O inquérito penal de garantias, sigilo e direito à informação do investigado:

aspectos constitucionais e infraconstitucionais

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18/06/2014 às 16:56
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Conclusão e Sugestões

O Delegado de Polícia deve, acima de tudo, no feixe de suas atribuições, observar os princípios gerais do Direito, a começar pelos constitucionais penais e processuais penais, adotando-se um marco teórico para as suas decisões, compatíveis com o Estado Democrático de Direito, como a teoria do garantismo penal[30], pelo que nem mesmo a requisição do Ministério Público poderia fazer ultrapassar a ceara anterior da análise dos princípios gerais, por apego ao formalismo, cujos axiomas estão baseados em princípios anteriores aos da norma penal propriamente dita.

A Autoridade Policial exerce o controle jurídico dos elementos do inquérito e no âmbito do Direito Penal e Processual Penal, face ao seu lastro de poder decisório ab initio. Evidente que, dentro da sua autonomia funcional jurídica, realiza análise em juízo sumário ou de probabilidade das questões penais e processuais penais. Em se tratando de questão que deva ser analisada em juízo de certeza cabe ao Magistrado fazê-lo.

É com base neste sistema garantista e pertinente às atribuições da autoridade policial, as quais lhe exigem conhecimento jurídico para reconhecer esses axiomas, que na lição de Luigi Ferrajoli[31], nos posicionamos para análise de forma escalonada, do deferimento da instauração do inquérito até seu relatório final, dentre os 10 listados por ele, nos posicionamos pelos seis primeiros, in verbis:

Denomino de garantista, cognitivo ou de legalidade estrita o sistema penalo SG, que inclui todos os termos de nossa série, trata-se de um modelo-limite, apenas tendencialmente e jamais perfeitamente satisfatível. Sua axiomatização resulta da adoção de dez axiomas ou princípios axiológicos fundamentais, não deriváveis entre si, que expressarei, seguindo uma tradição escolástica, com outras tantas máximas latina:A1 Nullapoenasine crimine; A2 Nullumcrimensine lege; A3 Nullalex (poenalis) sinenecessitate; A4 Nulla Necessitas dine injuria; A5 Nulla injuria sineactione; A6 Nullaactiosine culpa; A7 Nullaculpa sine judicio; A8Nullum judicium sineaccusatione; A9 Nullaaccusatiosineprobatione; A10 Nullaprobatiosinedefensione.

O advogado para ter acesso aos autos do inquérito policial deve estar devidamente munido de procuração subscrita pelo investigado, cujo acesso deve ser restrito aos atos documentados pertinentes ao representado. Havendo outros investigados, as informações relativas aos demais não poderão ser fornecidas ao advogado que não tenha a procuração dos demais.

Quando o advogado vier acompanhando testemunha, o que acontece muito na prática, não poderá ter acesso aos autos, ainda que apresente procuração. Caso queira fazer juntada da mesma, o Delegado deve indeferir tal requerimento, nos moldes do art. 14 do CPP.

Em se tratando de vítima, deve-se analisar o caso concreto. Em princípio, ainda que constituam advogados por instrumento de mandato, não podem ter acesso, diante, da regra geral do art. 269 do CPP que veda, a contrario sensu, o assistente de acusação na fase da investigação. Porém, ao aprovar a Lei 11.680/08 alterando as disposições sobre a vítima ou ofendido no art. 201 e seus parágrafos do CPP e a Lei 11.719/08, incluindo no art. 387, IV do CPP a possibilidade da vítima exercer pretensão de natureza civil no processo penal, deixa evidenciado que a vítima ter maio relevância no âmbito da atividade jurisdicional, concedendo-lhe maior atividade no âmbito penal, tendo que no mínimo a ser informada dos resultados do processo em relação ao seu ofensor, não por sua faculdade, mas como dever do Estado-Juiz.

A toda evidência, o legislador quis avançar além do escopo jurídico do processo ou da jurisdição no âmbito penal, querendorealizar no mundo prático também o escopo pedagógico da jurisdição, distribuindo à comunidade social a resposta da aplicação da lei penal, alcançando também o escopo social da jurisdição, sendo este, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, Ada Pelegrini Grinover e Antônio Carlos de Araújo Cintra[32]:

A afirmação de que através da jurisdição o Estado procura a realização do direito material (escopo jurídico do processo), sendo muito pobre em si mesma, há de coordenar-se com a idéia superior de eu os objetivos buscados são, antes de mais nada, objetivos sociais: trata-se de garantir que o direito material seja cumprido, o ordenamento jurídico preservado em sua autoridade e a paz e a ordem na sociedade favorecidas pela imposição da vontade do Estado. O mais elevado interesse que satisfaz através do exercício da jurisdição é, pois, o interesse da própria sociedade (ou seja, do Estado enquanto comunidade).

Porém, deixamos registrado a título de sugestão, que os órgãos da Polícia Judiciária do Estado do Rio de Janeiro como forma de regulamentar o procedimento interno no sistema “delegacia legal”, normatizando os procedimentos no sistema de investigação penal, como fez o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao regulamentar no âmbito nacional o procedimento de garantia do sigilo das interceptações telefônicas.

Faz-se necessário também a aprovação da Lei Orgânica da Polícia de Investigação em âmbito nacional, que por sua vez, prevê o Conselho Nacional de Polícia de Investigação (CNPI), que faria no mesmo sentido que o CNJ a regulamentação do procedimento do sigilo nos autos do inquérito policial.

Sugerimos que não utilizemos o termo Polícia Judiciária porque as razões históricas de sua origem de cuja atribuição reporta a Lei 261, de 1841[33], bem como seu regulamento nº 120 de 31 de janeiro de 1842, não mais subsistem. No escólio de Ismar Estulano Garcia[34]:

Inicialmente os dirigentes das organizações de polícias eram selecionados entre magistrados. Com o passar do tempo, em razão das naturais dificuldades administrativas, foi sendo criada a organização policial desvinculada da magistratura, mas continuou a denominação “Polícia Judiciária”. Vale esclarecer que, em determinada fase da história do Brasil, existiram os Juízes Ordinários também conhecidos como “Juízes de Dentro”, ou “da terra”, e os “Juízes de Fora”, estes não residentes na localidade, mas designados para nela exercerem a função jurisdicional.

Essa era a razão da possibilidade de determinação da busca e apreensão pelo delegado, que nesse sistema completamente inquisitorial, ainda podia iniciar a ação penal, sendo o mesmo órgão responsável pelo julgamento.

Claro que a sociedade evoluiu e percebeu o efeito deletério de um sistema processual penal inquisitorial. Nesta feita, após a CRFB de 1988, as informações trazidas a baila pelo inquérito policial não servem para formar a opinio do juiz, mas sim do Ministério Público, o que não mais justifica um modelo de polícia com o nomen iuris de “Polícia Judiciária”, mas sim Polícia de Garantias, exercido pela figura da Autoridade de Garantias e não mais “Delegado”, pois não se trata mais de uma atividade “delegada” pelo Poder Judiciário como visto, e o exercício da Autoridade de Garantias se justifica por ser um poder finalístico do Estado-Garantidor, indelegável, frente a um Inquérito Policial Garantista[35].

Acreditamos que o tema de acesso aos autos da investigação preliminar e o seu sigilo está próximo de ser sedimentado, pois a súmula vinculante foi um passo importantíssimo para isso, porém, apenas o primeiro passo para os grandes questionamentos desta verdadeira norma jurídica editada pelo STF, diante de inquéritos complexos e o dinamismo inerente as investigações.


Notas

[1] Art. 103-A, § 3º - Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

[2]o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

[3] DUCLERC, Elmir, Direito Processual Penal, 3ªed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011

[4] GRINOVER, Ada Pelegrini; FILHO, Antônio Magalhães Gomes; FERNANDES, Antônio Scarance, Recursos no Processo Penal, 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 55

[5] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, Curso de Processo Penal, 15ªed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 886

[6]RDP,19/152/v89/2003, in JURIS SÍNTESE – DVD, Nov-Dez/2011

[7] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro, Processo Penal Esquematizado, 3ª ed. – Rio de Janei: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 1.156

[8] Idem, GRINOVER, Ada Pelegrini et al, Recursos no Processo Penal, p. 191

[9] Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;

[10]Art. 273. Do despacho que admitir, ou não, o assistente, não caberá recurso, devendo, entretanto, constar dos autos o pedido e a decisão.

[11] RANGEL, Paulo, Direito Processual Penal, 19ªed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 616

[12] Apud, DUCLERC, Elmir, Direito Processual Penal, 3ªed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 622

[13]Art. 315. O despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 5.349, de 03.11.1967, DOU 07.11.1967)

[14]Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 12.403, de 04.05.2011)

[15] Por todos, idem, TOURINHO, Filho, 1999; PACELLI, Eugênio, 2011; DUCLERC, Elmir, 2011; RANGEL, Paulo, 2011;

[16] Art. 5º. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - de ofício; II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. § 2º. Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de polícia.

[17] Art. 33, Parágrafo único. Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.

[18] FERNANDO DA COSTA, Tourinho Filho, Código de Processo Penal Comentado, 5ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p.34

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[19]Peças, geralmente de couro, com que se cobre os olhos dos animais lateralmente, forçando-os a olhar para frente. Disponível no site: http://www.dicionarioinformal.com.br/antolhos/, consultado em 23/03/2012

[20] Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

[21]Art. 7º. São direitos do advogado:XIV - examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;

[22]PRADO, Geraldo in Medidas Cautelares no Processo Penal. Prisões e suas alternativas.Comentários à Lei 12.403, de 04.05.2011, coordenado por Og Fernandes. São Paulo: Revista dosTribunais, 2011, p. 132-134.

[23] Art. 93, IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada ao inciso pela EC/45)

[24] RANGEL, Paulo, Direito Processual Penal, 19ªed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 92

[25]http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante, acesso em 15/02/2012

[26] No mesmo sentido, informativo 548 do STF, Rcl 8.225, 01.06.2009,

[27]Quinta Turma, HC 58.377-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 3/6/2008, citando precedentes do STF: HC 82.354-PR, DJ24/9/2004; HC 87.827/RJ, DJ 23/6/2006; do STJ: HC 88.104-RS, DJ 19/12/2007; HC 64.290-SC, DJ 6/8/2007, e MS 11.568-SP, DJ 21/5/2007.

[28] Idem, Processo Penal Esquematizado, p. 209 e 210.

[29] LOPES Jr, Aury, Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, V. 1, 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 312 e 313

[30] FERRAJOLI, Luigi, Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal, Tradutores Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002

[31] Idem, p. 74 e 75

[32] DINAMARCO, Cândido Rangel, CINTRA, Antônio Carlos de Araújo e GRINOVER, Ada Pelegrini, Teoria Geral do Processo, 23ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 147

[33]Lei nº 261 de 1841, art. 2º: “Os Chefes de Polícia serão escolhidos entre os Desembargadores e Juízes de Direito; os Delegados e Subdelegados, dentre quaisquer Juízes e cidadãos; serão todos amovíveis e obrigados a aceitar.”

[34] GARCIA, Ismar Estulano, Procedimento Policial: Inquérito, 8ª ed. AB-Editora: Goiânia, 1999, p. 9.

[35] Termo utilizado por TRINDADE, Daniel Messias da,  O Garantismo Penal e a Atividade de Polícia Judiciária, 1ª ed. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2012, p. 20

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Sobre o autor
Ruchester Marreiros Barbosa

Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal. Foi aluno especial do programa de Mestrado em Direito Penal e Criminologia (UCAM/RJ). Foi aluno do programa de doutoramento em Direitos Humanos (Universidad Nacional Lomaz de Zamora, Argentina) Ex Coordenador da Pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal da Universidade Estácio de Sá/RJ. Membro da Subcomissão do projeto de lei do Novo Código de Processo Penal na Câmara dos Deputados. Premiado 6 vezes consecutivas “Melhor Delegado de Polícia do Brasil”. Professor de Direito Penal, Processo Penal e Direitos Humanos. Autor de livros e artigos. Colunista do site Consultor Jurídico. Colaborador da Comissão de Alienação Parental da OAB-Niterói/RJ.

Informações sobre o texto

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