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Relações entre Estado e economia:

um enfoque sobre o modelo de Estado Regulador e aspectos de sua aplicação no Brasil

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Resumo:


  • O modelo regulador de Estado propõe que a produção de riquezas seja prioritariamente deixada para o setor privado, enquanto o Estado intervém para direcionar as forças produtivas privadas para atender necessidades coletivas não supridas pelo mercado.

  • As agências reguladoras, autarquias em regime especial, são instrumentos do Estado Regulador para fiscalizar, controlar e disciplinar atividades econômicas de importância social e setores que, sem regulação, poderiam negligenciar o interesse coletivo.

  • No Brasil, a Constituição de 1988 e leis subsequentes, como a Lei nº 8.884/1994 (Lei Antitruste), estabelecem a estrutura para um Estado Regulador, criando um sistema de proteção da concorrência e do consumidor e instituindo agências reguladoras para setores específicos da economia.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

7  ESTADO REGULADOR NO BRASIL: ATUALIDADES

            Como visto, a Constituição brasileira consagrou o modelo regulador de Estado. E este modelo já vem sendo empregado no Brasil, naturalmente, com todas as dificuldades da implementação concreta de um projeto. As privatizações da década de 1990 e a criação de algumas Agências Reguladoras são indícios de que nosso Estado vai se aproximando do modelo regulador. Nesta conjuntura, cabe a este capítulo oferecer um panorama de como as instituições reguladoras vêm se adaptando à realidade brasileira e de como vêm sendo vistas pela opinião pública. Para isso, recorrer-se-á a publicações de jornais e revistas.

            A Gazeta do Povo de 16 de dezembro de 2007, publicou no caderno de Economia (p. 1) um artigo intitulado “Estado ou setor privado: quem é o responsável pelo crescimento?”. Deste artigo escrito por Fernando Jasper cita-se o seguinte trecho:

Grande parte dos economistas admite a relevância da teoria keynesiana, mas a idéia de que os gastos do Estado devem ser os indutores do desenvolvimento está longe de ser um consenso – o que torna polêmica a afirmação de que o norte-americano é o “maior pensador econômico dos últimos tempos”. Economistas ligados a correntes mais conservadoras, e mesmo keynesianos “moderados”, argumentam que o setor privado também deve ter participação em obras e no desenvolvimento econômico. E lembram que os gastos estatais, responsáveis pela recuperação dos Estados Unidos após a Grande Depressão e por boa parte do crescimento mundial até a década de 70, culminaram em descontrole da inflação, endividamento público e aumento da carga tributária. 

            A revista Exame, em sua edição 911 de 13 de fevereiro de 2008, veiculou o artigo “A Vitória do Óbvio” na página 66, com o subtítulo “O país começa a se dar conta de que precisa do setor privado para melhorar a infra-estrutura. Resultado: os projetos de concessão já somam 90 bilhões de reais”. Escrito por José Roberto Caetano, destaca-se o trecho:

Com muito atraso, uma leva crescente de mandatários das várias esferas de governo no Brasil está abrindo os olhos para uma fonte de recursos óbvia mas até agora pouco explorada: o apetite privado por investimentos em infra-estrutura, uma das maiores carências nacionais. Ainda é um movimento tímido diante da enorme quantidade de coisas que há por fazer, após anos de ausência de obras novas e falta de conservação do que já existia. (...) “Não há porque não contar com o investimento privado”, afirma Francisco Vidal Luna, secretário do Planejamento do Estado de São Paulo. “Enquanto o setor público tem orçamento apertado e restrições para se financiar, as empresas privadas dispõem de cada vez mais dinheiro e facilidade para obter crédito a custo mais baixo e prazo longo”. Ou seja, é algo lógico, mas que custou a ser admitido de maneira ampla, basicamente por rejeição ideológica ou interesse político.

            Esses dois artigos mostram uma perspectiva positiva de idéias que convergem com o modelo regulador de Estado. Entretanto, nem todas as opiniões e fatos são tão amistosos com este modelo. Veja-se o artigo “Indicações partidárias ignoram tudo”, publicado no jornal O Estado do Paraná em 28 de outubro de 2007, na página 8 do caderno “Política”:

Prática comum na administração pública brasileira, a divisão de cargos segundo critérios políticos não poupa nem mesmo órgãos de trânsito encarregados de resolver problemas de um setor que mata 35 mil pessoas por ano. As indicações partidárias ignoram exigências mínimas de formação técnica e definem quem comanda órgãos com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

            Outro artigo, não menos incisivo, é “A politização das agências” publicado no site do jornal Folha de São Paulo (FolhaONLINE) no dia 15 de agosto de 2007. Escrito por Eliane Cantanhêde, destaca-se os trechos:

O governo acaba de indicar o ex-ministro dos Esportes Agnelo Quiroz (PC do B) para a Anvisa, num momento em que a Anac está no olho do furacão e já se discutem seriamente o papel e até a necessidade das próprias agências. É assim que Lula destrói a credibilidade das agências reguladoras. Entre toneladas de críticas à Anac (de aviação civil), a principal está na origem: a politização e a partidarização de um órgão que deveria ser essencialmente técnico e ocupado por técnicos. O presidente da Anac é amigo do ministro fulano, a diretora mais poderosa foi indicada pelo ex-ministro sicrano e vai por aí afora. Entender de aviação civil, que é bom, necas. Há quem se pergunte se Milton Zuanazzi, o presidente, sabe distinguir um Boeing de um Airbus.

            Por outro lado, iniciando bem ou mal, ao identificar problemas em setores regulados a população já começa a ter consciência de que tem a quem responsabilizar mais diretamente. Instaladas instituições mais visíveis pelo povo, há mais esperanças de que este venha a exigir os seus direitos, reforçando a democracia.

            O artigo “Aneel vê aumento imediato de energia” ilustra a afirmação de que as Agências Reguladoras acompanhariam a dinâmica do setor. Veja-se trechos do artigo publicado em 03 de novembro de 2007 no site do jornal Folha de São Paulo (FolhaONLINE):

A redução na quantidade de gás natural fornecida pela Petrobras às usina térmicas imporá um “imediato aumento no custo de energia elétrica”, além de risco de racionamento de energia, afirmou o diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Jerson Kelman. (...) Kelman avalia que a impossibilidade de a Petrobras cumprir o compromisso imporá uma “repactuação” do acordo para fornecimento de gás. Sem a garantia de combustível para o funcionamento das usinas térmicas, argumenta o diretor da agência, o sistema elétrico operará com incertezas que elevarão o custo da energia. “No curto prazo, isso vai afetar os grandes consumidores”, concluiu Kelman

            Por fim, pode-se citar um artigo que demonstra o exercício da atividade regulatória por uma Agência Reguladora. O artigo “Anac suspende vendas de passagens internacionais da BRA”, também publicado no site do jornal Folha de São Paulo (FolhaONLINE), diz o seguinte:

A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) decidiu nesta quinta-feira suspender as vendas de passagens internacionais da empresa BRA. A decisão foi provocada pelos problemas que a empresa teve com seus Boeings 767, que fazem rotas para o exterior. Um grupo de 35 passageiros esperou para embarcar para a Europa quase 67 hora devido a um problema em uma dessas aeronaves. (...) Os aviões da BRA estão sob inspeção da Anac, sendo que em um deles, no Rio, está sendo executado o “Check C”, que é uma inspeção completa na aeronave. O outro avião, que chegou do exterior com problemas nas turbinas, está em Natal (RN) sendo examinada por técnicos da agência. A Anac também determinou que, além da imediata suspensão das vendas de passagens internacionais, que os usuários da BRA que adquiriram bilhetes para o exterior sejam realocados em vôos de outras companhias.             


8  CONCLUSÃO

            Todos precisam de bens e serviços. Entretanto os recursos são escassos. A quantidade de metais, de terra, de água, de animais, de vegetais, etc. não é infinita. Assim, todos os seres vivos precisam dividir/competir por esses recursos para sobreviver. Além disso, a maioria dos bens e serviços para serem usufruídos demandam trabalho e trabalho demanda tempo, que também é um recurso escasso, na medida de nossa longevidade. Nessa conjuntura, a sociedade vem desenvolvendo meios de empregar os recursos naturais e o trabalho de forma mais eficiente na produção de riquezas (bens e serviços). A troca foi e é essencial para esse desenvolvimento. E uma decorrência das trocas foi o surgimento dos mercados.

            Os mercados permitem uma maior produção de riqueza, mas nem sempre produzem tanto bem-estar quanto poderiam. O mercado ideal, do ponto de vista do bem-estar social, deveria ser totalmente competitivo. Entretanto, se deixado por conta própria o mercado não atinge esse ideal, devido às falhas de mercado. Neste sentido, seria interessante que um agente exercesse certo grau de intervenção sobre o mercado, diminuindo essas falhas. É aí que entra o papel do Estado.

            O Estado e a economia são interdependentes. Os objetivos do Estado se não estão diretamente ligados à economia, passam necessariamente por ela. Sem produção de riquezas (produtos e serviços) não há como um povo suprir suas necessidades. Educação, saúde, infra-estrutura, manutenção de instituições, etc. dependem ou são eles mesmos produtos e serviços. Além disso, é do interesse de um Estado democrático propiciar bem-estar à população. Assim, o Estado pode intervir na economia para diminuir as falhas de mercado, ou em outras palavras, o Estado pode regular a economia.

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O modelo regulador de Estado propõe que se deixe a produção de riquezas prioritariamente para o setor privado, mas que, através do seu poder, o Estado direcione as forças produtivas privadas para o atendimento de necessidades coletivas não naturalmente supridas pelo mercado. Esse modelo ainda pretende ser mais eficiente do que os modelos Liberal e Social de Estado, o que pôde ser corroborado pelo artigo “Privatização e Desempenho Econômico: Teoria e Evidência Empírica” de Edilberto Carlos Pontes Lima. Segundo esse estudo, as empresas privatizadas (inclusive no Brasil) são nitidamente mais eficientes do que as estatais quando atuam em um ambiente competitivo. E o modelo regulador propõe exatamente deixar a produção para o setor privado ao mesmo tempo em que garante uma estrutura empresarial competitiva e socialmente direcionada.

No desenvolvimento histórico do papel do Estado na economia brasileira pode-se perceber que desde a década de 1990, com o início das privatizações e criação das Agências Reguladoras, o Estado Brasileiro vem caminhando em direção ao modelo regulador. E, de fato, tal movimento já era consagrado na Constituição de 1988. Os artigos que tratam da ordem econômica e financeira deixam transparecer a idéia de regulação econômica.

No Estado Regulador, dentre outras atividades, está presente a atividade regulatória. Independente do poder governamental, autônoma, descentralizada e subsidiária ela garante que a economia seja regulada pelo Estado e não pelos sucessivos governos. Outra característica dessa atividade é a normatividade, que lhe garante a capacidade de elaborar normas que levem em consideração as especificidades técnicas e a realidade econômica dinâmica específica de cada setor a ser regulado.

O exercício da atividade regulatória é feito, sucintamente, pelo Sistema de Proteção da Concorrência, pelo Sistema de Proteção do Consumo e pelas Agências Reguladoras. Com eles, permite-se que concretamente a realidade de nosso Estado se aproxime do modelo abstrato de Estado Regulador.             

A realidade, entretanto, não é tão simples. Embora se caminhe para um destino melhor (pelo menos teoricamente parece sê-lo), há pedras no caminho. Interesses político-econômicos talvez sejam a maior das dificuldades. Jornais e revistas denunciam privatizações feitas no interesse de grupos privados nacionais ou internacionais e também a escolha de dirigentes de Agências reguladoras por indicação política, mesmo que não tenham nenhum preparo técnico. Tais fatos desvirtuam as características chaves de um Estado Regulador e mancham esse modelo perante a opinião pública.

A história mostra, entretanto, que mesmo sendo a caminhada tortuosa e um tanto difícil, esforços coletivos rumo a destinos que se espera serem melhores tendem a ser compensadoras. Tem sido assim na busca de eliminação de doenças, da proteção e manutenção do meio-ambiente, da paz social e, dentre outros, porque não, na busca de melhores relações entre Estado e economia para a melhoria do bem-estar social.

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Sobre o autor
Sérgio Eidi Yamagami Sawasaki

Analista Judiciário - TJPR Pós-graduado em Direito Público pela UNIBRASIL. Graduado em Direito pela PUC-PR. Graduado em Economia pela UFPR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAWASAKI, Sérgio Eidi Yamagami. Relações entre Estado e economia:: um enfoque sobre o modelo de Estado Regulador e aspectos de sua aplicação no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3986, 31 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29048. Acesso em: 23 dez. 2024.

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