O inquérito penal de garantias, sigilo e direito à informação do investigado:

aspectos constitucionais e infraconstitucionais

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18/06/2014 às 16:56
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Do Instrumento do Mandato 

Para ter acesso aos autos é necessário o instrumento de mandato para habilitar o defensor do investigado afim de consultar ou fotocopiar conteúdo, diante do e art. 133[20] da CRFB/88 e art. 7, XIV[21] da lei 8.906/94? Teria então, esta lei, de mesma hierarquia revogado o art. 20 do CPP? 

O advogado do investigado para ter acesso aos autos deve apresentar que uma procuração para habilitá-lo a ter acesso à informação do conteúdo dos autos sob pena de indeferimento do requerimento, que a nosso ver deve ser fundamentada. 

Abrimos um parêntese para alertarmos que hodiernamente não temos visto anulação de indiciamento ou de qualquer indeferimento ou decisão de prisão em flagrante sendo anulada por falta de fundamentação, posto que as impugnações a esses temas ainda se respaldam sob o fundamento de ausência de forma ou de atribuição ou competência como se manifestam os tribunais, contudo falta pouco para que nessa realidade, quando as regras sobre a investigação ficarem mais claras, sobretudo a respeito dos atos investigatórios decisórios, como vimos que a própria legislação hodierna vem prevendo a fundamentação das decisões dos atos administrativos em procedimento inquisitorial conforme o art. 66, §4º da Lei 12.529/11, que entra em vigor em 28/05/2012

Já estamos nos deparando para a realidade de perda da eficácia coercitiva da prisão em flagrante, por ausência de representação pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva pela autoridade policial conforme art. 282, §2º e art. 310, II, ambos do CPP. Em outras palavras, quando a autoridade policial não representa pela conversão, alguns magistrados e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vêm entendendo que por ausência de representação pela prisão preventiva, e consequentemente da decisão de conversão da prisão em flagrante em preventiva enseja ilegalidade da prisão e como consequência tem concedido ordem em habeas corpus para decretar o relaxamento da prisão, como podemos observar no julgado abaixo:

HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADA PELO CRIME DE HOMICÍDIO NA FORMA TENTADA. PEDIDO DE RELAXAMENTO DE PRISÃODIANTE DA AUSÊNCIA DE DECISÃO CONVERTENDO A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA QUE MERECE SER ACOLHIDO. EVIDENTE ILEGALIDADE DA PRISÃO, EIS QUE INOBSERVADOS OS DITAMES DO ARTIGO 310 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, COM A NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 12.403/2011. INFORMAÇÕES DA AUTORIDADE COATORA DANDO CONTA QUE OS AUTOS ESTÃO COM VISTA AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA SE MANIFESTAR SOBRE A LIBERDADE DA PACIENTE. APLICAÇÃO, DE OFÍCIO, DA MEDIDA CAUTELAR PREVISTA NO ARTIGO 319, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, DEVENDO A PACIENTE COMPARECER AO JUÍZO MENSALMENTE PARA INFORMAR E JUSTIFICAR ATIVIDADES. ORDEM CONCEDIDA.PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL - 0005283-82.2012.8.19.0000 - HABEAS CORPUS - DES. LUIZ ZVEITER - Julgamento: 28/02/2012

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. HOMICÍDIO SIMPLES. PRISÃO EMFLAGRANTE DATADA DE 03 DE JULHO DE 2011. AUSÊNCIA DE CONVERSÃO EM PRISÃO PREVENTIVA. LEI 12.403/11. VIGÊNCIA A PARTIR DO DIA 04 DE JULHO DE 2011. RETROATIVIDADE DA NORMA PROCESSUAL FAVORÁVEL AO IMPUTADO. ARTIGO 2º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INOBSERVÂNCIA QUE GERA NULIDADE DA PRISÃO CAUTELAR. PRISÃO EMFLAGRANTE QUE SE EXAURE EM SI MESMA, NÃO HAVENDO POSSIBILIDADE DE SEUS EFEITOS SE PERPETUAREM SEM QUE SEJA SUBSTITUÍDA PELA PRISÃO PREVENTIVA, DECRETADA A REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, EM DECISÃO FUNDAMENTADA. ILEGALIDADE QUE IMPÕE O RELAXAMENTO DA PRISÃO. O novo desenho institucional das cautelares pessoais tem nítida inspiração constitucional e o tratamento da lei no tempo em semelhante hipótese também está regulado pela Constituição da República. Com efeito, o §1º do artigo 5º da Constituição da República estabelece que 'as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata'. Esta é, portanto, a disciplina legal da aplicação da lei no tempo sempre que a matéria regulada cuidar de direitos fundamentais, como é o caso. Assim, independentemente da questão de fundo sobre se a regra disciplina tema penal ou processual penal, basta que a lei nova regule o modo de implementação de direitos e garantias fundamentais para que a sua aplicação seja válida, imediatamente, para todos os atos e todos os processos, pendentes ou futuros. A regra da tradição do direito brasileiro consistente no tempus regitactum não é aplicável à incidência temporal das normas definidoras de direitos fundamentais, o que a larga experiência constitucional brasileira, acumulada desde 1988 já consagrou. Nestes termos, a lei reguladora do direito ao exame completo da legalidade da prisão pelo juiz e a intervenção prévia e obrigatória do Ministério Público para a decretação da prisão preventiva, nos moldes do processo acusatório, aplica-se retroativamente. Em outras palavras, a lei nova não se depara com obstáculo temporal e para ela vale a regra geral do inciso XL do artigo 5º da Constituição da República: 'a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.' Desse modo, independentemente da data da prisão em flagrante, a entrada em vigor da lei nova obriga o juiz a examinar a legalidade da prisão e demanda do Ministério Público que requeira a decretação da prisão preventiva, apontando na investigação criminal os elementos que sustentam a existência de eventual risco processual decorrente da liberdade do imputado. A nulidade da prisão do paciente resulta, pois, da inércia do Ministério Público, que não requereu a decretação da prisão preventiva do paciente logo após a prisão, no primeiro dia de vigência da lei nova, e da omissão judicial, caracterizada pela compreensível mas indevida recusa de aplicar a nova lei à prisão em flagrante anterior a ela. Da nulidade da prisão decorre o dever constitucional de a relaxar.QUINTA CAMARA CRIMINAL- - HABEAS CORPUS:0043451-90.2011.8.19.0000 - DES. GERALDO PRADO - Julgamento: 15/09/2011 - ORDEM CONCEDIDA.

Aduz ainda o Desembargador e jurista Geraldo Prado[22]: 

Vale salientar que a configuração constitucional que orienta o novoregramento, pela Lei nº 12.403/11, exige que a conversão da prisão em flagranteem prisão preventiva dependa da iniciativa do Ministério Público ou doquerelante (linhas atrás foi mencionada a objeção à atuação do assistente).

Por essa razão, nos processos em curso o juiz deverá relaxar a prisão doacusado imediatamente, na hipótese de o Ministério Público ou o querelante nãorequerer a conversão, indicando os fundamentos jurídicos de sua pretensãocautelar. Isso pode ocorrer em audiência ou no momento em que o juiz vier aexaminar o processo. 

Ora, se diante do escopo do garantismo penal, segundo o mestre (PRAGO, Geraldo, 2011), a representação da autoridade policial deve ser devidamente fundamentada, a contrario sensu, não a fazendo, fica vedado ao juiz deixar de converter a prisão em flagrante em preventiva, sob pena de estar indiretamente decretando-a de ofício, haja vista o magistrado teria que realizar o exame nos autos para encontrar a fundamentação da prisão, o que por via reflexa estaria realizando o mesmo exame de valor para a decretação da medida se o estivesse fazendo ex oficio, o que é vedado no sistema acusatório, fechando-se assim o parêntese, que ao nosso sentir, demonstra que hodiernamente a autoridade policial deve fundamentar os atos que coloquem o sujeito da investigação em posição jurídica de desvantagem.

O sigilo do inquérito policial busca salvaguardar a intimidade do investigado, resguardando-se, assim, seu estado de inocência, art. 5º, LVII da CRFB. O sigilo não se estende ao representante do Ministério Público, nem à autoridade judiciária.

Não há necessidade de decretação do sigilo do inquérito policial, por uma razão muito simples, a própria lei assim o dispõe no art. 20 do CPP. A regra da publicidade, que também comporta ressalvas, é uma garantia do Estado Democrático de Direito e, consequentemente do Devido Processo Legal, que está relacionada como regra geral e ao processo, conforme o art. 93, IX[23] da CRFB.

Em outras palavras a própria constituição prevê como caso de exceção a publicidade as hipóteses em que o caso venha a atingir outro direito constitucional da reserva da intimidade, que a toda evidência, o inquérito, apesar de não ser processo, está inserido na lista de situações em que a imagem do investigado, em regra, deva ser preservada.

Segundo Paulo Rangel o artigo 7.º, incisos XIV, da Lei nº. 8.906/94 não alcança o inquérito policial, pois “o caráter da inquisitoriedade veda qualquer intromissão do advogado no curso do inquérito.”[24]

Toda a celeuma sobre o acesso está justamente em conciliar o art. 93, IX, segunda parte da CRFB  c/c art. 20 do CPP e o art. 133 da CRFB c/c art. 7.º, XIV do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB)

Para conciliar estas normas o STF, em 02/02/2009 editou a Súmula Vinculante nº 14, na qual garante o acesso ao investigado às peças já documentadas para o exercício do direito de defesa.

Assim, diante de mais uma fonte formal e direta (mesma natureza de lei em sentido lato sensu), mister a análise do verbete da súmula vinculante que trata sobre o acesso à defesa aos procedimentos que estão sobre sigilo , in verbis:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.[25]

O resultado da análise das normas de que tratam o sigilo, intimidade e acesso a informação está exposto no informativo 548 do STF e vem sendo utilizado como paradigma para resolver questões desta natureza quando instada a suprema corte a se pronunciar sobre o tema, conforme Rcl[26] 12810 MC/BA – MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 28/10/2011. DJe-211 DIVULG 04/11/2011 PUBLIC 07/11/2011, na qual fazemos destacar:

(....) o Estatuto da Advocacia - ao dispor sobre o acesso do Advogado aos procedimentos estatais, inclusive àqueles que tramitem em regime de sigilo (hipótese em que se lhe exigirá a exibição do pertinente instrumento de mandato) - assegura-lhe, como típica prerrogativa de ordem profissional, o direito de examinar os autos, sempre em benefício de seu constituinte, e em ordem a viabilizar, quanto a este, o exercício do direito de conhecer os dados probatórios já formalmente produzidos no âmbito da investigação penal, para que se possibilite a prática de direitos básicos de que também é titular aquele contra quem foi instaurada, pelo Poder Público, determinada persecução criminal. (...) O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de investigação penal, mesmo que sujeita a regime de sigilo (necessariamente excepcional)(....).

Verifica-se, assim, que o STF, nos mesmos moldes que o STJ[27], vem preconizando entendimento que o advogado tem acesso aos elementos investigativos, desde que munido do instrumento de mandato e em nome do imputado (investigado indiciado ou não), como forma de conciliar o sigilo da investigação com o direito consagrado na constituição pelo art. 5º, LXII e LXIV da CRFB.

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Não é outro o entendimento da doutrina a respeito do tema. Segundo Norberto Avena[28],

Atente-se, contudo, que o acesso amplo assegurado pela referida súmula à defesa não é sinônimo de acesso irrestrito, devendo ser facultado ao advogado desde que não comprometa o andamento regular das investigações. Isto quer dizer que o direito que assiste ao advogado regularmente constituído pelo indiciado é o de acesso às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao inquérito, excluindo-se desta prerrogativa as informações e providênciasinvestigatórias   em execução e, por isso mesmo, ainda não documentadas no caderno policial, muito especialmente aquelas que, por sua própria natureza não possam ser divulgadas à defesa sob pena de comprometimento da respectiva eficácia.

Analisando de forma pormenorizada a súmula vinculante em comento, Aury Lopes Jr.[29], preconiza que ao tratar como direito do defensor o sigilo externo deve ser mantido, inclusive para os meios de comunicação.

Ao se referir “no interesse do representado” significa que o sigilo alcança, inclusive os demais investigados que não estejam representados pelo mesmo defensor, tratando-se de interesse jurídico e vinculado à plenitude de defesa.

A súmula também garante o acesso amplo, mas não alcança os atos investigatórios em andamento com interceptações telefônicas, mandados de prisão ou busca e apreensão deferidos pelo juiz, mas ainda não cumpridos.

Por fim, ao tratar da “competência de polícia judiciária” diz respeito a qualquer tipo de procedimento investigatório, como procedimentos da atribuição do Ministério Público, Central Parlamentar de Inquérito ou outro órgão que presida investigação preliminar.


O procedimento garantista do sigilo

O investigado não é um objeto do direito penal o processual penal, e conseqüentemente, objeto da investigação. O investigado é pessoa de cuja regra do jogo para as todas as pessoas no Estado Democrático de Direito é o respeito às liberdades públicas, sendo o objeto do direito penal e processo penal o fato.

Assim, a investigação tem como objeto o fato. O investigado é sujeito de direitos na investigação e suas garantias individuais devem ser resguardadas. Apesar do entendimento do STF de que no inquérito policial não haver contraditório e ampla defesa, o que ainda é questionável, isso significa dizer, que os demais direitos consagrados na Carta Magna também não sejam garantidos. Afinal, o inquérito policial não está alheio à Constituição da República e o principal sujeito do procedimento que deve resguardar essas garantias, sob pena de responsabilidade civil, criminal e administrativa é a Autoridade que a preside. Trata-se de uma atividade indelegável, por se tratar da essência da atividade finalística do Estado, a investigação exercida pelo Legislativo (CPI), Judiciário (Inquérito Penal Judicial), pelo Executivo (Inquérito Policial) ou Ministério Público (Inquérito Civil).

Nesta feita, ao investigado deve ser garantido o direito da reserva da intimidade, sob pena de se destruir a imagem e a intimidade dele, se ao final da investigação, ou até mesmo em seu curso, se descobrir, por exemplo, que tratava-se de uma notitia criminis caluniosa.

O sigilo deve ser visto como forma de garantir as informações do investigado a terceiros, inclusive a outros sujeitos, qualquer que seja a qualidade que ostentem no procedimento, ou seja, outro investigado, testemunha, advogados que não sejam constituídos pelo investigado etc.

A Constituição e o Código de Processo Penal, como normas gerais que são não regulamentam de que forma a Autoridade Policial deva garantir o sigilo, o que gera dificuldade prática de realizá-lo.

 Para falarmos da forma de se garantir o sigilo e sua extensão, tomemos por base o sistema do programa “delegacia legal” implementado na maioria das delegacias do Rio de Janeiro, mas o raciocínio que iremos desenvolver se aplica a qualquer procedimento do inquérito desenvolvido em qualquer delegacia do Brasil.

O sistema do “programa delegacia legal” não está preparada para esta forma de desenvolvimento das atribuições do Delegado de Polícia, especialmente a de proferir decisões e a de administrar o sigilo do inquérito policial.

Os anacronismos do sistema atual estão em questões simples. Por exemplo, o noticiante, vítima ou ofendido, ao registrar fato que evidentemente não constitui crime, por exemplo, o delegado de polícia deveria indeferir o requerimento, posto que trata-se de uma noticia crime postulatória ou qualificada, e na nossa atual realidade o “sistema” somente nos permite “suspender” o procedimento, o que ao nosso ver está equivocado e se está diminuindo o poder das autoridades policiais. Trata-se, pois, esta suspensão de uma decisão de indeferimento, no qual deve estar fundamentada.

Em se tratando de inquéritos mais complexos com diversos fatos, inúmeras testemunhas e inúmeros suspeitos, fica muito difícil controlar o acesso ao inquérito a um dos investigados que estiver constituído defensor em relação aos demais que não possuem advogado, ou são distintos.

Como separar os atos de investigação que dizem respeito a um dos investigados que não possui advogado ou o advogado é diferente um do outro e ao mesmo tempo resguardar o sigilo da investigação entre um e outro se o procedimento é um só? Como ouvir uma testemunha que tenha depoimento que comprometa um dos investigados de forma distinta e o fato tenha que ser resguardado um do outro?

Por exemplo, imaginemos uma empregada comum a um casal de investigados pelo crime desvio de proventos ou pensão do idoso, dando-lhe destinação diversa, conforme o art. 102 da Lei 10.741/03 que ouve os telefonemas com um terceiro comparsa na qual é amante do marido. Este depoimento, após documentada nos autos poderá ser acessado pelo advogado regularmente constituído da mulher. Como resguardar a reserva da intimidade do marido investigado sem comprometer a investigação, e ao mesmo tempo garantir o acesso a outro investigado, deste depoimento? Ainda que se entenda que não deve dar acesso ao advogado da mulher, como separar esta peça dos autos de forma legal?

São perguntas, de cujas respostas o sistema de persecução criminal e o da delegacia legal não estão preparados, ou quando estão, não possuem uniformidade procedimental, criando um verdadeiro embaraço e comprometendo a função da autoridade policial na presidência do inquérito policial.

A solução que vislumbramos é criar autos apartados e aplicar por analogia conforme permite o art. 3º do CPP, o art. 230-C, §2º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) e art. 8º da lei 9.296/96 e por fim, os art. 210 e 219, ambos do Código de Processo Penal Militar (CPPM), que está no Título XIII que trata das medidas preventivas e assecuratórias.

A similitude do tema é que em todos esses artigos mencionados ao tratar de medidas cautelares que tenham destinação e trâmite diferenciado ao dos autos principais, por razões óbvias devem tramitar em autos distintos, sempre com o escopo final de não causar prejuízo ao procedimento principal.

Vale destacar o art. 230-C, § 2º do RISTF, com grifo nosso:

Os requerimentos de prisão, busca e apreensão, quebra de sigilo telefônico, bancário, fiscal, e telemático, interceptação telefônica, além de outras medidas invasivas, serão processados e apreciados, em autos apartados e sob sigilo, pelo Relator. (Artigo acrescentado pela Emenda Regimental STF nº 44, de 02.06.2011, DJe STF 06.06.2011)

Apesar do artigo em comento resolver a questão legal das diligências sigilosas, não resolve como resguardar o sigilo entre investigados, no entanto nos socorremos do Art. 30, §§ 2º e 4º e art. 36, §4º, que estão no capítulo VI que tratam do “DO SIGILO E DA CONFIDENCIALIDADE DE INFORMAÇÕES E DOCUMENTOS”, da Portaria MJ nº 456, de 15 de março de 2010 que regulamenta as diversas espécies de processos administrativos previstos na lei do CADE, quando os requerentes precisam resguardar sigilo a terceiros ou entre diversos requerentes no mesmo procedimento com o fim de dar cumprimento a lei 8.884/94, mas que neste aspecto foi substituído pela lei 12.529/11 que falamos acima, que vale a pena elucidar, com grifo nosso:

Art. 33, § 2º Deferido o requerimento de confidencialidade, os documentos, objetos e informações serão juntados em autos apartados confidenciais.;§ 4º A juntada de documentos, objetos e informações em autos apartados confidenciais independe de despacho quando, por sua natureza, justificarem a adoção desse tratamento até que seja dada ao interessado oportunidade de se manifestar a respeito da confidencialidade.

Art. 36, § 4º Os requerentes poderão solicitar a autuação de informações e documentos em autos apartados, visando a preservar confidencialidade em relação ao outro requerente.

Insta salientar que não sugerimos a aplicação da Resolução CNMP nº 13/2006, que regulamenta o art. 8º da Lei Complementar nº 75/93 e o art. 26 da Lei nº 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, por não haver nenhum artigo que trate da hipótese que está sendo aventada no presente artigo.

Ademais, no que tange às Portarias ou Resoluções, por se tratar de ato administrativo discricionário da autoridade administrativa pelo qual a autoridade competente determina providência de caráter administrativo a seus subordinados, de cujos efeitos se produzem somente internamente aos órgãos da administração na qual ela está vinculada, não se pode falar em aplicação por analogia, por não se tratar de lei, mas no máximo ato normativo.

Sabemos que o inquérito policial no sistema delegacia legal possui um número relacionado ao registro de ocorrência, que fica o mesmo em se tratando de um registro da fato atípico, medida assecuratória de direito futuro, termo circunstanciado da lei 9.099/95, ou verificação da procedência da informação (VPI), ou seja instaurado o respectivo inquérito, em quaisquer dessas circunstâncias.

Para adaptá-lo ao sigilo nas circunstâncias acima aventadaspode ser mantido o número originário acrescido de uma numérica ou alfa após um dígito, por exemplo, 018-00000-01/2012 para atos apartados, como o termo de depoimento da empregada do exemplo acima e por letra, exemplo 018-00000-A/2012, quando se tratar de medida cautelar deferida, mas não cumprida, como busca e apreensão e mandado de prisão ou até mesmo as investigações em andamento como a interceptação telefônica.

Enquanto não há a mudança, é possível utilizar-se o que temos no sistema, o conciliando com as medidas cautelares no curso do inquérito, que também possuem natureza jurídica de incidente ao inquérito policial, ou seja, incidente procedimental, como ocorre no art. 8º da lei 9.296/96 e art. 210 e 219 do, ambos, CPPM, que tratam-se de cautelares incidentais ao processo, mas são medidas cautelares que também podem ser incidentais no inquérito.

Em outro giro as medidas cautelares são assim denominadas porque visam garantir a eficácia de um provimento final do procedimento principal. No caso do inquérito, as medidas cautelares autuadas em apartado, visam a eficácia do procedimento principal da investigação.

Assim sendo, para qualquer tipo de ato de investigação, que em razão do sigilo entre os investigados, devam ser preservados em separado, não nos resta alternativa mais segura do que a autuação em apartado.

Mas como realizar isso com um mesmo número de procedimento?

No procedimento principal, a autoridade policial determina de forma expressae fundamentadamente que determinado ato, por exemplo, o testemunho da empregada do exemplo acima, seja autuado em apartado, utilizando-se do procedimento da medida assecuratória de direito futuro, como uma medida a resguardar a eficácia da investigação, que visa uma ação penal futura, e posteriormente, neste mesmo registro de medida assecuratória,será despachado e autuado em apenso aos autos principais, resguardando, assim, eventual correição interna e ao mesmo tempo o controle externo exercido pelo Ministério Público.

Acaso se verifique que o ato de investigação já tenha sido praticado no procedimento principal, mas verifica-se, posteriormente, que deva ser autuado em separado, o Delegado de Polícia determina, por decisão fundamentada no procedimento principal, o registro de medida assecuratória, bem como o desentranhamento do ato e, após a retirada deste, juntar-se o ato no registro da medida assecuratória, apensando-a ao principal, também de forma fundamentada.

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Sobre o autor
Ruchester Marreiros Barbosa

Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal. Foi aluno especial do programa de Mestrado em Direito Penal e Criminologia (UCAM/RJ). Foi aluno do programa de doutoramento em Direitos Humanos (Universidad Nacional Lomaz de Zamora, Argentina) Ex Coordenador da Pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal da Universidade Estácio de Sá/RJ. Membro da Subcomissão do projeto de lei do Novo Código de Processo Penal na Câmara dos Deputados. Premiado 6 vezes consecutivas “Melhor Delegado de Polícia do Brasil”. Professor de Direito Penal, Processo Penal e Direitos Humanos. Autor de livros e artigos. Colunista do site Consultor Jurídico. Colaborador da Comissão de Alienação Parental da OAB-Niterói/RJ.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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