I - DA COMPETÊNCIA DO CFM PARA EDITAR A RESOLUÇÃO Nº 1.995/2012.
A edição da Resolução CFM n.º 1.995/2012 se deu com fulcro na competência atribuída exclusivamente aos Conselhos de Medicina pela Lei nº 3.268, de 30.09.57 para tratar de matérias médicas, no campo ético, técnico e moral, verbis:
Art. 2º - O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e ao mesmo tempo julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhe zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente;
(...)
Art. 15 – São atribuições dos Conselhos Regionais:
a) deliberar sobre a inscrição e cancelamento do quadro do Conselho;
(...)
h) promover, por todos os meios ao seu alcance, o prefeito desempenho técnico e moral da medicina e o prestígio e bom conceito da medicina, da profissão e dos que a exerçam...”
Com efeito, a União, por intermédio da Lei supracitada, outorgou aos Conselhos de Medicina a legitimidade para tratar de temas atinentes à área médica, como é o caso das diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
Por isso, não há quer se falar em ilegalidade ou inconstitucionalidade do referido ato administrativo, tendo em vista que decorre do munus público do Conselho Federal de Medicina, ou seja, o CFM possui, em realidade, o poder dever de regulamentar os assuntos atinentes ao exercício moral é ético da medicina, atuando, dessa forma, nos escorreitos limites de sua competência legalmente definida.
Desse modo, a resolução impugnada é a concretização do dever-poder dos Conselhos de Medicina, os quais – frise-se – agem em nome do interesse público ao atribuir comportamentos éticos e morais para os profissionais da medicina, em conformidade com a intentio legis, buscando-se sempre a finalidade da Lei nº 3.268/57.
Com efeito, em sua essência, a interpretação da lei há de ser sempre teleológica, ou seja, deve-se sempre examinar qual a sua finalidade, buscando-se compreender o seu espírito. É este, aliás, o magistério de Carlos Maximiliano que, invocando Ferrara, leciona:
“Considera-se o Direito como ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida.”
Nesse diapasão, portanto, resta claro que a Lei nº 3.268/57, em especial o artigo 2º, impõe aos Conselhos de Medicina o dever de fazer cumprir os desígnios da ciência médica, POR TODOS OS MEIOS A SEU ALCANCE, utilizando os instrumentos necessários para tornar eficaz e tangível a atuação daqueles, dentro dos limites impostos por lei, sempre visando ao interesse público.
Esse dever-poder é manifestado não só com a instauração de processos éticos (caráter repressivo), mas também, e acima de tudo, com a edição de resoluções, dado o seu caráter preventivo e informador, características que respaldaram a Resolução CFM nº 1.995/2012.
Como se vê, a resolução em comento não padece de qualquer inconstitucionalidade ou mesmo ilegalidade, visto que os Conselhos de Medicina são detentores de Poder de Polícia que lhes permite editar normas acerca DO DESEMPENHO TÉCNICO E MORAL MEDICINA, a qual é estabelecida nos artigos 2º, 5º e 15, “h”, da Lei nº 3.268 de 30 de setembro de 1957.
Assim, o ato normativo tem como escopo orientar a classe médica no sentido de exaltar a conduta ética no respeito que o profissional da medicina deve atribuir às diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, consolidando, portanto, a efetiva competência normativa dos Conselhos de Medicina, o que encontra respaldo na Constituição Federal, no Código Civil e na própria Lei que criou os Conselhos de Medicina.
II – RESOLUÇÃO CFM n.º 1.995/2012 E AS “DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE DO PACIENTE”
Inicialmente, cumpre esclarecer que não é correto estabelecer paralelismo entre o teor da Resolução CFM n.º 1.995/2012, que trata das diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, que não se confunde, em nenhum momento, com o tema objeto da Resolução CFM n.º 1.805/2006, a qual versa sobre a temática da ortotanásia.
É clarividente que a Resolução CFM n.º 1.995/2012 não quer e não pretende introduzir no ordenamento jurídico a possibilidade de se facultar ao paciente a possibilidade de se valer da ortotanásia. O objetivo do ato normativo é simplesmente informar ao profissional da medicina que a conduta ética da profissão está alinhada à necessidade de se respeitar os desejos e vontades previamente expressados pelo paciente.
Esclareça-se, por oportuno, que as diretivas antecipadas de vontade não se restringem unicamente à hipótese em que o paciente esteja em situação terminal de vida, pois a manifestação prévia de vontade do paciente pode estar relacionada a qualquer tratamento médico que ele não tenha intenção de se submeter.
Como exemplo simples de ser compreendido para aplicação das diretivas antecipadas citem-se as hipóteses de declaração prévia das pessoas em seus documentos de idade se desejam ou não ser doadoras de órgãos após a morte. Ou seja, trata-se de diretriz antecipada de vontade da pessoa em esclarecer se quer ou não que seus órgãos lhe sejam retirados e doados em caso de morte.
Para uma melhor compreensão do tema, é oportuno transcrever o texto da Resolução CFM n.º 1.995/2012, a qual expõe:
RESOLUÇÃO CFM nº 1.995/2012
(Publicada no D.O.U. de 31 de agosto de 2012, Seção I, p.269-70)
Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e
CONSIDERANDO a necessidade, bem como a inexistência de regulamentação sobre diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética médica brasileira;
CONSIDERANDO a necessidade de disciplinar a conduta do médico em face das mesmas;
CONSIDERANDO a atual relevância da questão da autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente, bem como sua interface com as diretivas antecipadas de vontade;
CONSIDERANDO que, na prática profissional, os médicos podem defrontar-se com esta situação de ordem ética ainda não prevista nos atuais dispositivos éticos nacionais;
CONSIDERANDO que os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo;
CONSIDERANDO o decidido em reunião plenária de 9 de agosto de 2012,
RESOLVE:
Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.
Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.
§ 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.
§ 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.
§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.
§ 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.
§ 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na faltadeste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.
Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília-DF, 9 de agosto de 2012
ROBERTO LUIZ D’AVILA HENRIQUE BATISTA E SILVA
Presidente Secretário-geral
Assim, o objetivo do CFM ao editar a Resolução n.º 1.995/2012 foi simplesmente regulamentar, no âmbito da atuação moral e ética de medicina, critérios mínimos que tratem das diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da profissão médica brasileira, não invadindo, em momento algum, o âmbito de competência do Poder Legislativo brasileiro, pois não impôs regras gerais que deveriam ser observados por todos os cidadãos, mas, apenas, diretrizes éticas e morais que o médicos devem observar ao exercer o mister da profissão.
Outrossim, na prática profissional, os médicos podem defrontar-se com esta situação de ordem ética ainda não prevista nos atuais dispositivos éticos nacionais. Dessa forma, a regulamentação do objeto da Resolução em debate é medida de extrema importância para os profissionais da medicina, pois eles terão fundamentos legais, técnicos, morais e éticos para balizar suas condutas diante de pacientes que tenham manifestado previamente, quando em pleno exercício de sua capacidade, que não desejam se submeter a este ou aquele tratamento médico.
No trato da matéria é preciso ter em vista também que o CFM busca, ao editar a Resolução n.º 1.995/2012, atribuir especial relevância autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente.
Em sentindo amplo, a palavra “autonomia” significa a condição de uma pessoa, ou de um grupo de pessoas, de se determinar por si mesmo, ou seja, de se conduzir por suas próprias leis, por auto-regulamentação ou auto-regramento.
Toda essa normatização encontra seu fundamento na ideia de dignidade humana, a qual está associada à proteção das circunstâncias indispensáveis para uma existência plena do individuo. Essa temática traduz o estado do homem enquanto indivíduo, afastando-o da condição de objeto à disposição de interesses alheios, impondo limites às ações que não consideram a pessoa como um fim em si mesma.
A Constituição Federal de 1988 consagrou no artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Em seguida, no artigo 5º, inciso III, preceitua que “ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante”.
É nesse contexto que surge o embate Vida X Dignidade Humana quando nos propomos a investigar a validade dos testamentos vitais e das diretrizes antecipadas perante o ordenamento jurídico brasileiro.
Os testamentos vitais, também conhecidos como living will, testamentos biológicos ou testament de vie, são documentos elaborados por uma determinada pessoa que, mediante diretrizes antecipadas, realizadas em situação de lucidez mental, declara a sua vontade, autorizando os profissionais médicos, no caso de doenças irreversíveis ou incuráveis, em que já não seja mais possível expressar a sua vontade, a não prolongarem o tratamento.
Nesses casos, o paciente em fase terminal ou em estado vegetativo autoriza a suspensão de tratamentos que visam apenas a adiar a morte, em vez de manter a vida.
Aqui não se está a olvidar que a vida é o bem maior, traduzindo-se como bem indisponível, da qual derivam todos os demais direitos. Contudo, de que vale a vida sem dignidade? Cabe aqui a indagação sobre a relativização desse direito nos casos de pacientes terminais, com doenças incuráveis ou em estado vegetativo. Essas pessoas não gozam da vida em sua plenitude. Não se pode afirmar sequer a existência de vida digna, pois o indivíduo se encontra privado de sua liberdade e do exercício de muitos de seus direitos.
Assim, os testamentos vivos ou diretrizes antecipadas são instrumentos de manifestação de vontade com a indicação negativa ou positiva de tratamentos e assistência médica a serem ou não realizados em determinadas situações[1]. Trata-se de uma escolha do paciente em se submeter ou não a determinado tratamento, que não lhe trará a cura, mas poderá adiar a sua morte.
Nesse contexto, assim como o paciente participa das decisões acerca do tratamento indicado pelo médico, emitindo a sua opinião sobre os procedimentos a serem adotados sobre a sua saúde e a sua vida, deve o médico, também, ouvir o paciente quando da indicação de determinado tratamento.
O médico de hoje, dentro das suas atribuições, indica e recomenda o tratamento adequado. O paciente, dentro da autonomia que lhe é assegurada, aceita ou não a recomendação, exercendo poder de escolha para tomar decisões sobre aquilo que lhe é melhor.
Diaulas Costa Ribeiro, em artigo publicado nos Anais do V Congresso de Direito de Família, narra a história de Ramón Sampedro, que ficou paraplégico de 23 de agosto de 1968 a 12 de janeiro de 1998, lutando durante esses 29 anos pelo direito de obter sua liberdade, “aprisionada num corpo morto”. Em seu artigo, o autor transcreve uma carta de Ramón:
“É um grave erro negar a uma pessoa o direito a dispor da sua vida porque é negar-lhe o direito a corrigir o erro da dor irracional. Como bem disseram os juízes da Audiência de Barcelona: viver é um direito, mas não uma obrigação. Todavia, não o corrigiram, nem ninguém parece responsável para corrigi-lo.
Aqueles que esgrimem o direito como protetor indiscutível da vida humana, considerando-a como algo abstrato e acima da vontade pessoal, sem exceção alguma, são os mais imorais. Poderão disfarçar-se de doutores em filosofias jurídicas, médicas, políticas ou metafísico-teleológicas, mas desde o momento em que justifiquem o absurdo, transformam-se em hipócritas.
A razão pode entender a imoralidade, mas não pode nunca justificá-la. Quando o direito à vida se impõe como um dever, quando se penaliza o direito à libertação da dor absurda que implica a existência de uma vida absolutamente deteriorada, o direito transformou-se em absurdo, e as vontades pessoais que o fundamentam, normativizam e impõem em tiranias”.[2]
Ademais, a legislação brasileira, em especial o Código Civil de 2002, em seu art. 15, é expresso em estabelecer que ninguém será submetido, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica. Ou seja, a legislação civil estabelece especial relevância à autonomia que o paciente deve possuir em se preordenar diante de várias hipóteses de tratamentos que seu médico lhe diz possíveis.
Ocorre, porém, que em muitas hipóteses o paciente pode estar privado de se manifestar no momento em que receberá o tratamento, fato este que autoriza que ele expressamente faça a manifestação do seu pensamento no sentido de não querer se submeter a certos tratamentos médicos que possam lhe impingir dor ou mesmo uma expectativa fantasiosa de vida, pois simplesmente retardam dolorosamente uma consequência inarredável que é a impossibilidade de cura da doença que lhe acomete.
Portanto, o CFM, ao editar a Resolução n.º 1.995/2012, tinha por objetivo apenas preservar a dignidade da pessoa humana no sentido de que o médico deve respeitar a pré-determinação de vontade do paciente ao informar que não quer se submeter a determinados tratamentos médicos, de modo que o profissional da medicina estará atuando com base na ética que deve reger seu mister.
III - REQUISITOS FORMAIS DE APLICABILIDADE DA RESOLUÇÃO CFM N.º 1.993/2012
Neste ponto, busca-se afirmar que a Resolução CFM n.º 1.995/2012 está em perfeita consonância com o ordenamento jurídico, retirando seus requisitos formais de aplicabilidade da legislação pátria, em verdadeiro diálogo de fontes normativas.
Ciente de tal situação, passa-se a expor os elementos de aplicação do ato normativo em cotejo com o sistema jurídico, sistematizando os pontos necessários para sua efetiva aplicabilidade, quais sejam:
- Os requisitos que precisa o paciente reunir para estabelecer antecipadamente as diretrizes de sua vontade.
Neste ponto, cumpre esclarecer que não cabe ao CFM estabelecer quem é ou não capaz de dispor de sua vontade. Tal competência é atribuída à lei, em especial ao Código Civil que informa em seus artigos 1º e 5º a resposta para este questionamento, a saber:
Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
(...)
Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Portanto, ao se observar os citados artigos, verifica-se que as pessoas plenamente capazes poderão informar livremente sua vontade e firmar diretivas antecipadas que serão respeitadas pelo médico na hipótese daquele paciente não possuir, em determinado momento, condições de expressar plenamente seus desejos.
- O limite temporal de vigência da vontade manifestada.
Qual seria a necessidade de se impor limite de vigência a manifestação de vontade prestada pelo paciente a não ser fazer com que ele repita o procedimento de tempos em tempos. O ato de vontade não caduca pelo decurso do tempo.
Nesse sentido, elucubrar sobre situações em que o paciente esqueceria que formalizou diretivas antecipadas de vontade não são argumentos plausíveis para se afirmar violação da segurança jurídica.
Caso o paciente não deseje mais se submeter a tais diretivas que simplesmente as revogue, caso contrário, entenda-se que elas são plenamente eficazes.
Outrossim, na hipótese de o paciente não querer mais se valer das suas diretivas antecipadas, deverá informar tal fato ao médico de modo que o profissional respeitará esse novo posicionamento do paciente. Tal constatação pode, inclusive, ser extraída, a contrário sensu, do art. 2º da Resolução CFM n.º 1.995/20125, verbis:
Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.
Ou seja, se o paciente possuir condições de se expressar, sua opinião naquele momento prevalecerá, caso contrário, se não possuir condições de expor sua vontade, prevalecerão as diretrizes antecipadas que tiver feito quando no pleno exercício de capacidade.
- As formas pelas quais o paciente poderá revogar suas diretivas.
Trata-se de princípio geral de direito, sendo de conhecimento notório, a aplicação da simetria das formas, portanto, não há necessidade de estabelecer tal situação na Resolução questionada.
Dessa forma, o paciente revogará sua diretriz antecipada pela mesma forma pela qual as emitiu, caso a tenha feito por escritura pública, que se revogue por escritura pública, se as tiver manifestado diretamente ao médico, e este as tenha anotado em prontuário, que informe ao profissional que deseja alterar ou revogar suas diretivas antecipadas.
Portanto, o objeto da Resolução CFM n.º 1.995/2012 é estabelecer aos profissionais da medicina que é ético respeitar a opinião do paciente, ainda que prestadas antecipadamente.
- Os critérios de participação da família do paciente na manifestação de vontade.
Não se olvida que a família é a base de toda a sociedade, recebendo, inclusive, especial tratamento da CF/88, tendo a exposição de motivos da Resolução CFM n.º 1.995/2012 deixado claro que a participação da família não será alijada, pois na falta de diretriz antecipada do paciente, o médico poderá investigar esta vontade por meio de representantes e familiares.
O que não se admite, porém, é que a manifestação de vontade do próprio paciente seja desprezada em face da opinião de familiares que desejam interferir na gestão do tratamento que ele receberá caso ambos os posicionamentos sejam contraditórios.
Nesse sentido, é oportuno deixar em evidência que a autonomia da vontade é o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica. A produção destes efeitos pode ser determinada pela vontade unilateral, bem como pelo concurso de vontades. Qualquer indivíduo capaz pode, por íntima vontade, criar direitos e obrigações. As pessoas são livres para acertar as condições e circunstâncias que mais satisfazem seus interesses, estejam ou não previstos ou regulamentados por lei, gozando da mais ampla liberdade para expor suas vontades da maneira mais útil e conveniente, atribuindo-lhes efeitos distintos dos que a lei lhes confere e, quiçá, modificando sua estrutura jurídica.
Portanto, uma vez que o paciente exponha sua vontade em diretriz antecipada, tais intenções não poderão ser revogadas a posteriori pela família, todavia, se o paciente jamais tiver expressado qualquer diretriz antecipada, deverá o médico tomar decisões quanto ao tratamento a ser adotado mediante investigação junto aos familiares e representantes, demonstrando, assim, o importante papel que a família desempenhará nesse contexto.
- O instrumento documental por meio do qual se fará a diretiva antecipada de vontade.
Aqui, novamente há a aplicação das normas do Código Civil, que em seu art. 107 estabelece o princípio da liberdade das formas quando afirma que:
Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
Portanto, como a lei não o fez, a Resolução do CFM não pode exigir forma especial para que paciente expeça suas diretrizes antecipadas de vontade, podendo expressá-las por quaisquer meios que possuam idoneidade e que tenham validade jurídica.
Nesse ponto, o art. 2º, § 4º, simplesmente informa que o médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente, dando ênfase, portanto, a relação de confiança que deve ser estabelecida entre médico e paciente, mas caso este altere sua vontade, poderá simplesmente comunicar o fato ao médico e o profissional averbará tudo quanto dito no prontuário do paciente.