o espírito da lei com relação ao usuário:
O intuito da Lei foi o de evitar, a qualquer custo, a aplicação de pena privativa de liberdade ao usuário de drogas. Partindo-se da premissa de que a reclusão do usuário ou dependente não teria qualquer benefício seja à saúde individual, seja à saúde pública, o legislador determinou a aplicação de outras penas não privativas de liberdade, as quais chamou, eufemisticamente, de “medidas educativas”. Analisando a nova Lei, verifica-se que em nenhuma hipótese poderá ser aplicada pena privativa de liberdade ao usuário. (MENDONÇA; CARVALHO, 2008, p. 46)
O art. 16, caput da Lei 6.368-76 determinava somente três condutas para o usuário de drogas: adquirir, guardar e trazer. Já a atual lei (11.343-2.006), criou duas novas figuras típicas, prevendo assim, cinco condutas: adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo. Aumentando assim o rol de condutas previstas para se configurar o crime para o usuário de drogas. Mendonça e Carvalho, salientam ainda que:
Se para a caracterização do tipo previsto no art. 28 é necessário que a droga destine-se a consumo pessoal, aquele que retém em nome e para uso de terceiro não se enquadrará no tipo do art. 28, mas no art. 33. Da mesma forma, se alguém comprar a droga para consumo pessoal de terceiro, responderá neste mesmo art. 33 e não como partícipe do crime do art. 28. (2008, p. 49)
Com isso, observa-se que a vigente lei foi bem específica quanto à pessoa que irá consumir tal droga, aplicando-se o art. 28 apenas àqueles que adquirirem, guardarem, tiverem em depósito, transportarem ou trouxerem consigo a droga para consumo próprio.
A referida lei presente tipificou ainda, o mesmo tratamento penal que o usuário, conforme o §1º do referido artigo, àquele que para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
Com relação ao consumo de drogas, previsto no artigo 28, a maior polêmica advinda da doutrina, sem dúvida, trata-se da descriminalização ou não desta conduta, haja vista que dentre as sanções previstas na lei atual para serem aplicadas ao usuário de drogas não há previsão de imposição de pena privativa de liberdade, contrariando assim a definição legal de crime prevista no artigo 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal.
Na lei anterior, o crime era tratado como sendo de menor potencial ofensivo, e o agente era punido com a pena de detenção de 6 meses a 2 anos (admissível o sursis, a progressão de regime e a substituição da pena restritiva de direitos, se presentes as condições gerais do Código Penal) e a multa, de 20 a 50 dias-multa, calculados na forma do revogado art. 38 da Lei 6.368?76. Por ser tratado como crime de menor potencial ofensivo, sujeitava-se ao procedimento da Lei 9.099?95, incidindo igualmente seus institutos despenalizadores, desde que preenchidos os requisitos legais.
No entanto, a Lei n. 11.343?06 trouxe notáveis modificações quanto a este aspecto, sendo que para as condutas previstas no §1º do artigo 28, passou a prever as penas de: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Observando estas novas penas, há de se observar que a nova lei retirou qualquer possibilidade de imposição de pena privativa de liberdade para aquele que adquire, guarda, traz consigo, transporta ou tem em depósito, de droga para consumo pessoal ou para aquele que pratica a conduta equiparada (§1º).
As condutas trazidas no artigo 28, admitem apenas a forma dolosa, ou seja, o agente deve saber e querer ter a posse de droga, não se admitindo assim a forma culposa do delito. Sendo assim, o agente que tiver a posse da droga sem saber do que se trata, encontra-se em erro de tipo. Por outro lado, se o agente sabe que está portando a droga, mas acredita que ela não é proibida, estaremos diante de erro de proibição.
O tipo necessita ainda, de outro elemento subjetivo, sendo este, de extrema importância e elemento diferenciador. Somente quem tem o objetivo de consumir a droga sem autorização ou em desacordo com determinação legal é que pode ser sujeito ativo desta conduta, ou seja, a intenção especial do agente em possuir a droga para consumo pessoal. Assim, se o sujeito tem a posse da droga para destiná-las a terceiro, a tipificação será conduta prevista no artigo 33, não incidindo mais o artigo 28. Este é o chamado dolo específico, que para alguns doutrinadores o tipo requer tal tipo doloso.
Em relação à conduta, temos como sujeito ativo qualquer pessoa. Tratando-se do sujeito passivo, temos a coletividade.
Como elemento normativo, observa-se a expressão “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, cabendo ao julgador verificar a ocorrência ou não de tal elemento.
O uso de drogas é considerado um delito de mera conduta, ou seja, basta cometer a conduta para configurar e consumir o delito. Sendo assim, não é necessária a prova de nenhum perigo concreto. O objeto material da infração é a droga, portanto, se esta não for apreendida, será impossível a comprovação da materialidade do delito.
Tratando-se da tentativa do crime, na conduta adquirir, é possível que alguém seja surpreendido tentando adquirir a droga. Neste caso, se ocorrer o crime na sua forma tentada, a aplicação da redução da pena com o redutor de 1/3 e 2/3 previsto no §único do art. 14 do CP, por não existir mais pena privativa de liberdade, se realizaria da seguinte forma: quanto à prestação de serviços à comunidade e imposição de medida educativa, é possível realizar a dosagem da pena dentro dos prazos estabelecidos em lei (5 meses se primário; 10 meses se reincidente). Já em relação à advertência, isso não é possível ocorrer, e esta deverá ser aplicada sem qualquer diminuição. Tais penas poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor.
Imagine que o agente descumpra a imposição de uma das penas, a exemplo de não comparecer para ser advertido, não prestar serviço que fora designado a prestação, o que fará o juiz? O magistrado poderá submetê-lo sucessivamente, a admoestação verbal e em sequência à multa. Essa multa nunca poderá ser imposta com quantidade inferior à 40 (quarenta) nem superior a 100 (cem) dias-multa, atribuindo sucessivamente, respeitando a capacidade econômica de cada agente, o valor de trinta avos até três vezes o valor do maior salário mínimo. É importante demonstrar que tais valores são revertidos e creditados à conta do Fundo Nacional Antidrogas.
Com a unificação das matérias tratadas nas Leis n. 6.368/76, e n. 10.409/2.002 – que foram expressamente revogadas - feita por meio do advento da Lei 11.343/2.006, legitimou-se, também, no ordenamento jurídico brasileiro a política criminal da justiça terapêutica em relação ao tratamento concedido ao usuário e dependente de drogas, constituindo-se em uma das principais inovações da nova legislação.
Em razão disso, quanto ao usuário, ocorreu uma novatio legis in mellius, recebendo um tratamento diferenciado, tendo em vista que a nova lei revelou-se muito mais benéfica à anterior. Sendo assim, tal lei vem revestida do caráter retroativo pleno, abrangendo desde o condenado até aquele que está sendo investigado em inquérito policial.
1.1 Posse de droga para consumo pessoal: descriminalização ou despenalização?
Em decorrência da redação o artigo 28 e das novas sanções previstas, gerou-se uma grande polêmica: Teria a Lei n. 11.343?2.006 descriminalizado ou despenalizado a posse de drogas para consumo pessoal?
Discute-se este assunto, pois a lei só previu penas restritivas de direito (advertência, prestação de serviço à comunidade e medida educativa), sem a possibilidade de aplicação de pena privativa de liberdade.
É importante distinguir o termo “descriminalizar” e “despenalizar”. Trata-se de descriminalização quando ocorre uma abolição à criminalização, tornando a ação jurídico-penalmente irrelevante. Já a despenalização, é a substituição (legislativa ou judicial) da pena de prisão por penas de outra natureza (restritiva de direito, etc.). Sendo assim, se com a descriminalização o fato deixa de ser infração penal (crime ou contravenção), com a despenalização a conduta permanece criminosa.
Nucci critica o novo tratamento conferido ao usuário, pela “brandura da punição com resultado imponderável”. Para o autor, o usuário de drogas assemelha-se ao “doente mental”. Seguindo essa linha de raciocínio, assevera: “parece que, temendo a reação social à eventual descriminalização da conduta do consumidor de drogas, o legislador preferiu eliminar a pena privativa de liberdade, optando por outras formas de sanção extremamente brandas”. E conclui:
[...] A falta de efetiva punição ao usuário de drogas (não estamos falando do dependente, que é viciado, logo, doente mental) pode levar, se houver rejeição à idéia lançada pelo legislador, os operadores do Direito, com beneplácito da sociedade, ao maior enquadramento dos usuários como traficantes. Essa medida pode desvirtuar as finalidades do novo art. 28 desta Lei, prejudicando, enormemente, o âmbito da punição justa em matéria de crime envolvendo o uso de drogas ilícitas. (2006, p. 756).
Na visão de Carlos Bacila e Paulo Rangel (2007, p. 43):
[...] assim como ninguém conceberia punir criminalmente um dependente de álcool, parece errôneo tipificar a conduta do dependente de drogas ou daqueles que as usam eventualmente. Contudo, não se pode também deixar de compreender que o usuário de droga sustenta o tráfico, gera problemas para a família, para a sociedade e, de certo modo, por uma questão humanitária, não se pode esquecer que a autolesão que pratica afeta a todos de um jeito ou de outro.
Seguindo essa linha, os autores acima referidos defendem que a melhor maneira de lidar com tal questão é ver o usuário como um dependente químico - e não como um criminoso que deve ser punido a qualquer custo - tratando-o com responsabilidade.
Nesse sentido Luiz Flávio Gomes (2004, p. 118 e 119) profere:
[...] Se as penas cominadas para a posse de droga para consumo pessoal são exclusivamente alternativas, não há que se falar em “crime” ou em “contravenção penal”, consequentemente, o art. 28 contempla uma infração sui generis (uma terceira categoria, que não se confunde nem com o crime nem com a contravenção penal).
Já Fernando Capez (2012, p.67), entende que:
[...] não houve a descriminalização da conduta. O fato continua a ter natureza de crime, na medida em que a própria Lei o inseriu no capitulo relativo aos crimes e as penas (Capítulo III); além do que as sanções só podem ser aplicadas por juiz criminal e não por autoridade administrativa, e mediante o devido processo legal (no caso, o procedimento criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa determinação legal do art. 48, §1º, da nova Lei). A Lei de Introdução ao Código Penal está ultrapassada nesse aspecto e não pode ditar os parâmetros para a nova tipificação legal do século XXI.
Convém ainda salientar que o fato não perdeu seu caráter ilícito, pois a posse de drogas não foi legalizada. Constitui sim um fato ilícito, porém, de natureza sui gerenis.
Mas, o Supremo Tribunal Federal decidiu que “o que houve foi uma despenalização, cujo traço marcante foi o rompimento – antes existente apenas com relação às pessoas jurídicas e, ainda assim, por uma impossibilidade material de execução (CF/88, art. 225, §3º); Lei 9.605/98, arts. 3º; 21/24) – da tradição da imposição de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva de toda infração penal”.
Realmente, o que ocorreu foi uma mera despenalização, já que o conceito de infração penal é essencialmente formal: crime é o que a lei declara como tal, independentemente da espécie de pena que lhe é cominada. O que realmente interessa para a definição legal do crime não é a espécie cominada, mas sim os seus pressupostos legais formais.
É importante ainda ressaltar que o rol das penas constitucionais é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo assim o legislador pode a qualquer momento, criar outros tipos de penas, desde que respeite a dignidade da pessoa humana e o principio da humanidade das penas.
Visa-se ainda que como o art. 28 não cominou pena privativa de liberdade, não implicou o abolitio criminis, mas simples despenalização, ou seja, manteve-se a criminalização, porém com a vedação da pena privativa de liberdade.
É importante frisar as três penas que são aplicadas de acordo com a lei vigente, e são elas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas
II – prestação de serviços à comunidade: será aplicada pelo prazo de 05 meses, se primário, 10 meses se reincidente (cf. §§3º e 4º, do art. 28). Será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas (cf. §5º). Não se aplica aqui a regra do art. 46 do CP.
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo: será aplicada no prazo de 05 meses, se primário; 10 meses, se reincidente.
Quando a lei menciona a reincidência, estaria ela se referindo ao reincidente específico?
Alguns respeitáveis doutrinadores, como Luiz Flávio Gomes, a lei estaria somente se referindo ao reincidente específico do artigo 28 da Lei n. 11.343?2.006. Já para Fernando Capez, a lei não estabeleceu essa exigência, mencionando apenas genericamente a palavra reincidente. Diz ainda, que qualquer forma de reincidência torna incidente o §4º do art. 28, do contrário, a lei estaria punindo com mais rigor o reincidente em detenção de droga para fins de uso, do que o infrator que tivesse condenação anterior por crimes mais graves, violando assim o princípio constitucional da proporcionalidade.
1.2 Identificação do usuário
Com relação à identificação do usuário, cabe a análise da redação do §2º, do mesmo artigo 28, ao juiz para verificar se a droga destinava-se a consumo pessoal ou não. Ou seja, para o magistrado saber qual o destino que alguém que está transportando a droga quer dar a ela, deve analisar o artigo em questão. Para tanto, deverá analisar a natureza e a quantidade da substância apreendida, o local e as condições em que se desenvolveu a ação, as circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e os antecedentes do agente. Todos os elementos deverão ser analisados conjuntamente, não bastando apenas a existência de um elemento na determinação.
Destaca-se as circunstâncias sociais e pessoais e o local, no trecho acima, para que desde já chame-se atenção quanto à seletividade desta normal penal.
Por mais que a lei diga que quem deverá identificar o usuário é o juiz, sabemos que na prática, a identificação é feita por meio da polícia no momento em que os policiais efetuam a prisão (ou encaminham à Delegacia, no caso de considerarem ser uso de drogas, haja vista que não se impõe flagrante ao usuário) e é o Delegado de Polícia que conduz o inquérito policial (ou é o responsável pelo Termo Circunstanciado, no caso de entender que a hipótese é de consumo e não de tráfico). Sendo assim, a diferenciação começa já na abordagem do sujeito encontrado com a droga e não apenas no momento em que o juiz vai julgar a ação.
1.3 Conduta equiparada – Plantio para consumo pessoal (art. 28, §1º)
Com a vigência da Lei n. 11.343?2.006, houve uma grande inovação legal em relação as condutas previstas no artigo 28. Passou-se a incriminar a conduta de semear, cultivar ou colher, para consumo pessoal, plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
Antes da vigência desta nova lei, quando ainda vigorava a Lei n. 6.368/76, a conduta prevista em seu artigo 12,§1º era a de semear, cultivar ou fazer a colheita de planta destinada à preparação de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica. Porém, essa conduta constituía crime equiparado ao tráfico, de maneira que se discutia se a conduta de semear, cultivar ou fazer a colheita para uso próprio configurava o crime do art. 12, §1º ou o revogado art. 16 (porte de drogas para uso próprio).
Existiam três fortes correntes que transcreviam à respeito do tema abordado. A primeira dizia que o fato era atípico. Para a segunda posição, o fato enquadrava-se no artigo 12, §1º, II. Já para a terceira e dominante corrente, o fato configurava o delito previsto no art. 16, com a justificativa a incidência da analogia in bona partem, ou seja, como não existia uma conduta especifica para o plantio para uso próprio, por analogia, equiparava-se às condutas previstas no artigo 16 (trazer consigo, guardar e adquirir para uso próprio) para que não configurasse um mal maior ao agente, que se enquadrado analogicamente ao crime de tráfico, seria prejudicado.
Porém, para evitar maiores discussões, este problema foi resolvido com o advento da Lei n. 11.343/2.006, que passou a configurar crime previsto no artigo 28, §1º de maneira expressa, o plantio para fins de uso próprio.
É importante destacar que, é um fator de fundamental relevância para que o tipo do artigo 28, §1º da Lei 11.343/2.006 afaste a aplicação do crime do artigo 33, §1º, II da mesma lei é a caracterização da pequena quantidade de drogas. Salienta-se ainda que para cada tipo de droga é fixado um critério diferente para se afirmar o que se considera pequena quantidade.
1.4 Procedimento
Por se tratar de infração de menor potencial ofensivo, o art. 28 da Lei n. 11.343/2.006 está sujeito ao procedimento da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95), por expressa previsão legal, salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 da referida lei.
Incidirá no caso, a regra disposta no art. 60 da Lei n. 9.099/95, com redação determinada pela Lei n. 11.343/2.006:
O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único: Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição de danos civis.
É importante ressaltar que o disposto no art. 33, §2º (cessão ocasional e gratuita de drogas) configura infração de menor potencial ofensivo, e portanto o concurso dessa modalidade com o art. 28 não afastará a competência dos Juizados Especiais Criminais, o que vai contra o que se entende à redação do dispositivo do art. 48, o qual no que diz respeito ao artigo 33, refere-se apenas quanto ao caput e §1º.
1.5 Prisão em flagrante
No que diz respeito à prisão em flagrante e o art. 28 da lei em questão, é importante destacar que não se aplicará em nenhum caso a prisão em flagrante, devendo o autor do faro ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e pericias necessárias.
A prisão em flagrante será apenas possível quando o autor se recusar a assumir o compromisso de comparecer em juízo, conforme está disciplinado no art. 69, §único da Lei 9.099/95.
O mais importante em se destacar é que o agente que for surpreendido com a posse de droga para consumo pessoal, por expressa disposição legal jamais poderá ter como pena imposta a privativa de liberdade, mas sim apenas poderá estar sujeito às medidas educativas. Sendo assim, não é admissível que o indivíduo seja preso em flagrante ou provisoriamente, sendo que nem no final poderá ocorrer este tipo de pena, sequer à primeira vista.
1.6 Critérios para aferir o consumo pessoal
É nítida a dificuldade para diferenciar o crime do artigo 28 do crime do artigo 33, já que normalmente o que ocorre é o julgamento precipitado por conta das aparências e do local em que se foi apreendida a droga. A diferença reside no dolo, devendo ser investigado se ele é para o uso ou para o comércio. A promoção da circulabilidade é um elemento objetivo importante para se aferir o dolo no caso concreto.
O que ocorre na realidade é que “os usuários flagrados na posse de drogas continuam sujeitos ao arbítrio da polícia na prisão em flagrante (e depois, ao arbítrio do juiz), pela falta de critério legal para determinar se a droga apreendida era destinado ao consumo ou ao tráfico”, haja vista que os critérios estabelecidos no artigo 28, §2º da Lei 11.343/2.006 são extremamente genéricos e é bastante subjetivo de modo que não impedem os desvios de finalidade.
Sendo assim, é imprescindível acentuar os elementos do tipo do artigo 28, não só para a sua configuração, mas também para que haja uma tentativa de diferenciar com menor imprecisão as condutas do artigo 33, já que em sua redação ambos artigos possuem diversos núcleos do tipo iguais.
Para verificar se a droga apreendida destina-se ao consumo pessoal ou ao mercado, o que modifica drasticamente seu enfoque penal, o juiz tem a sua disposição no artigo 28, §2º da Lei 11.343/2.006, alguns nortes que deverão ser sobrepesado. São eles: I) a natureza das drogas; II) quantidade da substância apreendida; III) o local da apreensão; IV) as condições em que os fatos se desenvolveram; V) as circunstâncias sociais concretas; VI) a conduta do agente; VII) os antecedentes do agente.
Cada caso fático tem o seu peso e devem ser explorados e fundamentados pelo magistrado para que se atinja um maior grau de transparência, já que o princípio constitucional da presunção da inocência impõe valoração benéfica ao perseguido penal para as situações em que não haja elementos de informação nos autos.
1.7 Antecedentes
Mesmo que seja explorado o critério dos antecedentes, somente se houver condenação penal irrecorrível em fatos ligados ao tráfico de drogas é que ao antecedentes podem servir de indicador contrário ao consumo e, mesmo assim, desde que haja coerência com os demais elementos de informação colhidos.