É certo que ao Estado (sentido lato) é devida a prestação de serviços de saúde à população, de acordo com as políticas públicas de saúde instituídas, conforme dispõe claramente o artigo 196, da Constituição Federal.
Certo, também, que os princípios da integralidade, universalidade e equidade devem embasar o Sistema Único de Saúde. Porém, é imperioso que seja reconhecida a necessidade de o Poder Público estabelecer as políticas públicas de saúde de acordo com a necessidade da população, organizando o sistema, em cada nível de complexidade, de acordo com a realidade local.
Vê-se que até o Supremo Tribunal Federal já está atento à judicialização da saúde, demonstrando grande preocupação com a avalanche de ações com solicitação de coisas totalmente inconcebíveis quando da promulgação da Carta Constitucional de 1988.
O papel da saúde pública é relevantíssimo em nosso país, sendo um dos planos de saúde públicos mais avançados do mundo, com uma taxa de atendimento não encontrados em qualquer região do planeta.
Para que tal referência assim continue, é necessário o enfrentamento sério e responsável do problema, não sendo possível observar o caso concreto como se único e exclusivo, deixando de lado toda a coletividade que também faz jus a um tratamento de saúde de qualidade e suficiente às suas necessidades.
O Brasil é um país de grandes distorções e grande pobreza; entretanto, os problemas sociais não podem ser justificativa para que as normas e organização do sistema seja afastado, sob pena de sempre estarmos buscando meios para corrigir um problema isolado que gera outros tantos com conseqüências funestas para toda a coletividade.
Assim, temos que a Saúde não pode ser a única responsável por todos os problemas sociais, sob pena de desvirtuar todas as ações e serviços de já disponibilizados à população, assim como dificultar o acesso aos demais usuários pois, se o paciente precisa “imediatamente” um determinado insumo que não está padronizado pela Rede Pública de Saúde, muitas vezes com gastos muito superiores aos similares disponíveis no SUS, muitos outros, em situação muitas vezes de mais urgência, não mais terão acesso aos serviços de que necessitam pois, conforme tem-se notícias freqüentes, um só medicamento corresponde ao tratamento de centenas de pacientes, o que demonstra total desproporcionalidade entre o direito coletivo e o individual.
Ressalte-se que a família tem seu papel claramente definido tanto na Constituição Federal como no Estatuto do Idoso, não sendo o Poder Público o único responsável para suportar todas as dificuldades dos usuários, sob pena de, em curto prazo, disponibilizarmos diversos serviços que não guardam relação com a prestação de serviços de saúde, sub-rogando o Poder Público o papel fundamental da família.
Não estamos aqui contestando a garantia constitucional de acesso ao Poder Judiciário, muito menos o mérito de suas decisões. Porém, é forçoso reconhecer a necessidade de mudança da ótica com que as ações judiciais na área de saúde são vistas, compreendendo que o direito à saúde deve ser garantido “mediante a adoção de políticas públicas de saúde”, conforme parte final do artigo 196, da Carta Constitucional, e não como um direito individual incontestável e erga omnes, sob pena de retirar os já insuficientes recursos financeiros do SUS para o tratamento privilegiado de poucos.