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Princípio da especialidade - prescrição de fundo de direito e a Lei n.º 8.213/91.

Inaplicabilidade do Decreto 20.910/32 aos benefícios previdenciários

05/05/2014 às 08:44
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Analisa-se a nova posição do STJ afastando a prescrição de fundo de direito e o direito do segurado às mensalidades de benefício até os 5 anos anteriores à ação judicial.

PRESCRIÇÃO DE FUNDO DO DIREITO

A prescrição quinquenal em relação às dividas  passivas da União, dos Estados e dos Municípios tem sido aplicada desde o advento do Decreto nº 20.910, de 1932, que possui a seguinte redação, no artigo 1.º:

  Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

A prescrição prevista no art. 1.º Decreto n.º 20.910/32 é pode ser tida como PRESCRIÇÃO DE FUNDO DE DIREITO pelo fato de autorizar extinguir o próprio direito caso ultrapassado o período de cinco (05) anos desde a constituição da dívida.

Diz-se prescrição total porque determina a completa extinção da pretensão (e não parte dela), representando medida extremamente agressiva, penalizadora da demora do demandante na propositura de medida judicial.

Já o parágrafo 3.º do mesmo decreto ilustra o que se denomina de PESCRIÇÃO QUINQUENAL, ou seja, não atinge o direito em si, mas as prestações porventuras decorrentes do direito reclamado, o que se pode denominar como prescrição parcial.

“Art. 3º Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto.”

As duas (02) modalidades são resumidas no teor do enunciado da na súmula n.º85, do egrégio STJ, emitida em 1993, in verbis:

STJ – Súmula nº 85 – “Nas relações jurídicas de trato sucessivo, em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.”.          


PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA

A Súmula nº07 do extinto TRF fez estender as disposições legais do Decreto n.º 20.910/32, aos créditos previdenciários, como se observa do seu enunciado:

“A ação de cobrança de crédito previdenciário contra a Fazenda Pública está sujeita à prescrição quinquenal estabelecida no Decreto nº 20.910, de 1932.”

Entretanto, a aplicação do instituto da prescrição no direito previdenciário deve se limitar à prescrição parcial, ou seja, àquela se atinge apenas os cinco (5) anos anteriores à propositura da ação, sendo descabida a incidência da prescrição total, ou de fundo de direito.

É certo que existem vários acórdãos que determinam a aplicação da prescrição de fundo de direito com base no Decreto 20.910/32, ainda que se trate de benefício previdenciário, como o exemplo a seguir:

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. EFEITOS MODIFICATIVOS. POSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO.

1. Admitem-se embargos declaratórios com a finalidade de emprestar efeitos modificativos ao julgado quando neste existe omissão, contradição ou obscuridade.

2. Deve ser reconhecida a prescrição do fundo de direito quando o particular tiver seu pedido indeferido administrativamente e apenas buscar o Poder Judiciário após o quinquênio legal, nos termos dos artigos 219, parágrafo 5º e 269, IV do CPC. Inteligência do artigo 1º, Lei Decreto n.º 20.910/32 e Súmula n.º 85-STJ.

3. Apesar da ocorrência da prescrição do fundo de direito, nada impede a realização de pleito perante o Poder Judiciário, sendo possível a concessão do benefício quando presentes os requisitos, situação verificada in casu.

4. Embargos declaratórios providos. Com efeitos modificativos.

(PROCESSO: 0000030132013405830701, APELREEX 29326/01/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SÉRGIO MURILO WANDERLEY QUEIROGA (CONVOCADO), Terceira Turma, JULGAMENTO: 30/01/2014, PUBLICAÇÃO: DJE 05/02/2014 - Página 108)

Entretanto a jurisprudência atual vem sanando o equívoco anterior afastando a prescrição de fundo de direito, assim como do próprio Decreto n.º 20.910/32, nas lides previdenciárias, em razão do principio da especialidade.


PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE

Por força do princípio da especialidade, a norma de caráter geral, que pode ser aplicada em qualquer situação jurídica, tem sua aplicabilidade reduzida, ou suprimida, diante de uma norma que trate de forma específica da matéria abrangida pela norma geral de caráter, ou seja, a norma de caráter específico sempre afasta a aplicabilidade daquela produzida para reger condutas de ordem geral.

No caso de benefício previdenciário, a Lei nº 8.213/91, a partir da alteração do seu artigo 103, pela Lei n.º 9.528/97, veio cuidar de forma específica da prescrição do direito na matéria.

“Art. 103.  É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (Redação dada pela Lei nº 10.839, de 2004)

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.” (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)

Tendo em vista que a Lei n.º 8.213/91 veio regular inteiramente a decadência e a prescrição em matéria previdenciária, insistir na aplicação da previsão do decreto n.º 20.910/32 (prescrição de fundo de direito) é insistir no erro interpretativo que é bastante fomentado pela Procuradoria do INSS, de forma até desleal.

Exemplo de coerência é a decisão a seguir, transcrita no seu trecho essencial:

“O artigo [103], parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, não alberga a prescrição do fundo de direito, mas apenas as parcelas vencidas há mais de cinco anos do ajuizamento da ação. Tratando os autos de matéria de direito previdenciário, a Lei Previdenciária deve prevalecer sobre a norma definida no artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932, em respeito ao princípio da especialidade, que preconiza o afastamento da norma geral quando há disposição normativa específica acerca do tema.

(TRF 2 REEX 201051018187230 - Relator(a):      Desembargador Federal PAULO ESPIRITO SANTO - Julgamento:    17/12/2013  - Órgão Julgador:   PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA - Publicação: 17/01/2014)

De fato, o parágrafo único do artigo 103 da lei n.º8.213/91, com redação dada pela Lei n.º 9.528/97, é expresso ao aludir a “prestações vencidas ou restituições não pagas pela previdência social”.

Ora, o que a referida disposição normativa traz é a prescrição quinquenal, como faz o Decreto n.º 20.910/32.  E ela somente ocorre com relação a prestações sucessivas, como é da natureza dos benefícios previdenciários, ao se referir a “prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas”.

É certo que existe entendimento equivocado no sentido de que não havendo a regulação expressa acerca da prescrição de fundo de direito no parágrafo único do artigo 103, restaria apto o Decreto n.º 20.910/32.

Mas o argumento é falacioso. Prescrição de fundo de direito é invenção doutrinária, com base no decreto de 1932, que tem a mesma função da decadência, ou seja, extinguir o direito em si.

Ocorre que benefícios previdenciários, pela sua natureza, não podem simplesmente ser extintos.

Pode o segurado ter sua aposentadoria negada hoje mais mesmo depois de 5 anos vir a ser concedida. A pensão por morte pode ser pleiteada a qualquer tempo, etc.

Ou seja, a prescrição de fundo de direito não guarda relação lógica com a natureza e destinação dos benefícios previdenciários, porquanto estes, como direitos, são imprescritíveis.

 Nesse sentido é a lição de Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior:

 "Não há, nem pode haver, prescrição de fundo de direito quanto ao benefício previdenciário, que é direito fundamental, não reclamado.

A imprescritibilidade do fundo de direito em matéria previdenciária é regra tradicional, que já figurava na LOPS. Bem por isso, se o segurado vier a perder esta qualidade após o preenchimento de todos os requisitos necessários para a concessão de aposentadoria ou pensão, isto não afetará o seu direito ou o de seus dependentes obterem o benefício respectivo, de acordo com as regras vigentes à época em que as exigências foram atendidas, como já visto (LBPS, art. 102, § 1º).

O que é suscetível de sofrer os efeitos da prescrição é, tão somente, a ação que ampara a cobranças das parcelas vencidas impagas na época própria ou adimplidas com valores inferiores ao devido, não exercida dentro do lapso temporal consignado na regra de direito material."

(ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da Previdência Social. 10. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2.011, p. 325-326)

Por tal razão é que a legislação previdenciária quando faz referência à extinção do “direito ou ação” do segurado o faz limitando à revisão do ato concessivo, como se observa do caput do artigo 103.

 “Art. 103.  É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.


POSIÇÃO ATUAL DO STJ

Em razão dessas circunstâncias jurídicas (critério da especialidade e esgotamento da matéria pela Lei n.º 8.213/91) é que o Superior Tribunal de Justiça, que até há pouco adotava esse entendimento enviesado alterou de forma radical e bastante convicta o seu entendimento, como mostra a decisão datada de 19 de março de 2014:

“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO. ART. 103 , PARÁGRAFO ÚNICO , DA LEI 8.213 /1991. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO. NEGATIVA EXPRESSA DO INSS. FUNDO DE DIREITO. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 103 DA LEI 8.213 /1991. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO.

1. A autarquia previdenciária pretende configurar a prescrição do fundo de direito em razão de o benefício ter sido negado administrativamente, com amparo no art. 103 , parágrafo único , da Lei 8.213 /1991 e na Súmula 85/STJ.

2. O STJ consolidou o entendimento de que não há prescrição do fundo de direito dos benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social, e que tal instituto somente atinge as parcelas sucessivas anteriores ao prazo prescricional. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.384.787/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 10.12.2013; AgRg no REsp 1.096.216/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Sexta Turma, DJe 2.12.2013.

3. A interpretação contextual do caput e do parágrafo único do art. 103 da Lei 8.213 /1991 conduz à conclusão de que o prazo que fulmina o direito de revisão do ato de concessão ou indeferimento de benefício previdenciário é o decadencial de dez anos (caput), e não o lapso prescricional quinquenal (parágrafo único) que incide apenas sobre as parcelas sucessivas anteriores ao ajuizamento da ação.

4. A aplicação da prescrição quinquenal prevista no parágrafo único do art. 103 da Lei 8.213 /1991 sobre o fundo de direito tornaria letra morta o previsto no caput do mesmo dispositivo legal. 5. Recurso Especial não provido.

(STJ - REsp 1397103 CE 2013/0258282-4 - Relator (a): Ministro HERMAN BENJAMIN - Julgamento:         11/03/2014 - Órgão Julgador:    T2 - SEGUNDA TURMA -Publicação: DJe 19/03/2014

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Mesmo entendimento sufragado nas seguintes decisões daquele Tribunal: REsp 1397103/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 19/03/2014; REsp 1349296/CE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/02/2014, DJe 28/02/2014); AgRg no REsp 1364155/SE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/12/2013, DJe 19/12/2013); AgRg no REsp 1384787/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 10/12/2013; AgRg no REsp 1096216/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEXTA TURMA, julgado em 24/10/2013, DJe 02/12/2013

Outra forma falaciosa de  castração  o direito do segurado, com a utilização do Decreto n.º  20.910/32 é considerar prescrito o fundo de direito contados a partir de 5 ( cinco) anos da negativa do requerimento administrativo mas facultando-se ao segurado requerer novamente o pedido na via administrativa ou se deferir judicialmente o benefício com efeitos retroativos a partir do ingresso em juízo.

Ora, essa solução, além de ilegal, é contraditória. Se ocorreu extinção do fundo de direito o que se extinguiu foi a pretensão de obtenção do benefício o que inviabilizaria nova postulação, seja administrativa ou judicial.

Tal forma de decidir somente serve ao INSS que se locupleta indevidamente pela razão de que deixa de pagar as mensalidades devidas desde o requerimento administrativo, mesmo em se verificado que os pressupostos para a concessão do benefício estavam presentes quando do requerimento administrativo.

Considerar que a autorização para novo pedido administrativo ou a fixação dos efeitos retroativos à data do ajuizamento da ação judicial justifica e atenua a incidência do Decreto n.º 20.910/32, tornando-a legítima, é algo de certo ponto até imoral porque é sabido que o direito ao benefício ocorre quando o segurado incorpora ao seu patrimônio os pressupostos legais, e que o requerimento administrativo nada mais é do um que aviso ao órgão que recolheu as contribuições de que existe a pretensão do segurado de exercer um direito potestativo.

Se atualmente pode o segurado fazer retroagir a DIB até para antes do próprio requerimento administrativo (RE 630501) não se justifica a aplicação da denominada prescrição de fundo de direito apenas com a finalidade de afastar do segurado a percepção das mensalidades que seriam devidas nos últimos 5 (cinco) anos anteriores ao pedido judicial.

A previsão legal (parágrafo único do artigo 103 da Lei n.º 8.213/91) é de que sempre o segurado terá direito as mensalidades que seriam devidas nos quinquênio que antecede a ação judicial, mesmo que o requerimento administrativo negado tenha mais de 5 anos, sendo necessário apenas que prove que por ocasião do pedido administrativo já preenchia os pressupostos do benefício.

Coonestar a aplicação do Decreto n.º 20.910/32 com relação aos benefícios previdenciários é autorizar a apropriação indevida por parte do INSS, em detrimento do segurado, trabalhador que durante toda a sua vida despendeu esforços para fazer recolher as contribuições previdenciárias devidas.

                     

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Sobre o autor
Romildo Rodrigues

Bacharel em direito - UFPE e Servidor do MPF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Romildo. Princípio da especialidade - prescrição de fundo de direito e a Lei n.º 8.213/91.: Inaplicabilidade do Decreto 20.910/32 aos benefícios previdenciários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3960, 5 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27700. Acesso em: 26 abr. 2024.

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